181 UMA VISÃO CRÍTICA SOBRE A CONCESSÃO JUDICIAL DE

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PINTO, M. J.; RODRIGUES, W. B.
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UMA VISÃO CRÍTICA SOBRE A CONCESSÃO JUDICIAL DE
MEDICAMENTOS
Marcos José Pinto1
Wilimar Benites Rodrigues2
PINTO, M. J.; RODRIGUES, W. B. Uma visão crítica sobre a concessão judicial
de medicamentos. Rev. Ciênc. Juríd. Soc. UNIPAR. Umuarama. v. 16, n. 2, p.
181-200, jul./dez. 2013.
RESUMO: Com as perspectivas criadas pela Teoria Crítica do Direito – TCD
no processo civil, é possível ampliar os horizontes epistemológicas e assim superar velhos paradigmas a fim de formar um novo conhecimento. Diante disso,
o ativismo judicial propiciou a possibilidade da concessão de medicamentos a
situações excepcionais.
PALAVRAS-CHAVE: TCD; Processo Civil; Ativismo judicial; Concessão de
medicamentos.
1 INTRODUÇÃO
O tema referente à precariedade da saúde pública no Brasil, além de
atual, desperta fervorosos debates. Ninguém tem dúvida de que há muito tempo
a saúde brasileira não dá conta da demanda. Cotidianamente encontramos casos
relatando filas, morosidade, burocracia, falta de medicamentos (nosso objeto de
análise), de leitos e de profissionais. Os equipamentos, quando existem, estão
defasados, os agentes de saúde (médicos e enfermeiros) são desvalorizados, sendo certo que os hospitais e os postos estão sucateados. Ademais, existe a impunidade frente ao descaso, à negligência, às fraudes, além de grandes desvios
de recursos públicos e a corrupção, fatores negativos que provocam violência,
indignação, sofrimento e a morte de pessoas inocentes.
Procura-se com esta pesquisa verificar a questão da concessão judicial
Promotor de Justiça Militar em Campo Grande/MS. Mestrando em Direito Processual e Cidadania pela UNIPAR (2013). Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires (UBA2011). Especialista em Direito Processual Penal pelo Instituto Nacional de Pós-Graduação e em
Direito Penal e Processual Penal Militar pela Universidade Cândido Mendes. Professor de Direito
Processual Penal I e II, na UFMS, em Campo Grande/MS-2004, e de Direito Penal Militar-Parte Geral, na Escola de Administração do Exército (EsAEx), em Salvador/BA- 2006. Membro da Coordenação do Núcleo Estadual (pelo MPM/MS) e do Banco de Docentes da Escola Superior do Ministério
Público da União-ESMPU.
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Mestrando em Direito Processual e Cidadania pela UNIPAR (2013). Possui graduação em Direito
pelo Centro Universitário da Grande Dourados (1997). Pós Graduado em Direito Civil e Processual
Civil pela UNIPAR em 2001. Advogado nas áreas Previdenciária e Trabalhista.
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de medicamentos, com uma visão à luz da Teoria Crítica do Direito. Discute-se,
com muita ênfase, se o Poder Judiciário pode obrigar a administração pública
(Estado) a fornecer gratuitamente medicamentos às pessoas que necessitam.
A questão não está pacificada, sendo correto afirmar que predomina o
entendimento de que o Estado, no caso em tela, não está interferindo em políticas
públicas, mas sim tutelando um direito fundamental do cidadão, que é o direito à
sua saúde, umbilicalmente ligada à sua vida, e em razão disso, deve obrigar este
fornecimento de medicamentos a quem dele necessite. É o que se pretende aferir
com a realização de uma análise crítica e a exposição das conclusões sobre este
direito de segunda geração.
2 BASE TEÓRICA
Entende-se que a Teoria Crítica do Direito (TCD) constitui uma alternativa para a revisão de pensamentos jurídicos, com a inserção de novos conceitos,
novos direcionamentos, e um deles, em nossa ótica, é o fenômeno do ativismo
judicial. Assim, pretende-se utilizar a TCD como base teórica para expormos
nossos argumentos, tudo no intuito de asseverar que o Direito, como enfatiza
Jônatas Luiz Moreira de Paula (1999, p. 55), pode e deve ser um “eficaz instrumento de transformação e de desenvolvimento das relações sociais”.
Em relação à sua origem, os primeiros movimentos da Teoria Crítica
no Direito (TCD) se deram no final dos anos de 1960, início dos anos de 1970,
tendo como base de sustentação teórica e argumentativa, as seguintes palavras-chave: Insurgência, Crítica, Interdisciplinaridade do Direito e Oposição à Teoria
Jurídica Tradicional Dominante.
Segundo Luiz Fernando Coelho (1991, p. 129), é neste contexto de um
pensamento crítico, elaborado graças aos recursos de uma interdisciplinaridade
forjada na epistemologia, na axiologia, na semiologia, na psicanálise e na teoria crítica da sociedade, que se está atualmente tratando de dar contornos mais
nítidos à TCD, a qual não é de modo algum uma ruptura ou revolução, mas um
repensar do Direito em função da realidade social.
Prossegue Coelho dizendo que o referencial deste projeto epistêmico é
constituído, de um lado, pela sociedade, de outro, pela dogmática jurídica. Desprezar a realidade em que vivemos seria recair no idealismo e na utopia, razão
pela qual a teoria crítica procurou se desenvolver a partir da realidade social e
jurídica do nosso tempo.
Entre as principais causas do nascimento da TCD, destacam-se a influência das ideias de algumas escolas, juristas e filósofos europeus que tinham o
marxismo por matriz ideológica, como exemplo:
a) Evgeny Pashukanis (1989, p. 44), que tem a concepção de que o Estado utiRev. Ciênc. Juríd. Soc. UNIPAR, v. 16, n. 2, p. 181-200, jul./dez. 2013
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liza o Direito como instrumento de coerção para assegurar a ordem política e a
acumulação de capital.
b) Louis Althusser (1985, p. 62), autor de os “Aparelhos ideológicos do Estado”,
no qual está descrito que tudo é definido pelo Estado em detrimento dos indivíduos.
c) Michel Foucault (1996, p. 13), conhecido como “filósofo do poder”, vez que
sua tese central consiste em asseverar que poder e saber estão intimamente ligados, e que o discurso nada mais é que o poder.
d) Escola de Frankfurt, que foi uma instituição de teoria social interdisciplinar
neomarxista, surgida a partir dos anos de 1920 na Universidade de Frankfurt,
na Alemanha, e que teve como expoentes Horkheimer, Adorno, Marcuse, Habernas, a partir da qual se aflorou o gérmen do pensamento e a teoria crítica,
preconizando-se o uso da razão (linha kantiana) como instrumento de libertação
do homem. Considerou-se o Direito como instrumento de libertação. Fez-se um
reestudo do marxismo ortodoxo, tendo-se como base, entre outros, Kant, Marx,
Freud, Weber e Hegel.
Sobre as características da TCD, temos como certo que o movimento
da Teoria Crítica do Direito foi influenciado por teses neomarxistas e de contracultura que começaram a questionar o sólido pensamento juspositivista do meio
acadêmico e das instituições.
Exemplos claros de espécies destas teses positivistas são encontrados
em Hans Kelsen (2003, p. 51), que em sua obra “Teoria Pura do Direito” fez
um estudo analisando somente a Norma/Lei, descartando-se o fato e o valor, à
luz da Teoria Tridimensional do Direito. Daí o termo denominado “Teoria Pura
do Direito”. Por este argumento Kelsen sustenta que o “ser” é a Lei. O “dever
ser” é a nossa conduta de obediência à Lei. Para este jurista Alemão, o Direito é
autônomo e não se confunde com a política, as ideologias, etc.
Seguindo examinando as características da Teoria Crítica do Direito,
encontramos a introdução de análises sociopolíticas do fenômeno jurídico. Também tivemos a aproximação do Direito ao Estado, ao Poder, às Ideologias, às
práticas sociais e a crítica interdisciplinar. Houve assim, a busca de um novo
Direito, com uma ótica jurídica mais pluralista, democrática e antidogmática,
tudo mediante uma visão crítica.
Sobre o seu conceito, Jônatas Luiz Moreira de Paula (2011, p. 112),
assevera que “a teoria crítica é o espaço teórico próprio para o revisionismo dos
parâmetros jurídicos e a inserção de novos paradigmas com vistas à reconstrução
do Direito, adequando-o à realidade social”.
Para Antônio Carlos Wolkmer (2009, p. 18), trata-se de uma formulação
teórico-prática capaz de questionar e romper com o que está disciplinado e consagrado no ordenamento jurídico oficial. A TCD visa a conceber e operacionaliRev. Ciênc. Juríd. Soc. UNIPAR, v. 16, n. 2, p. 181-200, jul./dez. 2013
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zar outras formas de práticas jurídicas, capaz de transformar o Direito, a fim de
que ele passe a ter uma eficácia jurídica humanizadora, democrática e pluralista.
Enfim, devemos buscar um novo Direito, com a modificação de valores
e de posturas, tendo uma visão jurídica mais pluralista, democrática e criativa,
um Direito que seja verdadeiramente eficaz. Nosso intuito deve ser o de dessacralizar o formalismo dogmático normativista que possuem as frias leis, por
demais comprometidas com os mitos ideológicos e com as relações de poder.
A busca das pessoas que necessitam de medicamentos, socorrendo-se ao Poder Judiciário com o objetivo de suprir as omissões/incompetência da
administração pública, inoperante para resolver este problema da concessão de
medicamentos, plenamente correspondida com o sucesso do fenômeno conhecido como ativismo judicial, é um exemplo de reconstrução do Direito e de sua
adequação à nossa realidade social.
3 ABORDAGEM HISTÓRICA DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL
Explica Luis Roberto Barroso (2007), que a caminhada da saúde pública no Brasil inicia-se ainda neste século XIX, com a vinda da Corte portuguesa.
Houve alguns combates à lepra e à peste, e algum controle sanitário, especialmente sobre os portos e ruas. É somente entre 1870 e 1930, que o Estado passa a
praticar algumas ações mais efetivas no campo da saúde, conseguindo, inclusive,
erradicar a febre amarela da cidade do Rio de Janeiro. Entretanto, no período de
predominância desse modelo, não havia ações públicas curativas. Essas ficavam
reservadas aos serviços privados e à caridade.
Somente a partir da década de 1930, há a estruturação básica do sistema
público de saúde, que passa a realizar também ações curativas. É criado o Ministério da Educação e Saúde Pública. A saúde pública não era universalizada em
sua dimensão curativa, restringindo-se a beneficiar os trabalhadores que contribuíam para os institutos de previdência.
Enfatiza Barroso que durante o regime militar, foram criados institutos
de previdência, como o de Instituto de Aposentadoria e Pensão (IAPAS), posteriormente unificado, com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social
(INPS). Entrementes, um grande contingente da população brasileira, que não
integrava o mercado de trabalho formal, continuava excluído do direito à saúde,
ainda dependendo, como ocorria no século XIX, da caridade pública. Infelizmente este caótico sistema continua em pleno vigor, vez que as pessoas que
realmente necessitam ainda são excluídas do seu direito constitucional à saúde,
ante o seu falido modelo. É o que podemos encontrar com muita facilidade no
atual INSS e no SUS.
É o que se depreende com o “causo” trágico-cômico, narrado a seguir
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pelo Defensor Público da União, André Ordacgy, que bem demonstra a ineficiência do sistema de saúde no Brasil
Um colega presenciou um caso, onde ele assistiu uma enfermeira
atendendo um suposto paciente, que havia chegado no dia anterior
ao hospital. Então, ele chegou logo ao cair da noite ao hospital; pernoitou no hospital, na maca, e somente no dia seguinte, de manhã, ele
foi atendido. A enfermeira chegou pra ele e falou: - Pois não, senhor,
é a sua vez agora, qual é o seu problema? E o “senhor” respondeu: Olha, na verdade, eu sou um morador de rua; eu não tinha um lugar
pra dormir, vim pra cá, pernoitei e antes de a senhora me expulsar
aqui do hospital, pergunto: haveria possibilidade de eu participar aí
do café da manhã?
evoluiu.
Depreende-se que ao longo da história a saúde pública brasileira pouco
4 ASPECTOS NORMATIVOS DO DIREITO À SAUDE
Em sede preliminar, não se questiona que o Direito à Saúde é direito
fundamental, que possui aplicação imediata, e sua concretização exige ações positivas do Estado, independendo assim de qualquer ato legislativo ou de previsão
orçamentária, aguardando-se somente a efetivação pela Administração Pública.
É o que preconiza o artigo 1º, inc. III, da CF, ao cuidar da Dignidade da Pessoa
Humana como fundamento na Constituição. O seu Artigo 6º, enuncia a Saúde
como um Direito Social, e o artigo 196, da CF, aduz que: “a saúde é direito de
todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença...”.
Acerca das normas ordinárias, temos a Lei nº 8.080/90 - Lei Orgânica
da Saúde, que estabelece a estrutura e o modelo operacional do SUS, propondo
a sua forma de organização e de funcionamento, enunciando ainda que os Municípios serão os executores das políticas de saúde, e os Estados e a União atuaram
de forma suplementar. Importante é o conteúdo em seu artigo 2º, in verbis: “A
saúde é um direito fundamental do ser humano devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”.
E não é só. Ainda dispomos da Lei nº 9.313/96, que trata da distribuição
gratuita de medicamentos aos portadores do HIV e doentes de AIDS. Diante
destas normas, diz Marcos César Botelho (2009), a saúde é encarada pelo STF
como um Direito que não pode sofrer embaraços por parte das autoridades administrativas, sendo correto afirmar que o direito à saúde no ordenamento normativo brasileiro pode ser entendido como um direito social fundamental, público,
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subjetivo e universal.
Do ponto de vista federativo, enuncia Luis Roberto Barroso (2007), que
a Constituição atribuiu competência para legislar sobre proteção e defesa da saúde concorrentemente à União, aos Estados e aos Municípios. À União cabe ao
estabelecimento de normas gerais; aos Estados, suplementar a legislação federal;
e aos Municípios, legislar sobre os assuntos de interesse local, podendo igualmente suplementar a legislação federal e a estadual, no que couber. No que tange
ao aspecto administrativo de formular e executar políticas públicas de saúde, a
Constituição atribuiu competência comum à União, aos Estados e aos Municípios. Assim, os três entes que compõem a federação brasileira podem formular e
executar políticas de saúde.
No que toca particularmente à distribuição de medicamentos, a competência de União, Estados e Municípios não está explicitada nem na Constituição,
nem na Lei. A definição de critérios para a repartição de competências é apenas
esboçada em inúmeros atos administrativos federais, estaduais e municipais, sendo o principal deles a Portaria nº 3.916/98, do Ministério da Saúde, que estabelece a Política Nacional de Medicamentos. De forma simplificada, os diferentes
níveis federativos, em colaboração, elaboram listas de medicamentos que serão
adquiridos e fornecidos à população.
Temos como fato concreto que o direito aos medicamentos, assim como
vários outros direitos e garantias fundamentais, não é normatizado/regulamentado de maneira a garantir sua concretização, e não é efetivado de forma satisfatória pela administração pública. Por causa disso, o paciente que é privado de
seu direito à saúde (no caso medicamentos), vai buscar no Judiciário a esperança
para sanar estas omissões. A este suplício final, deu-se a denominação de “ativismo judicial”.
5 O FENÔMENO DO ATIVISMO JUDICIAL
Preleciona Jônatas Luiz Moreira de Paula (2007, p. 137), que houve
uma revolução jurisdicional, que podemos denominar como ativismo judicial.
Nela, o Judiciário e “o sistema jurisdicional em si deixaram o estado de amorfismo político para galgar a sua devida importância”.
Há certa confusão entre os termos judicialização e ativismo judicial.
Para Luis Roberto Barroso (2012), ambos são primos. Diríamos mais, são irmãos, quase gêmeos. A ascensão do Judiciário deu lugar a uma crescente judicialização da vida e a alguns momentos de ativismo judicial. Judicialização
significa que questões relevantes do ponto de vista político, social ou moral estão
sendo decididas pelo Judiciário. Trata-se, como intuitivo, de uma transferência
de poder das instâncias tradicionais, que são o Executivo e o Legislativo, para
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Juízes e Tribunais. Há causas diversas para o fenômeno. A primeira é o reconhecimento de que um Judiciário forte e independente é imprescindível para a proteção dos direitos fundamentais. A segunda envolve certa desilusão com a política
majoritária. Há uma terceira, em que os atores políticos, muitas vezes, para evitar
o desgaste, preferem que o Judiciário decida questões controvertidas, como aborto e direitos dos homossexuais. No Brasil, o fenômeno assume uma proporção
maior em razão de a Constituição cuidar de uma impressionante quantidade de
temas. Incluir uma matéria na Constituição significa, de certa forma, retirá-la da
política e trazê-la para o direito, permitindo a judicialização.
A judicialização ampla, portanto, é um fato, uma circunstância decorrente do desenho institucional brasileiro, e não uma opção política do Judiciário.
Por outro norte, fenômeno diverso, embora próximo, é o ativismo judicial.
O ativismo é uma atitude, é a deliberada expansão do papel do Judiciário, mediante o uso da interpretação constitucional para suprir lacunas, sanar
omissões legislativas ou determinar políticas públicas quando ausentes ou ineficientes. Exemplos de decisões ativistas envolveram a exigência de fidelidade
partidária e a regulamentação do direito de greve dos servidores públicos, além
de nosso tema, que trata da concessão judicial de medicamentos, entre outros.
Todos esses julgamentos atenderam a demandas sociais não satisfeitas pelo Poder Legislativo. Registre-se, todavia, que apesar de sua importância e visibilidade, tais decisões ativistas representam antes, a exceção à regra.
E onde poderíamos encontrar a legitimidade para esta conduta do judiciário? Conforme explica Jônatas Luiz Moreira de Paula (2011, p. 141), “a legitimidade da atividade jurisdicional advém de uma conduta estritamente vinculada
à realização da Justiça Social, contida no artigo 3º, da CF”. Este artigo cuida de
enumerar os objetivos fundamentais da nossa República.
Em relação ao seu nascimento, tem-se registro de que o ativismo judicial foi mencionado, pela primeira vez, em 1947, pelo jornalista americano Arthur Schlesinger, numa reportagem sobre a Suprema Corte dos Estados Unidos.
Para ele há ativismo judicial quando o Juiz se considera no dever de interpretar a
Constituição no sentido de garantir direitos.
Entre as principais causas do surgimento do ativismo judicial está a falência das políticas públicas. Luciana Ramos (2005, p. 10) diz que seria possível
definir políticas públicas como “programas de ação governamental visando a
coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados”. Desse
modo, as políticas públicas consistem no processo político de escolha dos meios
para realização dos objetivos e prioridades governamentais, com a participação
dos agentes públicos e privados. A tomada de decisão sobre as políticas públicas
compete aos representantes do povo, ou seja, ao Poder Legislativo e ao Poder
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Executivo, ao passo que a sua execução compete à Administração Pública.
No que concerne à forma por meio da qual uma política pública se exterioriza, é notável a inexistência de um padrão jurídico uniforme. Podemos concluir que de sua ineficácia, nasceu o ativismo judicial como modo de suprir sua
efetividade.
6 CASOS CONCRETOS DE CONCESSÕES JUDICIAIS DE MEDICAMENTOS
No final dos anos de 1980, início dos anos de 1990, houve um incremento no que tange à propositura de ações judiciais no Brasil objetivando o
fornecimento de medicamentos necessários ao tratamento da AIDS e doenças
que representavam ameaças à vida, como por exemplo, a doença do pezinho, o
câncer, a cirrose, a doença renal crônica e a esclerose lateral amiotrófica.
Abordando um caso concreto, tivemos em Campo Grande/MS, uma determinação judicial obrigando este município a fornecer medicamento que tem
custo mensal de R$ 6.200,00 (seis mil e duzentos reais), a uma criança que nasceu prematura. A decisão é do juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública e Registros
Públicos de Campo Grande, Ricardo Galbiati, que tornou definitiva a liminar
anteriormente concedida. Consta no processo que o menino passou por internações médicas constantemente devido às infecções bacterianas. Por causa disso,
precisava de dieta exclusiva de uma proteína hidrolisada. A criança não pode se
alimentar com outro produto e os pais não têm condições de arcar com as despesas do medicamento.
A família pediu o medicamento à rede pública de saúde e a resposta foi
de que se tratava de produto caro e não poderia ser fornecido. Não havendo outra
forma, o Judiciário foi acionado e a administração municipal sustentou que na
rede municipal de saúde existem produtos suficientes e eficazes para o problema
apresentado pelo autor e não há justificativa legal ou factual para que ele (Município) seja obrigado a fornecer a dieta específica.
Após ser comprovada a necessidade do uso do medicamento para a dieta da criança, o juiz responsável pelo caso entendeu que o fato de o medicamento
pleiteado não constar na lista dos medicamentos fornecidos pelo SUS, não exime
o município de fornecê-lo gratuitamente ao paciente que comprove a necessidade do tratamento, sob pena de flagrante violação ao direito assegurado pelo artigo
196, da Carta Magna.
Em casos como este, é certo dizer que estamos diante de uma colisão de
valores ou de interesses que contrapõe, de um lado, o direito à vida e à saúde e,
de outro, alegações estapafúrdias como a da separação de Poderes, os princípios
orçamentários e a reserva do possível. Sem titubear, opta-se pelos primeiros vaRev. Ciênc. Juríd. Soc. UNIPAR, v. 16, n. 2, p. 181-200, jul./dez. 2013
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lores, o Direito à saúde, em decorrência, à vida. Afinal, a saúde não é direito de
todos e um dever constitucional do Estado?
7 QUEM PODE SER DEMANDADO?
Existem dois posicionamentos sobre quem pode figurar no polo passivo
da ação judicial que pleitear medicamentos. A primeira tese defendida entende
que o ente federativo que deve figurar no polo passivo de ação judicial é aquele
responsável pela lista da qual consta o medicamento requerido. Assim, as pessoas necessitadas podem postular judicialmente, em ações individuais, os medicamentos constantes das listas elaboradas pelo Poder Público e, nesse caso, o réu
na demanda haverá de ser o ente federativo, União, Estado ou Município, que
haja incluído em sua lista o medicamento solicitado.
A outra posição é a adotada pelo STJ, que entende haver a responsabilidade solidária, como notamos no Aresto a seguir transcrito:
Fornecimento de remédio. Direito à vida e à saúde. Responsabilidade
solidária dos entes federativos. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que o funcionamento do
Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da
União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no polo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para
pessoas desprovidas de recursos financeiros”. (AgRg no Ag 907.820/
SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, julgado em
15/04/2010, DJe 05/05/2010)
A solidariedade passiva dos entes públicos, encontra correspondência
na leitura do art. 198, caput, da CF/88, quando afirma que as ações e serviços
públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem
um sistema único. Em resumo, cabe ao demandante escolher por quais alternativas irá buscar seus direitos, optando por demandar contra qualquer destes entes
públicos, asseverando-se que o mais corriqueiro é interpelar o Município, pela
sua proximidade com o cidadão e a possibilidade de maior rapidez no atendimento de seu pleito.
8 ARGUMENTOS DO ESTADO PARA SE NEGAR A FORNECER MEDICAMENTOS
Argumentando contra a concessão judicial de medicamentos, Luis Roberto Barroso (2007, p. 2), em Parecer solicitado pela Procuradoria Geral do Es-
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tado do Rio de Janeiro, assevera como motivos para desqualificar esta pretensão,
[...] os casos em que existem decisões extravagantes ou emocionais,
que condenam a Administração ao custeio de tratamentos irrazoáveis,
seja porque inacessíveis, seja porque destituídos de essencialidade,
bem como de medicamentos experimentais ou de eficácia duvidosa,
associados à terapias alternativas. Por outro lado, não há um critério
firme para a aferição de qual entidade estatal, União, Estados e Municípios, devem ser responsabilizados pela entrega de cada tipo de medicamento. Desnecessário enfatizar que tudo isso representa gastos,
imprevisibilidade e desfuncionalidade da prestação jurisdicional. A
normatividade e a efetividade das disposições constitucionais estabeleceram novos patamares para o constitucionalismo no Brasil e propiciaram uma virada jurisprudencial que é celebrada como uma importante conquista. Em muitas situações envolvendo direitos sociais,
direito à saúde e mesmo fornecimento de medicamentos, o Judiciário
poderá e deverá intervir. Tal constatação, todavia, não torna tal intervenção imune a objeções diversas, sobretudo quando excessivamente
invasiva da deliberação dos outros Poderes.
Barroso aduz que existe um conjunto variado de críticas ao ativismo
judicial nessa matéria, algumas delas dotadas de seriedade e consistência. Faz-se
um breve levantamento de algumas dessas críticas. A primeira e mais comum
crítica oposta à jurisprudência brasileira se apoia na circunstância de a norma
constitucional aplicável estar positivada na forma de norma programática. O artigo 196, da Constituição Federal, deixa claro que a garantia do direito à saúde
se dará por meio de políticas sociais e econômicas, não mediante de decisões
judiciais. A possibilidade de o Poder Judiciário concretizar, independentemente
de mediação legislativa, o direito à saúde encontra forte obstáculo no modo de
positivação do artigo 196, que claramente defere a tarefa aos órgãos executores
de políticas públicas.
Porém, para o STF, ela não pode ser transformada em “promessa constitucional inconsequente”, sob pena de o Poder Público frustrar as expectativas
de modo a contrariar a determinação do texto constitucional.
Talvez, a crítica mais frequente seja a financeira, formulada sob a denominação de “reserva do possível”, ou seja, a alegação de que os recursos públicos seriam insuficientes, além da falta de previsão orçamentária. Entretanto, em
decisão monocrática na ADPF nº 45, o Ministro Celso de Mello ressaltou que o
Poder Público não pode alegar a reserva do possível para se eximir de qualquer
obrigação na efetivação dos direitos fundamentais, tendo o Judiciário legitimidade para apreciar e julgar os casos concretos. Ademais, tais argumentos não
correspondem à realidade se compararmos os gastos governamentais com saúde
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e a propaganda, por exemplo.
Tendo como fonte o Jornal “Valor Econômico”, de São Paulo, de 09 de
abril de 2009, informa André Silva, integrante da DPU/RJ, que o Governo Federal gastou quarenta e oito milhões de reais, em 2008, com atendimento a decisões
judiciais. Todavia, o jornal “O Globo” publicou que o gasto com propaganda
governamental chegou quase à ordem de quatrocentos milhões de reais, ou seja,
torna-se injustificável a alegada reserva do possível.
Outra desculpa é a de que as decisões judiciais em matéria de medicamentos provocam a desorganização da Administração Pública. Bem sabemos
que não é este o motivo da desorganização infindável da administração pública.
Basta vermos os escândalos cotidianamente divulgados pela mídia neste sentido,
como a notória existência das máfias dos vampiros e sanguessugas que expropriaram ilicitamente a saúde pública no Brasil.
Por fim, assevera Barroso, há ainda a crítica técnica, a qual se apoia na
percepção de que o Judiciário não domina o conhecimento específico necessário
para instituir políticas de saúde. O Poder Judiciário não tem como avaliar se
determinado medicamento é efetivamente necessário para se promover a saúde e
a vida. Mesmo que instruído por laudos técnicos, seu ponto de vista nunca seria
capaz de rivalizar com o da Administração. Tais assertivas caem por terra com
um pedido de inicial bem fundamentada e documentada, incluindo-se laudos
médicos, demonstrando a necessidade do medicamento pleiteado para pessoas
carentes.
Em breves linhas, concentram-se como argumentos para repelir a concessão judicial de medicamentos, estas frágeis alegações: que os remédios são
caros (quando há similares), sem análise da eficácia do medicamento, sem comprovação científica, remédios fora da lista da ANVISA, etc. Neste mesmo sentido, Barroso preconiza que só pode haver a concessão judicial de medicamentos,
observando-se as seguintes premissas: se eles forem de eficácia comprovada,
excluindo-se os experimentais e os alternativos; se as substâncias estiverem disponíveis no Brasil (não no exterior); o Judiciário deverá optar pelo medicamento
genérico, de menor custo; e, o Judiciário deverá considerar se o medicamento é
indispensável para a manutenção da vida.
Ao se discutir as questões relativas às demandas judiciais que objetivam
o fornecimento de prestações de saúde, o CNJ emitiu a Recomendação nº 31, de
30 de março de 2010, visando a assegurar maior eficiência na solução de demandas judiciais envolvendo assistência à saúde. Por certo os pedidos que chegam
ao Judiciário devem ser vistos com cautela. Não desconhecemos a existência de
fraudes praticadas por quadrilhas que pleiteiam remédios e depois os comercializam. Enfim, cuidados redobrados, mas céleres e efetivos devem ser observados
pelo magistrado na concessão judicial de medicamentos.
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9 POSIÇÕES JURISPRUDÊNCIAIS SOBRE O TEMA
Sobre os posicionamentos da Jurisprudência, encontramos resultados
que apontavam antecedentes iniciais que não concediam medicamentos, ou seja,
os pleitos eram indeferidos. Porém, já nos anos de 1990, estas decisões judiciais
foram reformuladas, e passaram a ser positivas em relação aos pedidos dos pacientes que necessitavam dos remédios.
Foi nessa primeira linha (contra a concessão de medicamentos) que se
posicionou a Ministra Ellen Gracie, na SS 3073/RN, considerando inadequado
fornecer medicamento que não constava da lista do Programa de Dispensação em
Caráter Excepcional do Ministério da Saúde. A Ministra enfatizou que o Governo Estadual do Rio Grande do Norte não estava se negando à prestação dos serviços de saúde e que decisões casuísticas, ao desconsiderarem as políticas públicas
definidas pelo Poder Executivo, tendem a desorganizar a atuação administrativa,
comprometendo ainda mais as já combalidas políticas de saúde.
Essa mesma orientação predominou inicialmente no Superior Tribunal
de Justiça, em ação na qual se requeria a distribuição de medicamentos fora da
lista. Segundo o Ministro Nilson Naves, havendo uma política nacional de distribuição gratuita, a decisão que obriga a fornecer qualquer espécie de substância
fere a independência entre os Poderes e não atende a critérios técnico-científicos.
A princípio, não poderia haver interferência casuística do Judiciário na distribuição de medicamentos que estejam fora da lista. Se os órgãos governamentais
específicos já estabeleceram determinadas políticas públicas e delimitaram, com
base em estudos técnicos, as substâncias próprias para fornecimento gratuito,
não seria razoável a ingerência recorrente do Judiciário.
Mariana Rodrigues Gomes Morais (2009) aborda a questão sobre a
ofensa ao princípio da tripartição dos poderes, enunciando que estas decisões
judiciais os ferem, bem com, “fomentam a passividade dos cidadãos”.
Como dissemos, estas decisões restaram minoritárias com o passar dos
anos. Explica-nos Luciana Ramos (2005), que é possível perceber que se reconheceu a existência de uma política pública, a qual tem por objetivo dar concreção ao direito à saúde tutelado no artigo 196, da Constituição Federal, conforme
se infere dos seguintes trechos proferidos pelo Ministro Celso de Mello,
[...] incide, sobre o Poder Público, a gravíssima obrigação de tornar
efetivas as prestações de saúde, incumbindo-lhe promover, em favor
das pessoas e das comunidades, medidas – preventivas e de recuperação –, que, fundadas em políticas públicas idôneas, tenham por finalidade viabilizar e dar concreção ao que prescreve, em seu art. 196, a
Constituição da República (RE 271.286 AgR-RS).
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Demonstra Luis Roberto Barroso, que nos últimos anos no Brasil, a
Constituição conquistou verdadeiramente força normativa e efetividade. A jurisprudência acerca do direito à saúde e ao fornecimento de medicamentos é
um exemplo emblemático do que se vem de afirmar. As normas constitucionais
deixaram de ser percebidas como integrantes de um documento estritamente político, mera convocação à atuação do Legislativo e do Executivo, e passaram a
desfrutar de aplicabilidade direta e imediata por Juízes e Tribunais. Nesse ambiente, os direitos constitucionais em geral, e os direitos sociais em particular,
converteram-se em direitos subjetivos em sentido pleno, comportando tutela judicial específica. A intervenção do Poder Judiciário, mediante determinações à
Administração Pública para que forneça gratuitamente medicamentos em uma
variedade de hipóteses, procura realizar a promessa constitucional de prestação
universalizada do serviço de saúde.
O reconhecimento de força normativa às normas constitucionais foi
uma importante conquista do constitucionalismo contemporâneo. No Brasil,
ela se desenvolveu no âmbito de um movimento jurídico-acadêmico conhecido
como doutrina brasileira da efetividade. Tal movimento procurou não apenas elaborar as categorias dogmáticas da normatividade constitucional, como também
superar algumas crônicas disfunções da formação nacional, que se materializavam na insinceridade normativa, no uso da Constituição como uma mistificação
ideológica e na falta de determinação política em dar-lhe cumprimento. A essência da doutrina da efetividade é tornar as normas constitucionais aplicáveis direta
e imediatamente, na extensão máxima de sua densidade normativa.
Dando efetividade máxima à Constituição da República, o STF, no
Agravo Regimental em Recurso Extraordinário nº 273834, relatado por Celso
de Mello, reconheceu o Direito à Saúde, conforme apontou a ementa a seguir
transcrita:
Saúde. O Direito à saúde representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. paciente com HIV/AIDS. pessoa destituída de recursos financeiros. direito à vida e à saúde. fornecimento
gratuito de medicamentos. dever constitucional do poder público.
CF/88, artigos. 5º, “caput”, e 196. Precedentes de STF.
Como já foi referido, apesar do artigo 196, da CF, ser geralmente considerado como uma norma programática, ela não pode ser transformada em
“promessa constitucional inconsequente”, conforme sustenta o STF, sob pena do
Poder Público frustrar as expectativas de modo a contrariar a determinação do
texto constitucional.
Portanto, contemporaneamente, a Jurisprudência nacional se inclina favoravelmente à concessão judicial de medicamentos.
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10 A EFETIVIDADE DO CUMPRIMENTO DAS DECISÕES JUDICIAIS
Algumas indagações são levantadas antes de se adentrar neste assunto
específico: Como fazer cumprir rapidamente a sentença que concedeu medicamento? Quais são os meios de coerção para que a ordem judicial seja cumprida?
Qual a natureza jurídica da ação judicial que obriga a administração a fornecer
medicamentos?
Adere-se às ideias de Jônatas Luiz Moreira de Paula (1999), entendendo-se que se trata de uma obrigação prestacional de fazer (e não de dar), o dever
de fornecer medicamentos impostos pelo Judiciário ao Estado. Como meio de
coerção para a efetividade da tutela jurisdicional, foi por ele sugerido que, além
da previsão da estipulação de multa diária para o inadimplemento das obrigações
de fazer, deve-se atentar para a seguinte medida restritiva:
desde que o inadimplemento da obrigação represente um dano [...] o
devedor será compelido a prestar a obrigação sob pena de ser decretada sua prisão pelo prazo máximo de 90 dias. Tal medida está a serviço
dos interesses maiores da sociedade, como a integridade física, a qualidade de vida, do meio ambiente e dos bens de consumo.
Atualmente Ordacgy (2010), aduz que é tido como certo que a maior
dificuldade pela qual passa a tutela de saúde não é a sua concessão liminar, já amplamente reconhecida pelos tribunais pátrios, mas sim o aspecto prático de sua
efetivação, sendo comum a aplicação nesses casos do jargão popular do “ganhou
mas não levou”. Isto ocorre porque os entes públicos criam obstáculos variados
para o cumprimento das liminares judiciais, havendo casos até de mais de ano
para a sua efetivação, o que traz inestimável angústia ao jurisdicionado enfermo
e, não raro, até mesmo o advento do óbito ante o tempo demasiado de espera.
Desse modo, é preciso que o Poder Judiciário se utilize de todo poder de
coerção que a sua função e a legislação lhe disponibilizam, adotando as medidas
pertinentes, quais sejam, a busca e apreensão dos medicamentos ou materiais
cirúrgicos, também a aplicação de elevada multa pessoal e diária a incidir sobre a autoridade responsável pelo descumprimento da ordem judicial, como por
exemplo, a fixação de multa dirigida solidariamente às pessoas do Secretário
Estadual/Municipal de Saúde, do Diretor da Regional de Saúde, como, aliás, têm
autorizado os tribunais pátrios, in litteris:
Direito Constitucional. Saúde. Fornecimento de Medicamentos. Imposição de multa única e pessoal ao Secretário de Saúde em razão do
descumprimento de ordem judicial para fornecimento de medicamentos. Possibilidade. Cabe ao Judiciário utilizar-se de todos os meios
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coercitivos necessários e legais para que suas decisões sejam devidamente cumpridas. Precedentes jurisprudenciais. Recurso a que se
nega provimento liminarmente”. (19626 RJ 2009.002.19626, Relator:
Des. Alexandre Câmara, Data de Julgamento: 02/07/2009, Segunda
Câmara Cível, Data de Publicação: 07/07/2009).
Inclui-se ainda a responsabilização por improbidade administrativa,
passível de apenação com a perda do cargo público, suspensão dos direitos políticos, proibição de contratar com a Administração Pública e dever de indenização
pelos prejuízos eventualmente verificados; e, em última análise, responsabilização criminal pelas omissões perpetradas quanto ao descumprimento do provimento jurisdicional antecipatório ou final, inclusive com a prisão em flagrante da
autoridade responsável pela prática, em tese, do delito de desobediência à ordem
judicial.
Finaliza Ordacgy (2010), retratando em relação ao entendimento do
STJ, que é possível ao julgador, além de determinar as medidas coercitivas já expostas, adotar também medidas executivas assecuratórias do cumprimento liminar da tutela judicial de saúde, como as que resultem no bloqueio ou sequestro de
verbas públicas depositadas em conta-corrente, haja vista o perigo iminente de
grave lesão à saúde ou à vida do paciente. Dessa forma, sob o prisma analógico,
as quantias de pequeno valor, assim consideradas aquelas correspondentes a até
sessenta salários mínimos, pelo fato de poderem ser pagas independentemente
de precatório, também podem ser utilizadas por ato de império do Poder Judiciário, mediante bloqueio ou sequestro do numerário equivalente, para a compra de
medicamentos ou a realização de tratamento médico-cirúrgico. Assim, deliberou
o STJ-Informativo nº 0281 do STJ. (REsp 746.781-RS, 1ª Turma, Rel. originário Min. Teori Albino Zavascki, Rel. para acórdão Min. Luiz Fux, julgado em
18/4/2006. Precedente: REsp 735.378-RS).
Neste sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal, in verbis:
O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes dá efetividade
a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, “caput”, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente
daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de
sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. (STF, AgRg no
RE nº 393.175, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, DJ 02.02.2007).
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11 PROPOSTAS/ALTERNATIVAS AO PROBLEMA DO ACESSO À MEDICAMENTOS
Durante a realização da Audiência Pública nº 04, pelo STF, sobre o tema
em questão, nos meses de abril e maio de 2009, foram apresentadas algumas
ideias para se tentar amenizar a notória precariedade do sistema público de saúde brasileiro, bem como, o insuficiente fornecimento gratuito de medicamentos,
muitos dos quais demasiadamente caros até paras as classes de maior poder aquisitivo.
Dentre as sugestões, destacam-se as seguintes propostas para se solucionar/amenizar o problema da saúde no Brasil: a) A efetivação das políticas públicas de saúde; b) O diálogo entre os atores; c) A formação de Câmaras Prévias
de Conciliação; d) A transferência de determinados tratamentos de saúde pública
à iniciativa privada (planos de saúde); e) A redução da burocracia, mãe adotiva
da corrupção.
A efetivação das normas constitucionais programáticas, passando as
mesmas a ter força normativa, como preconiza Konrad Hesse (1991), é o caminho principal para se amenizar a questão deficitária nesta área. Com uma administração pública organizada e eficaz, muitas demandas que chegam ao Judiciário desapareceriam.
O diálogo entre as partes pode ser feito via termo de cooperação administrativo, com o compromisso do fornecimento de medicamentos. Nas câmaras
prévias de conciliação podem ser dirimidos os casos de maior complexidade,
através da reunião e diálogo entre os interessados. A transferência de determinadas questões como o fornecimento de remédios para a iniciativa privada, ou
seja, aos portadores de planos de saúde, parece uma alternativa viável. Sobre a
redução da burocracia, seu efeito será o de contribuir para o afastamento dos
desvios de recursos, grande mal que permeia a questão da saúde do Brasil, em
especial com a redobrada atenção para os famigerados processos de licitações
fraudulentas, verdadeiros meios de desvios de recursos públicos.
Comungando com Miriam Ventura (2010, p. 14), “a judicialização da
saúde traz alterações significativas nas relações sociais e institucionais [...] representando efetivamente o exercício da cidadania plena e a adequação da expressão
jurídica às novas exigências sociais”.
Entretanto, não se pode ignorar, se todas estas medidas não surtirem
efeito, sendo ineficazes, só restará a via judicial para se dirimir a questão da concessão judicial de medicamentos.
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12 CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Toda vida desperdiçada, todo fracasso existencial é uma perda para
a humanidade como um todo. O Estado, o Direito e a sociedade devem contribuir, na maior extensão possível, para que cada indivíduo
desenvolva suas potencialidades e realize o seu projeto de vida” (Ronald Dworkin).
Em resposta à interrogante feita no início desta pesquisa, entende-se
que sim, pode e deve o Poder Judiciário obrigar o ente público a fornecer medicamentos a quem dele precise. Entende-se que o Judiciário é indispensável, bem
assim, o caminho mais viável para proteger direito fundamental não observado
pela Administração Pública.
Resta claro que nesses casos o Poder Judiciário não executa políticas
públicas, mas primordialmente tutela direitos fundamentais (no caso, saúde e
vida). Em suma, o Poder Judiciário não está executando políticas públicas quando decide sobre a concessão de medicamentos. Há sim, o desempenho de seu
papel constitucional, na medida em que lhe é apresentada situação em que há
ameaça de lesão a direito fundamental: a saúde.
Sempre que forem violados estes direitos e garantias fundamentais, por
omissão/incompetência dos Poderes Legislativo e/ou Executivo, o Judiciário
deve se fazer presente, sendo certo que qualquer ente público pode ser demandado à obrigação prestacional de fazer, no presente caso, conceder medicamentos.
É importante enfatizar que a atuação jurídica sempre se fará necessária
quando existir risco à vida ou à higidez física ou psíquica do paciente, em virtude
da não obtenção gratuita dos medicamentos ou da não realização do tratamento
médico necessário. Neste caso, em se tratando de paciente hipossuficiente, deverá o mesmo contar com assistência jurídica integral.
Qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, o Poder Público não pode mostrar-se insensível
ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que pela via da
omissão, em grave comportamento inconstitucional, consoante já pontuado pelo
STF.
A natureza de direito fundamental conferida à saúde é a de que ela é
um direito subjetivo fundamental do indivíduo, indissociavelmente ligado ao direito à vida e a dignidade da pessoa humana. A Carta Política autoriza o Poder
Judiciário a tutelar ameaça ou lesão ao direito à saúde. Este papel conferido aos
Tribunais não se confunde com a execução de políticas públicas voltadas para a
Saúde. Trata-se de uma obrigação de fazer, um direito prestacional, e não obrigação de dar.
No contexto democrático brasileiro, a judicialização pode expressar
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reivindicações e modos de atuação legítimos de cidadãos e de instituições. O
principal desafio é formular estratégias políticas e sociais orquestradas com outros mecanismos e instrumentos de garantia democrática, que aperfeiçoem os
sistemas de saúde e de justiça com vistas à efetividade do direito à saúde.
Concluindo, entende-se que o Poder Judiciário deve ser um instrumento
de defesa dos direitos e das garantias dos cidadãos. Sempre que o Judiciário estiver atuando para preservar um direito fundamental previsto na Constituição, ou
para dar cumprimento a alguma lei existente, ele estará legitimado a agir, pois ele
estará cumprindo um dos objetivos da nossa República, por meio da construção
de uma sociedade livre, justa e solidária, havendo em decorrência, aperfeiçoamento da Justiça Social, tudo em perfeita compatibilidade com o fundamento
constitucional da dignidade da pessoa humana.
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A CRITICAL VIEW ON THE JUDICIAL CONCESSION OF DRUGS
ABSTRACT: With the prospects created by the Critical Theory of Law - CTL
in civil procedure, it is possible to extend the epistemological horizons and thus
overcome old paradigms to form a new knowledge. Thus, the judicial activism
led to the possibility of providing drugs to exceptional situations.
KEYWORDS: CTL; Civil Procedure; Judicial activism; Concession of drugs.
UNA VISIÓN CRÍTICA SOBRE LA CONCESIÓN JUDICIAL DE
MEDICAMENTOS
RESUMEN: Con las perspectivas elaboradas por la Teoría Crítica del Derecho
- TCD, en el proceso civil, es posible ampliar los horizontes epistemológicos y
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así superar viejos paradigmas a fin de formar un nuevo conocimiento. Para eso,
el activismo judicial propició la posibilidad de concesión de medicamentos a
situaciones excepcionales.
PALABRAS CLAVE: TCD; Proceso Civil; Activismo judicial; Concesión de
medicamentos.
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