Diário dos Açores ID: 38098918 20-10-2011 Tiragem: 3630 Pág: 15 País: Portugal Cores: Preto e Branco Period.: Diária Área: 26,97 x 18,78 cm² Âmbito: Regional Corte: 1 de 1 Droga de abuso com alguns efeitos amigos Investigadores da Universidade de Coimbra avaliam o impacto da metanfetamina no cérebro... As metanfetaminas são uma droga de abuso, devido ao seu grande potencial de dependência; no entanto, existem algumas indicações terapêuticas que poderão levar a novas abordagens, mas ainda controversas. Uma equipa de investigadores da Universidade de Coimbra (UC), liderada por Ana Paula Silva, mostrou que é um fármaco que induz a défices de memória, mas que poderá também tratar algumas patologias, tal como tumores cerebrais segundo avança o “Ciência Hoje”. Aliás, nos Estados Unidos as metanfetaminas podem ser prescritas para o tratamento do Síndrome de Défice de Atenção e Hi- peractividade. “Apesar das suas consequências negativas, é uma droga que pode levar a um aumento transitório da permeabilidade da barreira hematoencefálica, barreira que protege o cérebro, impedindo a entrada de agentes patogénicos, mas também de muitos fármacos fundamentais para tratamentos”, explicou ao «Ciência Hoje» investigadora da Faculdade de Medicina da UC. A equipa provou o impacto da metanfetamina no hipocampo – região do cérebro com um papel fundamental na memória e na aprendizagem. Estudos efectuados, ao nível molecular e ‘in vivo’ (estudos de comportamento animal), permitiram verificar que o uso da droga induz défices de memória. Verificadas estas alterações, os investigadores partiram, então, para o estudo do papel do neuropeptídeo Y, que normalmente tem um papel protector em situações de dano cerebral. No modelo experimental, “verificámos que [o neuropeptídeo Y] está envolvido nos défices de memória”, ou seja, “perde a sua capacidade de protecção”, continuou a líder do grupo da Faculdade de Medicina. Perante a revelação, a equipa trabalhou numa estratégia para prevenir este efeito da metanfetamina e descobriu que bloqueando um dos receptores do neuropeptídeo Y (o NPY Y2) é possível prevenir os défices de memória. “Beneficiando deste aumento transitório da permeabilidade da barreira hematoencefálica será possível, com um controlo apertado e adequado, equacionar novas terapêuticas para certas doenças porque poderá permitir passagem de fármacos”, contou. Contudo, no caso de tumores, a cientista frisou que “ainda não se sabe que efeito directo a droga poderá ter no próprio tumor”. Existem já vários debates nos EUA, em torno da droga por ter efeitos aliciantes, mas o seu uso permanece controverso. Segundo Ana Paula Silva, falta determinar “qual é exactamente o seu efeito e em que con- centrações” deve ser aplicada. Visto ser uma droga altamente viciante, “serão necessários mais estudos para compreender melhor os mecanismos celulares que estão por detrás deste efeito ao nível da barreira hematoencefálica”, refere um comunicado. Os resultados derivam de um conjunto de estudos para avaliar os efeitos da metanfetamina no cérebro desenvolvidos ao longo dos últimos cinco anos por um grupo de investigação liderado por Ana Paula Silva, no Laboratório de Farmacologia do Instituto Biomédico de Investigação da Luz e Imagem (IBILI) da UC, em colaboração com o Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC), Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Universidade de Copenhaga (Dinamarca) e University College London (Reino Unido). Metanfetaminas A metanfetamina (MA) é uma droga estimulante do sistema nervoso central (SNC), muito potente e altamente viciante, cujos efeitos se manifestam no sistema nervoso central e periférico. Tem-se vulgarizado como droga de abuso devido aos seus efeitos agradáveis intensos tais como a euforia, aumento do estado de alerta, da auto-estima, do apetite sexual, da percepção das sensações e pela intensificação de emoções. Por outro lado, diminui o apetite, a fadiga e a necessidade de dormir. A MA exerce efeitos ao aumentar agudamente as quantidades de dopamina, noradrenalina e serotonina na fenda sináptica, ampliando assim a neurotransmissão monoaminérgica. Apesar dos efeitos agradáveis, produz tolerância; isto é, o prazer que proporciona desaparece mesmo antes dos seus níveis plasmáticos diminuírem significativamente. Deste modo apresenta um elevado risco de desenvolver toxicidade, na medida em que os utilizadores tentam manter os seus efeitos através de utilizações repetidas, em curtos espaços de tempo.