metabolismo do algodoeiro em ambientes

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METABOLISMO DO ALGODOEIRO EM AMBIENTES ADVERSOS
Prof. Pedro Dantas Fernandes
Eng. Agrônomo, MSc, Doutor
1. INTRODUÇÃO
Em todo o ciclo de vida, as plantas estão continuamente sujeitas a condições adversas,
constituindo o que na ecofisiologia vegetal é denominado de estresse. São múltiplos os fatores
causadores de estresse nos vegetais, afetando o crescimento, o desenvolvimento e a produção
das culturas; em todas as situações adversas, a planta desvia parte de seu metabolismo para se
adaptar ou sobreviver ao fator limitante, das mais variadas formas, em detrimento da
produção, pois parte da energia é desviada para esse processo, como será abordado neste
trabalho, especificamente relacionado ao algodoeiro.
E, afinal, o que é estresse? Segundo Larcher (2000), o estresse é um desvio significativo
das condições ótimas para a vida; em outras palavras, é tudo que desvia a planta das
condições ideais de crescimento e desenvolvimento, tanto para mais como para menos. Em
algumas situações, é interpretado como algo que falta ou está deficiente (estresse hídrico) e,
em outros casos, como o que está em excesso (salinidade, altas temperaturas, como exemplos);
no caso de anoxia, o excesso de água no solo leva a uma deficiência de oxigênio.
Para um determinado fator estressante, cada planta tem um limite de tolerância, a partir
do qual as alterações são intensivamente mais profundas e permanentes. Além de variar entre
espécies, o seu efeito pode variar entre genótipos de uma mesma espécie e entre fases
fenológicas de um mesmo genótipo (Samallwood, 1999).
2. ESTRESSE EM ALGODOEIRO
2.1. Estresse hídrico
O estresse hídrico é o tipo mais comum em plantas e geralmente é associado à
deficiência de umidade no solo, sendo o murchamento de folhas o sinal mais evidente. Na
célula, o suprimento de água em níveis inferiores aos requeridos baixará o componente de
potencial de pressão do protoplasto sobre a parede da célula, resultando em diminuição de
turgor, afetando o crescimento celular (Taiz & Zeiger, 2002).
Entretanto, o murchamento não é indicativo apenas de deficiência de água no solo,
podendo surgir como conseqüência de outros fatores: o próprio encharcamento de solo pode
causar murchamento; baixo potencial osmótico da solução do solo, decorrente de problemas
da concentração de sais, pode resultar em suprimento inadequado de água às plantas, mesmo
com teor apreciável de umidade na zona radicular; outra ocorrência comum de murchamento
ocorre em condições de alta demanda evaporativa, tais como baixa umidade relativa, alta
temperatura e radiação solar intensa, situações em que é difícil às plantas suprir as suas
exigências hídricas.
Ajustamento osmótico
Ajustamento osmótico é o principal mecanismo de adaptação ao estresse hídrico,
visando à manutenção do turgor das células (Taiz & Zeiger, 2002), mesmo que decresça o
potencial hídrico; não pode ser confundido com o aumento na concentração de solutos
decorrente da desidratação da célula.
No ajustamento osmótico, íons se acumulam no vacúolo e alguns solutos se acumulam
no citoplasma para manter o equilíbrio de potencial hídrico dentro da célula; os principais
solutos são prolina (aminoácido), sorbitol (açúcar) e glicina betaina (uma amina quaternária).
Em algodoeiro, foi encontrada maior adaptação de potencial osmótico em raízes que em
folhas (Oosterhuis & Wullschleger, 1987).
Efeitos em algodoeiro
- Na deficiência de suprimento de água à planta, baixando o potencial hídrico a valores
inferiores a -1,5 MPa, são afetadas negativamente: assimilação de CO2, transporte de seiva
inorgânica no xilema, fluxo de seiva orgânica no floema e respiração, enquanto aumenta a
atividade de enzimas hidrolíticas (Smith & Cothren, 1999).
- Geralmente, aumenta a relação ‘raiz/parte aérea’, por ser mais afetada a parte aérea da planta,
uma forma de reduzir a superfície transpirante (Smith & Cothren, 1999).
- Nos primeiros 14 dias após a antese, o estresse hídrico acarreta abscisão das maçãs em
formação, sem queda de frutos após esse período (McMichael et al., 1973).
- Estresse durante o período de alongamento das fibras resulta em unidades mais curtas,
enquanto que, estresse severo após o alongamento, será afetada a maturidade das fibras e
resultará em baixo micronaire (Antony & Kutty, 1975).
- Em algodoais cultivados em regime de sequeiro, com estresse hídrico leve, foi encontrado
aumento da percentagem de linter e aumento no micronaire (Newman, 1967), em comparação
com cultivos irrigados.
- Mesmo em cultivos irrigados, é aconselhável uma situação de estresse moderado na fase
vegetativa, forçando a planta a aprofundar seu sistema radicular. Caso seja mais intenso do
que o desejável, resultará na formação de folhas pequenas, com redução do índice de área
foliar e conseqüente redução na absorção de luz pela planta e na produção de fotoassimilados.
- Em áreas com curta estação propícia ao crescimento, a fase mais crítica vai da 6ª - 7ª folha
até à abertura da primeira flor, porque nesse período se formam as gemas florais capazes de
maturarem ainda em condições favoráveis (Krieg, 1997).
- Falta de água durante o período de pré-florescimento aumenta o número e o tamanho das
maçãs, em algumas cultivares (Singh, 1975)
- Através de estudos fisiológicos, sabe-se que o crescimento vegetal é favorecido pelas
citocininas, enquanto o ácido abscísico acético (ABA) o retarda, sendo a concentração de um
inversamente proporcional à do outro na célula. Quando a planta entra em estado de qualquer
estresse, enquanto diminui a presença das citocininas, aumenta a do ABA. No estresse hídrico,
diminui o turgor das células e aumenta o nível de ABA; decorrente da presença desse ácido, o
potássio sai das células guardas, causando com isso aumento do potencial osmótico e
conseqüente movimento da água para fora, com fechamento do estômato (Taiz & Zeiger,
2002).
- Folhas velhas e as que se formaram com déficit de água desenvolverão uma maior tolerância
ao estresse por fecharem os estômatos só em potenciais hídricos mais baixos (Krieg, 1986).
- Em algodão, a fotossíntese é mais sensível a baixos potenciais em folhas do que o
movimento estomatal (Krieg, 1986). Baixo potencial hídrico na folha aumenta a resistência à
captação de CO2 no mesófilo, tornando-se este o principal efeito do estresse a –2 MPa.
- Tem sido encontrado efeito aliviador de reguladores de crescimento sobre as plantas, em
condições de estresse hídrico: PGR-IV, uma mistura de reguladores hormonais, alivia
parcialmente os efeitos do estresse, aumenta a produção de biomassa e melhora a absorção de
nutrientes; ácido poliaspártico, uma proteína sintética, aumenta a absorção de nutrientes e o
crescimento da planta (Below & Wang, 1995), sem entretanto, afetar a produção de fibras.
2.2. Estresse de calor
Os primeiros sintomas de estresse térmico por calor, em algodão, ocorrem quando a
temperatura sobe além de 27ºC, reduzindo a taxa de crescimento das maçãs. Temperatura
acima de 32oC diminui a fotossíntese bruta, o tamanho da maçã e o comprimento de fibra e
torna mais lento o enchimento das maçãs (Yfoulis & Fasoulas, 1978). Acima de 35ºC, é
afetado o número de flores e de frutos formados. Plantas expostas a 40ºC, por 12 horas,
durante a frutificação, as maçãs representam menos de 1% da biomassa total, resultado obtido
em experimentos com várias cultivares (Reddy et al., 1992).
No estresse ao calor, em plantas tolerantes, são formadas ‘proteínas de choque térmico’,
sintetizadas na planta em resposta a elevadas temperaturas, como se fossem catalizadores,
envolvidas em todas as fases de produção de outras proteínas, mas que não se tornam parte
das novas estruturas protéicas.
Em estudos realizados por Hodges et al.(1993), foi verificado que algodões do tipo Pima
(Gossypium barbadense) são menos tolerantes ao calor que os do tipo Delta, estando a
diferença, principalmente, na extensão do período para florescimento, frutificação e abertura
de capulhos, que ocorre nas menos tolerantes. Mesmo assim, Lu et al. (1998) selecionaram
algodoeiros do tipo Pima para altas produções com pressão de seleção para alta condutância
estomática e resfriamento da folha sob condições de alta radiação e temperatura.
Índice de estresse térmico (TSI)
Em 1988, Burke et al. sugeriram como índice de estresse térmico o limite de
temperatura a partir do qual ocorrem alterações superiores a 10% nas reações enzimáticas.
Para algodoeiro aqueles autores encontraram o valor de 27,5ºC para TSI. Pelo fato de calor e
estresse hídrico estarem interconectados, é difícil separar ambos os estresses.
Estresse por frio
A resistência ao frio (chilling) está relacionada com a síntese de ácidos linoleico e
linolênico em seedlings de algodão (Rikin et al., 1993), importante para manter a estabilidade
das membranas em baixas temperaturas. Existem genes de tolerância ao frio, identificados na
espécie Gossypium thurberi L., crescendo em altitudes de 2000 m no leste do Arizona (clima
temperado), com abscisão de folhas no outono e dormência completa no inverno; tais
características são controladas por fotoperíodo. Estes genes podem ser transferidos para
espécies cultivadas.
A ocorrência de frio após emissão da radícula e nos primeiros estádios de
desenvolvimento, afeta o crescimento inicial e causa vazamento de metabólitos através da
membrana; interferência na produção de ATP; decréscimo na síntese de proteínas e de ácido
nucléico e alterações no tamanho e forma das primeiras folhas. Em plantas tolerantes ao frio,
tem sido encontrado cálcio bloqueando a exudação de solutos de raízes (St. John &
Christiansen, 1976)
Injúrias por ‘chilling’ podem resultar em uma grande incidência de doenças devido à
maior concentração de açúcares redutores e de aminoácidos nas raízes que podem ser
exudados depois do período de frio, servindo de substrato para patógenos (Smith et al., 1971).
2.3. Estresse salino
A concentração de sais no solo, acima de um determinado limite, variável em função do
genótipo e de seu desenvolvimento, é causa de estresse para as culturas, por baixar o potencial
osmótico da solução do solo, dificultando a absorção de água. Uma cultura vegetando em tais
condições será afetada pelo estresse salino, dependendo da concentração de íons em suas
células e de seu grau de tolerância à salinidade. Resumidamente, as plantas que se adaptam ao
estresse salino, podem desenvolver, os seguintes mecanismos: (i) exclusão na absorção de
íons; (ii) absorção do íon, compartimentalizando-o no vacúolo; podem ser acumulados em
partes da planta (raízes, caule), evitando que cheguem aos tecidos em formação; (iii) exclusão
dos íons absorvidos, através de estruturas especiais (glândulas ou poros de sais) ou
eliminando-os na forma de gás (cloreto de metila, por exemplo) ou concentrando os sais em
uma estrutura (folhas velhas, por exemplo, desprendidas posteriormente); (iv) produção de
compostos orgânicos solúveis, resultando no abaixamento de potencial osmótico da célula,
facilitando a absorção de água do meio salinizado.
Na planta, o excesso de Na+ e de Cl- no protoplasma ocasionam distúrbios no balanço
iônico [K+ e Ca+, em relação ao Na+; Cl- em relação ao (SO4)2-], além de surgirem problemas
decorrentes de efeito especifico dos íons sobre enzimas e membranas celulares.
O algodoeiro é considerado como tolerante a sais, com 7,7 dS m-1 de salinidade limiar
(‘salinity threshold’), limite de condutividade elétrica em que não há decréscimo na produção
da planta, embora possa ser afetado o crescimento; a salinidade é medida em termos de
condutividade elétrica (unidade em Siemens por metro – S m-1 – anteriormente denominado
de mmhos cm-1).
Em algodoeiro, inicialmente é afetado o crescimento, em grau mais severo na parte
aérea que na raiz; continuando o estresse salino, diminuirá o número e o tamanho das maçãs.
Existe variação na tolerância à salinidade entre espécies e entre cultivares (Lauchli et al.,
1981).
Altas concentrações de sais e alta relação Na+/K+ no citossol inibem a síntese de
proteínas e paralisam várias enzimas; excesso de Na+ desloca o cálcio da plasmalema de
células dos pelos absorventes da raiz, afetando a permeabilidade da membrana, acarretando
vazamento de K+. Em cultivares de algodão tolerantes a sais, tem sido observado aumento de
enzimas anti-oxidantes.
As folhas de algodoeiros sob estresse salino tendem a aumentar a suculência e a área do
mesófilo, uma forma de compensar a diminuição na captação de CO2 decorrente de redução
na abertura dos estômatos.
2.4. Estresse anoxítico
Naturalmente, o solo tem baixos teores de oxigênio, decorrente da respiração de raízes,
de animais e de microorganismos, e sua difusão é lenta no meio edáfico. Por isso, é comum a
ocorrência de deficiência de O2, agravada por fatores geralmente associados à compactação e
ao encharcamento do solo.
Condições de baixa concentração de oxigênio (hipoxia) ou sua ausência total (anoxia),
causam estresse nas plantas; pode, também, haver estresse anoxítico em condições de alta
temperatura, por exemplo, pois quando ela aumenta de 18ºC para 28ºC a necessidade de O2
aumenta 300% (Bowen, 1961). É considerada hipoxia quando cai a pressão parcial do
oxigênio, tornando maior que 1 o quociente respiratório (QR = CO2 / O2). Em tal situação, são
ativadas vias metabólicas alternativas com menor afinidade com o oxigênio, com prejuízos
para a formação de ATP.
Em solo compactado, as raízes além de estarem sujeitas a estresse de impedimento físico,
ficam também em baixa concentração de oxigênio. Em hipoxia e anoxia, em vez de oxidação
de produtos orgânicos, são eles desviados para uma desassimilação anaeróbica, resultando em
etanol (com desprendimento de CO2) ou ácido lático, sem perda de carbono, em ambos os
casos sem formação de ATP. Voltando o oxigênio a ser disponível, ocorre recuperação da
atividade respiratória com produção de energia.
Especificamente, em algodoeiro, a anoxia causa modificações profundas no
metabolismo da planta, afetando o crescimento/desenvolvimento e a produtividade das plantas.
Beltrão et al. (1997) observaram extensão no ciclo e redução no rendimento da cultivar CNPA
Acala 1. Na cultivar CNPA 7H, a deficiência de oxigênio afetou atividades enzimática,
fotossintética e respiratória e, também, o rendimento, além de redundar em acúmulo de
proteínas e carboidratos na planta; em outras cultivares (CNPA 3H, CNPA Precoce 1) foram
observados os mesmos efeitos e, ainda, redução de área foliar e produção (Souza et al., 1997).
Outras modificações de natureza fisiológica e bioquímica foram também detectadas em
algodoeiro sob anoxia, destacando-se redução da nitrato redutase e aumento no teor de prolina,
decréscimo da transpiração e da turgescência e do potencial hídrico da folha (Souza et al.,
1997). Souza et al. (2001), submetendo a cv. CNPA 7H ao encharcamento do solo, na fase de
plântula, verificaram, quando o estresse foi por 4 dias, reduções superiores a 70% em
atividades enzimáticas; a fotossíntese foi afetada a partir do primeiro dia de anoxia, com
decréscimo de 58% no 14º dia de encharcamento, acumulando-se carboidratos em folhas,
caule e raízes; a produção de fibra foi reduzida 35,8% com 10 dias de estresse anoxítico.
Almeida et al. (1992), trabalhando com as cultivares CNPA 3H e CNPA Precoce 1,
observaram que o encharcamento do solo por 5 dias, na fase de botão floral, reduziu a área
foliar em 30% e a produção de algodão em caroço e em pluma, em 38% e 41%,
respectivamente; quando o estresse anoxítico ocorreu na fase de florescimento, não houve
efeito sobre área foliar, nem sobre a produção.
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