efetivação do direito ao ensino fundamental: uma

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Direito
EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO ENSINO FUNDAMENTAL:
UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
Divan Alves Tavares
Belo Horizonte
2006
Divan Alves Tavares
EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO ENSINO FUNDAMENTAL:
UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
Dissertação apresentada ao Curso de PósGraduação em Direito da Faculdade Mineira de
Direito da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em Direito.
Orientadora: Profa. Dra. Rita de Cássia Fazzi
Belo Horizonte
2006
T231e
Tavares, Divan Alves
Efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão
de justiça / Divan Alves Tavares. - 2006
151 f. ; il.
Bibliografia: f. 145-151
Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais, Faculdade de Direito, 2006.
“Orientação: Profa. Dra. Rita de Cássia Fazzi, Faculdade
de Direito”.
1. Direito à educação. I. Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais. II. Título.
CDD 379.26
Divan Alves Tavares
Efetivação do direito ao ensino fundamental: uma questão de justiça
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Direito.
Belo Horizonte, 2006.
____________________________________________________
Profa. Dra. Rita de Cássia Fazzi - Orientador (PUC-Minas)
____________________________________________________
Prof. Dr.
____________________________________________________
Prof. Dr.
A Deus, que me deu a vida.
Aos meus pais, pelo constante carinho e educação.
À querida Carla, cuja inteligência é uma referência para mim, pelos domingos e
feriados em que ficou sozinha para permitir que eu pudesse concluir esse curso.
Ao Júnior, Rosilene e Luciede, por existirem.
À querida Rita Fazzi, minha orientadora, pela paciência que sempre me dispensou.
A todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para esta conquista, em
especial meus caros amigos Gernan e Wanderson, e meu sogro, Deli Dias.
“Em caso algum a educação deve ser
depreciada, pois ela é o primeiro dos bens
que são proporcionados aos homens.”
Platão
RESUMO
O objetivo primordial desta dissertação é demonstrar que o direito à educação,
integrante do direito à vida, essencial para a formação humana, não está se
efetivando no sistema educacional brasileiro, apesar de todo o aparato normativo
existente; e apresentar mecanismos que permitam o acesso do cidadão ao Judiciário
a fim de concretizá-lo. Para demonstrar essa deficiência, foram utilizadas pesquisas
do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP/MEC) e do
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Inicialmente buscou-se
definir o significado do termo educação e a distinção entre educação e instrução
que, embora presente há séculos, encontra-se em plena decadência, pois, não há
como pensar educação sem instrução e instrução sem educação. Apresentamos a
concepção filosófica da educação, da Grécia Antiga até Kant, passando por Platão,
Aristóteles, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, John Locke e Rousseau.
Procurou-se demonstrar que a educação é um direito essencial para a sobrevivência
da espécie humana e. fundamental para a consolidação do Estado Democrático de
Direito. O Direito à educação e ao ensino fundamental tem natureza jurídica de
direito humano fundamental, de segunda geração, uma vez que é um direito social,
além de estar inserido no direito à vida. As normas constitucionais que o legitimam
são dotadas de aplicabilidade imediata, conforme posição da doutrina, e ainda,
estando constitucionalmente definido como um direito público subjetivo viabiliza-se a
sua exigência perante os que estão obrigados a oferecê-lo. Analisada a questão da
legislação infraconstitucional regulamentadora do direito constitucional ao ensino
fundamental, verificou-se ser ela ampla e bastante completa, a saber: Lei de
Diretrizes e Bases da Educação, Estatuto da Criança e do Adolescente e o Plano
Nacional Educação. Sendo eles, juntamente com a Constituição vigente,
fornecedores dos mecanismos aptos a contribuir para a efetivação de tal direito.
Abordam-se, por fim, os dados do INEP e SAEB que demonstram a não
concretização do direito ao ensino fundamental e as formas de buscar a sua
efetivação. Focando o papel das políticas públicas na formulação e implementação
deste direito e a responsabilidade da administração pública, que, em caso de
omissão ou insuficiência deve ser sanada através da ação do Poder Judiciário. Cabe
então ao Judiciário, em última instância, posicionar de forma a determinar a
formulação e implementação das políticas necessárias para este fim, quando
provocado, seja pelo Ministério Público seja por qualquer cidadão que se sinta
lesado no seu direito.
Palavras-chave: Direito à educação, efetividade.
ABSTRACT
The main goal of this paper is to demonstrate that the right to education, integrant of
the right to life, essential to the human formation, is not happening in the Brazilian
educational system, despite the whole existing normative apparatus; and to present
mechanisms that allow for the citizen's access to the Judiciary Power in order to
make it real. In order to demonstrate this deficiency, Studies National Institute
researches and Educational Researches were used (INEP/MEC) and the ones of the
National System of Evaluation of the Basic Education (SAEB). The term education
meaning was initially sought to define and the distinction between education and
instruction which, although having been present for centuries, is now in full
decadence, as one cannot think of education without instruction and of instruction
without education. We present the philosophical conception of education, from the
Old Greece up to Kant, passing by Plato, Aristotle, Saint Augustine, Saint Thomas of
Aquinas, John Locke and Rousseau. We tried to demonstrate that education is an
essential right for the survival of the human species and fundamental for the
Consolidation of the Democratic State of Right. The Right to education, especially the
right to fundamental learning, has juridical nature of fundamental human right, of
second generation, once it is a social right, besides being inserted in the right to life.
The constitutional rules that legitimate it are endowed of immediate applicability,
according to the doctrine position, and yet, being constitutionally defined as a
subjective public right, its exigency before the ones that are obliged to offer it should
be met. The regulating infraconstitutional legislation matter of the right to the
constitutional right to the fundamental learning being analyzed, it was verified that it is
wide and very complete, namely: “Lei das Diretrizes e Bases da Educação, Estatuto
da Criança e do Adolescente e o Plano Nacional Educação” (Education Guidelines
and Bases law, Child and Teenager Statute and the National Education Plan). They
are, together with the Constitution in effect, suppliers of the mechanisms able to
contribute to the accomplishment of such a right. Finally, INEP's Data and SAEB that
demonstrate the non materialization of the right to fundamental learning and the
forms of seeking its accomplishment are approached. Focusing the role of the public
policies in the formulation and implementation of this right and the responsibility of
the public administration, which, in case of omission or inadequacy, should be healed
through the Judiciary Power action. The Judiciary Power, then, as a last resource,
should act in a way as to determine the formulation and implementation of the
necessary policies for this purpose, when requested, be it by the Public Ministry, be it
by any citizen that has felt harmed in their right.
Key-words: Right to education, effectiveness.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................
12
2 A EDUCAÇÃO ................................................................................
16
2.1 O SIGNIFICADO DO TERMO........................................................................
16
2.2 EDUCAÇÃO E INSTRUÇÃO - O DILEMA ....................................................
18
2.3 PARA QUE EDUCAR? ..................................................................................
21
3 AS BASES FILOSÓFICAS DO DIREITO À EDUCAÇÃO ..............
25
3.1 OS SOFISTAS E A EDUCAÇÃO...................................................................
25
3.2 A PAIDÉIA GREGA .......................................................................................
27
3.3 A EDUCAÇÃO PLATÔNICA .........................................................................
31
3.4 A EDUCAÇÃO ARISTOTÉLICA....................................................................
34
3.5 A CONCEPÇÃO CRISTÃ DA EDUCAÇÃO ..................................................
35
3.6 JOHN LOCKE................................................................................................
37
3.7 JEAN-JACQUES ROUSSEAU ......................................................................
39
3.8 KANT .............................................................................................................
41
4 A EDUCAÇÃO NA FORMAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO
DE DIREITO .......................................................................................
46
4.1 EDUCAÇÃO E CIDADANIA ..........................................................................
46
4.2 A DEMOCRACIA E A EDUCAÇÃO...............................................................
48
4.3 ESTADO DE DIREITO ...................................................................................
51
4.4 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ...................................................
54
4.5 O DIREITO À EDUCAÇÃO COMO EXIGÊNCIA DO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO.............................................................................
57
5 O DIREITO À EDUCAÇÃO .............................................................
61
5.1 A EDUCAÇÃO COMO DIREITO À VIDA ......................................................
63
5.2 A EDUCAÇÃO COMO DIREITO NATURAL .................................................
65
5.3 A EDUCAÇÃO E OS DIREITOS HUMANOS ................................................
66
5.3.1 Outras normas internacionais sobre a educação ..................................
70
5.3.1.1 Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais ..
70
5.3.1.2 Pacto de San Salvador...........................................................................
72
5.4 DIREITO À EDUCAÇÃO NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS................
72
5.4.1 A Constituição de 1988 e o direito ao ensino fundamental ...................
76
5.4.1.1 Eficácia e aplicabilidade ........................................................................
79
5.5 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.......................................
82
5.6 LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL .....................
87
5.7 PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO ...........................................................
90
5.8 DIREITOS INERENTES AO DIREITO AO ENSINO FUNDAMENTAL..........
93
5.8.1 Direito à merenda escolar.........................................................................
94
5.8.2 Direito ao material escolar e ao transporte.............................................
95
5.8.3 Direito à qualidade do ensino ..................................................................
96
6 DA EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO ENSINO FUNDAMENTAL .... 100
6.1 A EDUCAÇÃO BRASILEIRA ........................................................................ 103
6.1.1 Os indicadores da educação brasileira ................................................... 110
6.1.2 Analfabetismo no Brasil ........................................................................... 118
6.2 A EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO ENSINO FUNDAMENTAL POR MEIO
DE POLÍTICAS PÚBLICAS ................................................................................. 125
6.3 A EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO ENSINO FUNDAMENTAL POR VIA
JUDICIAL............................................................................................................. 130
6.3.1 Meios judiciais de acesso à educação .................................................... 134
6.3.2 O papel do Ministério Público na defesa do direito ao ensino
fundamental ........................................................................................................ 138
7 CONCLUSÃO.................................................................................. 142
REFERÊNCIAS .................................................................................. 145
12
1 INTRODUÇÃO
A educação, pela sua importância, há muito se tornou um tema de discussão
amplo, abandonando os limites daqueles profissionais ligados diretamente a ele, e
atingiu, de forma necessária e oportuna, posição de destaque nas esferas sociais e
políticas, ganhando espaço e gerando profundos debates na sociedade civil e nos
meios de comunicação. Há algum tempo, a sociedade brasileira vem reivindicando
um melhor sistema de ensino, que ofereça uma educação direcionada para a
formação intelectual e profissional dos jovens deste país, mudando o quadro
desalentador em que se encontra hoje o sistema educacional brasileiro.
Por ser um tema pouco explorado na área do Direito, ainda incipiente
enquanto ramo especifico - direito educacional -, encontramos dificuldades de fontes
de pesquisa para elaborarmos o estudo. Buscamos, contudo, demonstrar que o
conceito de educação vai muito além do que o ato de instruir, ou de simplesmente
ensinar a ler e a escrever, mas trata-se de formar o homem na sua integralidade,
preparando-o para uma vida autônoma.
O certo é que não se pode pensar em educação como um simples processo
colocado à disposição da sociedade. A educação é responsável pela continuidade
dos valores acumulados durante a existência humana, seus erros e seus acertos.
Tirar dos jovens este bem é o mesmo que condená-los ao vazio. É interromper o
processo de evolução da humanidade, iniciado há milhares de anos, e que vem se
acumulando, se enriquecendo e se desenvolvendo de geração em geração.
A Constituição de 1988 trouxe inúmeros desafios para a sociedade brasileira,
dentre eles a garantia do acesso às políticas sociais públicas, indistintamente. Esse
13
dever constitucional passa certamente pela efetivação do direito à educação, base
para a compreensão de todos os outros. A Carta Magna estabelece ser a educação
um direito de todos e dever do Estado e da família, dando ênfase ao ensino
fundamental, elevando-o a direito público subjetivo, in verbis:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e a
qualificação para o trabalho.
...........................................................................................................
Art. 208. [...]
§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
A descoberta da importância do ensino fundamental como alicerce na
formação intelectual e profissional dos indivíduos, implica no reconhecimento da
necessidade
de
uma
atuação
mais
efetiva
daqueles
que
receberam,
constitucionalmente, o dever de zelar por este direito fundamental.
Nesse sentido, entendendo a relevância dada pelo constituinte à educação,
em especial ao ensino fundamental, de forma a regulamentar os ditames
constitucionais, o legislador infraconstitucional elaborou a Lei n. 8.069/90 (Estatuto
da Criança e do Adolescente), a Lei n. 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da
Educação) e o Plano Nacional da Educação - Lei 10.172/01.
Para viabilizar e integrar este direito/dever, cabem ao Estado dois grandes
papéis: elaborar e cumprir as leis. Do ponto de vista do legislador, supõe-se
suficientes os diversos instrumentos normativos existentes; do ponto de vista da
execução pesa sobre o Estado a responsabilidade por não conseguir implementar as
políticas públicas necessárias para atingir os objetivos propostos pelo legislador e os
mandamentos legais. As conseqüências da omissão estatal ficam evidentes ao se
avaliar o analfabetismo: apesar de decrescente a curva do analfabetismo tradicional,
14
há, contudo, uma curva inversa do analfabetismo funcional, cuja origem está num
sistema educacional de baixa qualidade.
A educação demonstrou ser tema fascinante, complexo e por vezes
angustiante. Buscou-se inicialmente uma fundamentação teórica capaz de jogar luz
sobre ela, seu significado, o dilema entre educação e instrução, os motivos de se
educar e as diversas concepções filosóficas a respeito do tema. Assim, a primeira
parte deste trabalho conterá abordagens sobre o conceito de educação, enfocando a
dificuldade de defini-la, os seus diversos significados, e demonstrando que a cada
período da história, de acordo com o contexto da época, há um significado diferente.
As concepções filosóficas da educação, abordada nessa primeira parte, busca
resgatar a educação do ponto de vista filosófico, tendo como marco inicial a Grécia
Antiga e os seus principais filósofos, passando pela concepção cristã até chegar a
Kant.
A segunda parte abordará a importância da educação na consolidação do
Estado Democrático de Direito, relacionando o tema à cidadania e à democracia. A
efetivação do Estado Democrático de Direito tem como condição precípua a
implementação de um sistema educacional público, de qualidade e universal, capaz
de formar cidadãos autônomos e conscientes de seus direitos e deveres perante a
sociedade.
Na terceira parte, o direito à educação é analisado desde a sua origem,
enquanto direito natural, passando a direito do indivíduo presente em diversas cartas
internacionais de direitos humanos, e, por fim, a sua consolidação nas Constituições
enquanto direito fundamental. Há uma abordagem quanto ao atual panorama
legislativo voltado para educação, o que se revela bastante e suficiente. Por força da
objetividade, limitamo-nos a aprofundar a discussão no direito ao ensino
15
fundamental, destacando os direitos que lhe são inerentes: direito à merenda
escolar, direito a material escolar, direito ao transporte escolar e direito ao ensino de
qualidade.
Por fim, é focalizado o panorama atual da educação brasileira, os seus
indicadores e o que se pode deduzir deles. O analfabetismo e as suas faces, a
distorção entre analfabetismo tradicional e funcional, resultado da educação
ministrada hoje, pois não basta garantir o acesso e a permanência do aluno na
escola, é necessário que o ensino seja oferecido com qualidade.
São apresentados caminhos possíveis para a efetivação do direito ao ensino
fundamental; as políticas públicas enquanto instrumento de diagnóstico e escolha
das ações que podem ser implementadas pela Administração Pública. Outro
caminho, ainda pouco explorado pela sociedade, é a intervenção judicial, no controle
e fiscalização das políticas públicas, antes ou depois de sua realização, apesar de
ausente a previsão constitucional que legitime, de forma inconteste, a atuação do
Poder Judiciário voltada para tal finalidade é perfeitamente cabível como será
demonstrado.
Por fim, identificam-se instrumentos jurídicos disponíveis aos titulares desse
direito para garantir sua efetivação e as ações judiciais próprias para a recompô-lo.
A escassa literatura existente sobre o tema dificultou a elaboração deste
trabalho, mas não diminuiu em nada o prazer de escrever sobre o direito à
educação, assunto fascinante e envolvente. Abrem-se assim, quem sabe, horizontes
para que a sociedade encontre o caminho para efetivar tão importante direito, e na
educação consiga bases e valores para uma convivência mais justa. Este ideal será
concretizado quando o aparato legal e jurídico existente for colocado a serviço deste
propósito, e a sociedade assim entender verdadeiramente.
16
2 A EDUCAÇÃO
2.1 O SIGNIFICADO DO TERMO
Logo no início deste trabalho já se encontra uma difícil tarefa: dar à educação
um significado. A dificuldade ocorre em virtude da amplitude do tema, pois a
educação ultrapassa os limites de uma área específica do conhecimento. Não há um
significado, há significados. Historiadores, filósofos, educadores, juristas, sociólogos,
todos têm algo a dizer a respeito da educação.
O conceito de educação, por longo tempo, foi afetado pela influência do
Nativismo e do Empirismo. O primeiro entende que a educação era tão-somente a
exteriorização dos conhecimentos interiorizados; o segundo considera a educação
como o conhecimento adquirido pela experiência. Além dessa antiga polêmica entre
nativismo e empirismo, nos ensina Muniz que:
o termo educação tem sido usado, ainda, com uma infinidade de
significados, por toda a história, quanto aos seus objetivos e funções; ora
mais amplo, designando tudo aquilo que se pode fazer para desenvolver o
potencial humano; ora mais restrito, limitando-se a determinado aspecto,
definindo-a como um processo de instrução, especialização, etc. (MUNIZ,
2002, p. 8).
No aspecto etimológico, segundo Souza (1996), o verbo educar origina-se dos
termos latinos educere e educare. O primeiro significa extrair, tirar, desenvolver,
retirar as potencialidades do interior do indivíduo, ou seja, considera que o
desenvolvimento do homem depende de si próprio, da sua dinâmica pessoal. O
segundo termo compreende o processo de transmissão de informações, objetivando
desenvolver as capacidades físicas e intelectuais do indivíduo, para que o ser
17
humano se integre social e individualmente no ambiente em que vive.
A interpretação de Orlando Soares sobre educação é:
A influência intencional e sistemática sobre o ser juvenil, com o propósito de
formá-lo e desenvolvê-lo em sentido amplo, consiste na ação genérica de
uma sociedade sobre a geração mais jovem, com o fim de conservar e
transmitir a existência coletiva. Tecnicamente, educação é o processo de
desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do
ser humano em geral, visando a sua melhor integração individual e social
(SOARES, 1998, p. 658).
Para Diniz (1998, p. 264) educação é “ação ou efeito de desenvolver,
gradualmente, as faculdades intelectuais, espirituais, físicas e morais do ser humano
[...]”.
O Miniaurélio, dicionário da língua portuguesa, de Aurélio Buarque de
Holanda Ferreira, dá ao termo educar o seguinte significado:
1. Ato ou efeito de educar (-se). 2. Processo de desenvolvimento da
capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral.
3. Civilidade, polidez (FERREIRA, 2004, p. 172).
Há ainda que se destacar o conceito sociológico de educação, na visão de
Durkheim, sociólogo francês que viveu no fim do século XIX e início do século XX,
que acreditava ser a educação capaz de transformar o homem em sua inteireza,
moldá-lo de acordo com a forma que demanda o corpo social. Tinha como falso o
argumento de que a educação trabalhasse o corpo e a inteligência de sujeitos soltos,
desancorados de seu contexto social, acreditando ser a educação uma prática social
que, por meio da inculcação de tipos de saber, reproduz tipos de sujeitos sociais.
Segundo Durkheim, a educação é:
A ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se
encontram ainda preparadas para a vida social; tem por objeto suscitar e
desenvolver na criança certo número de estados físicos, intelectuais e
morais reclamados pela sociedade política no seu conjunto e pelo meio
especial a que a criança, particularmente, se destina (DURKHEIM, 1983, p.
42).
Se a educação é considerada um tema difícil de ser abordado, defini-la é mais
18
complexo ainda. Encontrar um significado perfeito, ideal, apropriado a todos os
homens e a todas as sociedades, é uma tarefa hercúlea. O significado do termo é
variável de acordo com a sociedade e a época. Afirma Durkheim (1955) que, na
Grécia a educação levava o indivíduo a obedecer cegamente à coletividade e a se
tornar parte dela. Hoje o que se busca, na maioria das sociedades, é fazer com que
o homem seja sobretudo um ser autônomo.
A origem dicotômica do termo educação permite entendê-lo como a
transmissão do saber por parte de alguém ou de algo para outrem, de tal forma que
ocorra o desenvolvimento e o afloramento das potencialidades natas do educando. A
educação deve permitir que o individuo se torne um cidadão digno, capaz de
alcançar seus objetivos pessoais, para isso é necessário que se transmita valores
morais e éticos como justiça, verdade, solidariedade e honestidade, ingredientes que
permitirá a formação do caráter, além da formação técnica e intelectual.
Retornando à discussão entre conceito amplo e conceito estrito, o mais
acirrado de todos é aquele que distingue educação de instrução, estabelecendo uma
dicotomia entre eles, assunto que será abordado a seguir.
2.2 EDUCAÇÃO E INSTRUÇÃO - O DILEMA
Os dois termos, educação e instrução, freqüentemente entendidos como
sinônimos, embora guardem semelhanças, apresentam peculiaridades que os
distinguem. Para Savater (1998) a diferença é: a educação tem como escopo a
orientação para a formação do jovem integralmente, com base em valores morais,
cívicos e éticos, preparando-o para alcançar seus objetivos pessoais e para a
19
convivência social de forma harmônica; a instrução, por sua vez, seria a
capacitação do jovem para realizar tarefas básicas, técnicas, necessárias para o
trabalho.
Tal divisão, considerando a educação no sentido da intelectualidade, da
nobreza dos conhecimentos, do preparo para a vida da reflexão e de comando na
sociedade, e considerando a instrução como uma preparação para o trabalho, a
execução de tarefas menos “nobres” e a subordinação, teve início na Grécia e
permanece viva na sociedade, especialmente na brasileira. Pode-se atribuir a
gênese dessa distinção ao período final do helenismo1, quando havia uma profunda
separação na sociedade grega. Até mesmo as pessoas encarregadas de instruir os
jovens gregos eram diferentes, de acordo com a pretensão da formação. Para
promover a educação, confiava-se a criança ao pedagogo. Pessoa de total confiança
no núcleo familiar, ele era primordial na formação dos “cidadãos”2 gregos, que iriam
se dedicar à vida política na pólis. A instrução era confiada ao professor, pessoa de
segundo nível. Dentro da hierarquia funcional do ensino, a sua incumbência era
preparar o jovem na formação técnica, que se constituía principalmente no ensino da
aritmética, voltado sobretudo para a produção, e que era normalmente exercida
pelos escravos e artesãos.
Hoje, em pleno século XXI, quando a sociedade é cada vez mais complexa,
no campo do trabalho exigem-se pessoas que, além de capacidade técnica, tenham
capacidade de interação, tomada de decisões, análises conjunturais profundas,
entendimento da legislação, que consigam avaliar comportamentos humanos, enfim,
1
No fim do século IV a.C., inicia-se a decadência das cidades estados, até a perda total de sua
autonomia. A cultura helênica, no entanto, se funde às civilizações que a dominam, formando o
helenismo.
2
Cidadão grego era a pessoa pertencente a um seleto grupo, do qual não faziam parte as
mulheres, os escravos e os estrangeiros.
20
que possuam um conhecimento além do técnico. Tudo isso torna a velha discussão,
como diz Savater (1998, p. 58), “obsoleta e muito enganosa”. Segundo ele,
Ninguém se atreverá a afirmar seriamente que a autonomia cívica e ética de
um cidadão possa se forjar na ignorância de tudo o que é necessário para
ele desempenhar profissionalmente; e o melhor preparo técnico, carente do
desenvolvimento básico das capacidades morais ou de uma mínima
disposição de independência política, nunca formará pessoas integras, mas
simples robôs assalariados. Acontece, além do mais, que separar a
educação da instrução é, além de indesejável, impossível, pois não se pode
educar sem instruir e vice-versa (SAVATER, 1998, p. 58).
É no mesmo sentido que Tedesco, citado por Savater, faz suas
considerações:
A capacidade de abstração, a criatividade, a capacidade de pensar de
forma sistêmica e de compreender problemas complexos, a capacidade de
se associar, de negócios, de concertos e de empreender projetos coletivos
são capacidades que podem ser exercidas na vida política, na vida cultural
e na atividade em geral (TEDESCO apud SAVATER, 1998, p. 62)
Segundo Savater há no imaginário de grande parte da sociedade a idéia de
que a formação da pessoa na sociedade moderna tem de ser cada dia mais técnica,
o que é primordial para se conseguir um lugar de destaque no meio social,
capacitando o cidadão para ganhar dinheiro, enquanto a educação, no sentido de
formação ideológica, de caráter ético, está ultrapassada e não serve para mais nada.
Esta é a lógica daqueles que defendem a formação mais tecnicista, analisa a
formação do homem enquanto instrumento de capacitação para o acúmulo puro e
simples de capital. Em sentido oposto, encontram-se educadores e filósofos, como
Paulo Freire e Rodlen.
Freire (1967) defendeu duramente uma educação que tivesse como objetivo a
formação de uma consciência livre, capaz de tornar o jovem partícipe do processo
de aprendizagem, pois só assim ele conseguiria ser livre de fato. Para Rodhen
(1979), o processo de formação do homem não pode ser determinado e realizado
para um único fim, “o ideal seria que um homem tivesse 100% de educação e 100%
21
de instrução; que fosse mestre em ciência e mestre na consciência”.
O desejo da sociedade é que a escola transmita à criança a sua herança
social, os valores morais e espirituais nela contidos. A demanda hoje é pela escola
que forme cidadãos, homens livres, com uma educação que liberta. Isso somente
será conseguido quando se formar a capacidade crítica do aluno. Aquele que instrui
tem de ser o que educa; aquele que educa tem de ser o que instrui.
Portanto, a dicotomia entre educação e instrução encontra-se superada, pois
é impossível instruir sem educar e educar sem instruir. Como leciona Savater (1998),
o que deve haver é a formação visando o pleno desenvolvimento das faculdades
inerentes ao homem, buscando a plenitude física, moral e intelectual, capaz de leválo a alcançar seus objetivos, formando-o técnica e intelectualmente. O que importa
de fato, muito além do nome, é o que é realmente feito; o necessário é ensinar a
aprender, nos dizeres de Jaime Balmes citado por Savater (1998, p. 61), “formar
fábricas e não armazéns”.
2.3 PARA QUE EDUCAR?
A complexidade do tema direito à educação traz à tona inúmeros
desdobramentos. É possível definir o que é educação? Para que educar? É
realmente necessário educar? O que a educação agrega à vida humana? A
finalidade da educação é tornar o homem verdadeiramente livre ou ela deve ser
guiada no sentido de manter a coesão social? O que pensavam os filósofos da
Antigüidade a respeito da educação? Qual a origem do direito à educação? No Brasil
o direito à educação está efetivado? Quais os direitos a ele inerentes? Quais os
22
meios que os destinatários da educação têm para concretizá-lo? O Judiciário tem
instrumentos legais para intervir na sua realização?
São indagações que, algumas delas, vêm sendo feitas ao longo dos séculos,
com profundos debates promovidos pelos filósofos no sentido de se chegar a
algumas conclusões definitivas, e que serão tratadas no próximo capítulo. Antes,
porém, faz-se mister tentar definir o “para que educar?”.
Graham Greene, citado por Savater (1998, p.29), afirma que “ser humano
também é um dever”, e completa Savater, “se é um dever, cabe inferir que não se
trata de algo fatal ou necessário [...] deve haver, pois, quem nem sequer pretenda
ser humano, que o tente mas não o consiga [...].”.
O homem diferentemente, dos outros animais, consegue ir além dos seus
limites biológicos impostos pela natureza; ele aprimora suas potências e adquire
outras desenvolvidas a partir daquelas. Isso o torna homem. A humanidade,
definitivamente, não é uma carga genética passada de geração em geração pelo
vínculo biológico. Ela é adquirida com o aprendizado.
Nesse sentido, John Passmore, também citado por Savater faz a seguinte
observação:
O fato de todos os seres humanos ensinarem é, em muitos sentidos, seu
aspecto mais importante: o fato em virtude do qual, e diferentemente de
outros membros do reino animal, podem transmitir as características. Se
renunciassem ao ensino e se contentassem com o amor, perderiam a
característica que os distingue. (PASSMORE apud SAVATER, 1998, p. 37).
O homem, por natureza, é um ser inacabado que, durante toda a sua vida,
adquire novos conhecimentos, às vezes os transforma e amplia, e também os
transmite, se contagiando e sendo contagiado pelos outros, chegando à idade adulta
ainda aberto aos saberes e com possibilidades de ensinar. É essa possibilidade
constante de aprendizado, de exercício mental, de inter-relacionamento, de
23
transformação do conhecimento adquirido em novos conhecimentos, que o faz
homem. Segundo Savater (1998, p. 44), “a chave da humanidade está na
capacidade
racional
de
observar,
abstrair,
deduzir,
argumentar,
concluir
logicamente”.
A educação tem também a capacidade de dar característica única a cada
sociedade, pois nenhuma delas renuncia ao seu direito de ensinar; ao contrário,
cada uma define a educação de acordo com os seus critérios, pois é através dela
que a sociedade mantém vivos seus costumes, suas tradições, sua história. Assim,
nem sempre o que se entende como ideal educacional em uma sociedade pode ser
considerada para outra. A educação é a correia transportadora que conduz de uma
geração a outra os seus costumes e os seus saberes, aperfeiçoando-os e
transformando-os. Brandão afirma que “Cada sociedade carrega consigo no seu
imaginário o ideal de homem e busca através da educação a transformação de
sujeitos e mundos em alguma coisa melhor” (BRANDÃO, 2005, p. 74).
Juan Delval citado por Savater analisa a educação no sentido de que pensar
educação é também pensar o homem enquanto ser histórico, o seu papel na
natureza e nas relações sociais. “Uma reflexão sobre os fins da educação é uma
reflexão sobre o destino do homem, sobre o lugar que ele ocupa na natureza, sobre
as relações entre os seres humanos” (DELVAL apud SAVATER, 1998, p. 62).
Quando o homem é colocado diante de indagações complexas que não têm
respostas imediatas, ou quando as respostas não são satisfatórias, recorre à
filosofia. Não podia ser diferente neste estudo: buscou-se na filosofia da educação e
do direito as bases para compreensão da educação, a sua importância para o
homem e para a construção de uma sociedade democrática, averiguando a evolução
do direito do homem à educação na história do pensamento filosófico. Com tal
24
propósito foram selecionados os filosófos mais expressivos e sobre eles assentadas
as justificativas do direito à educação, integrante do direito à vida. Na busca de
respostas, o capítulo seguinte trata das bases filosóficas da educação.
25
3 AS BASES FILOSÓFICAS DO DIREITO À EDUCAÇÃO
A educação sempre fez parte das preocupações das sociedades, da mais
primitiva à mais complexa. Conseqüentemente, tornou-se também objeto de reflexão
dos filósofos ao longo da história. A importância dada ao tema é devida à sua
relevância para o homem, à manutenção da vida, à manutenção da sociedade, à
preservação do direito à liberdade e à igualdade. Enfim, tudo passa pelo processo
educacional.
Platão, Aristóteles, os sofistas, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino,
Locke, Rousseau e Kant, dentre outros. dedicaram longas horas de estudo sobre a
educação e a sua importância para o homem.
3.1 OS SOFISTAS E A EDUCAÇÃO
Sofistas vem de sophos, palavra grega que significa sábio, ou melhor, professor
de sabedoria. Segundo Aranha (1989) era o nome dado aos educadores gregos que
viveram no período clássico e romperam com os filósofos da época pela sua forma de
ensinar e pelo conteúdo do ensino. Isócrates, Protágoras de Abdera, Hipodamos foram
os principais sofistas que revolucionaram a Grécia do século V a.C.
O ensino dos sofistas era marcado pelo desprestígio da filosofia clássica, que,
na época, tinha como referência Sócrates, Platão e Aristóteles, e era voltada
principalmente para as questões da moral e da ética. Foi marcante sua atuação para
a democracia do ensino superior na Grécia Antiga: passaram a cobrar pelos
26
ensinamentos que ministravam e fundaram escolas para todos que tivessem
condições de pagar. Segundo Brandão (2005), eles profissionalizaram a função e
exigiram a remuneração.
No contexto da época, momento pelo qual passava a Grécia, a democracia
era incipiente, os cidadãos gregos participavam das decisões da cidade por meio
das assembléias, o que exigia uma boa retórica. Os sofistas então deram grande
ênfase ao ensino dessa arte, preparando os cidadãos para que tivessem uma
participação relevante, com grande poder de convencimento. Tudo isso causou um
grande fascínio nos jovens gregos, que passaram a buscar nas escolas dos sofistas
o aprendizado da persuasão por meio do discurso.
Aos sofistas é atribuída, em grande parte, a mudança no sentido do ideal
grego de educação, a Paidéia, que, até então, significara educação de crianças,
passou a ser também a formação contínua do adulto, tornando-o capaz de pensar
por si mesmo a cultura do seu tempo. Protágoras, famoso sofista, dizia que “o
homem é a medida de todas as coisas, isto é, para o homem as coisas são aquilo da
forma que eles vêem, o conhecimento depende das circunstâncias em que se
encontra e varia de acordo com as situações” (MUNIZ, 2002, p. 15).
Isócrates, um dos principais sofistas, fundou em Atenas uma escola onde se
ensinava, sobretudo, a retórica, e foi o grande debatedor do sentido da educação, da
sua finalidade e do seu conteúdo. Os sofistas criticavam abertamente a busca da
verdade desinteressada e a ciência autêntica, de caráter objetivo e universalmente
válido, que entendiam como algo ultrapassado e sem valor para a época. Tal
posição, segundo Aranha (1989) lhes rendeu grande polêmica com Platão, que
ironizava a educação sofista cuja finalidade era ensinar a enganar, que usava o
raciocínio capcioso e de má-fé.
27
O objetivo primordial da educação, para os sofistas, era proporcionar a
felicidade e o triunfo ao indivíduo (OS PENSADORES, 1999, p. 38) ??????.
3.2 A PAIDÉIA GREGA
A educação grega representou um salto na sociedade ocidental, mormente no
que se refere a teorias e métodos educacionais, tendo sido, mesmo após a
colonização romana, difundida para todas as colônias do Império Romano,
influenciando muitos países existentes na época. Todas as cidades importantes do
Oriente, da África e do mundo romano em expansão se adaptaram aos seus
costumes, construíram bibliotecas, ginásios, teatros, etc. Afirma Aranha (1989) que a
tradição educacional grega foi tão importante e tão profunda que até hoje perdura na
sociedade moderna.
A Paidéia, como era chamado o ideal grego de educação, surgiu por volta do
século V a.C. e constituía, no início, apenas uma forma de educar as crianças. Com
o decorrer do tempo, Paidéia passa a ter um novo significado: o sentido de formação
harmônica do homem para a vida na pólis. É como se a mesma palavra significasse
também a “cultura, tradição, literatura, educação” (BRANDÃO, 2005, p. 38).
Não há no vocabulário nenhuma palavra que signifique o que realmente os
gregos entendiam por paidéia, segundo afirma Jaeger, helenista alemão, citado por
Aranha (1999), até porque o seu significado foi sendo adaptado ao longo dos
tempos. A obra da Paidéia é a formação do homem, a sua transformação em
cidadão maduro, capaz de servir à sua cidade, tanto na guerra quanto na política. O
educador Carlos Rodrigues Brandão diz que o ideal de educação do povo grego
28
consistia em:
reproduzir uma ordem social idealmente concebida como perfeita e
necessária, através da transmissão, de geração em geração das crenças,
valores e habilidades que formavam um homem tão mais perfeito quanto
mais preparado para viver na cidade a que servia (BRANDÃO, 2005, p. 44).
Esse ideal de educação foi sendo construído pela sociedade grega
simultaneamente com a construção da própria sociedade. Evoluíram juntos. Mais
tarde, quando a Grécia já se encontrava em plena decadência política, no chamado
período helenístico (final do século IV e início do século III a.C.), a Paidéia se “torna
Enciclopédia, ou seja, educação geral, que consiste na ampla gama de
conhecimentos exigidos para a formação do homem culto” (ARANHA, 1989, p. 41).
A educação sempre foi questão de interesse do povo grego. Os
questionamentos filosóficos a respeito da educação como “Para que educar? Como
educar?” foram os impulsos e o alimento das reflexões filosóficas educacionais que
viriam a ser desenvolvidas com muito êxito.
Desde o período homérico (séculos XII a VIII a.C.), a Grécia se destacava em
relação às demais comunidades da época, e esse período é o marco inicial de uma
evolução que servirá de referência para vários povos. O período homérico tem este
nome em referência a Homero, pois, mesmo não havendo uma confirmação
contundente de sua existência, conforme cita a professora Aranha (1989), a ele é
atribuída a autoria das epopéias Ilíada e Odisséia, que serviram de norte na
educação dos jovens guerreiros gregos até o século IV a.C.
O século IV a.C. marca o rompimento definitivo da sociedade grega com o
mítico, que até então predominava na Grécia. A partir daí nasce a filosofia, assim
ensina Aranha (1989), alguns autores chamam de “milagre grego” essa passagem
do pensamento mítico para o racional e filosófico. Hoje, porém, há pesquisadores
29
afirmando que essa passagem não se deu de forma tão repentina, mas foi sendo
construída ao longo dos anos. A razão autônoma assume a concepção do homem e
assim nasce um processo educacional necessário à formação do novo homem
grego.
Com as demandas desse novo homem, surge também a necessidade de
outra educação. A escola que já existia desde o período homérico assume o papel
da formação do cidadão grego voltado para a pólis. Mesmo assim, persiste a
diferenciação dos educandos em relação ao padrão econômico. A escola se mantém
elitizada, servindo somente aos filhos dos que detinham um certo poder econômico e
buscavam uma formação mais apurada. Os filhos dos pobres, por sua vez, recebiam
apenas uma preparação para aprenderem um ofício. O próprio termo escola, na sua
origem grega, representa o lugar reservado para uma casta da sociedade, nas
palavras de Maria Lúcia Aranha:
Na sociedade escravagista grega, o ócio digno significa a disponibilidade de
gozar do tempo livre, privilégio daqueles que não precisam se preocupar
com a própria subsistência, não por acaso, a palavra grega para escola
(scholé) significa inicialmente - o lugar do ócio (ARANHA, 1989, p. 50).
A Grécia do século IV a.C., embora constituída de diversas regiões, não
constituía uma unidade política Savater (1998). Havia diversas formas de
constituição
da
sociedade,
diferentes
em
cada
região.
A
educação,
conseqüentemente, era também diferenciada em cada uma delas. Destacam-se
nesse período duas regiões: Esparta e Atenas.
Em Esparta, cidade-estado, onde muito antes da era dos filósofos gregos
(século IV a.C.) já existia uma ampla organização educacional, havia a preocupação
com a formação do guerreiro espartano, sem que com isso se abstivessem da
formação moral. O objetivo, porém, era formar guerreiros. A educação em Esparta
30
se destaca, de acordo com Aranha (1989) por dois motivos: a organização do
sistema educacional, que a partir do século IX a.C., com o legislador Licurgo, é
ministrada de forma pública e gratuita, e a preocupação com a mulher, nada comum
para a época.
As crianças permanecem com a família até os sete anos, quando o Estado
passa a oferecer uma educação pública e obrigatória. Vivem em
comunidades constituídas por grupos que se formam de acordo com a
idade, supervisionados pelos que se distinguem no desempenho das
tarefas exigidas. Como todos os gregos, os espartanos desenvolvem o
estudo de música, canto e dança coletiva (ARANHA, 1989, p. 51).
Atenas ainda hoje serve de referência como símbolo da filosofia e da
democracia, e é considerada o berço da educação. Segundo Tucides (século V
a.C.), citado por Aranha (1989, p. 51), Atenas foi “a escola de toda a Grécia”. É em
Atenas que se dá a formação do “cidadão” da pólis. E, apesar das limitações
impostas por uma sociedade escravagista, representou um marco político para todas
as sociedades que se constituíram após a democracia grega. O cidadão ateniense
participava diretamente das decisões tomadas na cidade. Para que isso ocorresse,
eram preparados intelectualmente, aprendendo a falar em público, se expressar com
clareza, construir um raciocínio lógico, atributos essenciais para a participação
efetiva nos destinos da cidade. Sendo assim, houve a necessidade de uma
educação apropriada para a formação desse novo homem que não tinha mais a
responsabilidade de defender a cidade dos invasores, mas sim, a defesa dos
destinos da pólis numa luta de idéias.
A educação ateniense era ministrada à criança no início de sua infância. Aos
sete anos de idade o homem já era retirado da família e encaminhado para receber
as primeiras lições. Quanto à mulher, diferentemente da sociedade espartana, era
encaminhada para o Gineseu, onde se dedicava aos afazeres domésticos.
O processo educacional na antiga Atenas era dividido em três níveis:
31
elementar, secundário e superior. O nível elementar era para o jovem até os treze
anos de idade, ao fim do qual os mais pobres eram encaminhados para aprenderem
um ofício, e os filhos dos que tinham melhores condições financeiras continuavam
seu aprendizado no ginásio. A discriminação em razão da classe social era tão
evidente que Sólon, legislador grego da época, fez o seguinte pronunciamento,
conforme citação de Aranha:
As crianças devem, antes de tudo, aprender a nadar e a ler; em seguida, os
pobres devem exercitar-se na agricultura ou em uma indústria qualquer, ao
passo que os ricos devem se preocupar com a música e a equitação, e
entregar-se à filosofia, à caça e à freqüência aos ginásios (SOLON apud
ARANHA, 1999, p. 53).
A educação superior era oferecida tanto pelos sofistas quanto pelos filósofos,
especialmente Platão e Aristóteles.
3.3 A EDUCAÇÃO PLATÔNICA
Filósofo grego (428-347 a.C.), discípulo de Sócrates, ateniense aristocrático
por descendência familiar, Aristocles, conhecido como Platão, elaborou sua teoria
pedagógica
numa
época
de
extrema
efervescência
cultural
em
Atenas.
Contemporâneo do sofista Isócrates, sofreu deste duras criticas sobre a importância
da filosofia.
Platão em A República (1996), livro VII, elabora sua teoria educacional,
expondo-a de forma simbólica por meio de uma parábola, A Alegoria da Caverna.
Para ele, o mundo perceptível é o mundo sensível, este mundo, ou seja, o mundo
sensível, é apenas uma sombra do mundo das idéias, lugar da essência imutável de
todas as coisas, dos verdadeiros modelos ou arquétipos.
32
Na parábola A Alegoria da Caverna, alguns homens ficam acorrentados desde a
infância dentro da caverna, dispostos um do lado do outro, de costas para a entrada. À
sua frente está o fundo da caverna, onde só vêem as sombras das coisas que passam
às suas costas, onde há uma fogueira. Se eles se soltassem todos, a princípio sua
visão ficaria ofuscada e nada conseguiriam enxergar. Com o tempo, acostumados ao
brilho da luz, poderiam vislumbrar melhor a realidade. Assim é o aprendizado: o saber é
a luz que contagia, a princípio ofuscando, porém, ao se acostumar com ela, enxergamse as belezas do mundo. Se apenas um deles se soltar e sair da caverna para observar,
deve então voltar e contar para os demais a existência de uma realidade exterior. Essa
é a missão do filósofo. Afinal, ele conseguiu enxergar a luz do conhecimento; e
conhecer, para Platão, significa atingir a concepção do Bem e despertar para o mundo
das idéias. O conhecimento, entretanto, não vem de fora para dentro, mas do esforço
de cada um em buscar a verdade.
Na análise proposta por Platão (1996), o homem acorrentado representa
aquele individuo comum preso às suas paixões, e só alcança um conhecimento
imperfeito da realidade, restrito ao mundo dos fenômenos, no qual as coisas são
meras aparências e estão em constante fluxo. Ele se encontra totalmente dominado
pelas amarras da ignorância, não consegue ver a perfeição da realidade. Cabe ao
filósofo conduzir os homens comuns, incapazes de sozinhos encetarem essa
caminhada até o mundo ideal.
A República é uma obra política e, como tal, representa um pensamento
político. Platão segue o mesmo raciocínio quando analisa o Estado; nesse mundo
ideal há também um Estado ideal, sem família e sem propriedade, governado pelos
que têm capacidade intelectual aguçada.
A educação tem um papel singular na filosofia platônica, segundo Muniz (2002,
33
p. 21) “não porque a reconhecia como um direito do homem, mas porque somente ela
poderia propiciar a felicidade ao indivíduo e o bem-estar para o Estado”.
Seguindo esse princípio, sistematizou a educação como de responsabilidade
do Estado e oferecida a todos indistintamente. No entanto, não da mesma forma
para todos, mas de acordo com a capacidade intelectual de cada um, que deve
contribuir para as tarefas da pólis, sendo preparado adequadamente para a função
que for exercer.
O filósofo grego dividia a educação em três fases: bronze, prata e ouro. A
cada fase seria realizada uma seleção antes de se passar à nova fase. Todos
entrariam em igualdade de condições, não havendo privilégios em razão da origem.
No primeiro corte, os chamados homens de alma de bronze seriam
encaminhados para o aprendizado das tarefas mais básicas, como a agricultura e os
ofícios da cidade. Em seguida, haveria o segundo corte, no qual ficariam os homens
de alma de prata, a quem seriam ensinadas e confiadas tarefas consideradas um
pouco mais dignas ou complexas do que as confiadas aos primeiros. Os homens de
alma de prata seriam responsáveis pela segurança da cidade. No terceiro corte, por
fim, ficariam os homens de alma de ouro, a quem seria reservado o lugar mais nobre
da sociedade, o exercício do poder. A eles seria confiado o destino dos povos da
cidade.
Platão defendia claramente a aristocracia, porém, diferente da até então
conhecida, em que o poder era hereditário, passando de pai para filho. Na sua
concepção, o poder deveria ser exercido pelos mais sábios, a chamada sofocracia3.
Exerceu, na sua época, grande influência na educação ateniense. Dizia-se
discípulo de Sócrates, cuja existência, no entanto, é duvidosa, pois muitos creditam
3
Sofocracia etimologicamente significa: poder da sabedoria.
34
à sua mente a criação da figura do mestre. Fundou a Academia, centro de formação
de filósofos, onde teve como discípulo Aristóteles, que mais tarde questiona a teoria
de Platão e funda o Liceu.
3.4 A EDUCAÇÃO ARISTOTÉLICA
Aristóteles, nascido na cidade de Estagira, iniciou seus estudos filosóficos na
Academia de Platão, em Atenas, com o qual estudou por duas décadas. Ao sair,
fundou sua própria escola, o Liceu. Antes, porém, foi incumbido de ser o preceptor
de Alexandre Magno, futuro imperador da Macedônia.
Rompendo com os ensinamentos de Platão, Aristóteles desenvolveu seu
próprio sistema filosófico, criticando o idealismo platônico e fundando sua teoria com
base no realismo. Para desenvolvê-la apoiou-se em dois elementos - a matéria e a
forma - para explicar o ser. A matéria é passiva, contendo as virtualidades da forma
em potência; a forma é o princípio inteligível, a essência comum aos indivíduos de
uma mesma espécie.
A finalidade da educação aristotélica é ajudar o homem a alcançar a sua
plenitude que já existe enquanto potência, é a busca da verdadeira essência
humana. A criança se educa pela observação das ações dos adultos, e com base
nesse modelo, ela age da mesma forma. Essa é a maneira aristotélica de
transmissão de conhecimento, pela observação e repetição das ações dos outros.
A principal obra de Aristóteles, no que se refere à educação, é A Política
(1998). Nela ele elabora o ensaio de uma teoria educacional que busca nas ações
do Estado a formação de cidadãos livres, capazes de destinar todo o seu tempo
35
para este fim, ou seja, o estudo. Desta forma ele exclui os que se ocupam com o
trabalho. Valorizando assim o que ele chama de ócio digno.
O mais alto propósito do homem, afirmava ele, é levar uma vida racional em
pensamento e conduta, pois a causa final do homem é a felicidade. No entanto, isso
dependeria de uma conduta moral e moderada, e dos bons costumes, sem
excessos, cabendo ao Estado, através da educação, promover esse bem-estar do
cidadão (DURANT, 1942, p. 103).
3.5 A CONCEPÇÃO CRISTÃ DA EDUCAÇÃO
Na Antigüidade e na Era Clássica, o Estado sempre teve uma posição
superior à do homem, a quem restou ser um bom indivíduo, e submisso àquele.
Com o surgimento do Cristianismo, mudou consideravelmente essa percepção, não
mais sendo o homem instrumento de manutenção do Estado e passando a ter
projeto próprio. O Cristianismo se ancora, como bem afirma Teobaldo Santos, na
busca da felicidade eterna do homem.
Nessa concepção, o indivíduo é colocado como perfeição máxima da
natureza, contendo em si, ao mesmo tempo, as perfeições de todos os
seres que lhe são inferiores e a perfeição específica ou própria de sua
racionalidade. Nesta racionalidade de natureza espiritual se alicerça o
conceito de personalidade. Somente o homem possui uma personalidade
livre e autônoma, e direitos e deveres impostergáveis (SANTOS, 1951, p.
61).
Ao homem cabe aprimorar-se para atingir a perfeição moral; o que o envolve família, sociedade e Estado - são os meios que lhe permitirão alcançar seus
objetivos. À educação cabe a tarefa de prepará-lo para a vida terrena e espiritual.
São Tomás de Aquino citado por Muniz (2002) afirma que a educação é uma
36
atividade que torna realidade aquilo que é potencial. E ainda: “a educação é o meio
para atingir o ideal da verdade e do bem, superando as dificuldades interpostas
pelas tentações” (AQUINO apud MUNIZ, 2002, p. 53).
A Patrística, filosofia dos padres da Igreja, que se caracteriza pela defesa da
fé e conversão dos não-cristãos, dominou o pensamento do Cristianismo durante a
Idade Média. Essa filosofia era ensinada pelos educadores chamados de
escolásticos, cujos principais membros foram Santo Tomás de Aquino e Santo
Agostinho.
O termo escolástico, cuja origem etimológica é scholasticus, “significa
professor das artes liberais; depois também professor de filosofia e teologia,
oficialmente chamado de magister” (ARANHA, 1989, p. 70).
Destaca-se dessa Escola a obra De Magistro, de Santo Tomás de Aquino,
ensinando que a Deus cabe a verdadeira missão de ensinar: “Parece que só Deus
ensina e deve ser chamado de Mestre” (AQUINO, [13--], p. 53) Todo o
conhecimento existe potencialmente no homem; com o auxilio de Deus, único
mestre, o educando é capaz de expô-lo e concretizá-lo através da racionalidade.
Ambos os filósofos cristãos admitem que a educação é o meio pelo qual o homem
faz sobressair todo o conhecimento já existente internamente. Toda a escolástica
tem por base que, através da razão, o homem conseguiria externar o potencial nele
contido, cujo objetivo é torná-lo capaz de atingir a felicidade eterna.
Ensina Santo Agostinho que “o bem objetivo, único capaz de proporcionar à
natureza humana a felicidade perfeita, é Deus. A razão, secundada pela revelação,
mostra o caminho que se deve seguir para alcançá-lo” (SANTO AGOSTINHO apud
MARCONDES, 1998, p. 111).
37
3.6 JOHN LOCKE
John Locke (1632-1704), intelectual inglês, representante dos interesses
burgueses, teve relevante interesse pelas mazelas humanas. Certo de que é no
intelecto humano que se encontra toda fonte de certeza, buscou conhecê-lo de
forma mais aprofundada para saber quais seus limites e suas possibilidades.
Locke está entre os filósofos empiristas, assim chamados em virtude de
abrirem espaço para a ciência junto à filosofia, valorizando a experiência como fonte
de conhecimento. Destaca-se pela Teoria das idéias e pelo seu postulado da
legitimidade da propriedade, inserido em sua Teoria social e política. Para ele, o
direito de propriedade é a base da liberdade humana, “porque todo homem tem uma
propriedade que é a sua própria pessoa” (LOCKE, 1998, p. 84). O governo existe
para proteger esse direito.
A principal preocupação de Locke foi, contudo, combater a doutrina difundida
por Descartes, sobre a existência de idéias inatas na mente do homem. Para Locke,
a mente humana era como uma folha em branco, que receberia impressões através
dos sentidos a partir das experiências do indivíduo, não trazendo, desde o
nascimento, idéias como a de “extensão”, de “perfeição”, dentre outras, como
pretendia Descartes.
Entendia que as faculdades do homem estão à sua disposição no mundo
exterior, que não existem idéias inatas, todas derivando da experiência em suas
formas de sensação e reflexão (LAMANA apud MUNIZ, 2002, p. 28). O empirismo,
segundo ele, é a forma pela qual o homem constrói o seu intelecto, mas usando a
própria vontade.
38
Pode-se afirmar que a educação teve grande importância no pensamento
lockeniano, tanto no que se refere ao indivíduo como na sua importância para a
formação da sociedade, o que é fundamental para a vida organizada. Segundo o
filosofo, a educação é essencial para o homem, determinando seu futuro como
gênio, deficiente ou medíocre. A formação da personalidade humana se dá pela
capacidade de apreensão dos dados obtidos pela experiência e reflexão e sua
transformação em idéias complexas. Quando ele afirma que a mente humana é
como uma folha em branco ou como uma tábua rasa, não significa que o homem é
ignorante em tudo; a razão natural lhe é inerente, porém transformá-la em algo
concreto somente é possível através da educação.
Em Dois tratados sobre o governo, Locke afirma que a educação é essencial
na formação de uma nova sociedade, observando:
Se o que eu disse no início deste discurso for verdadeiro, como não duvido
que seja, a saber: que a diferença encontrada nas maneiras e habilidades
dos homens é devida mais à sua educação do que a qualquer outra coisa,
temos razões para concluir que há de ser tomado muito cuidado em formar
as mentes das crianças e dar-lhes cedo aquele tempero que influenciará
toda a sua vida posterior. Pois que quando eles fizerem o bem ou o mal, o
mérito ou a culpa será lá assentada; e quando qualquer coisa for feita
impropriamente, aplicar-se-lhes-á o dito comum de que tal é devido à sua
criação (LOCKE, 2000, p. 165).
Enquanto as propostas de educação do burguês eram apresentadas pelos
autores do século XVIII como novidade para a época, Locke já trazia no século XVII
questões importantes no que se refere à formação do cidadão. Sendo assim, pode-se
afirmar que, ao forjar uma idéia de sociedade no século XVII, Locke mostra uma forma
para que a sociedade possa assimilar o que ele propõe, ou seja, a educação do homem
por meio de um projeto moral com pressupostos do liberalismo por ele defendido.
Assim como a fortaleza do corpo repousa principalmente sobre o ser capaz
de suportar as privações, o mesmo ocorre com a da mente. O grande
princípio e fundamento de toda virtude e valor está colocado nisto: que um
homem seja capaz de negar a si mesmo seus próprios desejos, contrariar
suas próprias inclinações, e seguir puramente o que a razão indica como
39
melhor, embora o apetite incline-se em outra direção (LOCKE, 2000, p. 165166).
Defesa da razão, pensamento político e questões sobre religião estão ligados
como um todo coerente em seu pensamento, ou Teoria da educação. Se a
educação é vital para a formação do homem, se sem ela a mente humana é uma
tábua rasa, entende-se que somente através dela é que se pode formar cidadãos
livres, autônomos, conscientes. Há uma inteira dependência da educação com a
própria vida humana, na concepção lockeniana.
3.7 JEAN-JACQUES ROUSSEAU
Rousseau (1712-1778), influente filósofo no pensamento educacional,
produziu diversos trabalhos nos quais valorizou de forma destacada o homem no
seu estado natural. Para ele, a educação é uma forma de proteger as crianças
contra a má influência que vem da sociedade, é a forma de garantir que não sejam
contaminadas
pela
perversidade
social.
Até
que
estejam
completamente
desenvolvidas, não mais podendo destruir-lhes a natureza interior, é necessário que
as crianças tenham uma proteção: a educação.
A educação é o meio de proteção, o meio de defender a criança contra a
influencia da sociedade, a qual deformaria o desenvolvimento natural de
seu verdadeiro eu. Ao mesmo tempo em que idolatra Rousseau um estado
ideal, que seja não escravidão, e sim liberdade e valorização do indivíduo
humano, imagina também uma educação natural, em que o discípulo não
seja oprimido pelo mestre, mas simplesmente auxiliado em desenvolver a
sua humanidade originária. (FROST, [19-], p. 222-223).
O filósofo, nas suas obras, a começar pelo O discurso sobre a Origem da
Desigualdade entre os Homens (1762), propõe o retorno ao estado de natureza, no
qual o homem vivia em harmonia, e que a sociedade lhe tomou, transformando-o em
40
um ser corrupto.
Posteriormente, no Contrato Social, Rousseau (1999) propõe a solução dos
problemas do homem, reconhecendo que, como não há mais condições de ele retornar
ao estado de origem, ou de natureza, deve fazer da sociedade uma aliada e não uma
inimiga. Caberá ao homem uma nova fase: redescobrir a integridade perdida.
A educação, centro da proposta de Rousseau, é o meio pelo qual se formará
o cidadão, que fará parte da vontade geral, formadora do Estado. Caberá a esse
homem, formado nas bases educacionais novas, viver na sociedade criada pelo
contrato social. Segundo Wulf, citado por Monteiro Rousseau foi
protagonista do processo de emancipação histórica que culminou na
Revolução Francesa, 1789, fonte principal da Declaração Universal dos
Direitos do Homem e do cidadão, autor da primeira tentativa de fazer dos
direitos próprios da criança o ponto de partida da educação.
[...]
Foi também o precursor maior do direito do homem a educação, sob o
ângulo da sua legitimidade. Lê no Emile toda uma abordagem ético-jurídicopolitica da educação como poder de configuração do homem pelos homens,
onde se encontram já os elementos do direito à educação (WULF apud
MONTEIRO, 2006, p. 74).
A finalidade do Estado, segundo Rousseau, é a garantia dos direitos naturais
do homem, principalmente da liberdade e da igualdade. Há, contudo, um plus para
os homens com o contrato social, pois eles continuam com as garantias de serem
livres e iguais, e têm seus direitos assegurados, ao contrário do estado natural,
quando tinham a liberdade mas nenhuma garantia.
A educação, na concepção do autor, é o meio pelo qual o homem conquista
novamente os direitos de liberdade e igualdade suprimidos pela sociedade.
Em Emilio ou Da Educação (1992), um clássico, uma das mais belas obras de
filosofia educacional já publicadas, destacam-se duas passagens em que o filósofo
faz belas referências sobre a educação:
41
Nascemos fracos, precisamos de força; nascemos desprovidos de tudo,
temos necessidade de assistência; nascemos estúpidos, precisamos de
juízo. Tudo o que não temos ao nascer, e de que precisamos adultos, é nos
dado pela educação. Na ordem natural, sendo os homens todos iguais, sua
vocação comum é o estado de homem; e quem quer que seja educado para
esse, não pode desempenhar-se mal dos que com esse se relacionam. Que
se destine meu aluno à carreira militar, à eclesiástica ou à advocacia pouco
me importa. Antes da vocação dos pais, a natureza chama-o para a vida
humana. Viver é o oficio que lhe quero ensinar. Saindo de minhas mãos, ele
não será, concordo, nem magistrado, nem soldado, nem padre; será
primeiramente homem. Tudo o que um homem deve ser, ele o saberá, se
necessário, tão bem quanto quem quer que seja; e por mais que o destino o
faça mudar de situação, ele estará sempre em seu lugar (ROUSSEAU,
1992, p. 15).
Que a autoridade moral seja a única a refrear os maus instintos - não por
punições, reprimendas e demonstrações forçadas de conceitos morais mas pela sua simples presença, pelo poder de irradiação que só o Bem
possui! Mas não vos descuideis também de aliar a esse exemplo moral um
constante incentivo ao desenvolvimento da inteligência, porque a terra do
futuro deve se constituir de homens fundamentalmente bons, mas
igualmente com grande capacidade mental, que se traduz na lucidez de
enxergar o universo, com suas leis físicas e morais, e de contribuir
eficazmente para a imensa e infindável obra da Criação! (ROUSSEAU,
1992, p. 78).
3.8 KANT
Um dos mais importantes filósofos do século XVIII, de marcante influência na
história do pensamento, não teve como objeto central de suas reflexões a educação,
porém, nas suas obras mais clássicas ele atribui uma determinada importância ao
tema, principalmente em A Crítica da Razão Pura (1999), na qual ele desenvolve a
critica do conhecimento.
Nessa obra Kant retoma o debate entre os racionalistas, representados por
Descartes, e os empiristas, representados por Bacon e Locke. Ao examinar a
insuficiência das duas posições, elabora uma teoria que investiga o valor dos nossos
conhecimentos a partir da critica das possibilidades e limites da razão (ARANHA,
1989, p. 123).
42
Kant vai de encontro a ambas as teorias, refutando os empiristas, que
acreditam que o conhecimento vem dos sentidos, pela experiência, e contestando os
racionalistas, que afirmam que o conhecimento vem de nós mesmos. Segundo ele,
não é nem uma coisa nem outra. Nos ensina Aranha (1989) que no pensamento
kantiano há um conhecimento a priori, anterior à própria experiência, cuja verdade já
é certa; ele é a síntese dos conteúdos particulares dados pela experiência e pela
estrutura universal da razão. O conhecimento experimental é um composto do que
se recebe por impressões e do que a própria faculdade de conhecer de si mesmo
tira por ocasião de tais impressões. A certeza da verdade absoluta é dada ao
homem pelo espírito, órgão sempre em atividade, que transforma os fatos da
experiência em ordenada unidade de pensamento.
No entanto, entende que nem tudo pode ser percebido pela razão, que o
indivíduo não pode conhecer as realidades que não se oferecem à sua experiência
sensível, aquelas questões metafísicas não acessíveis ao conhecimento humano.
Em A crítica da Razão Pura, afirma que não é possível o conhecimento
absoluto; que há um conhecimento a priori, de valor imensurável para o homem.
Quando faz referência à moral, discorre que agir moralmente é agir por dever, que a
ação tem uma validade objetiva e universal, comum a todo ser racional, e aconselha
Kant (1999) a agir de modo que a máxima da tua ação possa sempre valer ao
mesmo tempo como princípio universal de conduta.
Dessa constatação, afirma Aranha (1989), resulta que o agir moralmente é
uma luta constante entre as inclinações individuais e a lei universal. O homem que
age moralmente, assim o faz porque é autônomo e livre no seu ato de vontade. Por
que ele age assim? Porque o homem é o único ser capaz de determinar as suas
ações de acordo com leis definidas racionalmente. “Para que seja possível a vida
43
moral autônoma, porém, é preciso partir do pressuposto da liberdade da vontade”
(ARANHA, 1989, p. 124).
O agir moralmente pressupõe que o homem seja livre e autônomo na sua
vontade, e para isso é necessário que seja educado de forma a aprender a controlar
o desejo através da disciplina, a fim de que atinja seu próprio governo e seja capaz
de autodeterminação. Kant em citação feita por Aranha (1989, p. 124) diz que “O
homem só pode tornar-se homem pela educação, e ele é tão-somente o que a
educação fez dele”.
Em seu Tratado sobre a Pedagogia, afirma que somente pela educação o
homem passa do estado de animal e ingressa no estado de homem, alcançando sua
autonomia intelectual e moral. Essa obra demonstra a forte influência que Kant
sofreu de Rousseau, como ele mesmo atesta: “Rousseau me abriu os olhos: com ele
aprendo a honrar os homens” (KANT apud SANTOS, 1951, p. 96).
A educação, portanto, na filosofia kantiana, deve ser adequada, baseada na
experiência, que ele denomina de “física”, compreendendo não só a educação do
corpo, mas também da alma, e uma educação “prática”, de modo que, no futuro, o
homem se torne moral e prudente, elevando sua razão aos conceitos de dever,
obedecendo às leis não por medo do castigo, mas pelo imperativo da lei que existe
em sua consciência.
A moral é uma verdade absoluta, segundo Kant. Assim, a educação deve
despertá-la para que o homem tome consciência de que ela deve fazer parte de
todos os atos de sua vida.
Os filósofos aqui citados exerceram forte influência na concepção do conceito
de educação e do direito do homem à educação, foram unânimes em destacar a
44
importância da educação para a formação intelectual do homem, e mais, para a vida
em grupo. Alguns acreditando que o saber é inerente ao indivíduo e precisa ser
despertado; outros, que o saber é adquirido por fatores externos. No entanto,
independentemente da origem do saber, concluem que ele é essencial para uma
vida autônoma e digna.
Outros, embora não citados, não foram menos importantes, pois também
tiveram grande influência no estudo da educação que deve ser ministrada ao ser
humano. Dentre eles, Sócrates, Vives, Erasmo, Rabelais, Bacon, Montaigne e Hegel.
Rousseau (1992) acredita que a educação deve ser conduzida de forma a
atender ao homem e à sociedade, mas, em primeiro lugar ao homem, pois, antes de
qualquer vocação, deve-se priorizar a vida humana. A educação é vital para que o
indivíduo exerça seu papel de homem e de cidadão.
A filosofia há muito percebeu que é preciso educar o homem, formando-o e
transformando-o para que consiga atingir seus objetivos maiores, a felicidade, a
liberdade, enfim, tudo o que compõe uma vida digna, proveitosa e feliz.
O direito à educação é a consagração do indivíduo enquanto detentor do seu
direito de ser educado. John Adams citado por Savater (1998, p. 70), afirmava ser a
educação um direito que decorre da natureza humana e sustenta a liberdade: “A
liberdade não pode ser preservada sem que os conhecimentos se espalhem entre o
povo, que tem, por natureza, um direito ao conhecimento”.
O verdadeiro direito à educação, integrante do direito à vida, reconhecido
como um direito fundamental, só foi assim afirmado no século XX, e tal conquista
deveu-se à Filosofia.
No próximo capítulo analisar-se-á a importância da efetivação do direito à
45
educação na formação e na consolidação do Estado Democrático de Direito.
46
4 A EDUCAÇÃO NA FORMAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE
DIREITO
4.1 EDUCAÇÃO E CIDADANIA
Educação e cidadania, temas que apresentam larga tradição histórica, cujos
significados variaram conforme as diversas posições ideológicas no decorrer do
tempo, sempre mantiveram alguns elementos recorrentes. Segundo Patrice Canivez,
a cidadania define a pertença a um Estado. Ela dá ao indivíduo um status
jurídico, ao qual se ligam direitos e deveres particulares. Esse status
depende das leis próprias de cada Estado, e pode-se afirmar que há tantos
tipos de cidadãos quantos tipos de Estado (CANIVEZ, 1991, p. 15).
Paulo Freire (1967) considera cidadão o homem possuidor de uma
consciência política que o habilite a transformar a si mesmo e a se engajar na luta
por transformações sociais, sejam abrangentes sejam restritas (na escola, no bairro,
no trabalho). O autor enfatiza, portanto, o aspecto ativo da cidadania.
Numerosos estudos vêm surgindo, nas últimas décadas, sobre o conceito de
cidadania, que se encontra na mídia, nos movimentos sociais, no poder político, na
produção intelectual, enfim, nos mais diversos lugares. Em virtude dessa
diversidade, adotar-se-á neste trabalho as idéias do autor Liszt Vieira (2001, p. 75).
Segundo ele, a perspectiva clássica da educação é referenciada por Thomas H.
Marshall, que “propôs a primeira teoria sociológica de cidadania ao desenvolver os
direitos e obrigações inerentes à condição de cidadão”, estabelecendo o que
Marshall denominou tipologia dos direitos de cidadania:
Os direitos civis, conquistados no século XVIII, os direitos políticos,
alcançados no século XIX - ambos chamados de direitos de primeira
47
geração - e os direitos sociais, conquistados no século XX, chamados de
direitos de segunda geração (VIEIRA, 2001, p. 78).
Falar em cidadania não se resume em definir a tipologia dos direitos, mas
requer a construção de relações e consciências, que resultam no aprendizado, nas
relações singulares e coletivas (pois o homem é um ser social), nas relações com os
órgãos públicos nos mais diferentes momentos da cotidianidade. Cidadania implica
conquista, construção, debate, diálogo, participação, e esses fatores só serão
efetivados diante da capacidade de organização; visto que envolve uma questão de
pertencimento, este entendido como possibilidade de fazer parte.
A Organização das Nações Unidas (ONU), através do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), define como cidadão aquele que tem
acesso a seus direitos cívicos, sociais, econômicos e culturais, em perfeita
harmonia, todos eles formando um conjunto indivisível articulado: “deve existir um
patamar mínimo de igualdade entre os membros da sociedade que outorgue a todos
um leque razoável de opções para exercer sua capacidade de escolha e sua
autonomia” (PNUD, 2004, p. 61).
A educação, na maioria das sociedades, é considerada o meio eficaz e
privilegiado para universalizar os valores morais, éticos, culturais, indispensáveis
para a formação de cidadãos. Cada sociedade define o que é importante para seu
desenvolvimento e dos membros que a compõem.
As sociedades que definem como prioridade a emancipação do homem e a
sua autonomia, buscando a formação de cidadãos, alcançam seu objetivo com o
modelo de educação integral, um processo educacional isento, voltado para a
formação humanística, oferecendo um ensino com qualidade e eficiência,
estimulando o educando a se engajar constantemente nas lutas por melhores
48
condições sociais. O cidadão com formação acadêmica bem estruturada torna-se
apto para participar efetivamente da vida escolar, da vida do bairro, de seu município
e de seu trabalho. E ainda, condições de compreender as verdadeiras contradições
desse modelo de sociedade, seus conflitos, o processo de alienação e a dialética da
exploração e do explorado.
O compromisso da escola com a formação para a cidadania pressupõe que o
aluno se aproprie realmente dos conhecimentos sistematizados básicos, que são
instrumentos essenciais para a participação na dinâmica da vida social, profissional
e cultural. É necessário despertar nas novas gerações a consciência acerca dos
grandes problemas da sociedade, tais como: globalização e seus reflexos, saúde,
moradia, alimentação, desemprego, violência, meninos de rua, meio ambiente,
corrupção, escândalos, exclusão e marginalização, que devem tornar-se objeto de
discussão e de debate nas escolas.
4.2 A DEMOCRACIA E A EDUCAÇÃO
A luta do homem na busca de liberdade, justiça e progresso, e o poder que se
desencadeou quando ele tentou impor seu ponto de vista e a forma de buscar
aqueles valores, deram lugar a diversas formas de organização dos seres humanos.
A democracia foi uma delas.
Surgindo há mais de 2.500 anos na Grécia, depois desapareceu. Segundo
Dahl, citado no PNUD (2004), a democracia entrou e saiu de nossa história várias
vezes. Assim como o fogo, a pintura ou a escrita, a democracia parece ter sido
reinventada muitas vezes e em muitos lugares.
O sistema democrático, confundido como um método para se eleger quem
49
governa, é bem mais do que isso: é também um forma de construir, garantir e
expandir a liberdade, a justiça e o progresso, organizando tensões e os conflitos
gerados pela luta do poder. É um sinônimo de liberdade e justiça. É ao mesmo
tempo um fim e um instrumento. Contém, basicamente, uma série de procedimentos
para o acesso e o exercício do poder, mas é também, para os homens e as
mulheres, o resultado desses procedimentos.
Dallari (1999, p. 60) ensina que o Estado Democrático se assenta em três
pontos fundamentais:
a) a vontade popular deve ser suprema, mais extensa do que o próprio voto;
b) a manutenção da liberdade, entendendo os seus limites e respeitada por todos os
homens, inclusive pelo Estado;
c) a igualdade de direitos, seu gozo sem restrições por motivos econômicos, raciais,
religiosos, etc.
Teixeira (1968) entende que a forma democrática vivida como a conhecemos
hoje, é um desenvolvimento relativamente recente da humanidade, uma grande
experiência humana. Essa experiência tem como base o princípio da igualdade dos
indivíduos, proclamado como princípio fundamental da democracia. Essa nova forma
de vida se baseia no pressuposto de que todos os membros da sociedade têm algo
a oferecer em prol do coletivo, de que ninguém é tão inútil que não tenha algo a
oferecer. O certo, porém, que a desigualdade entre as pessoas é evidente. Em
razão disso, o princípio da igualdade individual não pode ser entendido como
igualdade psicológica (TEIXEIRA, 1968, p. 13), mas como igualdade material, dando
a todos os membros da coletividade oportunidades iguais de desenvolvimento e de
participação.
Teixeira cita Pedro Aleixo, educador que se dedicou a analisar a educação e a
50
sua importância para a formação da democracia, e que ensina:
A forma democrática exprime a convicção de que a despeito da
desigualdade dos indivíduos, existe, em todos eles um mínimo de
inteligência que os capacita à participação na experiência social e a
contribuírem para a sociedade. Para que esta experiência se faça em
condições apropriadas, a sociedade terá de oferecer a todos os indivíduos
acesso aos meios de desenvolver suas capacidades, a fim de habilitá-los à
maior participação possível nos atos e instituições em que transcorra sua
vida, participação que é essencial à sua dignidade de ser humano (ALEIXO
apud TEIXEIRA, 1968, p. 13).
Para que a democracia, de fato, seja um regime de igualdade de
oportunidades, tal qual foi concebido, faz-se mister o oferecimento de condições de
acesso aos meios que permitam aos membros da comunidade progredirem
intelectual e materialmente, habilitando-os a participarem ativamente das decisões e
instituições que interfiram em sua vida, para que esta se torne uma vida digna. A
garantia da efetivação do direito ao ensino fundamental é, assim, condição básica na
consolidação da democracia.
O PNUD alerta para povos latino-americanos sobre o risco do sistema
democrático na região. Na América Latina, as regras e instituições do regime são
semelhantes às dos países democraticamente amadurecidos, no entanto, as
sociedades latino-americanas e as desses países são quase diametralmente
opostas. Aqui existe uma realidade diferente, com a convivência da democracia com
a pobreza e a desigualdade em grau extremo, um panorama que coloca um
permanente desafio para a manutenção da democracia. Segundo o PNUD,
A limitada compreensão dessa realidade singular pode levar a duas
conseqüências graves para a democracia. A primeira é ignorar a
necessidade da viabilidade econômica da democracia. Isso significa ignorar
a necessidade de construir bases sólidas de uma economia que torne
possível atacar a pobreza e a desigualdade. Por exemplo, para muitos
cidadãos latino-americanos, atingir maiores níveis de desenvolvimento em
seus países é uma aspiração tão importante que muitos estariam dispostos
a apoiar um regime autoritário que pudesse atender suas demandas de
bem-estar. A segunda é desconhecer a viabilidade política dos programas
econômicos. Isso significa ignorar que esses programas se aplicam em
sociedades em que as demandas cidadãs e a opinião sobre essas políticas
se expressam livremente (PNUD, 2004, p. 39).
51
A essência da teoria democrática é a supressão de qualquer imposição de
classe, fundada no postulado ou na crença de que conflitos e problemas humanos,
sejam econômicos, políticos ou sociais, são solucionáveis pela educação, isto é,
pela cooperação voluntária, mobilizada pela opinião pública esclarecida. A
construção e a manutenção da democracia pressupõem a possibilidade efetiva de
participação de todos em prol dos valores democráticos, e isso somente é possível
se a educação estiver ao alcance de todos. Merece destaque, nesse sentido, o
ensinamento de Doria citado por Gomes:
Duas são as formas extremas dos regimes políticos: ou o poder é a vontade
dos governantes imposta aos governados, ou o poder é a vontade dos
governados delegada aos governantes, para o exercerem em nome deles.
Ou autocracia, ou democracia. Nas autocracias, quanto mais afundar-se o
povo na ignorância, melhor. Quanto muito, monopolizar o governo a
educação, para fanatizar as massas e silenciá-las no trabalho. Nas
democracias, quanto mais educado o povo na escolha da liberdade, melhor.
[...] Tendo proclamado, no art. 1º da Constituição para si, o regime
democrático, o que cumpre em conseqüência ao País, é tudo fazer para
que o povo se eduque na escola da liberdade, na consciência do seu
destino, na capacidade para o trabalho. A educação é o problema básico da
democracia (DORIA apud GOMES, 2005, p. 94-95).
4.3 ESTADO DE DIREITO
A consolidação do poder legítimo sustentado pelo sistema de normas é a
chamada legalidade do poder ou, como diz Bobbio (2000, p. 237), “o contrário de
poder legítimo é o poder de fato, o contrário do poder legal é o poder arbitrário”. O
Estado de Direito é para ele a “destinação final de todo grupo político que se
distingue de outro grupo social pela existência de um sistema normativo, cujas
normas, necessárias para a sobrevivência do grupo, se fazem valer através da
coerção”, que, segundo Kant, não é incompatível com a liberdade, uma vez que o
princípio de liberdade deve ser igual para todos os indivíduos. A busca de cada um
52
pela sua felicidade, ou seja, o arbítrio de cada um, deve ser compatível com arbítrio
de todos. Assim, afirma Cicco que “a utilização da força é válida para que se
imponha um limite à liberdade de cada indivíduo, limite suficiente apenas para que
ele respeite a liberdade do outro. Dessa maneira, legalidade e liberdade são idéias
compatíveis” (CICCO, 1995, p. 186).
É na fundamentação da idéia de liberdade individual que está construída a
noção de Estado de Direito. Para Kant, a felicidade é algo muito pessoal e cabe ao
Estado reunir as condições para que cada indivíduo busque a que deseja. Dessa
maneira, ele se contrapõe às formas de Estado intervencionista ou paternalista, que
indicaria aos súditos caminhos para atingirem a felicidade. O Estado ideal, para
Kant, é aquele que garante a liberdade pelo Direito, e essa liberdade é entendida
essencialmente como não-impedimento de usar ou fazer algo.
Na lição de Cicco (1995) associada às idéias desenvolvidas por Kant, está a
noção de garantia dos direitos individuais de Benjamin Constant, segundo a qual a
organização do Estado deve pautar-se na garantia da inviolabilidade das liberdades
individuais: liberdade pessoal, religiosa, de imprensa e, por fim, de propriedade. Para
Constant, a liberdade política, ou seja, a participação de todos do povo nos
organismos de poder, é uma maneira de garantir unicamente as liberdades
individuais. E a separação do Poder em três funções, a forma de operacionalizar
essa garantia. Também Kant destacou a divisão de poderes como fundamental no
Estado de Direito: “Todo Estado contém em si três poderes, isto é, a vontade geral
unificada se decompõe em três pessoas, o legislador, o executor e o juiz” (Kant apud
CICCO, 1995, p.188).
Existe uma primazia da lei como encarnação da vontade popular, isto é, um
pilar da concepção moderna de democracia, presente em Kant, em Rousseau e em
53
outros. A diferença entre os autores está na forma de participação do povo na
elaboração das leis. Para Rousseau (1999), ao povo cabe fazer as leis, diretamente,
sem intermediários. Para outros, as leis devem ser elaboradas pelos representantes
do povo, tal como é o Estado de representação moderno.
Segundo Bobbio (1992), a democracia vem se ampliando no Estado moderno
em dois sentidos: a extensão do direito de voto a diversos segmentos da população,
até o sufrágio universal, e, com a criação de esferas de poder local, através da
ampliação dos órgãos de representação. Na mesma linha de pensamento, de acordo
com Bobbio, está o pensamento de Weber, para quem, embora o Estado de Direito
não seja sinônimo de poder legal, guarda estreita relação com ele, tendo em vista
que a divisão de poderes, na forma constitucional de organização do poder político,
é o que garante a sua legalidade em todos os níveis da sociedade, até os mais altos
níveis de comando.
Bobbio (1992) afirma que a doutrina do constitucionalismo é a forma perfeita
de governo das leis, aprimoramento da idéia de que a lei, despida das paixões
próprias do homem, guarda a sabedoria popular por meio da história.
Pensado por Locke, Montesquieu e Kant como uma forma de contraposição
ao poder absoluto dos reis, um sistema de freios ao governo através da divisão dos
poderes, o sistema constitucional prevê que o poder não fique subordinado a uma
pessoa ou a um grupo de nobres notáveis. Divide-se, assim, o poder de fazer as leis,
o poder de executar as decisões e o poder de punir e julgar as divergências que
ocorrerem na sociedade.
Bobbio destaca que o direito nos dias atuais é
expressão da exata e consciente vontade soberana do povo, explicitada por
meio de um órgão, a assembléia legislativa. Outrora o direito era parte
integrante de uma vida social espontânea; hoje é um instrumento com que o
54
Estado democrático intervém na sociedade, para manter a paz social e
prevenir as necessidades futuras (BOBBIO, 1998, p. 255).
Deflui da teoria de Bobbio que o Estado de Direito tem dois princípios básicos:
legalidade e controle judiciário. O princípio da legalidade significa que a atuação do
Estado deve seguir um paradigma, uma norma geral e impessoal, como deve ser a
lei. O princípio do controle judiciário prevê a generalidade dos casos e não um em
especial e determinado. Deve ser destinado a todas as pessoas igualmente, sem
nenhuma distinção.
O Estado de Direito pressupõe que a lei e, portanto, o direito, seja a norma
que vise à realização da justiça. Deriva da concepção segundo a qual há um direito
anterior e superior ao direito positivo de cada Estado, que serve na medida da justiça
e da injustiça do direito positivo, de seu valor e de sua desvalia.
Assim, o Estado de Direito é o Estado de Justiça porque a concepção que o
inspira e vivifica traduz que só é direito aquilo que é justo. É Estado de Justiça
porque o próprio Estado é submetido ao controle judicial, que expressa o segundo
dos princípios do Estado de Direito. O controle judicial significa fiscalização e
controle de governo, em sua missão de aplicar a lei, e é garantia indispensável da
legalidade.
4.4 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Estado Democrático de Direito, conjugação dos princípios, considerados por
Canotilho (1998, p. 1034) como princípios estruturantes: Democracia e Estado de
Direito. De fato, porém, representa no seu conteúdo bem mais do que a soma deles.
Silva (1999, p. 123) ensina que o Estado Democrático de Direito não significa
55
apenas unir os conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito. Consiste, na
verdade, na criação de um novo conceito, que leva em conta os conceitos dos
elementos componentes, mas os supera na medida em que incorpora um
componente revolucionário de transformação do status quo.
Historicamente, poder-se-ia localizar o surgimento do Estado Democrático de
Direito nas sociedades européias recém-saídas da catástrofe da Segunda Guerra
Mundial, que representou a falência tanto do modelo liberal de Estado de Direito,
como das fórmulas políticas autoritárias que se apresentaram como alternativa. Se
em um primeiro momento observou-se o prestígio de um modelo social e, mesmo,
socialista de Estado, a fórmula do Estado Democrático de Direito se firma a partir de
uma revalorização dos clássicos direitos individuais de liberdade, que se entende
não podem jamais ser sacrificados em nome da realização de direitos sociais.
O Estado Democrático de Direito, então, representa uma forma de
superação dialética da antítese entre os modelos liberal e social ou
socialista de Estado. Em sendo assim, tem-se o compromisso básico do
Estado Democrático de Direito na harmonização de interesses que se
situam em três esferas fundamentais: pública, privada e coletiva, formados
para a consecução de objetivos econômicos, políticos, culturais e outros
(GUERRA, 1999, p. 129).
Streck e Morais (2000), após analisarem os modelos estatais liberal e social,
também ressaltam o papel transformador atribuído pelo poder constituinte ao Estado
Democrático de Direito:
É por essas, entre outras, razões que se desenvolve um novo conceito, na
tentativa de conjugar o ideal democrático ao Estado de Direito, não como
uma aposição de conceitos, mas sob um conteúdo próprio onde estão
presentes as conquistas democráticas, as garantias jurídico-legais e a
preocupação social. Tudo constituindo um novo conjunto onde a
preocupação básica é a transformação do status quo. [...] O Estado
Democrático de Direito tem um conteúdo transformador da realidade, não
restringindo, como Estado Social de Direito, a uma adaptação melhorada
das condições sociais de existência. Assim, o seu conteúdo ultrapassa o
aspecto material de concretização de um vida digna do homem e passa a
agir simbolicamente como fomentador da participação pública quando o
democrático qualifica o Estado, o que irradia os valores da democracia
sobre todos os seus elementos constitutivos, e, pois, também sobre a
ordem jurídica. E mais, a idéia de democracia contém e implica,
56
necessariamente, a questão da solução do problema das condições
materiais de existência (STRECK; MORAIS, 2000, p. 86-87).
No Brasil a consolidação do Estado Democrático de Direito se deu com a
Constituição de 1988, o art. 1º da Constituição determina que: “A República
Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito [...]”, não como
mera promessa de organizar o Estado brasileiro, pois a Constituição aí já o está
proclamando e fundando.
Guerra Filho destaca que, diante do que se encontra no preâmbulo da
Constituição de 1988, está evidente que:
os constituintes de 88 escreveram que se reuniram com a determinação de
‘instituir’ um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais. Assim, houve uma explicitação que não deixa
dúvidas, que o titular da soberania, o povo brasileiro, assinalava que era
necessário o abandono da ordem vigente e se inclinasse totalmente para
um sistema democrático (GUERRA FILHO, 1999, p. 12-13).
O Estado Democrático de Direito tem como fundamento o princípio da
soberania do popular, que impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa
pública. Não se exaure na simples formação das instituições representativas, que
constituem estágio da evolução do Estado Democrático. Seu objetivo é superar as
desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realize a
justiça social baseada nos princípios da constitucionalidade, da proteção dos direitos
fundamentais, da igualdade dos cidadãos, da separação dos poderes, da
independência do juiz, da legalidade e da segurança jurídica.
Cabe então a seguinte indagação: O que tem a ver Estado Democrático de
Direito e o direito à educação? A resposta está no próximo tópico, mas antes
ressalte-se que a educação é um processo que visa “ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho”, conforme está no art. 205 da Constituição da República Federativa do
57
Brasil de 1988.
Para se saber o que representa o direito à educação, é necessário que se
faça a seguinte pergunta: Qual a conseqüência da ausência da educação na vida do
homem e da sociedade na qual ele está inserido?
4.5 O DIREITO À EDUCAÇÃO COMO EXIGÊNCIA DO ESTADO DEMOCRÁTICO
DE DIREITO
Por ser imprescindível ao desenvolvimento da pessoa humana, ao afetar em
vários aspectos sua vida enquanto existência e modo de ser, a educação veio a
merecer a proteção do Direito. Em razão da relevância do valor nela presente,
passou a significar, na esfera jurídica contemporânea, um direito fundamental. Por
que direito fundamental? Apóia-se aqui, no âmbito do discurso jurídico, a já referida
conceituação elaborada por Maria Garcia (2002, p. 115-123) a respeito de direitos
fundamentais. “O direito à educação é fundamental por se tratar de um direito social
diretamente vinculado ao direito à vida. Este se apresenta como um dos direitos
fundamentais básicos previstos na Constituição Brasileira de 1988”.
Teixeira (1968) afirma que, no início, “a relação entre a forma democrática e a
educação não foi percebida em todo o seu alcance. A nova experiência de vida não
se poderia fazer sem que todos e cada indivíduo tivessem oportunidade de se
educar até o limite de suas possibilidades”. Essa condição era sine qua non para a
formação e consolidação do Estado Democrático de Direito.
Conscientes da relevância da educação - não só para o indivíduo mas para
própria viabilidade da democracia, acolhida esta na fórmula política do Estado
58
Democrático de Direito -, os constituintes brasileiros fixaram, no texto constitucional,
os alicerces fundamentais da educação, aos quais foram, posteriormente, vinculadas
outras normas infraconstitucionais.
As normas são, do ponto de vista jurídico, os fundamentos necessários e
desafiadores para a construção de uma sociedade democrática, com apoio da
educação. Isso porque, somente por meio desta é possível desenvolver o ser
humano de forma integral.
A construção e vivência da democracia pressupõe a possibilidade de efetiva
participação de todas as pessoas em prol dos valores que compõem o conteúdo do
ideário democrático. E Isso se torna possível se a educação estiver ao alcance de
todos.
Em tal regime assume-se que “todo poder emana do povo, que o exerce por
meio de seus representantes eleitos ou diretamente” (TEIXEIRA, 1968, p. 32).
Entende-se que o povo seja suficientemente esclarecido a respeito de seu papel
político ativo, de sua capacidade para atuar, seja por meio dos representantes que
lhe compete eleger, seja diretamente, nos casos previstos na Constituição. E esse
conhecimento, esclarecimento, apenas vai ser obtido por meio da educação. É a
educação que prepara o indivíduo para transformar-se positivamente. E,
conseqüentemente, mudar a sociedade na qual está inserido.
O ideal democrático será alcançado com um processo educacional efetivo de
formação de cidadãos livres, que tenha como base o indivíduo como ser integral,
tornando-o capaz de perceber a realidade em que está inserido. Trata-se de uma
educação que lhe dê condições de se tornar um ser produtivo e em constante
realização, enquanto sujeito integrado, não apenas em seu grupo, mas em toda a
comunidade.
59
A Constituição de 1988 articulou no seu bojo o direito à educação com os
demais princípios fundamentais do próprio Estado Brasileiro. Dessa forma, a
Constituição uniu o direito à educação a três dos princípios fundamentais do Estado
Democrático de Direito: a cidadania, a dignidade da pessoa humana e a vida. Assim,
o ponto de partida para o estudo do direito à educação no Brasil passa pela
definição constitucional.
Qual educação está positivada na Constituição? A educação mencionada
como essencial é qual? Compreende o ensino fundamental, o médio, o superior, ou
todos eles? A partir dessas questões é possível estudar com mais objetividade os
seus desdobramentos.
O texto da Constituição trata da educação em diversos dispositivos,
estabelecendo o direito, os objetivos, as diretrizes para o sistema educacional, e
apontando os titulares e os meios para a sua efetivação.
O constituinte de 1988 estabeleceu que o direito ao ensino fundamental é
direito público subjetivo e que importa em responsabilização da autoridade
competente pelo não-oferecimento ou oferecimento irregular desse direito, conforme
se observa no art. 208, §§ 1º e 2º da Constituição Federal:
Art. 208 - O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a
garantia de:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua
oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
[...]
1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua
oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente.
O direito ao ensino fundamental, tornou-se, de acordo com a Constituição, tão
importante quanto o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, todos evidenciados pelo caput do art. 5º, tendo como conseqüência a
60
possibilidade de demanda, independentemente de qualquer política pública que o
evidencie. Tudo porque o constituinte originário estabeleceu que o direito ao ensino
fundamental é um direito público subjetivo. É este o direito à educação que, no
próximo capítulo, estará evidenciado como não efetivo no Brasil, necessitando de se
encontrar caminhos para a sua efetivação.
61
5 O DIREITO À EDUCAÇÃO
Excluem-se da escola os que não conseguem aprender, excluem-se do
mercado de trabalho os que não têm capacidade técnica porque antes não
aprenderam a ler, escrever e contar e excluem-se, finalmente, do exercício
da cidadania esses mesmos cidadãos, porque não conhecem os valores
morais e políticos que fundam a vida de uma sociedade livre, democrática e
participativa (BARRETO apud BALSANO, 2004, p. 121).
Inicialmente, para se ter um melhor entendimento do direito à educação, é
fundamental que se conheça a sua natureza jurídica. E por que isso é importante?
Porque a partir daí verificar-se-á o alcance, a eficácia e a exigibilidade das normas
que o estabelecem.
Direito natural? Direito humano? Direito fundamental? O que de fato é o
direito à educação?
É necessário ressaltar, antes, que tanto na doutrina como no direito positivado
há grande confusão quanto às expressões direito natural e direitos fundamentais,
direitos humanos, direitos subjetivos, que muitas vezes são utilizadas como
sinônimos.
Na opinião de Sarlet, citado por Muniz (2002, p. 46), não há motivos para
essa confusão. Direitos fundamentais são os direitos humanos quando positivados
nas Constituições dos Estados; o direito do homem, por sua vez, é aquele que se
encontra nas normas internacionais, carregando consigo a idéia de que todos os
seres humanos são merecedores de igual respeito pelo simples fato de serem
humanos, apesar das diferenças individuais que os tornam indivíduos. Tem-se que é
uma categoria de direitos da pessoa humana. São assim denominados por serem
comuns a toda espécie humana, independente de lugar e tempo.
62
Direitos naturais para Ráo (1997, p. 81) são “princípios e respectivos
preceitos que, por serem inseparáveis da natureza humana, são universais e por
todo o sistema jurídico legítimo hão de ser reconhecidos”.
Outro ponto que merece destaque é o direito público subjetivo. Silva (2004, p.
176-177) define direito subjetivo como “prerrogativas estabelecidas em conformidade
com regras do direito objetivo: exercê-lo depende somente da vontade do titular, que
dele pode dispor como melhor lhe convier”. O direito público subjetivo é, pois, a
situação jurídica subjetiva do indivíduo em relação ao Estado, visando colocar os
direitos fundamentais no campo do direito positivo.
Celso Bastos entende que
O direito subjetivo é a permissão para exigir, no caso de violação da norma
jurídica que o estabelece, o cumprimento desse direito por parte do Poder
Público. Pode ainda ser definido como uma espécie de poder, que se traduz
nas prerrogativas do titular desse direito de buscar a obtenção do efeito
jurídico advindo da norma. (BASTOS, 1981, p. 40).
E Torres complementa dizendo que
a elevação do direito à educação como subjetivo público confere-lhe o
status de direito fundamental, mínimo existencial, arcando o Estado, nos
limites propostos, com prestações positivas e igualitárias, cabendo a este,
também, através de sua função jurisdicional, garantir-lhe a execução.
(TORRES, 1995, p. 121).
A educação, como um todo, está evidenciada como direito social no art. 6º,
caput, da Carta Magna. No que tange ao ensino fundamental, houve o seu
deslocamento para a categoria de direito fundamental. Tem-se assim que o direito
ao ensino fundamental é tão importante quanto o direito à vida, à liberdade, à
igualdade.
Tendo sido, portanto, estabelecido o direito ao ensino fundamental como um
direito subjetivo público, há faculdade de obrigar, isto é, o cidadão tem o direito de
exigir do Estado a prestação da obrigação. Essa coação será feita pelo mesmo
63
Estado, via Poder Judiciário, que se incumbirá de interpretar a norma constitucional
no tocante à educação básica, como determina a Constituição.
A efetivação deste direito não se dá como atendido apenas pelo acesso, mas
entendendo-se o acesso como permanência do educando na escola, garantindo-selhe transporte, alimentação, qualidade de ensino, dentre outras.
Ressalta-se por fim que o cerne do direito à educação é o direito à vida.
Garanti-lo é proteger a vida humana, pois o direito à educação é indispensável para
a vida em sua plenitude. Segundo Muniz (2002, p. 58), “assim como as plantas
modificam pela cultura, sendo necessário regá-las, podá-las, assim também é a
educação para o homem”.
Dessa forma, será analisado a seguir o direito à educação como direito
integrante do direito à vida, constituindo-se direito humano fundamental com origem
no direito natural, indispensável ao pleno desenvolvimento da pessoa em relação
direta com a dignidade, sem o que jamais poderá atingir sua plenitude material ou
espiritual, sua integração social e sua capacitação para o exercício da cidadania.
5.1 A EDUCAÇÃO COMO DIREITO À VIDA
Alguns direitos são tão essenciais à formação da personalidade humana que,
em sua ausência, o homem perde a razão de ser, de existir. Os direitos
considerados medula da personalidade integram a própria noção de pessoa. Dentre
eles destacam-se, a liberdade, a honra, a vida. A valorização de um ou outro desses
direitos varia ao longo da história da humanidade de acordo com o valor que é dado
à pessoa humana.
64
O direito à vida, bem maior da humanidade, durante longo período histórico
foi compreendido como o direito à sua preservação, à sobrevivência. Entretanto, a
partir, principalmente, da Declaração dos Direitos do Homem, em 1789, a vida
humana passou a ter um novo significado, não se tratando mais da preservação
física puramente, mas sim da preservação física com dignidade, em todo o seu valor
existencial. São Tomás de Aquino, segundo Muniz (2002), ensina que a vida é muito
mais do que apenas função biológica. Ela é a fusão do corpo e da alma, tornando-os
uma unidade composta. O corpo é carente de alimento para se manter; o alimento
por sua vez, é bom para o corpo e essencial para a sua preservação. A alma, tal
qual o corpo, também depende de alimento para se manter e desenvolver, e seu
alimento é a sabedoria, a busca da verdade. Preservar a vida humana é, então,
mantê-la em condições plenas de sanidade física, psíquica e moral, adequadas à
dignidade da pessoa, ao livre desenvolvimento da personalidade.
A educação, portanto, integra a vida e dela faz parte incondicionalmente na
busca da dignidade e plenitude. Costa, citado por Muniz (2002, p. 62-64), afirma que
“o homem, na ânsia de buscar o saber, busca realmente a satisfação no
conhecimento das coisas que o rodeiam. Para alcançá-lo, atingir seu verdadeiro
objetivo, o homem precisa de uma educação consciente e transformadora”. Assim,
ao atingir seu anseio, ele terá discernimento para distinguir o que é bom para si e o
que é bom para a humanidade.
Por tudo isso é que o direito à educação não pode ser considerado apenas
como um direito social fundamental, sendo ele algo mais, pois está ligado
diretamente à vida humana, é intrínseco a ela. Garantir o direito à educação de
qualidade, de acesso universal, é dar ao homem a condição mínima para que ele
atinja o seu fim: ser humano.
65
5.2 A EDUCAÇÃO COMO DIREITO NATURAL
Em todas as sociedades sempre houve o reconhecimento da existência de
princípios universais, ligados diretamente à natureza humana, havendo divergência
somente quanto à sua formação, que uns atribuíam à razão, outros às causas
históricas ou sociológicas, como afirma Ráo (1997, p. 82).
Estes princípios universais constituem o direito natural, parâmetro da idéia de
justiça que sempre norteou o homem, e, baseado nesse direito, pautou-se por muito
tempo o direito positivo. Ele era considerado o limite para atuação do Estado. Diz
Arias, citado por Muniz que
durante toda a Antigüidade e a Idade Média, o direito natural serviu de
modelo ao direito positivo, impondo limites a toda e qualquer forma de
autoridade estatal. Aparece na cultura grega como proteção frente aos
poderes opressores, goza de uma aceitação durante muitos séculos,
principalmente com o advento do cristianismo, e, quando parece decair no
século XIX, renasce no principio do século XX após as atrocidades
acontecidas na Segunda Guerra Mundial, para gozar, nos dias de hoje, um
vigor nunca antes experimentado. (ARIAS apud MUNIZ, 2002, p. 63)
Cícero, citado por Del Vechio, afirmava que havia um justo por natureza,
imutável, e que a própria consciência humana provava sua existência, em
contraponto àqueles que afirmavam não haver tal direito, tudo mutável e relativo,
não havia uma justiça absoluta. Segundo Cícero,
Há certamente uma lei verdadeira, a reta razão conforme a natureza,
difundida entre todos, constante, eterna, que, comandando, incita ao dever
e, proibindo, afasta a fraude [...] Nesta lei não é licito fazer alterações, nem
é licito retirar dela qualquer coisa ou anulá-la como um todo [...] Ela não
será diferente em Roma, em Atenas, hoje ou amanhã, mas, como lei única,
eterna e imutável, governará todos os povos e em todos os tempos, e uma
só divindade será guia e chefe de todos: a que encontrou, elaborou e
sancionou essa lei, e quem não lhe obedecer estará fugindo de si mesmo,
e, por haver renegado a própria natureza humana, sofrerá as mais graves
penas, mesmo que tenha conseguido escapar daquilo que em geral é
considerado suplício (CICERO apud VECCHIO, 1979, p.55)
O direito natural é então compreendido neste trabalho como a expressão do
ideal de justiça almejado pelo homem. Partindo-se da premissa de que todos os seres
66
humanos têm o direito de serem tratados de forma digna, pelo fato de serem homens,
independentemente das suas diferenças individuais, é necessário que ele tenha
acesso ao mínimo de garantias que lhe permitam sua existência. Compreende-se
assim que há alguns direitos que não podem depender de vontade política, que são
pressupostos básicos da vida humana, a garantia de um mínimo existencial.
O direito à educação compreende um desses direitos essenciais para que se
garanta uma condição mínima de existência ao homem. A educação é instrumento
de liberdade, que conduz à verdadeira cidadania, e segundo Torres (1999, p. 263)
“sem o mínimo necessário à existência cessa a possibilidade de sobrevivência do
homem e desaparecem as condições iniciais da liberdade. A dignidade humana e as
condições materiais em retroceder aquém de um mínimo”.
Na elaboração das leis que buscam proteger o direito à educação, cabe ao
legislador se basear nos princípios do direito natural, o qual representa o que é justo,
aquilo que advém do próprio homem. A finalidade precípua de toda lei é garantir que
o homem se realize de modo a obter a plenitude temporal e espiritual: temporal,
quando lhe são garantidos o direito à saúde, à moradia e ao trabalho; espiritual,
quando lhe são dadas condições de desenvolver todo o potencial cognoscitivo, que
lhe é inerente, por meio de uma educação integral e solidária.
5.3 A EDUCAÇÃO E OS DIREITOS HUMANOS
Direitos Humanos nos remete diretamente à idéia de que são direitos do
homem. Direitos que visam garantir os valores mais preciosos da pessoa humana,
direitos como a liberdade, a igualdade, a dignidade. Em razão da amplitude do tema
conceituá-lo torna-se uma difícil tarefa.
67
Bonavides (1998), citando Hesse, menciona duas acepções de direitos
humanos, uma ampla e outra restrita, que pode-se interpretar como baseadas,
respectivamente, num critério material e num critério formal de caracterização. A
mais ampla, ou seja, a material, seria a dos direitos que almejam “criar e manter os
pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana”. A
mais estrita, ou seja, a formal diria que “são aqueles direitos que o direito vigente
qualifica como tais”.
Entretanto, para a elaboração deste trabalho optou-se pela definição de Mello
que afirma serem os
direitos do homem [...] aqueles que estão consagrados nos textos
internacionais e legais, não impedindo que novos direitos sejam
consagrados no futuro. [...] os já existentes não podem ser retirados, vez
que são necessários para que o homem realize plenamente a sua
personalidade no momento histórico atual. (MELLO, 2000, p. 571).
Na lição de Lafer (1988) no início da Era Moderna (séculos XVI e XVII), o
direito natural foi racionalizado, e seu fundamento divino, substituído pela razão. Sob
forte influência da filosofia racionalista do século XVIII, através da escola do Direito
Natural, foi elaborada a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, votada
pela Assembléia Constituinte francesa em 26 de agosto de 1789; entretanto, há de
se destacar que, treze anos antes, em 1776, nos Estados Unidos da América do
Norte, havia sido feita a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, a que pode
ser considerada o marco da defesa dos Direitos do Homem. Esse documento é que
deu o impulso inicial para a positivação dos direitos naturais, isto é, dos direitos
humanos, declarando:
Todos os seres humanos são, por natureza, igualmente livres e
independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram em
estado de sociedade, não podem por qualquer acordo privar ou despojar
sua posteridade; nomeadamente, o gozo da vida e da liberdade, com os
meios de adquirir a propriedade de bens, bem como de buscar e obter a
felicidade e a segurança (FERREIRA FILHO apud MUNIZ, 2002, p. 54).
68
Pouco mais de uma década se passou após essa Declaração quando, na
França, desencadeou-se um processo revolucionário que culminou com a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789. Inspirados no
Iluminismo, iriam escrever a nova Constituição francesa.
A crítica política e filosófica racionalista e a ascensão econômica da classe
burguesa levaram a um período de revoluções contra os regimes absolutistas e
contra a organização hierárquica das sociedades. As revoluções levadas a cabo na
busca pela igualdade dos indivíduos extinguiram a divisão em estamentos,
instituindo o status único da cidadania. Em troca dos privilégios que o status
conferia,
foram
positivados
os
direitos
naturais
nas
Constituições
pós-
revolucionárias. Os direitos então declarados constituem a primeira geração de
direitos humanos. Com isso houve o reconhecimento explícito da universalidade dos
direitos do homem.
O preâmbulo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, é
o seguinte:
Os representantes do povo francês, constituídos em Assembléia Nacional,
considerando que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos
do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos
Governos, resolveram solenemente declarar os direitos naturais,
inalienáveis e sagrados no homem, a fim de que esta declaração, sempre
presente em todos os membros do corpo social, lhes recorde seus direitos e
deveres; a fim de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo,
podendo ser a qualquer momento comparados com a finalidade de toda
instituição política, sejam mais respeitosos; a fim de que as reivindicações
dos cidadãos, doravante fundadas em princípios simples e incontestáveis,
se dirijam sempre à conservação da Constituição e a felicidade geral.
Segundo Muniz (2002, p. 75), “com base nesse documento, Constituições de
diversos países passaram a inserir os direitos individuais no seu texto”.
A próxima etapa na esteira dos direitos humanos é a Declaração Universal
dos Direitos do Homem, em 1948, embora não se possa deixar de citar dois
documentos anteriores, de relevância no reconhecimento dos direitos humanos: a
69
Constituição do México, em 1917, e a Constituição de Weimar, em 1919, as
primeiras constituições a incluir os direitos sociais como direitos humanos
fundamentais, cujos titulares são os miseráveis excluídos. A educação, que segundo
Monteiro (2005, p. 25) é “fenômeno central da vida de todas as comunidades, desde
as tribais, na medida em que é o recurso principal da reprodução e renovação da
sua existência e identidade”, encontra nessas duas Constituições sua primeira
referência direta, clara e objetiva.
Em 10 de dezembro de 1948, após a Segunda Guerra Mundial, no Palácio de
Chaillot, é oficializada a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Assinada
inicialmente por 51 países, proclamou os direitos do homem como ideal a ser
alcançado por todos, trazendo a concepção moderna dos direitos humanos, segundo
Piovesan (1999, p. 15): “os direitos humanos compõem uma unidade indivisível,
interdependente e inter-relacionada, na qual os direitos civis e políticos hão de ser
conjugados com os direitos econômicos, sociais e culturais”.
O direito à educação, com a Declaração Universal dos Direitos do Homem,
passa a ser reconhecido universalmente como um direito fundamental do homem,
indispensável à dignidade da pessoa humana e ao desenvolvimento da sua
personalidade. Cita nos artigos 26 e 27 que:
Art. 26. [...]
§ 1º Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita,
pelo menos a correspondente ao ensino elementar e fundamental. O ensino
elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser
generalizado, o acesso aos estudos superiores deve ser aberto a todos em
plena igualdade, em função do seu mérito.
§ 2º A educação deve visar o pleno desenvolvimento da personalidade
humana e o reforço dos direitos do homem e das liberdades fundamentais e
deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as
nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o
desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da
Paz.
Art. 27. Toda pessoa tem o direito a tomar parte livremente na vida cultural
70
da comunidade, a usufruir das artes e participar do progresso cientifico e
dos benefícios que dele resultar.
Outros documentos internacionais ratificaram a Declaração Universal dos
Direitos do Homem, como o Pacto de San José da Costa Rica, em 1969, chamado
de Declaração Americana dos Direitos Humanos. O Brasil, signatário de ambos,
ratificou-os plenamente na Constituição de 1988.
Nos lembra Muniz (2002) que “as Declarações, por si só, pelo menos
enquanto permanecem no âmbito do sistema internacional, não dão efetividade aos
direitos humanos fundamentais, pois formulam direitos morais não sancionáveis”.
Estes direitos somente ganham força de fato quando passam a fazer parte das
constituições. Bobbio defende que melhor seria se tivesse mecanismos de se fazer
efetivar os direitos consagrados nas Declarações, segundo ele deveria ser:
a) que o reconhecimento e a proteção de pretensões ou exigências contidas
nas Declarações provenientes de órgãos e agências do sistema
internacional sejam considerados condições necessárias para que um
Estado possa pertencer à comunidade internacional; b) a existência, no
sistema internacional, de um poder comum suficientemente forte para
prevenir ou reprimir a violação dos direitos declarados. (BOBBIO apud
MUNIZ, 2002, p. 78).
5.3.1 Outras normas internacionais sobre a educação
5.3.1.1 Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
A divisão da Europa em dois blocos ideologicamente opostos - capitalistas e
socialistas - fez com que a Organização das Nações Unidas, a fim de dar concretude
jurídica aos direitos preconizados na Declaração Universal dos Direitos Humanos,
convocasse seus membros para elaborarem um novo documento. Em 1966, foi
71
elaborado então o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
(PIDESC).
O art. 13 desse Pacto trata especificamente do direito à educação, definindo
que
Art. 3º - Os Estados-Partes reconhecem o direito de toda pessoa à
educação. Concordam em que a educação deverá visar o pleno
desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e
a fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais.
Concordam, ainda, que a educação deverá capacitar todas as pessoas a
participarem efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a
compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos
os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades das
Nações Unidas em prol da manutenção da Paz.
Para assegurar o pleno exercício do direito à educação, o inciso II do art. 13
determina que:
a) a educação primária deverá ser obrigatória e acessível gratuitamente a
todos;
b) a educação secundária em suas diferentes formas, inclusive a educação
técnica e profissional, deverá ser generalizada e tornar-se acessível a
todos, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela
implementação progressiva do ensino gratuito;
c) o ensino superior deverá igualmente tornar-se acessível a todos, com
base na capacidade de cada um, por todos os meios apropriados e,
principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito;
d) a educação de base para os que não receberam educação primária ou
não concluíram o ciclo completo de educação primária deverá ser
intensificada na medida do possível;
e) deve-se prosseguir ativamente no desenvolvimento de uma rede escolar
em todos os níveis de ensino, na implementação de um sistema
adequado de bolsas de estudo e na melhoria contínua das condições
materiais do corpo docente.
O art. 14 do mesmo Pacto dispõe que
Art. 14 - Todo Estado-Parte, que no momento em que se tornar Parte, ainda
não tenha garantido em seu próprio território ou território sob sua jurisdição
a obrigatoriedade ou gratuidade da educação primária, se compromete a
elaborar e adotar, dentro de um prazo de dois anos, um plano de ação
detalhado, destinado à implementação progressiva, dentro de um número
razoável de anos estabelecidos no próprio plano, do princípio da educação
obrigatória e gratuita para todos.
O PIDESC estabelece que o Estado, progressivamente, adote medidas
concretas para efetivar os direitos nele estabelecidos; no que se refere ao direito à
72
educação, os dispositivos citados determinam ações positivas do Estado para a sua
concretização.
5.3.1.2 Pacto de San Salvador
No mesmo sentido do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais (PIDESC), o Pacto de San Salvador determina no art. 13º que todas as
pessoas têm direito à educação. Os Estados-Partes devem se orientar na
elaboração de políticas públicas para que a educação seja orientada para o pleno
desenvolvimento da personalidade humana, de sua dignidade, fortalecendo o
respeito aos direitos humanos. A educação capacitará as pessoas para participarem
efetivamente de uma sociedade democrática e pluralista. Determina ainda que o
direito à educação dos Estados deve se orientar pelos seguintes princípios:
a) O ensino fundamental, primário e secundário, deve ser obrigatório, acessível a
todos gratuitamente;
b) o ensino superior é também acessível a todos, devendo ser implementado
progressivamente;
c) o Estado-Parte deverá proporcionar o acesso à educação daqueles que não
tiveram acesso na época devida.
5.4 DIREITO À EDUCAÇÃO NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
As Constituições, instrumentos normativos dos Estados Modernos, sempre
foram influenciadas pelas Declarações de Direitos do Homem, compreendendo
73
desde a finalidade de limitação dos poderes do Estado, até a proteção dos direitos
humanos, reparando ou prevenindo sua violação.
No Brasil, desde 1824, quando foi promulgada a primeira Constituição, que
remonta à época do Império, já se fala no direito à educação, no art. 179, XXXII: “A
instrução primária é gratuita a todos os cidadãos”. Ocorre que grande parte da
população brasileira não tinha acesso ao ensino, pois negros, índios e mulheres não
eram “cidadãos”, o que limitava o alcance da norma. Apesar dessas limitações
históricas, que restringiu o avanço da proteção ao direito à educação naquele
período, há de se ressaltar a importância da sua inserção no texto constitucional,
uma vez que representa o início da construção do direito à educação nos textos
constitucionais brasileiros.
Outro ponto de destaque na Constituição de 1824 é a subjetivação e a
positivação dos direitos do homem, que segundo Silva (1998, p. 171) “foi a primeira
Constituição do mundo a fazê-lo”.
Art. 179. A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos
brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a
propriedade, é garantida pela Constituição do Império.
Em 1889 inicia-se o período republicano no Brasil e, em 1891, é elaborado
novo documento constitucional: a Constituição da República dos Estados Unidos do
Brasil. Como Rui Barbosa não fora eleito para Presidente da recém criada
República, manteve-se a mesma mentalidade colonialista do período imperial.
Omissa quanto ao direito à educação, deixou a critério das Constituições estaduais a
regulamentação do ensino. Assim, a primeira Constituição brasileira do período
republicano, na contramão dos demais textos constitucionais da era dos direitos
humanos sociais e fundamentais, não garantia em seu texto a proteção ao ensino
gratuito e universal.
74
A Constituição de 1934, fruto das transformações políticas e econômicas do
início do século XX, deu uma tônica diferente ao tema, dedicando um capítulo à
educação e cultura. Carregada dos valores democráticos e republicanos,
considerava a educação indispensável à formação da personalidade do indivíduo,
conforme preceitua o seguinte dispositivos.
Art. 149. A educação é direito de todos e deve ser ministrada pela família e
pelos Poderes públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a
estrangeiros domiciliados no Brasil de modo que possibilite eficientes
fatores da vida moral e econômica da Nação, e desenvolver num espírito
brasileiro a consciência da solidariedade humana.
Vê-se o notável avanço da Carta Magna de 1934 em relação a Constituição
anterior na definição dos objetivos traçados para a educação, sua importância para:
a formação do Estado Democrático e a construção de uma sociedade mais justa e
humanitária. O art. 150 determina que seja “ensino primário integral gratuito e de
freqüência obrigatória extensivo aos adultos”.
O texto de 1934, apesar de social, não definiu a educação como dever do
Estado; e nem sequer chegou a ser aplicado, porque, em 1937, ao ser instalado o
Estado Novo, regime ditatorial de Getúlio Vargas, foi substituído por uma nova
Constituição.
A Constituição de 1937 significou um retrocesso no que se refere aos direitos
sociais, em especial ao direito à educação. O Estado Novo não assumiu o papel de
promotor do ensino primário.
Art. 130. O ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade porém não
exclui um dever de solidariedade dos menos para os mais necessitados;
Assim, por ocasião da matrícula, será exigida aos que não alegarem, ou
notoriamente não poderem alegar escassez de recurso, uma contribuição
módica e mensal para caixa escolar.
A Carta de 1937 estabelece que o dever primeiro na educação é dos pais,
cabendo ao Estado apenas o dever de colaborar e complementar as deficiências da
75
educação, como se verifica na redação do artigo 125:
Art. 125. A educação integral da prole é o primeiro dever e direito natural
dos pais. O Estado não será estranho a esse dever, colaborando, de
maneira principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as
deficiências e lacunas da educação particular.
Com o fim do Estado Novo e a redemocratização do País, há também uma
nova Constituição - a Carta de 1946 -, que recuperou os direitos sociais da
Constituição de 1934. Nela é determinado que a educação é direito de todos,
devendo ser ministrada no lar e nas escolas pelos poderes públicos e pela iniciativa
privada, firmando a obrigatoriedade do ensino primário gratuito nas escolas oficiais.
Reforça no art. 166 o princípio da solidariedade no direito educacional: “A educação
é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve inspirar-se nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana”.
Destaca-se, segundo Silva, citado por Muniz (2002, p. 82), que “na
Constituição de 1946, pela primeira vez, a inserção do direito do homem à vida, em
substituição ao termo - subsistência”.
Em 1961 entra em vigor a Lei de Diretrizes e Bases da Educação,
estabelecendo que, em caso de comprovados o estado de pobreza dos pais, a
insuficiência de escolas, doença ou anomalia grave da criança, dentre outros,
haveria isenção da obrigatoriedade do Estado na oferta do ensino primário
obrigatório. Abriu-se a porta da discricionariedade do poder público na oferta do
ensino, tornando-a assim menos efetiva.
A Constituição de 1967 tratou da educação afirmando que se trata de um
direito de todos os indivíduos entre 7 e 14 anos de idade. A educação deveria ser
transmitida no lar, pela família e na escola, devendo se inspirar nos princípios da
unidade nacional e nos ideais de liberdade e solidariedade.
76
A Emenda à Constituição n. 1, de 1969, alterou o direito à educação
consideravelmente, definindo-o como dever do Estado, conforme o dispositivo
abaixo:
Art. 176. A educação inspirada no princípio da unidade nacional e nos
ideais de liberdade e solidariedade humana, é direito de todos e dever do
Estado, e será dada no lar e na escola.
5.4.1 A Constituição de 1988 e o direito ao ensino fundamental
A Constituição promulgada em 1988 trouxe novamente a esperança de um
direito à educação positivado e efetivado. Fruto da luta incansável de toda a nação
brasileira, a Constituição marcou definitivamente a redemocratização do País,
coroando a sociedade com avanços extraordinários na proteção dos direitos
individuais e coletivos. A educação foi elevada, de acordo com a doutrina mais atual,
à categoria de direito fundamental do homem. Integrante do direito à vida, ele deve
ser preservado como tal, conforme preceitua Renato Di Dio:
Admitindo-se que o direito fundamental é o direito à vida, o direito à
educação surge como seu corolário. Com efeito, quando se preserva a vida,
procura-se protegê-la para que seja uma vida digna, plena, produtiva e feliz.
Se assim é, a educação apresenta-se como condição dessa dignidade,
plenitude, produtividade e felicidade. Preservar-se a vida sem que, ao
mesmo tempo, se criem condições para que o indivíduo desenvolva e
atualize todas as suas potencialidades, mais que um absurdo lógico, é uma
claudicação moral. Manter-se o indivíduo vivo sem que se lhe garantam as
possibilidades de realizar seus anseios naturais é assegurar uma
expectativa antemão frustrada. Mesmo porque o direito à vida não se cinge
à preservação biológica, mas se estende aos valores psicológicos, sociais,
políticos e morais, que, sem um mínimo de educação não chegarão a existir
para o ser humano (DI DIO, 1982, p. 88).
O tema “educação pública” gerou longos debates na Constituinte de 1988.
Segundo Aranha (1989, p. 223), “muitos foram os confrontos e pressões, inclusive
da escola particular, desejosa de manter o acesso às verbas públicas garantidas
77
pela Constituição anterior”. Destacou-se na defesa da educação pública o Prof.
Florestan Fernandes4, então deputado pelo Partido dos Trabalhadores. Ao fim,
proclamada a Constituição em 5 de outubro de 1988, viu-se que a luta dos
defensores da educação pública foi vitoriosa, sendo incluídas no texto constitucional
muitas garantias, dentre as quais são destaca-se:
•
Ensino fundamental obrigatório e gratuito;
•
Acesso ao ensino obrigatório e gratuito como direito público subjetivo;
•
Gratuidade do ensino público;
•
Plano nacional de educação visando à articulação e ao desenvolvimento do
ensino em seus diversos níveis;
•
Integração das ações do Poder Público de forma a dar um fim ao analfabetismo,
melhoria da qualidade do ensino, etc.
O direito à educação perante a atual Constituição brasileira é juridicamente
classificado como direito social, compreendido na concepção contemporânea dos
direitos humanos fundamentais de segunda geração. Silva (1992, p. 258) declara
que “direitos sociais são os pressupostos para o gozo dos demais direitos
individuais, para o exercício efetivo da igualdade garantida formalmente, ou seja,
4
Florestan Fernandes - vendedor de produtos farmacêuticos quando, aos 18 anos, ingressou na
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo em 1947, formando-se
em ciências sociais. Doutorou-se em 1951 e foi assistente catedrático, livre docente e professor
titular na cadeira de sociologia, substituindo o sociólogo e professor francês Roger Bastide em
caráter interino até 1964, ano em que se efetivou na cátedra. O nome de Florestan Fernandes
está obrigatoriamente associado à pesquisa sociológica brasileira. Sociólogo e professor
universitário com mais de cinqüenta obras publicadas, transformou as ciências sociais no Brasil e
estabeleceu um novo estilo de pensamento. Na educação Florestan vai criticar a pedagogia
tradicional, que criava um educador distante do processo social e não engajado na tarefa de
transformação da sociedade. Influenciado por Dewey e pelo seu discípulo (de Dewey), Anísio
Teixeira, Florestan defendeu uma escola pública de qualidade acessível a todos os brasileiros.
Para ele não existe Estado e sociedade democrática sem uma Educação democrática. E a escola
pública gratuita é a única capaz de promover a democracia. E para isso a Educação precisa estar
vinculada ao pensamento socialista, para que possa ser a chave da construção coletiva de formas
mais simples e compensadoras de sociedade e de civilização. ...
78
igualdade perante a lei”, conforme os dispositivos abaixo:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantido aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade.
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
[...]
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.
O fundamento dos direitos sociais encontra-se na constatação de que o
homem não poderá usufruir de uma vida digna, plena e enriquecedora, se não forem
satisfeitas suas necessidade básicas, dentre elas, o direito à educação.
O Capítulo I, que estabelece os direitos e deveres individuais e coletivos, está
inserido no Título II - Dos direitos e garantias fundamentais -, assim como o art. 6º,
situado no Capítulo II. Por conseguinte, o Título II trata do direito à educação no art.
5º, quando se refere ao direito à vida, já que a educação está inserida na vida, e
também no art. 6º, quando expressamente declara o direito à educação.
A Constituição da República Federativa do Brasil trata da educação em
diversas normas do Título VIII - Da ordem social -, no Capítulo III, Seção I, em
sintonia com a tendência mundial de promover a justiça social e os direitos humanos
fundamentais.
O art. 206 do texto constitucional estabelece quais os princípios que devem
ser observados ao ser ministrado o ensino; o art. 208 estabelece as metas e
objetivos a serem alcançados e seu § 2º diz que o não-oferecimento ou oferecimento
irregular importam responsabilidade da autoridade competente; o art. 210 delega ao
79
legislador ordinário a fixação dos conteúdos mínimos para o ensino fundamental; o
art. 212 prevê a aplicação compulsória de receitas de impostos na educação, com
possibilidade de intervenção do ente federal em caso de não observância.
5.4.1.1 Eficácia e aplicabilidade
A garantia de um direito expresso no texto constitucional não significa que o
direito está garantido no plano material. É necessário que ele alcance a sua eficácia,
do contrário será letra morta, apesar de estar elevado à categoria de direito
constitucional. Quando se fala de normas que definem direitos fundamentais, estas
têm aplicação imediata, conforme estabelece a própria Constituição no seu art. 5º, §
1º: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação
imediata”.
Não há dúvidas quanto à eficácia quando se analisam os direitos
fundamentais individuais, os que têm status negativus, ou seja, não dependem de
ação do Estado, conforme ensina Lima (2003, p. 26); quando, porém, se avaliam as
normas que exigem ações positivas do Estado, as que têm o status positivus
libertatis, que precisam de prestações do Estado, passa-se a enfrentar dificuldades
para a sua consecução. Na medida em que se considera a educação como um
direito social, apresenta-se o argumento de que, como tal, para se ter eficácia,
depende-se de recursos financeiros. É bem verdade que os direitos sociais, em
especial o direito à educação, requer recursos financeiros para serem oferecidos;
mas também é verdade ser este um argumento frágil, visto que os impostos pagos já
contemplam os custos da educação. E mais, a própria Constituição estabeleceu as
fontes de recursos. Se não fosse assim, para que positivá-los? Aceitar que a
80
concretização
dos
direitos
sociais
dependem
da
discricionariedade
dos
administradores públicos, que se escondem no argumento da falta de recursos, é
fadá-los à morte.
São pertinentes os ensinamentos de Muniz (2002, p. 92) ao asseverar que “o
fundamento dos direitos sociais, em especial o direito à educação, encontra-se na
constatação de que o homem não poderá viver uma vida plena, digna,
enriquecedora, se não lhe forem satisfeitas as necessidades básicas”. Assim sendo,
o Estado não pode se furtar de tal dever sob alegação de inviabilidade econômica ou
de falta de normas de regulamentação.
Assim também entendem alguns constitucionalistas, a exemplo de Marcos
Augusto Maliska, que ensina:
A questão aqui discutida exige considerar o significado e o alcance da
norma constante do art. 5º, $ 1º, da Constituição Federal. Quanto à questão
de que o dispositivo estaria reduzido às normas do art. 5º, tal entendimento
pode ser afastado pela simples interpretação literal da norma que se refere
a ‘direitos e garantias fundamentais’. Desta forma, a localização tópica da
norma não serve como critério para justificar tal entendimento restritivo.
Uma interpretação sistemática e teleológica conduzirá aos mesmos
resultados, uma vez que ao utilizar a expressão ‘direitos e garantias
fundamentais’, o constituinte buscou atingir a totalidade da normas do Título
II, o que inclui também os direitos políticos, de nacionalidade, os direitos
sociais e não apenas os direitos e garantias individuais e coletivos
(MALISKA, 2001, p. 106-107).
No mesmo caminho trilham outros constitucionalistas a exemplo de:
a) José Afonso da Silva que diz:
O Título II da Constituição contém a declaração dos direitos e garantias
fundamentais, incluindo aí os direitos individuais, coletivos, sociais, de
nacionalidade e políticos. O art. 5º, $ 1º, por seu lado, estatui que ‘as normas
definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata’.
Isso abrange, pelo visto, as normas que revelam os direitos sociais nos
termos dos arts. 6º a 11º [...] Então, em face dessas normas, que valor tem o
disposto no $ 1º do art. 5º, que declara todas de aplicação imediata? Em
primeiro lugar, significa que elas são aplicáveis até onde possam, até onde
as instituições ofereçam condições para o seu atendimento. Em segundo
lugar, significa que o Poder Judiciário, sendo invocado a propósito de uma
situação concreta nelas garantida, não pode deixar de aplicá-las, conferindo
ao interessado o direito reclamado, segundo as instituições existentes
(SILVA, 1999, p. 165).
81
b) Alexandre Moraes:
Em regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais
democráticos e individuais são de eficácia e aplicabilidade imediata. A
própria Constituição Federal, em uma norma-síntese, determina tal fato
dizendo que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata. As exceções ficaram por conta de expressa previsão
constitucional (Por exemplo, art. 7º, inciso I). Essa declaração pura e
simplesmente por si só não bastaria se outros mecanismos não fossem
previstos para torná-la eficiente (MORAES, 2002, p. 446).
O direito à educação, então, de acordo com a Constituição em vigor no Brasil
e também com a doutrina contemporânea, é um direito fundamental e social, dotado
de eficácia plena e imediata e de acionabilidade, uma vez que a própria Constituição
fornece mecanismos para torná-lo efetivo.
O constituinte originário, se não bastasse, mas no intuito de não deixar à
mercê de interpretação, deu ao direito ao ensino fundamental o status de direito
público subjetivo. Sabedor da importância da efetividade deste direito, como
instrumento necessário para o próprio exercício do direito de liberdade que lhe é
também constitucionalmente assegurado, não podendo ficar a reserva do possível,
deu aos destinatários a chave para buscar sua aplicabilidade imediata, tal qual está
na texto constitucional.
Definindo desse modo no art. 208, § 1º, que “O acesso ao ensino obrigatório e
gratuito é direito público subjetivo”, o Estado tem o dever de entregar a prestação
educacional e, não o fazendo, resta ao indivíduo a faculdade de socorrer-se do
Judiciário para plena satisfação do seu direito. E o mesmo artigo, no § 2º, estabelece
que o seu oferecimento deve ser de forma regular, do contrário caberá a
responsabilização das autoridades competentes: “O não oferecimento do ensino
obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular importa responsabilidade da
autoridade competente”.
Em observância aos ditames constitucionais, o art. 5º da Lei n. 9.394/1996
82
(Lei de Diretrizes e Bases da Educação) e o art. 54, § 1º, da Lei n. 8.069/1990
(Estatuto da Criança e do Adolescente) dispõem também ser o ensino fundamental
direito público subjetivo.
Oferecer o ensino fundamental é o grande desafio do Estado no campo da
educação. O constituinte, ao estabelecer que o acesso ao ensino obrigatório e
gratuito é um direito público subjetivo, quis dizer que é exigível por parte do seu
titular. Os comentários de Bastos sobre o referido dispositivo da Constituição são os
seguintes:
O direito subjetivo é a permissão para exigir, no caso de violação da norma
jurídica que o estabelece, o cumprimento desse direito por parte do Poder
Público. Pode ainda ser definido como uma espécie de poder, que se traduz
nas prerrogativas do titular desse direito de buscar a obtenção do efeito
jurídico advindo da norma. [...] Portanto, a educação concebida como um
direito público subjetivo significa que o particular dispõe da faculdade de
exigir do Estado o cumprimento da prestação educacional pelo próprio
Estado. Nossa Constituição visa, sobretudo, à promoção da educação. Para
que isso se concretize serão utilizados todos os meios possíveis para
efetivá-la como um direito público subjetivo (BASTOS; MARTINS, 1998, p.
555).
Da forma como está disposto na Constituição, em especial no art. 208, §§ 1º e
2º, o direito à educação que tem o status de direito público subjetivo é o ensino
fundamental, ou seja, aquele que compreende da 1ª à 8ª série. Apenas este é direito
público subjetivo exigível perante o Estado, que tem a obrigação de oferecê-lo de
forma satisfatória. Entendeu o constituinte que essa etapa da educação, sem
desmerecer as demais, é imprescindível para qualquer indivíduo e vital para a
construção de uma sociedade democrática, que tem como pretensão se desenvolver
em estrito respeito à dignidade da pessoa humana.
5.5 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
83
A legislação infraconstitucional tem integralizado de forma incontestável a
Constituição no que se refere ao direito à educação. Em ordem cronológica, temos
três diplomas legais que atestam a afirmação acima: Lei n. 8.069/1990 (Estatuto da
Criança e do Adolescente - ECA); Lei n. 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional - LDB), Lei n. 10.172/2001 (Plano Nacional da Educação - PNE).
No atual estágio da sociedade, o Estado não mais desempenha o papel de
criador e de tutor da sociedade civil, mas desempenha o papel de articulador,
reordenando as transformações provenientes da sociedade, organizando-a para o
exercício da cidadania popular. Nesse sentido, o Estatuto da Criança e do
Adolescente é o símbolo do novo Estado que se deslumbra.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, comumente chamado de ECA, veio
para atender à demanda constitucional do art. 227, o qual determinava que fossem
integralizados através de uma norma específica os direitos da criança e do
adolescente. Materializando as transformações ocorridas na ordem social, o ECA
substituiu o Código de Menores, estabelecendo a partir de então um novo conceito
de proteção integral da criança e do adolescente. Estes passaram a ser
reconhecidos como sujeitos de direitos, logo, cidadãos, proclamando assim, de
acordo com a Constituição e os documentos internacionais, a doutrina da proteção
integral.
Na trilha da afirmação acima, acha-se Coelho, citado por Cury:
Os direitos de todas as crianças e adolescentes devem ser universalmente
reconhecidos. São direitos especiais e específicos, pela condição de
pessoas em desenvolvimento. Assim, as leis internas e o direito de cada
sistema nacional devem garantir a satisfação de todas as necessidades das
pessoas de até dezoito anos, não incluindo apenas o aspecto penal do ato
praticado pela ou contra a criança, mas o seu direito à vida, à saúde, à
educação, convivência, lazer, profissionalização, liberdade e outros
(COELHO apud CURY, 2003, p. 15).
A Constituição da República Federativa do Brasil, ao considerar a criança e o
84
adolescente como sujeitos de direitos, reconhecendo neles os mesmos direitos de
toda pessoa humana e mais aqueles decorrentes de serem pessoas ainda em
desenvolvimento, reconhece que eles possuem efetivamente o direito de exercê-los,
inclusive o acesso à justiça em sua defesa e para sua concretização. Isso significa
que a criança e o adolescente, sujeitos de direitos, efetivamente podem ser
cidadãos, uma vez que os seus direitos já foram abrangidos pelo ordenamento
jurídico.
O direito da criança e do adolescente no Brasil percorreu um longo caminho
até a sua consagração em 1988. No período monárquico, as normas tinham um
caráter mais próximo da idéia de manutenção da situação vigente do que de real
proteção. O Brasil vivia um período de escravidão e toda a legislação tinha como
objetivo a manutenção da mão-de-obra representada pela criança e pelo
adolescente. Em 1871, graças a uma forte pressão internacional, a Lei do Ventre
Livre libertou os filhos de escravas que nascessem a partir de então. A medida,
apesar de positiva do ponto de vista de ser um passo dado no sentido de pôr fim à
escravidão, trouxe um problema social. Com a libertação dos filhos e a manutenção
dos pais escravos, passou-se a ter um contingente de filhos sem pais, que
permaneciam na senzalas.
Com o fim da escravidão em 1888, o Estado foi pressionado pela sociedade
para ter uma participação efetiva na proteção e assistência à criança, tarefa que era
exercida quase na totalidade pela Igreja.
Em 1927, em resposta aos reclamos da sociedade, foi elaborado o Código de
Menores, que disciplinava a assistência à infância, preconizando que, em vez de
punir, dever-se-ia educar as crianças e os adolescentes. Com essa disposição,
houve um choque com o Código Civil de 1916, segundo o qual o pai detinha o pátrio
85
poder e o exercia sobre a sua estrutura familiar sem interferência do Estado. O
Código de Menores punha limites ao pátrio poder, podendo até mesmo perdê-lo o
pai que não pudesse ou não quisesse promover a educação do filho.
A Constituição de 1937 foi a primeira a proteger o menor de 18 anos: proibiu
que menores de 14 anos trabalhassem; que menores de 16 anos realizassem
trabalho noturno, e que menores de 18 anos trabalhassem em condições insalubres.
Em 1979, uma versão do Código de Menores foi elaborada na tentativa de
superar as incorreções e sanar as omissões do código em vigor. Infelizmente, tal
qual o código de 1927, o atual restringia a sua abrangência aos que se encontravam
nas chamadas “situações irregulares” (menores infratores, vítimas de maus-tratos,
por exemplo). Falhou ainda quando não reconheceu as crianças e os adolescentes
como cidadãos, sujeitos de direitos, carecedores de proteção em razão da sua
situação de desenvolvimento.
O ECA, na trilha da Constituição de 1988 e dos instrumentos internacionais,
como a Convenção dos Direitos da Criança aprovada na Assembléia da ONU de
1989, reconhece definitivamente os seus destinatários como sujeitos de direitos,
verdadeiros cidadãos, dando-lhes os instrumentos jurídicos para reivindicá-los.
No art. 1º estabelece que “Esta lei dispõe sobre a proteção integral à criança
e ao adolescente”. No artigo 3º dispõe:
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais
inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata
esta lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Os direitos assegurados aos jovens pela Constituição e pelo Estatuto,
principalmente o direito à educação, além de concretizarem princípios de direitos
humanos, são fundamentais para a construção de uma sociedade justa e, sobretudo,
86
para a elevação de tais indivíduos ao verdadeiro significado de ser humano.
O direito à educação foi positivado no Estatuto da Criança e do Adolescente
nos arts. 53 e 54, assim como a Constituição estabelece a prioridade para o ensino
fundamental, os objetivos desse direito, e a responsabilidade por fazer se efetivá-lo,
respectivamente.
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno
desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e
qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - direito de ser respeitado por seus educadores;
III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias
escolares superiores;
IV - direito de organização e participação em entidades estudantis:
V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.
Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo
pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais.
Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele
não tiveram acesso na idade própria;
[...]
§ 1º Acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2º O não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público ou sua
oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente.
Nos comentários de Hélio Xavier Vasconcelos sobre o Artigo 53 do Estatuto
da Criança e do Adolescente aprende-se o seguinte:
Tem-se claro, portanto, que o Estatuto assegura, coerentemente, uma
educação voltada para o pleno desenvolvimento da pessoa, o que torna
explícita a prática para a cidadania e a capacitação para o trabalho.
[...]
Assegurando esse direito, o Estatuto deseja e quer que todas as crianças e
adolescentes brasileiros tenham uma escola pública gratuita, de boa
qualidade, e que seja realmente aberta e democrática, capaz, portanto, de
preparar o educando para o pleno e completo exercício da cidadania.
(VASCONCELOS, 2003, p. 193).
Vê-se que o Estatuto é o instrumento mais forte nos sentido de efetivar o
direito à educação, uma vez que se destina à proteção integral com absoluta
87
prioridade das crianças e adolescentes. Estabelece explicitamente:
•
dever da família, da comunidade e do Poder Público em assegurá-la;
•
o acesso à Justiça para a sua efetivação;
•
a perda do pátrio poder em razão do não cumprimento do dever de educar;
•
a legitimação do Ministério Público, das associações e dos entes federativos em
defesa do direito individual, difuso e coletivo à educação;
•
o ensino fundamental obrigatório como direito subjetivo.
Além de regulamentar, oferece ainda os instrumentos que possibilitam a sua
concretização por via extrajudicial e também judicial. Ou seja, o ECA, além de
assegurar o direito à educação para as crianças e os adolescentes, e de estabelecer
o dever do Estado em ofertar o direito ao ensino fundamental, ainda oferece
mecanismos que possibilitam a sua concretização e a responsabilidade por sua
garantia. Se o direito à educação não for assegurado pelos pais ou se não for
ofertado pelo Poder Público, o Estatuto confere instrumentos para a sua efetivação.
Para que isso aconteça é fundamental a participação do Ministério Público como
legitimado a “zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados
às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais
cabíveis”, conforme disposto no art. 201, VIII, do diploma legal.
5.6 LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL
Promulgada a Constituição, restava aprovar à lei complementar detalhar as
diretrizes e bases da educação nacional. A LDB anterior somente foi elaborada 15 anos
após a promulgação da Constituição de 1946, ou seja, em 1961. Em razão desse lapso
88
temporal, o fruto não foi outro senão um texto ultrapassado. Restava ao Legislativo não
cometer o mesmo erro de outrora, porém, apesar dos esforços da sociedade civil e de
alguns parlamentares sensíveis à questão educacional, passaram-se oito anos entre a
promulgação da Constituição e a aprovação da nova LDB.
Em atenção ao art. 22, XXIV, da Constituição Federal de 1988, que
estabelece a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases
da educação nacional, foi aprovada em 20/10/1996 a Lei n. 9.394 - Lei de Diretrizes
e Bases da Educação, que passou a reger o sistema escolar brasileiro em
substituição à Lei n. 4.024/1961.
Em cumprimento aos arts. 205 e 214 da Constituição de 1988, a nova LDB
passa a regulamentar a educação escolar, da infantil à superior, a ser desenvolvida
em instituições específicas, com a participação das famílias e da sociedade, assim
dispondo:
Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem
na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de
ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade
civil e nas manifestações culturais.
§ 1º Esta lei disciplina a educação escolar que se desenvolve,
predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.
§ 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e a
prática social.
A presente norma inovou ao tratar a educação de forma abrangente,
compreendendo
o
processo
de
escolarização
que
se
desenvolve
nos
estabelecimentos de ensino, e de pesquisa em todos os graus, bem como na
formação que ocorre no seio da família, no trabalho e na convivência humana em
geral. Trata, dentre outras questões, da gestão democrática do ensino público, da
autonomia das escolas, dos níveis e modalidades de educação e de ensino, da
formação e valorização do magistério e dos recursos financeiros.
89
Reafirma o texto constitucional no que se refere aos fins da educação, que é
responsável pela preparação do homem, a fim de que ele possa explorar o seu
potencial integralmente e enfrentar os desafios da vida. Em seguida, a LDB diz que a
escola deve integrar-se à realidade do educando, partindo da premissa de que a
escola desligada do seu meio social é tanto alienada quanto alienante, tendo vista
que os conhecimentos adquiridos devem ser de utilidade para o aluno, tanto na
questão profissional quanto na social.
O art. 21 organiza a educação escolar brasileira, definindo-a da seguinte forma:
A educação escolar compõe-se de:
I - educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e
ensino médio;
II - ensino superior;
O art. 32 estabelece que o ensino fundamental oferecido em escolas públicas
e privadas não é restrito aos que estejam na faixa etária entre 7 e 14 anos, mas a
todos aqueles que não tiveram oportunidade de acesso ao ensino na faixa etária
determinada. A Constituição e, na sua trilha, a LDB, reconhecem que o acesso ao
ensino fundamental é elemento essencial para que o indivíduo se integre na
sociedade, adquira condições de ingresso no mercado de trabalho e exerça
plenamente a sua cidadania, tendo participação na sociedade.
Motta cita Carnoy, que assevera:
A educação desempenha um papel crucial na promoção do
desenvolvimento humano e nacional. [...] Segundo os milhares de estudos
que avaliam uma geração de experiência educacional, a educação de uma
criança é seu passaporte para uma vida mais saudável e produtiva. Ao
oferecer uma educação básica a todas as crianças, criamos a estrutura
necessária para uma sociedade mais saudável e produtiva - capaz de
sustentar o desenvolvimento e garantir sua plena participação no mundo em
rápido processo de transformação (CANOY apud MOTTA, 1997, p. 287).
É inquestionável a importância do ensino fundamental na formação e
consolidação do Estado Democrático; é condição mínima para o desenvolvimento
90
humano e para a realização dos fundamentos constitucionais da dignidade da pessoa
humana e da cidadania. A efetivação desse direito é condição necessária para que se
tenha uma sociedade mais justa e humana. A LDB constitui-se em mais um
instrumento na luta pela efetivação desse direito, que não se limita a garantir o acesso à
escola, mas ao direito de nela permanecer, com ensino de qualidade, garantindo ao
educando a suplementação de material didático-escolar, transporte, etc.
Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado
mediante a garantia de:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele
não tiveram acesso na idade própria;
[...]
VIII - atendimento ao educando no ensino fundamental público, por meio de
programas suplementares de material didático-escolar, transportes,
alimentação e assistência à saúde;
Segundo Sari,
embora a LDB apresente algumas contradições e omissões, é quase
unânime entre os autores que ela trouxe uma nova esperança para toda a
sociedade, pois é inovadora no seu texto, aponta para uma mais
flexibilização da estrutura escolar, para a descentralização e avaliação do
ensino. (SARI, 2004, p. 72).
Por tudo isso, entende-se que é um marco na luta pela educação pública de qualidade.
5.7 PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
Em cumprimento ao que determina o art. 214 da Constituição e o art. 87, § 1º,
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em 9 de janeiro de 2001 foi aprovada a
Lei n. 10.712 (Plano Nacional de Educação - PNE), que contém as diretrizes e as
metas da educação para um decênio.
Plano Nacional de Educação (PNE):
Art. 87. É instituída a década da Educação, a iniciar-se um ano a partir da
91
publicação da Lei.
§ 1º A União, no prazo de um ano a partir da publicação desta lei,
encaminhará ao Congresso Nacional o Plano Nacional de Educação, com
diretrizes e metas para os dez anos seguintes, em sintonia com a
Declaração Mundial sobre Educação para todos.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:
Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração
plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus
diversos níveis e à integração das ações do Poder Público que conduzam à:
I - erradicação do analfabetismo;
II - universalização do atendimento escolar;
III - melhoria da qualidade de ensino;
IV - formação para o trabalho;
V - promoção humanística, científica e tecnológica do País.
A elaboração do Plano Nacional de Educação seguiu o que determina a
Constituição vigente, a LDB e as recomendações da Unesco, e visa determinar as
prioridades que devem nortear as políticas educacionais, contemplando todos os
níveis de educação. As principais metas podem ser definidas em síntese como:
a) elevação global do nível de escolaridade da população;
b) melhoria da qualidade de ensino em todos os níveis;
c) redução das desigualdades sociais e regionais no tocante ao acesso e à
permanência na educação pública;
O PNE estabelece a Década da Educação, afirmando que os objetivos, as
metas e as prioridades do ensino brasileiro devem ser cumpridas em dez anos, com
a participação da sociedade civil que, interessada no aprimoramento das crianças e
adolescentes, participa do acompanhamento e da avaliação do Plano.
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA),
os Conselhos Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, os
Conselhos Tutelares e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
92
Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), organizados nos três níveis
da administração, têm co-responsabilidade pela condução do PNE. É preciso então
elaborar os planos estaduais e municipais de educação, todos coerentes com PNE,
articulando-se as ações da União, dos Estados e dos Municípios para a consecução
das metas estabelecidas para um decanato. Isso está ainda em processo de
construção, por meio de reuniões e outros eventos, como o Seminário Nacional de
Implementação do PNE, incluindo representações dos três níveis de governo, do
Congresso Nacional, da sociedade civil e de organismos internacionais, conforme
esclarece Sari (2004, p. 73). Salienta ele que “há mecanismos legalmente previstos
para a realização de avaliações periódicas e o acompanhamento de sua
implementação, cabendo aos Planos Plurianuais das três esferas de Poder darem
suporte à consecução de seus objetivos e metas”.
O PNE elaborou um diagnóstico dos problemas do ensino fundamental no
Brasil, com dados fornecidos pelo MEC e INEP. Pela análise dos dados, verificou-se
que no ensino fundamental, dentre vários problemas, um se destacava: a
discrepância entre a idade do aluno e a série que cursa. Segundo os dados
levantados, as matrículas do ensino fundamental estavam em torno de 35 milhões
de alunos, entretanto, os dados demonstravam que 8 milhões desses alunos tinham
idade superior à adequada para o ensino fundamental, ou seja, 25% do total
matriculado estavam acima da faixa de sete a quatorze anos.
Um outro dado interessante do diagnóstico realizado pelo MEC/INEP
demonstra que há uma séria discrepância entre o ensino fundamental da escola
pública e o da escola particular. O sentimento geral é de que, realmente, há uma
diferença, mas ela se apresentou gritante. De cada cem crianças de escolas
públicas, 36 estão atrasadas nos estudos, ao passo que, na escola particular, esse
93
número cai para 6, o que representa uma diferença de 600% (MEC/INEP, 2004).
A efetivação do direito à educação fundamental é, sem dúvida, um desafio.
Há, contudo, que se articular os diversos diplomas normativos existentes a respeito
do tema e usá-los de forma a extrair deles o maior proveito.
5.8 DIREITOS INERENTES AO DIREITO AO ENSINO FUNDAMENTAL
Aliada a maior oferta de vagas no ensino fundamental, requer do Estado que
ele ofereça os meios necessários para que o educando tenha o maior proveito do
que lhe é oferecido. Para se atingir os objetivos constitucionais, há que se estruturar
o sistema de ensino brasileiro, a fim de que seja capaz de oferecer não somente
acesso, mas acesso com qualidade. Aliado ao maior número de vagas oferecido, é
necessário que também se garantam outros direitos, inerentes ao direito ao ensino
fundamental. Sem oferecê-los, se torna inócua a oferta de salas de aulas, pois eles
são a base para que se tenha efetivado o direito à educação.
São vários os direitos inerentes ao ensino fundamental, mas destacam-se três
essenciais:
a) o direito à merenda escolar;
b) o direito ao material escolar e ao transporte;
c) o direito a um ensino de qualidade.
94
5.8.1 Direito à merenda escolar
Pensar em educação de qualidade sem oferecer uma boa alimentação para
os educandos é tão inócuo quanto não oferecer a própria educação. O grande
destinatário da educação pública no Brasil é a parcela da população que vive abaixo
ou muito próximo da linha da pobreza absoluta. São crianças e adolescentes que
não têm o mínimo da alimentação recomendável para pessoas em desenvolvimento.
Pensando nisso, o legislador brasileiro estabeleceu no art 208, inciso VII, da
Constituição que o direito à educação seja efetivado mediante a garantia de
atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas
suplementares, dentre os quais o de alimentação e o de assistência à saúde.
Também o art. 4º, inciso VII,I da Lei n. 9.394/1996 - LDB -, determina que sejam
garantidos os programas suplementares.
A Constituição Federal de 1988, ao estabelecer tal direito no art. 208, VII,
também aponta a fonte de custeio dos programas suplementares de alimentação e
assistência à saúde, definindo que serão financiados com recursos das contribuições
sociais e outros recursos orçamentários, estes especificados pelos arts. 211 e 212, §
4º, bem como o art. 60 e seus parágrafos, com as alterações introduzidas pela
Emenda Constitucional n. 14, de 12/9/1996.
A importância dada à alimentação não é outra senão o reconhecimento do
papel que um organismo nutrido pode desempenhar no desenvolvimento intelectual
e físico de uma pessoa.
95
5.8.2 Direito ao material escolar e ao transporte
Da mesma forma que o direito à merenda escolar, o direito ao material
escolar e ao transporte estão inseridos no bojo das garantias previstas para a
efetivação do direito à educação fundamental, fazendo parte do mesmo inciso VII do
art. 208.
No interesse de dar ao estudante a estrutura mínima que lhe permita o
acesso à escola, o legislador definiu que o aluno do ensino fundamental tem o direito
a receber gratuitamente o material escolar e o transporte. A essenciabilidade desse
direito encontra-se no fato de que a grande maioria dos alunos que usufruem da
educação pública são crianças cujos pais não têm condições financeiras que lhes
permitam adquirir o material escolar, e tampouco custear o transporte. Em
decorrência da carência desses dois elementos, fatalmente ocorre a desistência
escolar.
Afirma Lima que,
ao cuidar do direito à educação e do dever de educar, a Lei de Diretrizes e
Bases reforçou o atendimento ao educando do ensino fundamental por
meio de programas suplementares, reconhecendo-os como complemento
necessário ao propósito da universalização da educação fundamental.
(LIMA, 2003, p. 103).
O custeio do direito ao material escolar e ao transporte será feito através da
contribuição social do salário-educação.
Assim, o direito ao material escolar e ao transporte, como os demais direitos
complementares, faz parte do direito fundamental à educação e goza das mesmas
prerrogativas, cabendo à autoridade que os descumprir as penas estabelecidas na
LDB:
96
Art. 5º [...]
[...]
§ 4º Comprovada a negligência da autoridade competente para garantir o
oferecimento do ensino obrigatório, poderá ela ser imputada por crime de
responsabilidade.
5.8.3 Direito à qualidade do ensino
A Constituição Federal de 1988 determina no art. 206 que seja garantido,
como princípio norteador do ensino brasileiro, o padrão de qualidade da educação.
Para garantir a qualidade desejada, o legislador não mediu esforços, estabelecendo
a formulação do Plano Nacional de Educação, cujo objetivo é articular os diversos
níveis de governo para integrar as ações de forma a conduzir a erradicação do
analfabetismo, a universalização do ensino, dando ênfase ao ensino fundamental.
Estabeleceu as fontes de recursos e ainda definiu que, não sendo suficientes para
suprir os gastos com a educação fundamental, os entes federados podem alterar as
alíquotas dos impostos de sua competência, de forma a suprir imediatamente a
diferença.
A discussão acerca do padrão de qualidade de ensino e o que o define é algo
controverso, havendo pouca concordância quanto aos critérios que possam defini-lo
como de alta ou baixa qualidade. A questão mais complexa é definir as
necessidades para a aprendizagem na educação fundamental. Ciente dessa
dificuldade, o legislador estabeleceu que seriam definidos os critérios de aplicação
dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
(FUNDEF), o que foi feito pela Lei n. 9.424/1996, arts. 13, e incisos, e 14, nos
seguintes termos:
97
Art. 13. Para ajustes progressivos de contribuições a valor que corresponda
a um padrão de qualidade de ensino definido nacional e previsto no art. 40,
§ 4º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias serão
considerados, observados o disposto no art. 2º, § 2º, os seguintes critérios:
I - estabelecimento do número mínimo e máximo de alunos em salas de
aulas;
II - capacitação permanente dos profissionais de educação;
III - jornada de trabalho que incorpore os momentos diferenciados das
atividades docentes;
IV - complexidade de funcionamento;
V - localização e atendimento da clientela;
VI - busca do aumento do padrão de qualidade.
Apesar de não atenderem ao propósito de parâmetros mais apurados, que
levem em consideração, por exemplo, o nível de aprendizado do aluno, a
capacitação do professor, etc., o estabelecimento legal desses critérios dá ao
cidadão a possibilidade de requerer judicialmente que eles sejam cumpridos,
visando à proteção de um direito líquido e certo, sendo o responsável pela nãoentrega da prestação administrativa do Estado a autoridade pública coatora, que
infringiu a lei, conforme leciona Lima (2003).
O Ministério da Educação e Cultura (MEC), através do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), utiliza outros indicadores, mais apurados,
para avaliar a qualidade do ensino, que levam em consideração fatores que
determinam de fato se o ensino oferecido está sendo eficaz. Com base nos dados
do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), que verifica o
desempenho dos alunos pela proficiência - conjunto de habilidades cognitivas dos
alunos desenvolvidas no processo de escolarização: o que sabem, compreendem e
são capazes de fazer -, obtém-se a demonstração do padrão de qualidade da
educação, certamente levando em consideração outros indicadores. Contudo, eles já
sinalizam para qual direção está a instituição de ensino ou o sistema educacional
como um todo.
98
A baixa qualidade na educação brasileira tem levado ao desenvolvimento de
um mal silencioso, que vem condenando várias gerações de brasileiros a um futuro
desastroso. Tão grave quanto à carência de vagas escolares ou o analfabetismo, é o
analfabetismo funcional - entendido como a alfabetização insuficiente para o
exercício de funções básicas -, que é o maior dos danos causados pela baixa
qualidade no ensino. Não detectados pelas estatísticas brasileiras, por opção do
Estado em não contabilizá-los, contudo, os dados da última pesquisa do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2000) retratam que de cada 10 alunos
que concluem o ensino fundamental, 7 sabem minimamente ler e escrever, mas não
conseguem fazer a interpretação de um texto um pouco mais complexo ou fazer
uma operação matemática. E a pior constatação é de que essa dificuldade apontada
está presente em 12% dos alunos universitários.
A exclusão escolar no Brasil, apesar de aparecer em curva decrescente,
ainda é elevadíssima. Dados fornecidos pelo IBGE, em 1996, apontam que 2,7
milhões de crianças entre 7 e 14 anos estavam fora da escola, ou porque nunca
freqüentaram ou porque a abandonaram. O fato de haver crianças fora da escola
não significa a inexistência de vagas, mas relaciona-se também com a má qualidade
de ensino, a distorção idade/série e a precariedade das condições de vida de grande
parcela das famílias brasileiras. Não basta somente abrir vagas, mas são
necessários também a criação de programas paralelos de qualificação do ensino e
assistência à família e ao educando, para que tenham condições de promover o
acesso à escola e sua permanecerem nela.
É inquestionável o arcabouço jurídico que se criou em torno do direito à
educação, principalmente nas duas últimas décadas, todos eles unânimes em
estabelecer a importância de se efetivar a educação com qualidade e para todos.
99
É certo que não é mais um problema normativo a efetivação do direito ao
ensino fundamental de qualidade, da forma que a sociedade anseia, dependendo
agora de vontade política e de sensibilidade dos gestores públicos para
implementarem os meios que demonstrem e concretizem a relevância que a
educação desempenha no desenvolvimento humano e do país.
100
6 DA EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO ENSINO FUNDAMENTAL
A educação somente pode ser direito de todos se há escolas em números
suficientes e se ninguém é excluído delas, portanto, se há direito público
subjetivo à educação, o Estado pode e tem de entregar a prestação
educacional. Fora daí é iludir com artigos de Constituição ou de Leis.
Resolver o problema da educação não é fazer leis ainda que excelentes; é
abrir escolas tendo professores e admitindo alunos. (MIRANDA, 1963, p.
187).
Após a constatação do vasto aparato normativo existente, tanto constitucional
quanto infraconstitucional, algumas questões ainda persistem. Por que tantas
crianças de 7 a 14 anos, em idade de freqüentar o ensino fundamental, ainda estão
fora do sistema educacional? Por que a grande distorção idade-série? Enfim, o que
pode ser feito para a efetivação do direito ao ensino fundamental?
Antes de dar prosseguimento às questões acima, há que se descortinar um
aspecto ainda nebuloso: De quem é o dever de oferecer o ensino fundamental? É
importante, para o desenvolvimento deste trabalho, determinar quais os deveres
educacionais impostos ao Estado (nacional, estadual e municipal) pela Constituição
Federal.
O primeiro dever constitucional do Estado, neste tema, é o de realizar a
normatização infraconstitucional - arts. 22, XXIV, 23, V, 24, IX e 214 da CR/88 -, o
que vem sendo satisfatoriamente cumprido, por intermédio do Poder Legislativo.
Foram elaboradas no período pós Constituição, dentre outras, o Estatuto da Criança
e do Adolescente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o Plano
Nacional de Educação.
O art. 212 da Constituição Federal define as responsabilidades dos entes
federados na organização dos sistemas de ensino, no entanto, não exclui a
101
responsabilidade de colaboração.
Art. 212. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
organizarão em regime de colaboração seus Sistemas de Ensino.
§ 1º A União organizará o Sistema Federal de Ensino e dos Territórios,
financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria
educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir
equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade
do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios.
§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na
educação infantil.
§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino
fundamental e médio.
§ 4º Na organização de seus Sistemas de Ensino, os Estados e Municípios
definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do
ensino obrigatório.
O dever do Estado na manutenção da rede educacional estatal gratuita destinada
a oferecer o ensino fundamental, desdobra-se no dever de garantir o acesso à escola
aos que tenham idade entre 7 e 14 anos e no dever de diligenciar para que o educando
nela permaneça, evitando a evasão escolar (art. 208 da CR/88).
Sari (2004) assevera que nem a Constituição nem a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional fixam a idade própria para o ensino fundamental, no entanto,
tendo em vista ser dever dos pais matricular os filhos menores, a partir dos 7 anos art. 6º da LDB -, e o ensino fundamental ter duração de oito anos, é possível afirmar
que a idade própria é entre 7 e 14 anos, embora não se esgote nesse limite.
Segundo a autora,
tendo em vista que a maioria dos brasileiros, infelizmente, não teve
oportunidade de cursar ou concluir o ensino fundamental até os quatorze
anos e que o ECA (art. 2º) define como criança a pessoa até os doze anos
incompletos, e adolescente aquele com idade entre doze e dezoito anos,
explicitando o dever da família e do Poder Público de assegurar-lhes, com
absoluta prioridade, seus direitos, é possível outra interpretação, ou seja,
que a idade própria para o ensino fundamental obrigatório corresponde à
faixa etária dos sete aos dezoito anos (SARI, 2004, p. 77).
Constata-se,
portanto,
que
ficou
estabelecido
um
sistema
de
co-
responsabilidade entre os entes federados - União, Estados, Municípios e Distrito
102
Federal -, no sentido de proporcionar, em caráter prioritário, condições adequadas para
o acesso, a permanência e o sucesso de todos os alunos do ensino fundamental. Para
isso é necessário haver ações coordenadas entre os entes da Federação e a integração
dos respectivos programas, conforme escreve (LIBERATTI, 2004).
O dever do Estado perante a educação é determinado com base nos
fundamentos de cidadania e dignidade da pessoa humana. Para que o homem se
realize como tal é necessário que o Estado estruture a questão educacional. É uma
obrigação que deve ser considerada com muita seriedade pelos agentes públicos,
pois apesar de ser comprovada a importância da influência da família na formação
dos primeiros anos de vida, é inquestionável a atuação do Estado por meio de um
sistema de ensino adequado. A omissão do Poder Público pode gerar danos de
difícil reparação para os indivíduos, para a sociedade e para o próprio Estado.
A Constituição de 1988, ao atribuir competência educacional aos entes
federativos, promoveu a descentralização do ensino, reservando à União a
competência de legislar sobre as diretrizes e bases da educação, mas pretendeu
não padronizar o ensino. Ao contrário, permitiu que fossem respeitadas as
diferenças existentes entre os diversos entes federativo. Apesar de afirmar a
existência dos sistemas de ensino federal, estadual e municipal organizados em
colaboração, dispôs que os Municípios poderão organizar os seus próprios sistemas
de ensino, desde que não contrariem as leis em vigor e não se choquem com as
diretrizes nacionais.
Conforme dispõe o § 2º do art. 211 da CR/88, cabe ao Município atuar
prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil. Deflui dos
ensinamentos de Bastos (1998, p. 62) que ao Município não é vedado o
oferecimento do ensino médio ou superior, entretanto, só poderá fazê-lo após
103
oferecer a educação infantil e, principalmente, o ensino fundamental, porque este é
prioridade do Município.
A Emenda Constitucional n. 14/1996, no artigo 3º estabelece que a atuação
dos Estados e do Distrito Federal é prioritária no ensino fundamental e médio, ou
seja, que estão proibidos de ofertar outras modalidades de ensino antes de oferecer
satisfatoriamente o ensino médio e o fundamental.
Tem-se então que o dever de oferecer o ensino fundamental é do Município e
também do Estado e do Distrito Federal, que o constituinte o priorizou a ponto de
conceder atuação a mais de um ente federativo. E além disso, estabeleceu que a
União é co-responsável, devendo colaborar para a efetiva concretização do dessa
fase do ensino.
A omissão do Poder Público em cumprir suas referidas obrigações para com
seus educandos, que será analisada adiante, poderá ser sanada pela via judicial, na
qual também será perseguida a responsabilidade administrativa, civil e criminal do
administrador ou agente público a quem ela é atribuída.
6.1 A EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Durante séculos a educação foi oferecida de forma espontânea pela família,
que passava de geração em geração as suas tradições e as suas técnicas. Só mais
tarde, quando a família percebeu ser incapaz de transmitir tudo o que seus filhos
necessitavam, é que o ensino passou a ser ofertado sistematicamente em
instituições próprias, assim nos ensina Brandão (1995, p. 71).
Na Idade Média, a educação passou a ser atribuição e monopólio da Igreja,
104
embora exclusividade da minoria privilegiada. O ensino era ministrado pela Igreja
conforme os pensamentos e as idéias da classe dominante, já que tinha por objetivo
a manutenção dos privilégios, e não a capacitação para que as pessoas se
situassem no mundo em que viviam.
No Brasil não foi diferente, a Igreja, através dos Jesuítas5, chegou junto com
os colonizadores portugueses. Em 1549 fundam na Bahia a primeira de uma série
de escolas no Brasil. A ordem religiosa permanece no país e monopolizam o ensino
até meados do século XVIII, quando é expulsa pela coroa portuguesa. Segundo
Gadotti (1997, p. 2) o Marquês de Pombal, Primeiro-ministro de Portugal (17501777), defendendo idéias do despotismo esclarecido, empreendeu reformas no
campo educacional com uma incipiente luta pela escola pública. Nesta época
também ocorre a expulsão dos jesuítas sob a alegação “obscurantismo cultural e
envolvimento político”.
Em 1808 com a vida da família real para o Brasil, o foco da educação passou
a ser então a formação de uma elite governante e de militares. No ano de 1827, logo
depois da Independência do Brasil, foram criadas duas faculdades de Direito, uma
em São Paulo e outra em Recife. Também nesta época foram criadas duas
faculdades de Medicina, uma no Rio de Janeiro e outra em Salvador. Em 1838 é
inaugurada a primeira escola pública secundária, o Colégio Pedro II. Neste período,
cita Gadotti (1997) que o Brasil tinha aproximadamente 14 milhões de habitantes,
destes, cerca de 85% eram analfabetos.
Inicia o século XX, enquanto a maioria da população européia já está
alfabetizada, no Brasil a educação chega a uma minoria (SCHWARTZMAN, 2005, p.
16). Acreditando os governantes do início do século que a ignorância do povo era a
105
causa de todas as crises do país, criaram-se então diversas Escolas Normais de
formação de Professores primários. Registra também neste princípio de século o
surgimento do movimento de combate ao analfabetismo. Em 1924 é criada a
Associação Brasileira de Educação (ABE) que reunia grandes nomes da educação
nacional. A partir dela surgiu o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” em
favor do ensino fundamental público, gratuito e obrigatório (ARANHA, 1999, p. 137).
O ano de 1930 começa com o processo revolucionário liderado por Getúlio
Vargas. Com a revolução importantes transformações ocorreram no campo
educacional, destacando-se a criação, no mesmo ano, do Ministério da Educação e
Cultura. O primeiro ministro da Educação, Francisco Campos, criou o Estatuto das
Universidades Brasileiras, nesta época também foi criada a Universidade de São
Paulo (1934).
A partir de 1946, a Constituição determinou a fixação orçamentária para a
educação. Anualmente, a União teria que aplicar não menos que 10%, e os Estados,
Distrito Federal e Municípios, nunca menos que 25% dos valores arrecadados com
impostos.
Entre 1946 e 1964, curto período democrático, surgem diversos movimentos
populares em defesa da educação pública. Período de intensa efervescência da vida
democrática, as pessoas passam a se manifestar e a cobrar a efetividade dos
direitos de cidadania. No campo da educação destacam-se: a Campanha de
Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário, a de Erradicação do
Analfabetismo, a de Educação de Adultos e a de Educação Rural.
O golpe militar de 1964 interrompeu reformas importantes que vinham sendo
implantadas no país, influenciadas, sobretudo, pelo educador Paulo Freire. No inicio
5
Ordem religiosa católica, fundada por Inácio Loyola, em 1534.
106
dos anos 70 a educação obrigatória passou de 4 anos para 8 anos. Assim o ensino
básico, passou a ser chamado de primeiro grau, compreendendo da primeira série
até a oitava série. Os primeiros anos da década de 1970, chamado de período do
milagre econômico, foram responsáveis por grandes retrocessos na educação
nacional. O regime quebrou todo o entusiasmo em que se encontrava a sociedade;
os movimentos de reivindicação legítimos foram todos classificados como
subversivos e extintos.
Segundo o censo do IBGE, o país entrou a década de 1980 com ainda 25,5%
de analfabetos em idade superior a 14 anos.
Com o término do regime militar em 1985 e a situação econômica do país
deteriorada, a década de 1980 não representou nenhum avanço na área
educacional. Apesar da retomada da organização da sociedade, reorganização dos
sindicatos e do Movimento Estudantil, a qualidade do ensino nesta década foi ao seu
pior nível desde que os números passaram a serem registrados. Os índices de
evasão e repetência tornaram-se alarmantes, Gadotti (1997) cita que apenas 44%
dos alunos matriculados no ensino fundamental conseguiram terminar as oito séries,
e para isso precisaram, em média, de 11,4 anos na escola. Apenas 3% concluíram a
oitava série sem repetências e 65% terminaram apenas a quinta série.
Na década de 1990, pós Constituição de 1988, o País volta a se organizar em
torno da educação fundamental pública e de qualidade. A partir de uma proposta do
Senador Darcy Ribeiro é aprovada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação,
dando, segundo Schwartzman (2005, p. 25) “mais liberdade e flexibilidade para as
instituições educacionais em todos os níveis para montar seus próprios assuntos”.
Esta década também marca a reabilitação do antigo Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos (INEP) como Agência de Pesquisas Estatísticas e Avaliação do Ensino
107
e a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
de Valorização do Magistério (FUNDEF) para reduzir as diferenças regionais e
estabelecer um piso para os gastos estaduais e municipais com o ensino
fundamental.
A Constituição de 1988 também redefine, segundo Schwartzman (2005, p.
25), os gastos públicos com educação. Determina que a União gaste 18% de seus
recursos com educação, os Estados e Municípios, 25%.
Gomes (2005), fazendo comentário sobre a qualidade do ensino fundamental,
apresenta reportagem da Revista Veja (2003, p.53) mostrando estudo mundial,
realizado pela Unesco, que compara a educação de diversos países, dentre eles o
Brasil.
Estudantes de 41 países, na faixa dos 15 anos, foram testados em leitura,
matemática e ciências. O Brasil apresentou um desempenho lamentável.
Em leitura, os alunos brasileiros ficaram em 37 lugar, à frente apenas da
Macedônia, da Indonésia, a Albânia e do Peru. Em matemática e ciências,
em quadragésimo. A pesquisa concluiu também que ‘nenhum país
conseguiu obter bons resultados no campo da educação sem fazer
investimentos significativos - e bem distribuídos. [...] O Brasil reúne dois
defeitos. O dinheiro é curto (30.000 reais por aluno até os 15 anos) e a
distribuição dos valores, heterogênea. ... Nos últimos dez anos, houve um
salto de quantidade no sistema educacional brasileiro. Praticamente todas
as crianças foram matriculadas e se ampliou a oferta de vagas no ensino
médio e no superior. No governo de Fernando Henrique Cardoso, o ministro
Paulo Renato de Souza organizou um importante sistema de avaliações,
que monitora do ensino fundamental ao superior. [...] A Coréia investe
pesado em educação há trinta anos’. Segundo os resultados do mesmo
estudo comparativo, os estudantes coreanos obtiveram o 1º lugar em
ciências, o 3º em matemática e o 7º em leitura. A reportagem que noticia o
referido levantamento toca no ponto central do problema da educação
brasileira no estágio em que se encontra: Resta enfrentar o desafio de
oferecer não apenas um lugar em sala de aula mas garantir que as crianças
absorvam o que lhes está sendo ensinado.E pode-se acrescentar: mais do
que absorver, passivamente, ensinamentos, o educando deve ser visto
como um agente capaz de participar ativamente do processo educacional.
Isso só será possível se contar não só com o espaço físico da sala de aula
mas, também, com professores suficientemente preparados para educar e
não apenas transmitir conhecimentos. E isso implica, obviamente, na
necessidade de se valorizar a figura e a profissão do Professor.
Infelizmente, neste quesito, o Brasil também carece muito de uma urgente
evolução que seja capaz de colocá-lo em posição menos distante dos
países que há muito investem e, cada vez mais, em educação. Perceberam
eles não haver possibilidade de desenvolvimento da sociedade sem que os
integrantes desta sejam suficientemente educados, desenvolvidos, como
seres humanos que são. (GOMES, 2003, p. 97).
108
O ensino fundamental brasileiro apresenta, segundo dados do MEC/INEP, os
seguintes dados:
O quadro 1 - Número de matrículas em todas as modalidades de Ensino
Fundamental, por Região Geográfica - demonstra que o Nordeste é a região com maior
número de alunos matriculados no ensino fundamental dentre todas, praticamente 40%
do número total de alunos no Brasil. Verifica-se que enquanto algumas regiões do país o
grande volume de alunos do ensino fundamental está nas cidades, no Norte e no
Nordeste este percentual chega a mais de 20% dos matriculados.
O quadro 2 - Número de Professores exercendo atividades em sala de aula
no Ensino Fundamental, por Região Geográfica - demonstra dois importantes dados:
A relação Aluno x Professor no Norte e no Nordeste estão acima da média nacional;
A relação Aluno x Professor no rural é em média inferior a 30% da mesma relação
nas cidades.
O quadro 3 - Formação dos Professores do Ensino Fundamental de 5ª a 8ª
séries por nível de formação, por Região Geográfica - demonstra o quanto o ensino
fundamental brasileiro está carente de professores bem formados. Apesar de ainda
apresentar alguns professores lecionando sem o ensino fundamental completo, o
dado que destaca é aquele que indica 23,45% dos professores com o apenas o
ensino médio. E pior, no Norte e Nordeste este percentual chega próximo dos 50%.
Uma verdadeira disparidade com o restante do país, principalmente Sul e Sudeste.
O quadro 4 - Número de estabelecimentos da Educação Fundamental por
localização - demonstra a relação estabelecimento x aluno, tanto no rural quanto no
urbano. Em razão da baixa densidade demográfica o Nordeste e o Norte o número
de alunos por estabelecimento é inferior ao de outras regiões mais populosas.
Entretanto, este dado remete a uma outra análise. Cruzando-o com os dados deste
109
quadro com os dados do quadro 2 observa-se que, em média para cada
estabelecimento de ensino urbano o Nordeste apresenta 6 professores, enquanto no
Sudeste esta média é de 13 professores.
Há certamente uma grande carência no sistema educacional nas regiões
Nordeste e Norte do país. Apesar do grande número de alunos matriculados, são as
Regiões que apresentam os maiores números de professores com baixa formação, o
que implica diretamente na qualidade do ensino; as maiores relações professor x
aluno; os maiores números de escolas rurais.
Região
Total
Urbano
%
6.247.799
4.944.644
79,14%
Norte
20.980.027
16.352.770
77,94%
Nordeste
19.086.233
18.200.707
95,36%
Sudeste
6.895.998
6.338.675
91,92%
Sul
3.602.796
3.359.598
93,25%
Centro-Oeste
56.812.853
49.196.394
86,59%
Brasil
Quadro 1: Número de Matrículas em todas as modalidades de
Região Geográfica, em 31/03/2004
Rural
%
1.303.155
20,86%
4.627.257
22,06%
885.526
04,64%
557.323
08,08%
243.198
06,75%
7.616.459
13,41%
Ensino Fundamental, por
Fonte: MEC/INEP, 2004.
Região
Total
Urbano
%
Norte
166.667
122.086 73,25%
Nordeste
581.293
425.103 73,13%
Sudeste
Sul
Centro-Oeste
566.754
253.854
108.328
Rural
44.581
156.190
518.879 91,55% 47.875
216.920 85,45% 36.934
96.424 89,01% 11.904
Relação Prof. Relação Prof.
X Aluno
X Aluno
(Urbano)
(Rural)
26,75%
40,50
29,23
%
26,87%
38,47
29,63
08,45%
14,55%
10,99%
35,08
29,22
34,84
18,50
15,09
20,43
1.676.896 1.379.412 82,26%
17,74%
35,66
25,60
297.484
Quadro 2: Número de Professores exercendo atividades em sala de aula - Ensino Fundamental
- por Região Geográfica, em 31/03/2004
Brasil
Fonte: MEC/INEP, 2004.
Fundamental
Médio completo Superior completo
Incompleto
Completo
Norte
0,02%
0,21%
49,40%
50,30%
Nordeste
0,02%
0,13%
37,57%
62,20%
Sudeste
0,03%
0,02%
05,92%
96,70%
Sul
0,05%
0,40%
08,16%
91,40%
Centro-Oeste
0,01%
0,20%
21,15%
78,62%
Brasil
0,03%
0,14%
23,45%
76,38%
Quadro 3: Formação do Professores do Ensino Fundamental de 5ª a 8ª, por nível de Formação,
por Região Geográfica, em 31/03/2004
Região
110
Fonte: MEC/INEP, 2004.
Região
Total
Urbano
%
44.139
24.888 56,39%
Norte
135.584
78.922 58,21%
Nordeste
53.216
41.026 77,09%
Sudeste
30.892
22.100 71,54%
Sul
10.572
7.958 75,27%
Centro-Oeste
274.403 174.894 63,74%
Brasil
Quadro 4: Número de estabelecimentos da
Região - 2004
Relação Estab. Relação Estab.
X Aluno Urbano X Aluno Rural
19.251 43,61%
251,04
67,69
56.662 41,79%
265,83
81,66
12.190 22,91%
465,22
72,64
8.792 28,46%
312,04
63,39
2.614 24,73%
452,73
93,04
99.509 36,26%
324,84
76,54
Educação Fundamental por localização, segundo
Rural
%
Fonte: MEC/INEP, 2004.
6.1.1 Os indicadores da educação brasileira
Na década de 1990, o Brasil e mais oito países reunidos em Jontien, na
Tailândia, no chamado “Grupo dos Nove” - países cuja população é das mais altas e
a produtividade educacional está entre as mais baixas -, firmaram o compromisso de
Educação para Todos, que tem por finalidade instituir políticas públicas direcionadas
à educação. No Brasil, como fruto desse protocolo, instituiu-se o Plano Decenal de
Educação para Todos (MEC, 2003).
O plano brasileiro tinha dois focos: o primeiro, garantir o acesso de todos à
escola; o segundo, a implementação de um ensino fundamental de qualidade. A
escola pretendida era aquela capaz de preparar o educando para conviver na
sociedade, atendendo às suas demandas e proporcionando-lhe uma vida autônoma.
Em 1996, na avaliação dos cinco anos decorridos da Década da Educação
para Todos, verificou-se que alguns avanços já eram percebidos, especialmente no
que se refere ao acesso, ficando, porém, evidenciado que não havia indicadores que
permitissem definir quanto ao padrão de qualidade do ensino, principalmente diante
da tamanha diversidade e extensão do Brasil, um verdadeiro continente. No intuito
de obter dados mais consistentes nesse aspecto, o INEP/MEC, criou novos
111
indicadores capazes de demonstrar, tanto no aspecto quantitativo quanto no
qualitativo, se o direito à educação estava ou não se efetivando.
Do ponto de vista quantitativo, os indicadores são: taxas de matrícula, taxa de
ingresso e escolarização. Qualitativamente, os indicadores estão relacionados a
resultados da educação: taxa de repetência, taxa de sobrevivência (aprovação),
coeficiente de eficácia, porcentagem de alunos que dominam um conjunto de
competências básicas, qualificação dos professores. Além disso, como bem afirma
Liberatti (2004, p. 124), outros indicadores relacionados a estes devem ser observados:
financiamento do ensino, titulação dos docentes e o número de alunos por docente.
Todos eles, segundo o autor, têm íntima relação com a qualidade de ensino.
A instituição de indicadores é importante, uma vez que proporciona à
sociedade e ao governo condições de planejar o sistema educacional de acordo com
as demandas. Segundo Balzano citado por Liberatti (2004, p. 289), “os processos de
avaliação estratégica da educação são,
hoje, mundialmente considerados
indispensáveis como mecanismos de acompanhamento e controle das reformas e
das políticas educacionais”.
No campo da pesquisa educacional, o Brasil vem se destacando
mundialmente. Apesar de ainda não conseguir resolver o problema da qualidade do
seu ensino, é reconhecido pelo trabalho do Instituto Nacional de Pesquisas e
Estudos Educacionais (INEP), órgão responsável por grande número de informações
à disposição no campo da educação, o que tem permitido o aprofundamento da
discussão pela sociedade civil e as tomadas de decisões pelo Poder Público.
A última pesquisa realizada pelo INEP, em 2004, demonstra que o Brasil
conseguiu avançar consideravelmente quanto à garantia de acesso ao ensino. No
entanto, apesar de estar sendo garantido com razoável eficiência, o País tem
112
encontrado dificuldades no que se refere à qualidade do ensino. Prova disso é a
crescente taxa de analfabetismo funcional que, embora não seja medido
oficialmente, é perceptível nos dados do IBGE: está em curva ascendente, pois em
1990 era de aproximadamente 4% da população brasileira, chegando a quase 8%
em 1998. Isso demonstra que, houve o aumento da oferta de sala de aula,
entretanto, diminuiu assustadoramente a qualidade da educação oferecida.
Na tabela abaixo, do MEC/INEP, pode-se visualizar e comparar as taxas de
escolarização bruta e líquida nos níveis de ensino fundamental, médio e superior e
sua evolução no período 1996 e 2003, sendo a Taxa de Escolarização Bruta a que
compreende todos os alunos matriculados em determinado nível de ensino,
independente da idade. A Taxa Líquida informa o número de alunos em idade
apropriada ao nível de ensino em que se encontra matriculado.
TABELA 1
Taxa de Escolarização Bruta e Líquida por nível de Ensino - Brasil 1996/2003
Nível de Ensino
Taxa de Escolarização Bruta
1996
Ensino Fundamental (7 a 14 anos)
112,30%
Ensino Médio (15 a 17 anos)
50,70%
Educação Superior (18 a 24 anos)
9,30%
2003
Ensino Fundamental (7 a 14 anos)
119,30%
Ensino Médio (15 a 17 anos)
81,10%
Educação Superior (18 a 24 anos)
18,60%
Fonte: IBGE, PNAD´s 1996 e 2003 apud MEC/INEP, 2004.
Taxa de Escolarização
Líquida
86,50%
24,10%
5,80%
93,80%
43,10%
10,60%
A sua análise revela evolução em todos os níveis e demonstra o resultado de
políticas governamentais adotadas nas últimas décadas, em especial os incentivos
financeiros proporcionados pelo FUNDEF, que levaram à inclusão de milhares de
jovens que não estavam na escola. Em que pese o progresso, a mesma tabela
mostra gargalos importantes que tais políticas, inclusive o FUNDEF, não
conseguiram resolver. Se tomarmos o conjunto de matrículas do Ensino
113
Fundamental e compará-lo com a população de 7 a 14 anos, vemos um excesso de
cerca de 20% de alunos, indicando que ainda há, nesse nível de ensino, estudantes
que já ultrapassaram a idade considerada adequada para a conclusão dos 8 anos do
fundamental.
Dessa forma, embora o País tenha atingido um nível de acesso à escola, da
população de 7 a 14 anos, praticamente universal, o nível de escolaridade média da
população de 15 anos ou mais é de apenas 6,7 anos. Esse aparente paradoxo pode
ser explicado pela baixa eficiência do sistema educacional brasileiro em produzir
concluintes, pois se o acesso é quase universal, é baixo o percentual daqueles que
concluem o ensino fundamental, sobretudo na idade adequada.
Haveria, portanto, uma população de quase 20% que, embora pudesse cursar o
Ensino Médio, permanece retida no nível anterior, isso sem contar os que evadiram.
Essas considerações ficam demonstradas pela análise dos indicadores de
fluxo escolar. Em um sistema de ensino de progressão seriada, eles são um valioso
instrumento para acompanhar a trajetória dos alunos, medir a eficiência das redes
de ensino e a capacidade do sistema em produzir concluintes. Tornam possível
desvendar um dos problemas crônicos da educação brasileira - os altos índices de
fracasso
escolar
dos
estudantes
que,
apesar
de
passarem
em
média
aproximadamente 10 anos na escola, completam com sucesso pouco mais de 6
séries. Mostram também que ainda estamos longe de atingir, na média, as oito
séries de escolarização obrigatória.
Mesmo que as taxas de repetência no Brasil tenham diminuído nos últimos
anos, saltando de 30,2% em 1995, para 19,2%, em 2003, conforme Tabela 2, ainda
continua elevada e muito aquém dos índices registrados em países com níveis de
desenvolvimento equivalentes ou até mesmo inferiores ao brasileiro. Outro dado é a
114
Taxa de Promoção e a Taxa de Evasão, que se mostram pequenas alterações. A
evasão piorou um pouco - de 5,3% em 1995 para 6,8% em 2003. Esses resultados
demonstram um inchaço do sistema educacional e baixa taxa de conclusão do
ensino fundamental, o que quer dizer baixa qualidade.
TABELA 2
Taxa de Transição por Série - Brasil 1995-2003
Ano
Total 1ª
Taxa de Promoção
1995
64,5 53,5
2000
73,4 62,8
2003
74,0 70,1
Taxa de Repetência
1995
30,2 45,5
2000
21,7 36,2
2003
19,2 28,9
Taxa de Evasão
1995
5,3
1,0
2000
4,9
1,0
2003
6,8
1,0
Fonte: MEC/INEP, 2004.
2ª
Ensino Fundamental
3ª
4ª
5ª
6ª
7ª
8ª
Total
Ensino Médio
1ª
2ª
3ª
64,4 71,3 71,9 57,6 63,9 69,9 69,0
73,7 77,5 79,4 68,1 73,9 76,5 74,7
76,9 80,1 78,3 68,4 71,9 74,8 72,0
65,0
73,4
71,7
53,9
64,5
62,6
67,3
75,0
73,7
83,7
85,3
84,3
32,2 23,5 19,1 33,6 27,4 22,8 17,9
22,5 17,6 14,8 24,8 17,6 17,1 15,2
19,6 15,1 13,6 22,9 18,3 15,8 15,5
26,7
18,6
20,6
34,7
24,6
27,0
24,7
17,2
18,5
13,5
10,6
12,7
8,3
8,0
7,7
11,4
10,9
10,4
8,0
7,8
7,8
2,8
4,1
3,0
3,4
3,8
3,5
5,2
4,9
4,8
9,0
5,8
8,1
8,8
7,1
8,7
8,7
8,5
9,8
7,3 13,1
6,4 10,1
9,4 12,5
A Taxa de Promoção deve ser entendida como o percentual de progressão,
ou seja, como está a evolução dos estudantes. Verifica-se na tabela acima que o
total de transição série no ensino fundamental em 2003 foi de 74%, enquanto em
1995 estava em cerca de 64%.
A Taxa de Repetência indica o percentual de reprovação dos alunos, do total
dos alunos do ensino fundamental em 2003 a repetência ficou próximo de 19%.
A Taxa de Evasão demonstra o percentual de alunos que entram e não
concluem o ano letivo.
Retomando a questão dos indicadores, o INEP/MEC trabalha hoje com 23
indicadores, distribuídos em seis blocos, que permitem ter uma visão abrangente da
situação educacional do País. Segundo Liberatti (2004, p. 127), os indicadores
possibilitam que os resultados educacionais sejam associados aos fatores que
115
influenciam direta ou indiretamente na educação.
São seis os blocos de análise do INEP/MEC:
a) Contexto
Sóciodemográfico:
Indica
os
aspectos
sociais,
econômicos
e
demográficos que têm relação com as variáveis educacionais. São: Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), Distribuição Espacial da População, Percentual
da População em Idade Escolar por Faixa Etária, Taxa de instrução populacional
e de analfabetismo (não considera o analfabetismo funcional, somente o
tradicional). Além de outras possibilidades, esses indicador permite estimar a
demanda por vagas na educação infantil, no ensino fundamental e no médio
b) Condições da oferta: Este bloco mostra as condições de atendimento pelos
Sistemas de ensino, tais como: infra-estrutura das escolas; situação salarial e
qualificação dos recursos humanos que atuam na educação. Tais dados
apresentam forte relação com a qualidade do ensino, dentre eles, os índices que
definem o número de alunos atendidos por tamanho da escola, o número médio
de alunos por turma, o número médio de horas-aulas diárias, a qualificação e o
salário médio dos docentes e os recursos disponíveis na escola.
c) Acesso e Participação: Neste bloco é indicado o atendimento escolar na faixa
etária adequada, nos diferentes níveis de ensino da educação básicafundamental e médio. São eles: as taxas de atendimento, escolarização bruta e
líquida e a distribuição de matrícula por sexo.
d) Eficiência e Rendimento Escolar: Este bloco tem singular importância na
avaliação qualitativa do ensino. O objetivo desses indicadores é verificar taxas de
aprovação, reprovação, abandono e distorção idade/série. E ainda, taxa de
transição de fluxo escolar, que avalia a progressão do aluno ao final do período
letivo; taxa de eficiência do fluxo escolar, que estima o tempo médio de
116
permanência e número de séries concluídas; taxa de expectativa de conclusão,
que corresponde à análise da produtividade dos Sistemas de Ensino, permitindo
avaliar sua eficiência a partir do percentual de alunos que concluem o ensino
fundamental ou médio e do tempo em média necessário para essa conclusão.
e) Desempenho Escolar: Neste bloco o que se busca é analisar os resultados do
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB). A avaliação
realizada ao fim de cada ciclo escolar nas disciplinas de Matemática e Português,
buscando verificar o que os alunos sabem, compreendem e são capazes de fazer.
Os indicadores de proficiência permitem avaliar a qualidade do ensino ministrado
nas escolas. Surpreenderam a sociedade os dados do SAEB de 2005, inferiores
aos obtidos nos últimos anos.
f) Financiamento da Educação: Este último bloco, reúne os indicadores capazes de
demonstrar os gastos públicos com a educação nos três níveis de governo União, Estados e Municípios. Os dados que dizem respeito ao financiamento da
educação são organizados a partir dos balanços das esferas governamentais e
apresentados como: Desembolso Público com Educação em Relação ao PIB,
relação entre o gasto geral do setor público e o que se destina à educação e
outros.
A consolidação desses indicadores pelo INEP tem como objetivo situar a
educação brasileira. É uma tarefa estratégica: oferecer estatísticas relevantes e
confiáveis; avaliar o desempenho dos sistemas e dos alunos e fomentar ações
nessa direção junto aos Estados e Municípios, para que eles também se autoavaliem e imprimam políticas consistentes para que o Brasil seja capaz de superar o
grande desafio de elevar o seu nível educacional. Em resumo, transformar em
qualidade os ganhos quantitativos realizados na última década.
117
Liberatti afirma que:
esses dados oferecem respostas para questões como: Em que contexto
social se desenvolve a educação? O que as escolas estão oferecendo?
Quem tem acesso e em quais condições? O que os alunos aprendem?
Quem financia e quanto se gasta em educação no Brasil? (LIBERATTI,
2004, p. 130).
Os indicadores apresentados pelo INEP demonstram que, apesar dos avanços,
principalmente no acesso à escola, são ainda tímidas as ações que apresentam
resultados na qualidade do ensino. A solução para as questões educacionais passa
necessariamente pela análise dos indicadores qualitativos, para que ações sejam
tomadas de forma objetiva e sem desperdício de recursos públicos.
Gomes, comentando a respeito da efetividade do direito à educação, diz que:
está a depender de um maior compromisso com o seu significado. Por isso,
cabe buscar uma argumentação que vá além da mera referência à
positivação de tal direito. Uma argumentação que almeje ao convencimento
de todos aqueles que exercem o poder em qualquer esfera - pública ou
privada - e que por isso, com suas decisões afetam a qualidade de vida de
milhões de pessoas que se vêem prejudicadas pela ausência de acesso a
uma educação adequada ao desenvolvimento integral da personalidade. É
preciso convencer tais agentes de que a educação deve ser melhor
implementada por todos os meios possíveis a fim de que o viver e o
conviver do ser humano seja, efetivamente, ‘menos desumano’ do que o
presenciado no mundo contemporâneo. Isso não é tarefa fácil, porque tal
convencimento está a depender do grau de compreensão que tais agentes
do poder possuem sobre o fenômeno educacional. Assim, por exemplo, se
estes não forem suficientemente educados para o exercício da convivência
democrática, tendem a agir de modo autoritário, egoístico e dominador ou
então com descaso em relação à própria educação a qual também lhes
falta. Daí a gravidade da questão democrática alusiva à escolha dos
mandatários do poder político, pois quem os elege (povo ou massa?) nem
sempre conhece - exatamente por falta da educação política adequada - as
virtudes e os vícios dos escolhidos, sua efetiva formação, seus reais
propósitos e o grau de sinceridade com que assumem os programas de
ação que anunciam antes das eleições, em suas campanhas pelo voto
popular. Para evitar seus abusos não basta a existência de normas escritas.
Há de se contar com uma população suficientemente educada para o
convívio social a ponto de saber que, no regime democrático, cabe a ela,
pelos meios institucionais adequados, fazer uso dos instrumentos jurídicos
e políticos impeditivos e corretivos do poder. No entanto, só a educação
possibilita tal conscientização e o pleno desenvolvimento da pessoa. Só ela
é capaz de libertar o indivíduo e os povos das amarras da ignorância a
respeito dos seus próprios direitos, valores e dignidade, bem como sobre os
direitos, valores e dignidade do outro, de modo a ver neste um semelhante
e não um inimigo. Só a educação forma o sujeito autônomo, pois somente
ela é capaz de abrir-lhes os olhos para dimensões da realidade inacessíveis
por outros meios.
[...]
118
O reconhecimento da importância da educação tem como dado objetivo as
normas jurídicas já existentes que a positivam como um direito de todos.
Mas, é preciso ir além, isto é, necessário se ‘levar a sério’ o reconhecimento
de tal direito e aprofundar a reflexão sobre os motivos que ensejam o status
da educação como um ‘direito fundamental’. São estes elementos que
merecem ocupar maior espaço nas consciências de mandantes e
mandatários, cidadãos e governos a fim de que o direito fundamental à
educação seja mais bem efetivado. (GOMES, 2005, p. 95-98, grifo
nosso).
O povo, verdadeiro mandatário no Estado Democrático de Direito, por meio
de seus representantes, já estabeleceu a educação pretendida, muito diferente desta
que hoje se observa pelo país e que o INEP demonstra através de números.
A Constituição estabeleceu o direito ao ensino fundamental como prioridade
no Estado brasileiro, a forma como deve ser efetivada e por qual ente federativo.
6.1.2 Analfabetismo no Brasil
Não são raros os casos hoje em que o processo de alfabetização começa
muito cedo, na fase pré-escolar, diferentemente de outros tempos em que apenas
com o ingresso no chamado curso primário se iniciava a alfabetização do aluno.
Considerada como o ato de saber ler e escrever, a alfabetização valeria como
algo definitivo na vida de cada um que pudesse responder afirmativamente à
questão: Sabe ler e escrever?
O ideal seria que os alunos, já nos primórdios da vida escolar, dominassem
completamente o ato de ler e de escrever, fazendo dele um recurso de uso e de
validade permanentes. A realidade mostra outra face da questão: milhões de
crianças, passando ligeiramente pela escola, captam apenas os rudimentos da
fundamental conquista. Como depois não fazem uso suficiente dela em seu
quotidiano, essa alfabetização superficial tende a ser um bem logo perdido.
119
Por aí se vê que encarar a alfabetização apenas como uma etapa quase
inicial na vida escolar, sem ampliar o seu sentido e o alcance, é a maneira errada e
ilusória de tratar um dos elementos mais importantes no permanente processo de
inserção social das novas gerações.
O Brasil tem diante de si um triste dado, o de ser um dos países com o maior
número de analfabetos do planeta. Apesar dos esforços públicos e também da
sociedade civil em “letrar” a população, ele ainda pesa sobre os ombros do País. A
Tabela 3 faz um comparativo entre as taxas de analfabetismo de diversos países em
2000.
TABELA 3
Taxa de Analfabetismo na População de Quinze ou Mais Anos
em Países Selecionados - 2000
País
Bulgária
Espanha
Argentina
Chile
Cuba
Israel
Paraguai
Equador
Brasil
Bolívia
Fonte: Unesco, 2003.
Analfabetismo
2,00%
3,00%
4,00%
6,00%
6,00%
6,00%
10,00%
12,00%
15,00%
20,00%
Observa-se que o Brasil está atrás de diversos países, inclusive latinoamericanos, como Paraguai, Equador, Argentina, Chile.
Analistas ligados à área da educação têm discutido intensamente a
necessidade de melhorar a cobertura escolar, principalmente para a população em
idade própria, além de uma profunda melhoria na qualidade do ensino praticado. É
certo que o País tem avançado consideravelmente no sentido de reduzir o
analfabetismo, que nas últimas décadas caiu de 39,5%, em 1960, para 8% em 2005,
porém, segundo o IBGE, ainda apresenta um elevado número de analfabetos em
120
valores absolutos, cerca de 15 milhões de pessoas, sendo que em 2005 o índice
entre a população maior de 15 anos o índice era 13,63%.
Os indicadores educacionais têm demonstrado que o analfabetismo ainda é
um problema crônico, principalmente em determinadas regiões brasileiras, onde os
programas de alfabetização não atingiram uma parcela significativa de pessoas.
Prevalece ainda um acentuado contraste regional, com forte concentração no
Norte e no Nordeste brasileiros, na zona rural e com pessoas acima de 30 anos de
idade.
Se já não bastasse, os indicadores brasileiros assustam mais por serem dados
obtidos numa concepção arcaica de analfabetismo, já superada em todo o mundo. A
Unesco defendia em 1958 que o analfabeto era somente aquele que não conseguia
ler ou escrever algo simples. Hoje, porém, ela vem adotando um conceito mais
moderno e mais complexo, o analfabetismo funcional, que consiste na falta de
habilidades necessárias para satisfazer as demandas do indivíduo no seu dia-a-dia.
As pesquisas realizadas no Brasil, ainda hoje, se referem ao analfabetismo simples,
fornecendo elementos muito elementares do nível educacional. Os pesquisadores,
principalmente nos últimos oito anos, têm se aplicado em estudar esse “novo” tipo
analfabetismo.
Países que hoje têm um nível educacional mais elevado do que o do Brasil, já
não se interessam em apurar o analfabetismo tradicional. No entanto, no Brasil, por
ainda deter um número elevado de analfabetos tradicionais, a apuração desses
dados se faz necessária, segundo o INEP.
A Tabela 4, a seguir, mostra as taxas de alfabetização da população brasileira
de 15 anos de idade ou mais a partir de 1920. Ainda que tenha havido critérios
diferentes de avaliar esse indicador ao longo dos anos, verifica-se que o País tem
121
produzido “avanços”.
TABELA 4
Alfabetização da População de Quinze anos e Mais - Brasil - 1900/1991
Ano
Alfabetizados
Analfabetos
Sem Declaração
1900
1920
1940
1950
1960
1970
1980
1991
Fonte: IBGE, 1995.
3.380.451
6.155.567
10.379.990
14.916.779
24.259.284
35.586.771
54.793.268
76.603.804
6.348.869
11.401.715
13.269.381
15.272.632
15.964.852
18.146.977
18.716.847
19.233.239
022.791
060.398
060.012
054.466
274.856
031.828
-
Taxa de
Alfabetização (%)
35
35
44
49
60
66
75
80
A partir de 1920, a proporção de alfabetizados da população tem crescido de
maneira estável. Da metade do século XX em diante a população mostra
crescimento acelerado, mas o volume de analfabetos se mantém relativamente
constante, o que resulta em aumento nas taxas de alfabetização.
A constância desse volume pode ser parcialmente explicada pela manutenção
dos analfabetos de gerações passadas na população. Se o ensino, especialmente o
escolar, focaliza quase que exclusivamente a população jovem, torna-se, após certa
idade, difícil aos adultos inverterem sua condição de analfabetos. Assim, o
envelhecimento de uma geração de analfabetos pode, nesse caso, ser considerado
o componente demográfico da manutenção do analfabetismo. Entretanto, para ser
mantido no tempo, o número de analfabetos exige reposição, ou seja, o surgimento
de novos analfabetos nas gerações mais novas. Logo, além dos aspectos
essencialmente relacionados à dinâmica demográfica, o analfabetismo está também
relacionado a condições que produzem novos analfabetos.
A Tabela 4 apresenta uma situação estática. Como as taxas totais de
analfabetismo possuem um componente demográfico, a história da redução do
analfabetismo pode afetar a interpretação dessa situação. Países que iniciaram a
122
redução do analfabetismo mais cedo, reduziram o efeito da componente
demográfica nas taxas atuais, que tendem a ser menores. Isso permitiria levantar a
hipótese de que a má posição do Brasil em relação a países próximos seria
resultado de um processo tardio de redução do analfabetismo. Seria possível,
inclusive, argumentar que o atual analfabetismo no Brasil é restrito às gerações
antigas e, portanto, é meramente uma questão demográfica.
No entanto, a distribuição etária da população analfabeta apresentada no
Gráfico 1 não corrobora a hipótese da redução tardia. Se essa hipótese fosse
verdadeira, seria de se esperar que a estrutura etária da população de analfabetos
apresentasse o formato aproximado de uma pirâmide invertida. O que ocorre, no
entanto, é que a distribuição apresenta-se bastante uniforme, se considerado todo o
País. Os dados da Tabela 4 também apresentam evidência contrária a essa hipótese.
No caso de uma redução tardia, em algum momento nos últimos trinta ou quarenta
anos - período que englobaria a alfabetização da geração com idades atuais entre 40
e 60 anos, aproximadamente -. deveria haver súbita aceleração na evolução das
taxas de alfabetização. No entanto, observa-se um aumento estável da alfabetização
a partir de 1920. Isso sugere que não se trata fundamentalmente de defasagem, mas
sim de redução insuficiente do analfabetismo ao longo do tempo.
Essa característica na evolução da alfabetização no Brasil indica que o
problema não é apenas uma questão demográfica. O argumento de que as atuais
taxas de analfabetismo no Brasil são elevadas apenas por reflexo da insuficiência do
sistema de ensino das décadas passadas, pode ser derivado da hipótese da
redução tardia.
A primeira parte do argumento baseia-se na idéia de que o analfabetismo
seria alto porque as pessoas de gerações antigas que permaneceram alheias ao
123
sistema de ensino constituem um estoque de analfabetos que não é alcançado pelos
esforços de melhoria do sistema. A segunda parte considera que, se as melhorias do
sistema permitirem a redução do analfabetismo nas novas gerações, o estoque de
analfabetos será consumido, sem reposição suficiente, com o envelhecimento e
morte dos analfabetos e, portanto, a taxa total de analfabetismo cairá.
Gráfico 1: Distribuição Etária da População Analfabeta - Brasil / 1996
Fonte: PNAD, 1996.
Na Tabela 5 são apresentadas as taxas de analfabetismo segundo as faixas
etárias e a participação da população de cada faixa etária na população total. É
possível notar que, entre 1980 e 1990, houve deslocamento do peso na
determinação da taxa total das gerações mais jovens para as mais velhas.
Cresceram as desigualdades na distribuição etária dos analfabetos, e
aumentou a participação das faixas etárias mais velhas na taxa total de
analfabetismo. No entanto, como o analfabetismo atual é também resultado de
redução insuficiente ao longo do tempo, as gerações antigas não podem ser
consideradas as únicas responsáveis pelas altas taxas atuais, pois pessoas com
menos de 30 anos em 1991 determinavam cerca de 31% do analfabetismo total. Em
outras palavras, o estoque de analfabetos na população é, por um lado, consumido
124
pela morte dos analfabetos mais velhos e, por outro, reposto pela não-alfabetização
de parte da população jovem.
TABELA 5
Taxas de Analfabetismo segundo Faixas Etárias
Idade
10 a 19
20 a 29
30 a 39
40 a 49
50 a 59
60 a 69
10 a 69
Fonte: IBGE, 1995.
Taxas de Analfabetismo
1980
1991
21%
15%
17%
12%
24%
15%
31%
24%
37%
31%
47%
40%
24%
18%
Participação no total
1980
1991
28%
24%
17%
16%
16%
16%
15%
17%
13%
15%
10%
13%
100%
100%
O Estado brasileiro tem se empenhado no sentido de inverter o quadro do
analfabetismo. Por determinação constitucional foi elaborado o Plano Nacional de
Educação - Lei n. 10.712/2001 -, já citado neste trabalho, que tem como objetivo
prioritário a melhoria da qualidade de ensino e a erradicação do analfabetismo no
País. Da mesma forma, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação - Lei n.
9.394/1996 - no art. 87 determina o prazo de dez anos para pôr fim ao
analfabetismo no Brasil.
O PNE tem como uma de suas prioridades à extensão da educação a
todas as faixas etárias, bem como objetivo de proporcionar oportunidade de
educação a todos que não a tiveram na época devida. Essa meta incorpora, de
forma ampliada, a determinação constitucional de erradicação do analfabetismo,
entendendo que a alfabetização deve ser interpretada no seu sentido mais amplo,
isto é, como domínio de instrumentos básicos da cultura letrada, das operações
matemáticas elementares, da evolução histórica da sociedade humana, da
diversidade do espaço físico e político mundial e da constituição da sociedade
brasileira. Envolve, ainda, a formação do cidadão responsável e consciente de
125
seus direitos.
A ainda “alta” taxa de analfabetismo apresentada demonstra que o problema
não está relacionado somente às gerações antigas da população, restrito a uma
questão meramente demográfica. Há uma clara ineficiência do atual sistema
educacional brasileiro, que poderá inviabilizar gerações e gerações de brasileiros.
No futuro próximo, com a evolução tecnológica que certamente virá, ser
simplesmente alfabetizado deixará de ser relevante; as necessidades de hoje, e
muito mais nos próximos anos, vão requerer um nível de conhecimento mínimo além
do simples ato de ler e escrever. Faz-se necessário urgentemente efetivar o direito a
educação, pois é ela “a chave da nova sociedade que tem o desafio de não admitir a
figura do analfabeto, ou daquele excluído da tecnologia e do modus vivendi da era
da informação, embora ainda habitando em palafitas e morrendo de dengue”
(LIBERATTI, 2004, p. 19).
Rui Barbosa, citado por Chaves, há mais de cem anos já dizia que
a chave misteriosa das desgraças que nos afligem é esta e só esta: a
ignorância popular, mãe da servilidade e da miséria. Eis a grande ameaça
contra a existência constitucional e livre da Nação: eis o formidável inimigo
interno que se asila nas entranhas do País. Para vencer, releva
instaurarmos o grande serviço de defesa nacional contra a ignorância
(CHAVES, 2001, p. 129).
6.2 A EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO ENSINO FUNDAMENTAL POR MEIO DE
POLÍTICAS PÚBLICAS
A educação que toda a sociedade brasileira almeja se realizará quando ela
própria se organizar para reivindicar do Poder Público as políticas adequadas ao
direito à educação fundamental.
126
Se o Estado Democrático brasileiro pretende de fato alcançar os objetivos
fundamentais estabelecidos no art. 3º da Constituição Federal:
a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o
desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir
as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação,
e ainda mais, a sua integração na ordem internacional como um país desenvolvido e
comprometido com o desenvolvimento pessoal de seus habitantes, em estrito
cumprimento aos fundamentos constitucionais “da cidadania e dignidade da pessoa
humana”, faz-se necessário passar de inspiração da educação para todos, para a
sua realização.
A concretização dos direitos coletivos depende da formulação e da
implementação das políticas públicas. Tais políticas são formuladas pelo Poder
Legislativo que, em tese, legislam correspondendo aos anseios da sociedade.
Segundo Bucci (2002, p. 268, 271), “Políticas Públicas são programas de
ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as
atividades privadas, para realização de objetivos socialmente relevantes e
politicamente determinados”. Destaca ainda que execução das políticas públicas
sempre significa que uma parcela formadora dessa política fica em mãos do Poder
Executivo, uma vez que as informações sobre a realidade a ser transformada, a
capacitação técnica e a vinculação dos servidores públicos, a disponibilidade
financeira e outros tantos elementos, que determinarão o sucesso ou o insucesso da
política, dependem dos organismos da Administração Pública. A esse propósito a
autora considera que “o mais correto seria que pudessem ser realizadas pelo
Executivo, por iniciativa sua, segundo as diretrizes e dentro dos limites aprovados
pelo Legislativo”.
127
As Políticas Públicas tiveram sua origem no século XIX, após o início do
processo de Industrialização da Europa. Com as mazelas provocadas pelas
péssimas condições de trabalho próprias daquela época, os socialistas fizeram atuar
o princípio da solidariedade. A responsabilidade dos membros da sociedade em
amparar aqueles indivíduos que se encontravam carentes e necessitados, fez com
que fossem reconhecidos como direitos humanos os direitos sociais: a seguridade
social, a educação, a moradia, a alimentação, a saúde. Segundo Comparato (2001,
p. 63), “os direitos sociais somente se realizam quando políticas públicas são
executadas com o objetivo de amparar e proteger os mais fracos e mais pobres, que
não dispõem de recursos próprios para viverem dignamente”.
A afirmação definitiva das políticas públicas veio com a positivação dos
direitos sociais pelas Constituições. São direitos com uma característica especial: a
sua efetivação requer, ao contrário dos direitos individuais, a ação positiva do
Estado. Novamente Comparato assevera que
os direitos sociais têm por objeto não a abstenção, mas uma atividade
positiva do Estado, pois o direito à educação, à saúde... e outros do mesmo
gênero só se realizam por meio de políticas públicas, isto é, programas de
ação governamental. Aqui, são grupos sociais inteiros, e não apenas
indivíduos, que passam a exigir dos Poderes Públicos uma orientação
determinada na política de investimento e distribuição de bens; o que
implica uma intervenção estatal no livre jogo do mercado e uma
redistribuição de renda pela via tributária (COMPARATO, 2001, p. 200).
As políticas públicas, por estarem calcadas nos direitos sociais, requerem do
Estado uma interferência direta, programada e contínua na vida social para se chegar
à realização dos objetivos de interesse comum da sociedade e à concretização dos
direitos fundamentais. Os direitos sociais, contidos dentre os direitos fundamentais,
são garantidos pela ação positiva do Estado. A concretização deles direitos somente é
alcançada quando formuladas e implementadas políticas públicas. A formulação das
políticas públicas está ligada à competência do Poder Legislativo, cabendo aos
128
representantes do povo estabelecer os objetivos para os mais diversos setores da
sociedade, fazendo-o através de leis, gerais ou específicas.
A execução das políticas públicas está a cargo do Poder Executivo. Com base
nas leis criadas pelo Legislativo para este fim específico, a Administração Pública,
munida de diagnósticos que retratem os dados da realidade, vai dimensionar os
recursos financeiros e outros necessários para concretizar o determinado na lei.
O processo de formulação das políticas, em resumo, consiste em determinar
o objeto; feito isso, definem-se as metas que se propõe alcançar; positiva-se em lei;
e por fim determina-se o tempo e os recursos que serão utilizados.
A educação passou por todo o trâmite comum às políticas públicas, conforme
é visto abaixo, faltando-lhe, agora, a última etapa: a concretização.
a) Houve a decisão de resolver um problema social: número elevado de crianças de
uma determinada idade fora da sala de aula;
b) a política educacional é a política pública a ser adotada;
c) Definem-se as metas, o tempo a ser solucionado o problema e a melhor maneira
de agir;
d) Cria-se a lei - Plano Nacional de Educação;
e) Cabe então ao Poder Executivo agir positivamente para que o Plano seja
concretizado.
Um dos problemas apresentados pelos educadores para a não-execução do
Plano Nacional de Educação é a falta de planejamento da educação, enquanto
política de Estado. Ocorre que, a cada mudança de governo, são esquecidas e
inacabadas muitas ações, reiniciando o processo. A política educacional, política
pública da mais alta relevância para a sociedade, tem que ser planejada a longo
129
prazo, por mais de um mandato do Executivo. Souza, educador, considera que
para ultrapassar governos e tornar-se plurigestacional, a política deve ser
formulada, não apenas pela equipe técnica de um ministério ou de uma
secretaria, agindo em circuito fechado e, sim, por colegiados de educadores
e administradores, tanto quanto possível sem laços de subordinação para
com os governantes de plantão. Porque se impõe a essa política expressar
as aspirações nacionais e não as do partido ou dos políticos
transitoriamente no poder (SOUZA, 1996, p. 144).
A execução das políticas publicas encontra outros entraves, dentre os quais o
principal é a restrição orçamentária. É importante que os administradores públicos
sejam conscientizados para os projetos nacionais. O orçamento público não pode
engessar a realização dos objetivos constitucionais. É evidente que cabe ao
administrador mensurar o que se deve gastar e onde, não perdendo de vista que
políticas públicas são instrumentos de efetivação de direitos. As contas devem
prever não somente as contas a pagar, devem, sobretudo, garantir o efetivo
exercício dos direitos sociais dos cidadãos. O Estatuto da Criança e do Adolescente
define como prioridade do Estado brasileiro o cumprimento das necessidades das
crianças e dos adolescentes, dentre elas a educação. A não- execução desse direito
tem como conseqüência outros problemas sociais que despenderiam valores
maiores para sua solução.
Torna-se claro que a implementação das políticas públicas, que têm como
objetivo a efetivação do direito à educação, depende hoje fundamentalmente do
Poder Executivo. A Constituição já estabeleceu que o direito a educação é um direito
subjetivo público. Essa determinação constitucional é a chave para que o
administrador implemente com a máxima prioridade o que determina a Constituição,
do
contrário
estará
sujeito
à
responsabilização.
Não
cabe
o
juízo
de
discricionariedade do administrador, porque ele está vinculado constitucionalmente e
infraconstitucionalmente às normas. Não lhe é atribuída a competência para definir
130
pela conveniência ou não dessas políticas;o máximo que lhe é permitido, a título de
discricionariedade, é a escolha da melhor forma. Nesse sentido, Frischeisen escreve
que
explicitado restou que as normas constitucionais criam vinculação para a
administração e para o legislador, pois a Constituição Federal estabelece
claramente políticas públicas, que foram explicitadas em leis integradoras, a
serem cumpridas para implementação dos direitos estabelecidos no título
da ordem social e em outros dispositivos já mencionados anteriormente
(FRISCHEISEN, 2000, p. 93).
As políticas públicas, quando efetivadas, têm a função de conseguir atenuar a
imensa desigualdade social, o fosso onde estão milhares de brasileiros. A igualdade,
princípio norteador do Estado Democrático de Direito, constitucionalizado no art. 5º
da Constituição Federal, que permite ao cidadão se realizar de fato, abrange muito
além do que a igualdade formal. O princípio está relacionado diretamente à
efetividade dos direitos sociais.
Ao Poder Judiciário cabe então garantir o efetivo exercício dos direitos
sociais, pois de nada valeria a sua constitucionalização se não fosse dado ao
cidadão meios de exigir a sua consecução. O não-cumprimento ou o cumprimento
inadequado das políticas públicas gera a possibilidade de os titulares do direito
demandarem a sua efetivação.
6.3 A EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO ENSINO FUNDAMENTAL POR VIA
JUDICIAL
A categorização do direito à educação fundamental como um direito público
subjetivo, teve como principal conseqüência a possibilidade de se buscar a sua
efetividade pela via judicial. Segundo ensina Canotilho:
131
Pode-se dizer que um índice relativamente seguro para aquilatar da
existência de um direito subjetivo, reconhecedor de pretensões jurídicas
diretamente atuáveis na norma constitucional, é a possibilidade de o titular
ativo poder recorrer aos tribunais para acionar judicialmente - em caso de
necessidade - a satisfação de pretensões jurídicas contra os respectivos
destinatários passivos (CANOTILHO, 1998, p. 378).
A radical mudança de paradigma ocorrida com o advento da nova orientação
jurídico-constitucional, no entanto, em alguns casos não foi acompanhada da
mudança de atitude por parte daqueles encarregados de interpretar e aplicar a lei,
gerando situação tanto ambígua quanto anômala, em que práticas arbitrárias do
passado são agora pretensamente legitimadas por um discurso garantista. É
necessário que a sociedade supere o velho tradicionalismo do Poder Judiciário
brasileiro, acostumado a lidar com questões de direito individual, havendo juízes que
ainda hesitam diante da crescente necessidade de interpretar e aplicar os direitos
humanos e sociais constitucionalizados.
Capilongo afirma que
o esquema de evolução dos direitos formulado por Marshall pressupõe
concepções de cidadania muito específicas e pouco relacionadas com a
realidade social brasileira. Entre nós, o processo que vai dos direitos civis
aos políticos, e destes aos direitos sociais, não foi nem linear nem
cumulativo. De modo imperfeito, truncado e simultâneo, a luta pela
cidadania desenvolveu-se em todas as frentes. O problema dos países
periféricos é justamente combinar as três gerações de direitos. A diferença,
continua o autor, reside no fato de que, para os direitos civis, esse equilíbrio
procura manter o padrão de eficácia da ordem jurídica e de intensidade dos
direitos. Para os direitos políticos, o problema está em harmonizar os
diferentes tipos de direitos legalmente garantidos para suprir vazios de
efetividade e alargar sua intensidade a amplos setores das classes
trabalhadoras. Os desafios redistributivos impostos ao sistema político e
cobrados ao sistema judicial são muito mais fortes. (CAPILONGO, 2005, p.
31-32).
No Brasil as políticas públicas são exteriorizadas nas mais diversas formas,
uma vez que não possuem um padrão jurídico único e claro. Pelo fato de elas se
consubstanciarem, ora como plano, ora como programa de ação, paira a
insegurança sobre a existência de vinculação da Administração Pública sobre tais
formas de expressão. Em conseqüência, também existem dúvidas sobre a
132
possibilidade ou não de o cidadão exigir em juízo a execução de determinada
política formulada e, em caso afirmativo, a dúvida permanece quanto à forma de
fazê-lo. E ainda mais, o Poder Judiciário pode ou não provocar a execução das
políticas e, sendo possível, como fazê-la.
O acesso ao Poder Judiciário para o efetivo exercício dos direitos sociais, em
especial ao direito ao ensino fundamental, é não somente possível, ele é necessário,
porque de nada valeria a declaração sem o correspondente direito de ação para a
sua defesa. Sendo assim, a omissão da Administração no cumprimento do que
dispõem as normas que estabelecem a efetivação do direito ao ensino fundamental,
através da implementação de políticas públicas, gera responsabilidade jurídica pela
inconstitucionalidade e ilegalidade omissiva.
A Constituição Federal, ao estabelecer os direitos sociais e as políticas
públicas para concretizá-los, e afirmar no art. 5º, XXXV, que “a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, dita a possibilidade de
ser exigido em juízo um direito não realizado. Dessa forma, o texto constitucional
afirma a possibilidade de os titulares de certa política pública exigirem seu
cumprimento em juízo. Bucci (2002) para demonstrar essa possibilidade de
exigência judicial no sentido de viabilizar a concretização de um direito posto por
determinada política pública, cita: “a existência de uma política de valorização do
ensino fundamental pode fazer surgir o direito à matrícula numa escola em
determinada região onde se poderia falar apenas em titularidade do direito à
educação” (BUCCI, 2002, p. 257).
A garantia de novos direitos trazidos pela Constituição Federal de 1988 fez
com que o Judiciário passasse a enfrentar questões até pouco tempo distantes dos
tribunais. Normalmente preparados para resolver questões tradicionais, coloca-se
133
diante do juiz agora um novo desafio: interpretar e aplicar os direitos humanos e
sociais constitucionalizados. Os juízes estão indecisos entre definir o sentido e o
conteúdo das normas programáticas definidoras dos direitos sociais ou defini-las
como não vinculantes, e, por isso, mostram-se, muitas vezes, incapazes de
contribuir com a efetivação dos direitos sociais.
Ao Poder Judiciário cabe abandonar a tradição do processo individual e inovar
com a utilização dos processos coletivos, sempre que diante dele estiver uma
questão de não-efetivação dos direitos sociais.
Os direitos humanos sociais, que foram estabelecidos para a coletividade, em
especial para os menos favorecidos, para que possam ser materialmente eficazes,
necessitam da intervenção ativa e contínua dos Poderes Públicos. Essa gama de
direitos exige do Poder Público um amplo rol de políticas públicas dirigidas à sua
clientela específica, os carentes, os mais pobres.
Esses novos direitos representam interesses coletivos, ou seja, interesses de
grupos, comunidades e classes que exigem que as normas e conceitos jurídicos
sejam interpretados à luz do novo contexto social. Essa categoria específica de
direitos requer a adoção de uma nova mentalidade jurídica para que seja possível
que os direitos sociais constitucionalizados alcancem os objetivos de socializar
riscos, neutralizar perdas e atenuar diferenças. O Poder Judiciário garante os
direitos sociais quando acolhe as demandas em prol dos menos favorecidos e
quando atua contra a inércia ou a insuficiência do Poder Público, na implementação
de políticas públicas indispensáveis à efetivação dessa categoria de direitos.
134
6.3.1 Meios judiciais de acesso à educação
A Constituição Federal, no art. 208, § 1º, destaca que “o acesso ao ensino
obrigatório e gratuito é direito público subjetivo”. Em seqüência, a Lei n. 9.394/1996 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - dispõe da seguinte forma:
Art 3º - O acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo
qualquer cidadão, associação comunitária, organização sindical, entidade
de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda o Ministério Público,
acionar o Poder Público para exigi-lo.
A classificação do direito ao ensino fundamental como direito público subjetivo
torna-o exigível judicialmente, sendo líquido, certo e indisponível, que pode e deve
ser exigido do Poder Público, sem perquirir sobre a condição pessoal e social,
tampouco econômica, do titular do direito.
Outro importante instrumento legal que viabiliza o acesso à Justiça para
garantir o direito à educação fundamental é o Estatuto da Criança e do Adolescente Lei n. 8.069/1990. O sistema de garantias criado pelo Estatuto determina que o
Poder Judiciário aprecie a ausência ou insuficiência de uma estrutura adequada ao
regular exercício do direito à educação, e para isso é possível até mesmo anular
atos ilícitos, impor obrigações de fazer ou não fazer, perseguir a responsabilidade
civil, administrativa e criminal daqueles e, se for o caso, estipular indenização
(LIBERATTI, 2004, p. 89).
O ECA, no art. 212 estabelece que: “Para a defesa dos direitos e interesses
protegidos por esta lei, são admissíveis todas as espécies de ações pertinentes”. O
dispositivo citado determina que há um leque de medidas judiciais que podem ser
utilizadas para fazer cumprir os mandamentos legais e constitucionais, fazendo com
que o Judiciário se manifeste no sentido de fazer valer a lei e a Constituição Federal.
135
Ainda no mesmo diploma legal se destaca o art. 208:
Regem-se pelas disposições desta lei as ações de responsabilidade por
ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao
não oferecimento ou oferta irregular:
I - do ensino obrigatório;.
Por diversos meios, o legislador procurou instrumentalizar os cidadãos, no
sentido de dar-lhes condições de recorrer ao Poder Judiciário em busca de defesa
dos direitos sociais, garantindo o acesso de crianças e adolescentes ao sistema
educacional de qualidade e responsabilizando os agentes omissos.
Caso vencidas todas as etapas extrajudiciais e não se obtendo êxito, não
restará outra opção além da busca do socorro junto ao Poder Judiciário, que deverá,
então, fazer valer as regras e princípios legais e constitucionais estabelecidos com
tal finalidade.
A seguir serão comentados alguns dos instrumentos judiciais que se
encontram à disposição daqueles que buscam a efetivação do direito ao ensino
fundamental.
a) Ação de Rito Sumário
A Lei n. 9.394/1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional -, no art. 5º,
caput e § 3º, regula a ação de rito sumário como instrumento à disposição de “qualquer
cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária” para forçar o Poder Público a
garantir o acesso ao ensino fundamental a todos os que desejarem nele ingressar.
Em consonância com a Constituição, que determina a oferta de ensino
fundamental a todos, gratuitamente e de forma irrestrita, é de suma importância
também que se tenha à disposição um instrumento jurídico a ser facilmente
manejado contra o Poder Público a fim de exigir o exercício desse direito.
136
b) Ação Civil Pública
A ação civil pública é um instrumento de larga abrangência, cujo objetivo é a
defesa judicial de qualquer interesse difuso ou coletivo que sofra, por ação ou
omissão, ameaça por parte de agente público ou privado. Dentre os direitos difusos,
aqueles de natureza transindividual, devendo ser tratado coletivamente, está a
educação, por seu caráter coletivo, não podendo ser dividido em partes com
destinatários certos. Dessa forma, como determina a Lei n. 7.347/1985, o Ministério
Público tem a legitimidade para ajuizar a ação.
Paulo Afonso Garrido de Paula, citado por Liberatti, afirma que
a ação civil pública para a defesa de interesses difusos e coletivos afetos à
infância e juventude é um caminho ímpar de resgate da enorme dívida
social para com os pequenos grandes marginalizados deste país: as
crianças e os adolescentes. É chegada a hora da justiça cobrar
responsabilidade dos governantes, colocando-os como réus quando de
suas omissões no trato desta questão que é crucial, de sorte a
verdadeiramente amparar os desvalidos, efetivamente protegendo-os da
decúria estatal (PAULA apud LIBERATTI, 2004, p. 352).
Pela força que lhe conferem, tanto a Lei n. 8069/1990 quanto a Lei n.
7.347/1985, a Ação Civil Pública presta-se para garantir o acesso, mas acima de
tudo a qualidade do ensino, a fim de fazer cumprir os princípios e objetivos
constitucionais. Assim, a presente ação surge como um dos instrumentos de maior
relevância na busca da efetivação do direito ao ensino fundamental, que por seu
intermédio pode ser rapidamente reconhecido, trazendo uma luz no sombrio mundo
“sem educação”, que uma parcela de agentes públicos, por descaso, não cumpre a
determinação constitucional de fornecer educação de qualidade a todos.
c) Ação Popular
Outro instrumento de relevância colocado à disposição do cidadão é a ação
popular. Como o próprio nome designa, a ação popular visa instrumentalizar o cidadão
comum para defesa dos seus direitos fundamentais, em especial neste trabalho, o
137
direito ao ensino fundamental. O art. 5º, LXXIII, da Constituição de 1988 determina que
Art. 5º - LXXIII - Qualquer cidadão é parte legitima para propor Ação popular
que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade que o
Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé,
isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência [...]
A ação popular ataca em primeiro plano as ações que são contrárias ao
princípio da moralidade administrativa. No que concerne ao direito à educação,
considerado pela Constituição como um “direito de todos e dever do Estado” (art. 205)
e que “é dever do Estado, da família e da sociedade assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, a saúde, [...], a educação” (art.
227, caput), implica dizer que cabe ao Estado se aparelhar no sentido de fornecer
com eficácia e qualidade, dando a esse direito o caráter de serviço público essencial.
Decorre daí que, segundo Liberatti (2004) o não-cumprimento dá ensejo à propositura
de ação popular, por atentar ao princípio da moralidade administrativa.
Os dois requisitos principais da ação popular são que o autor seja “cidadão” e
o interesse seja público.
Configura então a ação popular como um dos mais importantes meios
judiciais à disposição da sociedade para viabilizar uma educação universal e de
qualidade, que ocorrerá, também, através da destinação de recursos públicos em
patamares adequados às necessidades de cada estabelecimento de ensino, bem
como o seu uso de forma adequada.
d) Mandado de Segurança Coletivo
O mandado de segurança coletivo é regulado pela Lei n. 1.533, de
31/12/1951, que disciplina seus requisitos e a forma como deve ser processado. Um
dos mais antigos instrumentos de proteção contra o arbítrio do Estado e de seus
agentes, o seu manejo é uma das garantias fundamentais da Constituição Federal
138
de 1988, estando assegurado no art. 5º, LXIX.
A ação ou a omissão dos agentes públicos causam diretamente ameaça ou
efetiva violação dos direitos coletivos. Verifica-se, na maioria dos casos, como afirma
Liberatti (2004, p. 358), que “no exercício de suas funções eles se desviam do
objetivo maior do Estado, que é o bem-estar de toda coletividade”.
O presente instrumento objetiva a estimular o Judiciário a intervir no sentido
de corrigir os atos lesivos aos direitos individuais e coletivos, realizados pela
Administração Pública, em todas as esferas.
6.3.2 O papel do Ministério Público na defesa do direito ao ensino fundamental
Na tarefa de garantir o acesso ao Poder Judiciário em defesa dos direitos
sociais, encontra-se a figura do Ministério Público.
A Constituição Federal, nos arts. 127 a 130, regula as atividades do Ministério
Público, que passou a ter, pelo atual texto constitucional, funções mais amplas que
no passado.
Art. 127. O Ministério Público é uma instituição permanente, essencial à
função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica
do regime democrático e dos interesses sociais e individuais e
indisponíveis.
O Ministério Público tem legitimidade para a defesa individual e coletiva dos
direitos da criança e do adolescente, dentre os quais o direito ao ensino
fundamental. Recomenda o trabalho conjunto das Promotorias de Justiça e dos
Conselhos Tutelares para a identificação prévia das crianças que não obtiveram
vagas nas escolas, com posterior ajuizamento da ação cabível e prolação de
139
provimento que determine a inserção específica das crianças identificadas na rede
pública.
Há um expressiva participação do Ministério Público na propositura de Ação
Civil Pública em defesa dos direitos sociais constitucionalizados. Tratando-se de
direitos sociais, o Ministério Público, um dos co-legitimados à propositura da Ação
Civil Pública, tem o dever de ofício de agir para a sua efetiva implantação, e não
apenas o dever de atuar como fiscal da lei, conforme atribuições constitucionais e
legais. O Ministério Público pode agir em defesa do direito de todos ao ensino
fundamental, não apenas judicialmente, também extrajudicialmente, por meio de
inquérito
civil,
compromisso
de
ajustamento,
audiências
públicas
e
de
recomendações.
O inquérito civil, segundo Mazzilli (1999, p. 303), “é um procedimento
administrativo investigatório, informal e desprovido de contraditório, exclusivamente
a cargo do Ministério Público, com exclusão de todos os demais co-legitimados à
Ação Civil Pública”. O objetivo do inquérito civil é a coleta de elementos, através do
procedimento investigatório, para servir de base à propositura de uma ação coletiva
em defesa dos interesses metaindividuais, portanto, em defesa dos direitos sociais,
incluindo o direito ao ensino fundamental. No inquérito civil ainda existe a
possibilidade da formulação de compromissos de ajustamento de conduta e
realização de audiências públicas e recomendações.
O compromisso de ajustamento, conforme ensinamento de Mazzilli (1999, p.
303), “é outro meio de defesa dos direitos sociais de que pode se valer o Ministério
Público extrajudicialmente”. O art. 113 do Código de Defesa do Consumidor inseriu o § 6º
ao art. 5º da Lei da Ação Civil Pública, estendendo o compromisso de ajustamento de
conduta às exigências legais, em defesa de quaisquer interesses metaindividuais. O
140
compromisso de ajustamento pode ser tomado por qualquer órgão público, mas é fato
que o Ministério Público é o órgão que mais tem firmado esse acordo dentro do inquérito
civil, uma vez que é o único legitimado a efetuar o processo investigatório. Esse
instrumento tem a qualidade de título executivo extrajudicial, todavia, se for homologado
em juízo, passará a ter valor de título judicial.
As audiências públicas, também segundo Mazzilli (1999, p. 323-333), “têm por
objeto a participação do cidadão na tomada de decisões de gestão da coisa pública,
tendo-o como o principal destinatário.” As audiências são mecanismos pelo qual o
cidadão e as entidades civis colaboram com o Ministério Público nas suas funções
de zelar pelo interesse público e defender os interesses metaindividuais, como o
efetivo respeito ao direito ao ensino fundamental.
As recomendações realizadas pelo Ministério Público são resultado de uma
investigação, por inquérito civil ou audiências públicas, dos fatos necessários para a
defesa dos direitos constitucionais dos cidadãos. Nessa investigação, o órgão
ministerial deve colher informações técnicas e precisas para no final, conforme o
caso concreto, diagnosticar os problemas e apontar soluções. Nem sempre uma
investigação do Ministério Público deve evoluir para uma Ação Civil Pública, sendo
melhor, muitas vezes, que o resultado prático seja uma recomendação.
Mazzilli afirma que,
apesar das recomendações não vincularem, produzem efeitos práticos, uma
vez que elas devem ser respondidas pela autoridade destinatária, de forma
fundamentada, tanto ao acolhê-la, quanto ao recusá-la e, como
conseqüência, pode ser contrastada judicialmente. (MAZZILLI, 1999, p.
338).
A função constitucional de defensor da sociedade concedida ao Ministério
Público, que se consubstancia na promoção da ação civil pública, do inquérito civil,
do compromisso de ajustamento, da convocação para audiências públicas e na
141
expedição de recomendações, pode ser invocada na defesa do direito fundamental à
educação fundamental. Nesse sentido, Frischeisen esclarece que
O papel do Ministério Público é bastante claro, como fiscal da Lei e
defensor dos interesses sociais deve zelar pela efetiva implantação das
políticas públicas que visam à concretização da ordem social constitucional
e, nesse sentido, as Leis que trouxeram maior densidade aos ditames
constitucionais nomeiam o Parquet como defensor dos direitos
estabelecidos nos respectivos diplomas legais (FRISCHEISEN, 2000, p.
116).
A função constitucional de defensor da sociedade concedida ao Ministério
Público, que se consubstancia na promoção da ação civil pública, do inquérito civil,
do compromisso de ajustamento, da convocação para audiências públicas e na
expedição de recomendações, pode ser invocada na defesa dos direitos das
crianças e adolescentes entre 7 e 14 anos de receberem o ensino fundamental com
qualidade.
142
7 CONCLUSÃO
O marco inicial do presente trabalho é o ser humano, considerado em sua
natureza, suas características e suas necessidades. Por quê? Buscou-se evidenciar
como o direito à educação está ligado ao significado da natureza humana,
considerando a educação como vida e alimento para o homem, sem a qual ele não
alcançará o seu pleno desenvolvimento intelectual, material, social.
Esta análise nos remete à idéia de direitos fundamentais, por serem
essenciais à vida humana e ao seu aperfeiçoamento. O homem é um ser que não
nasce com suas faculdades já desenvolvidas. Precisa ser educado, amparado e
protegido para desenvolver-se plenamente como pessoa.
Os direitos fundamentais são a última barreira de proteção da dignidade da
pessoa humana. Quando tudo mais houver falhado, há ainda os direitos
fundamentais como esperança.
No Estado Democrático de Direito tais direitos tomam uma dimensão até
então inimaginável por nós. Ele se baseia na proteção irrestrita da dignidade da
pessoa humana. Cabe a ele estado promover a efetividade dos direitos
fundamentais em todas as modalidades que se apresentam.
O direito ao ensino fundamental, reconhecido como um direito humano, e, em
razão da sua constitucionalização, adquiriu status de direito fundamental social,
inserido no direito à vida, é indispensável na concretude do Estado Democrático de
Direito. Em razão de sua importância no pleno desenvolvimento da personalidade
humana, é que o direito à educação foi qualificado como direito humano e
posteriormente direito fundamental.
143
O direito ao ensino fundamental, no ordenamento jurídico brasileiro, é
considerado no âmbito do direito público como um direito social fundamental. Assim,
ele deve ser considerado um direito fundamental, inserido no direito à vida, absoluto,
gerando efeito erga omnes; subjetivo público, por determinação constitucional, já
que diz respeito ao individuo como ser humano e se propõe a assegurar-lhe o gozo
do próprio ser. Sendo assim gera um dever positivo do Estado no sentido de
viabilizá-lo, para que possa ser efetivamente usufruído.
A efetivação do direito ao ensino fundamental enfrenta sérias dificuldades no
Brasil, estabelecendo um paradoxo entre a legislação e a sua efetivação. Enquanto
tem-se diplomas legais avançadíssimos, como é o caso do Estatuto da Criança e do
Adolescente e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sem contar com a
própria Constituição Federal de 1988 que estabelece o direito ao ensino fundamental
como um direito subjetivo, tem-se também milhares de crianças e adolescentes
analfabetos e semi-analfabetos. São espantosos os números do analfabetismo
funcional e os dados de defasagem idade-série. O que isso evidencia? Evidencia
que, apesar dos instrumentos legais serem formalmente válidos, no plano fático não
são observados.
Revelada a omissão da Administração Pública e seus agentes, não resta aos
seus titulares opção outra senão bater às portas do Judiciário, com o fim de exigir
sua implementação ou a correção dos seus propósitos.
O status de direito público subjetivo torna o direito ao ensino fundamental
oponível à Administração Pública, dando ao seu titular o poder de exigi-lo. A
Constituição concedeu ao ensino fundamental um acento diferenciado dos demais
direitos, isto é, determinou que ele não seja relegado à reserva do possível ou
tampouco estar adstrito às opções ocasionais.
144
Cabia então a definição dos instrumentos jurídicos passíveis de ser
manejados pelo cidadão para garantir uma educação pública e de qualidade no
ensino fundamental. Tanto a Constituição como a legislação ordinária ofereceram à
sociedade os instrumentos necessários para a correta reivindicação judicial. Temos
neste sentido a Ação de Rito Sumário, a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o
Mandado de Segurança Coletivo.
Ante a hipossuficiência dos titulares do direito ao ensino fundamental, ao
Ministério Público, como defensor do Estado Democrático de Direito e dos direitos
constitucionalmente defendidos, cabe a adoção de medidas que obriguem a
Administração Pública a adotar e implementar políticas públicas que atendam à
determinação constitucional, bem como à fiscalização das medidas já implantadas.
Por fim, considerando que a legislação pertinente é suficiente para garantir a
exigibilidade do direito ao ensino fundamental e que o meio de se disponibilizar tal
direito é a adoção de políticas públicas constitucionalmente definidas, revela-se
imprescindível a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário, voltadas para a
efetiva implementação de tais políticas, já que estas, se devidamente elaboradas e
aplicadas, proporcionarão alcançar os objetivos constitucionais da educação, quais
sejam, “o pleno desenvolvimento da pessoa humana, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (art. 205, CR/88).
145
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