163 QUINTA CÂMARA CÍVEL Apelação Cível nº 0362045-42.2012.8.19.0001 Relator: DES. HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO DE COBRANÇA. TRATAMENTO MÉDICO PRESTADO EM HOSPITAL PARTICULAR. Ação de cobrança das despesas médicas despendidas pelo Autor no tratamento de paciente considerando decisão judicial irrecorrida que condenou os Réus a internarem o paciente ou suportarem as despesas com internação em hospital particular. Os entes públicos têm o dever constitucional e legal de prestarem assistência à saúde da população, sendo de todo impertinente transferir esta obrigação a terceiro. Se o tratamento médico prestado pela entidade privada deriva de decisão judicial que imputa aos Réus o dever de pagar as despesas médicas, subsiste a responsabilidade destes no reembolso. Ausência no caso dos autos de violação ao princípio da separação dos Poderes, porque cabe ao Poder Judiciário, se provocado, intervir diante de lesão ou ameaça ao direito à dignidade da vida humana. Impossível adotar os preços praticados pela tabela do SUS porque não existe convênio celebrado pelas partes nem prova nos autos quanto ao valor desses serviços. A pessoa jurídica de direito público vencida na lide responde pelas despesas processuais, inclusive taxa judiciária, como dispõe o artigo 20 do Código de Processo Civil. Recursos desprovidos, confirmada a sentença em reexame necessário. A C Ó R D Ã O HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA:000009674 Assinado em 19/08/2014 17:10:09 Local: GAB. DES HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA 164 Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível nº 0362045-42.2012.8.19.0001, originários da 4ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital, em que figuram como Apelantes ESTADO DO RIO DE JANEIRO e MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO e Apelada CASA DE SAÚDE SANTA THEREZINHA S.A., ACORDAM os Desembargadores da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em negar provimento aos recursos, nos termos do voto do Relator. CASA DE SAÚDE SANTA THEREZINHA S.A. move ação de cobrança contra ESTADO DO RIO DE JANEIRO e MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO porque prestou serviços médicos ao Sr. Luiz Gonzaga de Sá Gonçalves entre os dias 20.4.11 e 23.4.12 em razão de tutela antecipada deferida em plantão judiciário (processo nº 0161483-17.2012.8.19.0001) que determinou aos Réus removerem o paciente em CTI móvel para hospital da rede pública ou mantê-lo no nosocômio Autor às expensas do Poder Público se inviável a remoção. A Autora assumiu os custos do tratamento médico ao paciente, mas os Réus se recusam a pagar, certo que a pretensão não se condiciona à confirmação da tutela, tendo em vista que o serviço foi prestado conforme comando judicial. Pede a condenação dos Réus a pagarem a quantia de R$15.340,91 (quinze mil trezentos e quarenta reais e noventa e um centavos). A contestação do 1º Réu nega a responsabilidade pelo pagamento e afirma a falta de prova da prestação do serviço, o que retira a força probatória da fatura junta aos autos. Impugna o valor do tratamento médico e afirma o termo inicial dos juros de mora a partir da citação, na forma da Lei 9.494/97. O 2º Réu afirma na contestação de fls. 88/96 (pasta 92) a ausência de responsabilidade do Município pelas despesas médicas de paciente em hospital da rede privada, pena de beneficiar um cidadão em detrimento da coletividade. Alega violação ao princípio da isonomia, reserva do possível e separação dos poderes. Impugna o crédito, não comprovado. Eventual condenação deve ter como parâmetro a Tabela do SUS e não os valores fixados unilateralmente pelo hospital particular. Os juros e a correção monetária fluem da sentença. A sentença de fls. 111/112 (pasta 114) julgou procedente o pedido. Na apelação de fls. 113/121 (pasta 118) o 1º Réu reitera a ausência de responsabilidade em arcar com as despesas médicas para tratamento do paciente. Afirma que a Autora prestou atendimento ao doente antes mesmo da 165 ordem judicial, motivo por que deve ela própria suportar o custo do tratamento. A fatura não prova a prestação do serviço. Requer a reforma da sentença para julgar improcedente o pedido ou excluir a condenação ao pagamento da taxa judiciária. Na apelação de fls. 122/132 (pasta 127) o 2º Réu nega a responsabilidade em reembolsar as despesas da Autora e reitera a violação aos princípios da isonomia, reserva do possível e separação dos poderes. No caso de condenação, sustenta a aplicação da tabela do SUS, nos termos do artigo 22 da Lei 8.080/90. Impugna a condenação ao pagamento da taxa judiciária e dos honorários de advogado. Requer a reforma da sentença para julgar improcedentes os pedidos. Contrarrazões da Autora a fls. 140/144 (pasta 145) pela manutenção da sentença. Manifestação do Ministério Público a fls. 156/158 (pasta 156). É o relatório. A Apelada persegue o valor despendido com o tratamento médico do Sr. Luiz Gonzaga de Sá Gonçalves em vista da decisão judicial proferida nos autos da ação de obrigação de fazer nº 0161483-17.2012.8.19.0001 proposta contra os Apelantes que determinou a remoção do paciente para a rede pública e acompanhamento médico ou a sua permanência no estabelecimento da Apelada a expensas dos Apelantes (pastas 34/44 e 54/56). Ao contrário do que sustentam os Apelantes, os documentos de fls. 24/31 (pastas 25/32) comprovam que a Apelada cumpriu regularmente a obrigação imposta na decisão proferida na ação de obrigação de fazer, tendo prestado serviço médico ao paciente entre 20.4.12 e 22.04.12, quando o mesmo veio a óbito. A questão posta nos autos diz respeito à obrigação de o Poder Público ressarcir as despesas do particular em razão de decisão judicial, e não de relação contratual como pretende o 1º Apelante. Portanto, sem razão o 1º Apelante quanto à ausência de força probante das faturas apresentadas pela Apelada por não se tratar de contrato de prestação de serviço com a Administração Pública para o qual se aplicaria a Lei nº 8.666/93. A prova documental demonstra a prestação dos serviços e em consequência legitima a cobrança. Nos termos dos artigos 23, 196 e 198 da Constituição Federal todos os entes da Federação ostentam competência comum de zelar pela saúde pública e em sede infraconstitucional a Lei nº 8.080/90 renova a obrigação em mais 166 de um dispositivo quanto ao dever de as pessoas jurídicas de direito público cuidarem da saúde da população. O direito à saúde e o dever de o Estado prestá-la devem ser analisados à luz do princípio da reserva do possível, a exigir que os pleitos deduzidos contra os entes federativos sejam revestidos de razoabilidade e que existam condições financeiras para serem atendidos. A obrigação de o ente público prestar assistência à saúde da população permite a participação complementar de instituições privadas através de contratos e convênios, a fim de se estabelecer vínculo capaz de viabilizar a cobrança do serviço pelo hospital particular. Em tese, sem a formalização do contrato ou convênio não há a obrigação do Poder Público em suportar despesas com tratamento médico fora da rede pública de saúde. Todavia, se a obrigação imposta aos Apelantes deriva de comando judicial irrecorrido, impossível onerar a Apelada com o custeio do tratamento, por isso tem esta direito ao reembolso das despesas médicas ainda que não conveniada ao Sistema Único de Saúde, por ser daqueles a obrigação constitucional de prestar assistência médica a todos os cidadãos. O fato de a Apelada receber o paciente antes de determinada a remoção ou assunção das despesas não exime os Apelantes da obrigação de pagar porque deriva do comando judicial que impôs a eles suportarem as despesas médicas se não receberem o paciente. Não há violação ao princípio da separação dos Poderes porque cabe ao Poder Judiciário se provocado, intervir diante de lesão ou ameaça ao direito à dignidade da vida humana. O tratamento médico fornecido pela Apelada a expensas dos Apelantes por decisão judicial também não consubstancia invasão de competência do Poder Judiciário na esfera privativa de atuação do Poder Executivo, pois em sede judicial somente se reconhece o direito pela aplicação das normas ao caso concreto. O 2º Apelante sustenta excessivo o valor cobrado, porque supera em muito os preços constantes na tabela do SUS. Não tem razão por dois motivos. Primeiro pela impossibilidade de praticar os preços do convênio se as partes não são conveniadas; segundo pela absoluta ausência de prova quanto aos valores praticados com lastro na referida tabela. Quanto à taxa judiciária, e neste ponto examinam-se ambos os recursos, correta a sentença ao condenar os Apelantes. A pessoa jurídica de direito público goza de isenção, de modo que a condenação somente é pertinente no caso de reembolso ao vencedor. Como a Apelada recolheu o tributo, correta a 167 condenação dos Apelantes ao reembolso porque ficaram vencidos na lide, nos termos do artigo 20, do Código de Processo Civil. Os honorários advocatícios foram corretamente fixados, considerando os parâmetros do artigo 20, § 4º do Código de Processo Civil. Nestes termos, nega-se provimento aos recursos, confirmada a sentença em reexame necessário. Rio de Janeiro, 19 de agosto de 2014. Desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueira Relator