I Simpósio Sobre a Biodiversidade da Mata Atlântica Caracterização morfológica de frutos e sementes de Ruellia furcata (Nees) Lindau (Acanthaceae) Mariana Maciel Monteiro¹ & Elisa Mitsuko Aoyama ¹[email protected] RESUMO Este trabalho caracterizou morfologicamente os frutos e sementes de Ruellia furcata (Nees) Lindau.Os frutos e sementes foram coletados em uma área de restinga do bairro Liberdade (18°44’10.52”S 39°48’37.72”W), no município de São Mateus, Espírito Santo. A coleta foi realizada com o auxílio de malhas do tipo tule envolvendo alguns indivíduos escolhidos aleatoriamente e para caracterização morfológica foram utilizadas trinta unidades, das quais foram mensurados o comprimento, largura, espessura e altura do retináculo. Posteriormente foram descritos os frutos e sementes. Os frutos de R. furcata são do tipo cápsula loculicida com quatro retináculos, contendo quatro sementes, são verdes, pilosos e apresentam deiscência explosiva. As sementes não possuem arilo, são arredondadas, bicôncava, sem reserva de alimentos, sarcotesta ausente, ápice obtuso, superfície rugosa de coloração castanha e testa presente com uma camada de tricomas mucilaginosos, higroscópicos, amarelados, ao longo da margem. Pode-se concluir que as plantas de R. furcata possuem frutos e sementes com características similares a de outras espécies do gênero, além de apresentarem mecanismos facilitadores na dispersão da espécie. Palavras-chave: Acanthaceae, Lamiales, Espírito Santo. INTRODUÇÃO Acanthaceae possui ampla distribuição, com 240 gêneros e 3.250 espécies (Wasshausen & Wood, 2004) ocorrendo nas regiões tropicais, subtropicais e algumas áreas temperadas, onde possuem pouca representatividade (Mabberley, 1997). No Brasil ocorrem aproximadamente 41 gêneros e 432 espécies, principalmente nas formações florestais das regiões Sudeste e Centro-Oeste (Profice et al. 2010). A família possui flores com corolas coloridas polinizadas por abelhas, vespas, borboletas, mariposas e aves (Judd et al., 2009), os frutos são geralmente capsulares com deiscência explosiva e as sementes são geralmente planas, glabras ou pilosas (Kameyama, 2003). Outra característica da família é a presença de cistólitos de diversas formas que podem ser utilizados como caráter diagnóstico, de acordo com a forma e posição em que se apresentam (Patil & Patil, 2011). Ruellia L. possui cerca de 250 espécies distribuídas por todo o mundo (Ezcurra, 1989; 1993) sendo somente menor que o gênero Justicia L. Uma das características mais marcantes do gênero é o polimorfismo floral que pode estar relacionado à sua ampla distribuição em diferentes ambientes, indicando diversos mecanismos de reprodução e que, muitas vezes dificultam a identificação, devido a síndromes florais distintas presentes em uma mesma espécie (Lima et al., 2004). Ruellia furcata (Nees) Lindau tem hábito herbáceo, ocorre no solo arenoso de Restinga, normalmente associada à ambientes sombreados como interior de moitas. Possuem flores com pétalas brancas, caule e folhas densamente pilosas e frutos com deiscência explosiva (Monteiro & Aoyama dados não publicados). A espécie estudada carece de maiores estudos sobre seus hábitos e morfologia. Desta forma, este trabalho tem como objetivo caracterizar morfologicamente os frutos e sementes de Ruellia furcata (Nees) Lindau. 76 I Simpósio Sobre a Biodiversidade da Mata Atlântica MATERIAL E MÉTODOS Os frutos e sementes foram coletados em uma área de restinga do bairro Liberdade (18°44’10.52”S 39°48’37.72”W), no município de São Mateus, Espírito Santo. Essa floresta distribui-se ao longo de um cordão arenoso originado no Pleistoceno, sendo construído durante o quaternário devido a processos marinhos regressivos e transgressivos (Martin et al., 1997). A coleta dos frutos e sementes foi realizada com o auxílio de malhas do tipo tule envolvendo alguns indivíduos escolhidos aleatoriamente. A caracterização morfológica dos frutos e sementes de Ruellia furcata foi realizada no laboratório de Biologia Vegetal do CEUNES. Para descrição e ilustração foram utilizadas trinta unidades escolhidas aleatoriamente. As observações foram realizadas com microscópio estereoscópico e a olho nu, e foram mensuradas o comprimento da porção estéril e da porção fértil do fruto, largura, espessura e altura do retináculo, utilizando um paquímetro digital com unidade de medida expressa em milímetros. Para descrição dos frutos foram observados detalhes externos e internos do pericarpo referentes à textura, consistência, cor, pilosidade, forma, número de sementes por fruto e deiscência. Para descrição das sementes foram observados a dimensão, cor, textura, consistência, forma, presença ou ausência de endosperma, presença ou ausência de tricomas. RESULTADOS E DISCUSSÃO Foram coletados 30 frutos e 95 sementes de Ruellia furcata. Os frutos apresentaram valores médios de comprimento de base de 3,94 mm (±0,51 mm), comprimento do fruto de 8,35 mm (±0,94 mm), largura de 3,60mm (±0,53 mm), espessura de 2,68 mm (±0,81mm) e altura do retináculo de 3,82 mm (±0,49 mm). Os frutos são do tipo cápsula loculicida com quatro retináculos, contendo quatro sementes, são verdes, pilosos e apresentam deiscência explosiva (Figura 1 A, B, C). Witztum & Schulgasser (1995) estudando os mecanismos da expulsão de sementes em uma espécie de Ruellia, concluíram que o estado de tensão estabelecido no fruto é resultado do tecido dinâmico que tende a se contrair, mas é impedido pelo tecido de resistência do rostro, resultando no armazenamento de energia elástica dentro dos septos. Quando a tensão se torna maior que a resistência do tecido do rostro ocorre à explosão das valvas, transformando a energia elástica armazenada nos septos, em energia cinética. Para esse processo o uso dos retináculos é importante para potencializar a aceleração e direcionar o ângulo de expulsão das sementes. As sementes não possuem arilo, são arredondadas, bicôncavas, sem reserva de alimentos, sarcotesta ausente, ápice obtuso, superfície rugosa de coloração castanha e testa presente com uma camada de tricomas mucilaginosos, higroscópicos, amarelados, ao longo da margem (Figura 1 D). Daniel & Castellanos (2003) citam essa característica presente no gênero Ruellia, podendo estes tricomas se espalharem por toda superfície ou estarem restrito à margem. Quando seca os tricomas higroscópicos estão aderidos à superfície da testa (Figura 1 E). As sementes de Ruellia ganham aspecto mucilaginoso e adesivo quando em contato com a água e desta maneira é dispersa por animais. Aspectos como plasticidade adaptativa a diferentes condições ambientais, autogamia e dispersão por animais (ectozoocoria) faz de muitas espécies, boas colonizadores e asseguram seu sucesso em dispersão a longas distâncias (Ezcurra, 1993). 77 I Simpósio Sobre a Biodiversidade da Mata Atlântica Figura 1. A. Aspecto do fruto de Ruellia furcata (Nees) Lindau (seta). B. Posição dos quatro retináculos (seta) (PE: porção estéril, PF: porção fértil). C. Aspecto do fruto aberto com sementes (seta). D. Semente com tricomas mucilaginosos na margem (seta). E. Semente seca. CONCLUSÃO Pode-se concluir que as plantas de R. furcata possuem frutos e sementes com características similares a de outras espécies do gênero. Os dados aqui apresentados, como o mecanismo de expulsão e a facilitação na dispersão das sementes devido ao seu aspecto mucilaginoso quando em contato com a água, podem ser facilitadores na dispersão dessa espécie nos ambientes em que ocorrem. AGRADECIMENTOS Ao Centro Universitário Norte Espírito Santo (CEUNES) por ceder o laboratório de Biologia Vegetal e ao Instituto de Botânica de São Paulo pelo auxílio na execução desse trabalho. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DANIEL T.F. & ACOSTA CASTELLANOS S. 2003 Flora del Bajio y de regiones adyacentes. Fasciculo 117. Família Acanthaceae. Patzcuaro, Michoacan: Instituto de Ecologia 173p. EZCURRA, C. 1989. Ruellia sanguinea (Acanthaceae) y especies relacionadas em Argentina, Uruguay y sur de Brasil. Darwiniana. 29:269-287. 78 I Simpósio Sobre a Biodiversidade da Mata Atlântica EZCURRA, C. 1993. Systematics of Ruellia (Acanthaceae) in southern South America. Annals of the Missouri Botanical Garden 80:787-845. JUDD, W.S., CAMPBELL, C.S., KELLOG, E.A. & STEVENS, P.F. 2009. Sistemática Vegetal. Um Enfoque Filogenético. Porto Alegre: Artmed. KAMEYEMA, C. 2003. Flora de Grão Mogol, Minas Gerais: Acanthaceae. Boletim de Botânica da Universidade de São Paulo, v. 21, n. 1, p. 51-53. 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