II SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2013 183 Herpetacanthus Nees (Acanthaceae) do Estado do Espírito Santo Alexandre Indriunas1 & Cintia Kameyama1 1 Núcleo Curadoria do Herbário, Instituto de Botânica - São Paulo, CEP 04045-972, São Paulo, SP. E-mail: [email protected] Introdução Herpetacanthus Nees (Acanthaceae) é um gênero neotropical com atualmente 18 espécies descritas: duas na região amazônica (Indriunas & Kameyama 2012b), duas na América Central (Daniel 2005) e quatorze no leste do Brasil, do Sul do estado da Bahia ao Sul de São Paulo (Indriunas & Kameyama 2012a). O gênero se distingue dos demais da família pelo cálice com cinco segmentos subiguais; corola bilabiada com o lábio inferior bidentado e o superior trilobado; quatro estames didínamos, o anterior com anteras bitecas, as tecas inseridas em diferentes níveis do conectivo, e os posteriores monotecas (Nees 1847, Indriunas & Kameyama 2012a). No presente trabalho descrevemos as espécies de Herpetacanthus que ocorrem no estado do Espírito Santo, seus dados de distribuição e ecológicos, e apresentamos uma chave de identificação e comentários. Material e Métodos Os estudos morfológicos basearam-se em cerca de 450 espécimes, incluindo tipos e exsicatas de todas as espécies do gênero, oriundas dos seguintes herbários (os assinalados com asterisco foram visitados pessoalmente por pelo menos um dos autores): CESJ*, ESA*, ESAL*, FUEL*, GUA*, HBR*, HLP*, HRBC*, HUEFS*, IAC*, IAN*, INPA*, MBM*, MBML*, MG*, MO, NY, PMA, PMSP*, R*, RB*, SP*, SPF*, SPSF*, UEC*, UESC*, UNIP*, UPCB*, e VIES*; imagens dos tipos dos seguintes herbários: BR, F, G, GZU, K, NY, PMA, US, e W; coletas em campo e observações feitas de plantas de cultivo. Resultados e Discussão Durante o trabalho de revisão do gênero foram encontradas três espécies endêmicas do estado do Espírito Santo (Herpetacanthus angustatus Indriunas & Kameyama, H. longipetiolatus Indriunas & Kameyama e H. macrophyllus Nees). Kollman et al. (2007) apontam a ocorrência de outra espécie, Herpetacanthus longiflorus Moric., para o Espírito Santo, inclusive com o status de vulnerável, porém durante a revisão taxonômica do gênero, não foram encontrados espécimes no estado. Muito embora em nosso entendimento haja a possibilidade de ocorrência no Norte do estado, uma vez que o limite sul de ocorrência dá-se muito próximo aos limites da Bahia e Espírito Santo. Chave para as espécies de Herpetacanthus do Espírito Santo 1 Folhas sésseis a subsséseis, base cuneada-atenuada a cuneada-atenuada-truncada ………………………………………………………….……………… H. macrophyllus 184 INDRIUNAS & K AMEYAMA: HERPETACANTHUS NEES (ACANTHACEAE) 1’ Folhas distintamente pecioladas, base decorrente ou obtusa …………….……….. 2 2 Folha longo peciolada, pecíolo e lâmina de comprimento semelhantes, lâmina ovada …………………………….…………………………..… H. longipetiolatus 2’ Folha curto peciolada, pecíolo evidentemente menor que a lâmina, lâmina estreito elíptica ………...………………………………………….. H. angustatus Herpetacanthus angustatus Indriunas & KameyamaSyst. Bot. 37(4): 1006. 2012.— Tipo: BRASIL. Espírito Santo: Santa Teresa, Valsugana Velha, 7 Mar 1986, Fernandes 1885 (holótipo: MBML!; isótipos: SP!, US!). Subarbusto ereto ramificado, (0,3–)0,5–1 m; anisofílico, ramos arredondados a subquadrados, glabrescente. Folhas pecioladas, lâminas estreito-elípticas, ápice agudo, base longo decorrente, margens inteiras a inconspicuamente sinuadas, discolor, face abaxial as vezes prateada, esparsamente pubescente no altura da nervura central, glabrescente, margem esparsamente ciliada, folha maior de cada nó com pecíolo 0,3– 0,5(–1) cm, lâmina (6–)8–11,5(–14,5) × (1,3–)1,7–2,7(–3) cm, folha menor com pecíolo 0,4–0,6(–1) cm, lâmina (3,3–)4– 10,5(–13) × 1–2(–2,5) cm. Inflorescência usualmente com uma espiga terminal e duas axilares no nó distal, às vezes com espigas nos nós inferiores. Espigas 1–6 flores, 2,5–4 cm de comprimento, pedúnculo 2,5–5 mm de comprimento, tomentoso a piloso. Brácteas 13–17 ×8–10 mm, subsésseis, elípticas ou raramente ovadas, ápice agudo a acuminado, base aguda, lâmina verde clara, branca ou branca com o ápice púrpura, ou púrpura, brácteas férteis um pouco menores que as estéreis, pubescentes, margem ciliada. Bractéolas lanceoladas, ca. 5 × 0,5 mm, pubescentes, tricomas diminutos, tectores e glandulares, margem esparsamente ciliadas, densamente pilosas e ciliadas no ápice. Cálice com seguimentos lanceolados, ca. 4 × 0,5 mm, pubescentes, ciliados. Corola lilás ou branca com linhas centrais rosas, ca. 22 mm de comprimento, tubo ca. 12 mm de comprimentos, garganta 8 mm de comprimento, lábio inferior com lobos, 2 × 1 mm, lobo central triangular, 2 × 2 mm, lábio superior, 6 × 4 mm, externamente pubérulo, lobos ciliados. Estames anteriores ca. 5 mm de comprimento; estames posteriores ca. 4 mm,; filamentos esparsamente glandularpilosos. Ovário glabro. Estilete 20 mm de comprimento, glabrescente. Cápsula ca. 1 × 0,2 cm, glabra. Sementes ca. 2 × 1,5 mm. Distribuição, ecologia e fenologia. Ocorre nos município de Santa Teresa, Santo Antônio do Alto e Santa Leopoldina (Espírito Santo). Cresce em áreas sombreadas e úmidas no sub-bosque, 700 m de altitude. A maioria florescendo de janeiro a abril, às vezes em setembro, frutificando em abril. Material selecionado: BRASIL. ESPÍRITO SANTO: Santo AntônioMar. 1999, Kollmann et al. 2050 (SP); Santa Teresa, Estação Biológica de São Lourenço, 6 Mar. 2002, Lorenzi 3210 (HPL); Estação Biológica de São Lourenço, 20 Abr. 2002, Fontana 343 et al (SP); Bairro Centenário, Mata do Gilmar, 17 Mar. 2006, Kollmann et al. 8759 (MBML, RB); Mata do Tabajara, 29 Jan. 1997, Hupp 69 et al. (MBML, SP), Mata do Bonfim 3 Abr. 2009, Cardoso 2466 et al. (HUEFS); Santa Leopoldina, 27 Jan. 2007, Fontana et al. 2738 (MBML, RB). Herpetacanthus angustatus assemelha-se a H. neesianus Indriunas&Kameyama do qual se distingue pelas folhas de lâmina estreito elípticas, base aguda decorrente e ápice agudo, e inflorescências com pedúnculo curto, alcançando 5 mm de comprimento. H. neesianuspossui lâminas ovadas a elípticas, base aguda geralmente estreito- II SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2013 185 decorrente e ápice agudo a acuminado, e pedúnculo da inflorescência com 2-6 cm de comprimento. Herpetacanthus longipetiolatus Indriunas & Kameyama, Syst. Bot. 37(4): 1006. 2012. – Tipo: BRASIL. Espírito Santo: Município de Águia Branca, Águas Claras. Zequinha, alt.: 350-450 m/s.m. 18º52‘32S e 40º48‘52W, 15 agosto 2007, R. R. Vervloet, E. Demuer, E. Bause& T. A. Cruz 3174 (holótipo: MBML; isótipo: RB). Subarbusto ereto, ca. 0,5 m; anisofílico, ramos hexagonais a subquadrados, pubérulos. Folhas longo-pecioladas, lâminas ovadas, ápice agudo a brevemente acuminado, base obtusa, abruptamente breve decorrente, oblíqua, levemente discolor, folha maior de cada nó com pecíolo ca. 5,5 cm, lâmina 8,5(–9,0) × 4,2(–5,5) cm, folha menor com pecíolo ca. 4,5 cm de comprimento, lâmina (2,2–)4,5 × 3,2 cm, pecíolos abaxialmente pubescentes, adaxialmente tomentosos, lâminas glabrescentes, margem ciliadas. Inflorescência com espiga terminal e axilares no nó distal, 2–4 cm de comprimento, pedúnculo ca. 0,5 cm de comprimento, tomentoso. Brácteas verdes, sésseis a subsésseis, ciliadas, com tricomas tectores e glandulares, os últimos de dois tamanhos diferentes, ca. 0,3 – 1,0 mm, lâmina pubescente com o mesmo tipo de tricomas, brácteas férteis largo-elípticas, ápice agudo a acuminado, base aguda, oblíqua, ca. 10–15 × 5–8 mm, pubescentes; as estéreis largo-elípticas, ápice obtuso a acuminado, base obtusa a arredondada, oblíqua, 15–18 × 11–15 mm.Bractéolas lineares, ca. 3–6 × 0,5 mm, hirsutas, tricomas diminutos. Cálice com seguimentos lanceolados, ca. 4 × 0,5 mm, hirsutos, ciliados. Corola branca com linhas centrais rosas, externamente pubérulas, tubo ca. 15 mm de comprimentos, garganta 5 mm de comprimento, lábio inferior com lobos, 2 × 2 mm, lobo central triangular, 2,5 × 3 mm, lábio superior 5 × 4 mm. Estames anteriores ca. 4 mm de comprimento; estames posteriores ca. 3 mm,; filamentos esparsamente glandular-pilosos. Ovário glabro. Estilete 15 mm de comprimento, esparsamente piloso na base. Cápsula ca. 1 × 0,2 cm, pubescente. Sementes ca. 2 × 1,5 mm. Distribuição, ecologia e fenologia. Conhecida somente por uma única coleta de Águia Branca (Espírito Santo). Elevação 350-250 m.Florescendo em agosto. Herpetacanthus longipetiolatus embora seja conhecido por uma única coleta, seu longo pecíolo é único no gênero. Sua evidente anisofilia, folhas com base conspicuamente assimétrica e margem ciliada são outros notáveis caracteres diagnósticos. Herpetacanthus macrophyllus Nees in Mart., Fl. bras. 9: 5. 1847. – Tipo: BRASIL. Sellow s/d, s/n (holótipo: B destruído [foto NY!]). Subarbusto ereto, raramente ramificado, 0,15–0.35 m; levemente anisofílico, ramos pubescentes. Folhas sésseis a subsésseis, raramente com pecíolo evidente, lâminas elípticas a ovadas, a maioria largo-elípticas, ápice agudo a obtuso, as vezes levemente acuminada, base cuneada-atenuada, cuneada-atenuada-truncada, as vezes obtusa ou subcordada, 10,5–20(–28,5) × (3,5–)4,5 × 8,5(–9) cm, glabra, exceto por alguns tricomas na margem da base. Inflorescência usualmente com uma espiga terminal e duas axilares no nó distal, às vezes com espigas nos nós inferiores, 1,7–4 cm de comprimento, pedúnculo ca. 4 cm de comprimento, glabro. Brácteas subsésseis, elípticas, ápice agudo a acuminado base obtusa, levemente oblíqua, verdes, as vezes 186 INDRIUNAS & K AMEYAMA: HERPETACANTHUS NEES (ACANTHACEAE) com máculas vináceas, ca. 20× 10 mm, férteis geralmente menores, glabrescentes. Bractéolas lanceoladas a estreito-elípticas, ca. 15 × 7,5 mm, glabrescente, longociliadas. Cálice com seguimentos lanceolados, ca. 4 × 0,5 mm, esparsamente pubescentes, ciliados.Corola branca, tubo ca. 7 mm de comprimentos, garganta 10 mm de comprimento, lábio inferior, 5 × 3 mm, lobo central 3 × 5 mm, lábio superior, 7 × 5 mm, externamente glabros, exceto por poucos tricomas no ápice dos lobos. Estames anteriores ca. 5 mm de comprimento; estames posteriores ca. 2 mm,; filamentos esparsamente glandular-pilosos. Ovário glabro. Estilete 14 mm de comprimento. Cápsula ca. 1 cm, glabra. Sementes ca. 2 × 2,5 mm. Distribuição, ecologia e fenologia. Todos os espécimes coletados são de Santa Teresa (Espírito Santo), em áreas úmidas e sombreadas.Florescendo e frutificando de novembro a janeiro, também encontrada com flores em julho. Material selecionado. BRASIL. ESPÍRITO SANTO: Cariacica21 Ago. 2008 Amorim et al.7613 (MBML); Santa Tereza, 24 Fev. 2006 Kollmann et al 8695.(MBML); id., Estação Biológica Santa Lúcia,8 Dez. 2009 Indriunas et al. 27 (MBML, SP); Santo Henrique, 26 Jan 2005 Kollmann et al. 7321 (MBML) Santa Leopoldina, 17 Jan 2008 Pereira et al. 1575; (RB, SP, US) Herpetacanthus macrophyllus Nees pode ser reconhecida pelas suas folhas subsséseis ou sésseis (10-20 × 4,5-8,5 cm), com base cuneada-atenuada a cuneadaatenuada-truncada. Os espécimes geralmente apresentam uma considerável porção de fragmentos de serapilheira e solo aderida ao ramo, especialmente na porção distal resultando em um aspecto “sujo”. Conclusões Das quatorze espécies do gênero Herpetacanthus descritas para o leste do Brasil, três, pelo atual conhecimento, são endêmicas do estado do Espírito Santo. Assim, o conhecimento do gênero na região ainda carece de mais estudos, os quais somente serão possíveis com a intensificação de coletas, inclusive para a caracterização das fisionomias nas quais ocorrem. Agradecimentos Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico pela bolsa concedida ao primeiro autor e aos curadores e técnicos dos herbários. Referências Daniel, T.F. 2005. Catalog of Honduran Acanthaceae with taxonomic and phytogeographic notes. Contributions from the University of Michigan Herbarium 24: 51-108. Indriunas, A. & Kameyama, C. 2012a. New species of Herpetacanthus (Acanthaceae) from the Atlantic Forest and neighboring areas (Brazil). Systematic Botany, 37(4): 1006 - 1022. II SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2013 187 Indriunas, A. & Kameyama, C. 2012b. Herpetacanthus (Acanthaceae) from Amazonian region. In: Workshop de Biologia Vegetal, 2012, Rio Claro. Communications in Plant Sciences, 2(3-4): 91 - 93. Kollmann, L. J. C., Fontana, A.P., Simonelli, M., Fraga, C. N. As Angiospermas ameaçadas de extinção no Estado do Espírito Santo. In: Simonelli, M. E Fraga, C. N. Espécies da Flora Ameaçadas de Extinção no Estado do Espírito Santo. Vitória : Ipema, 2007. Nees von Esenbeck, C. G. 1847a. Acanthaceae. Pp. 1–164, tab. 1–31. In: Flora Brasiliensis, vol. 9, eds. K. F. P. von Martiusand A. G. Eichler.Munich: Typographia regia C. Wolf et fil.