N.º40 Abr-Jun 2016 Pág. 24-31 Sérgio Pratas Direção-Geral da Administração e do Emprego Público Ministério das Finanças, Portugal O regime de acesso ao processo clínico. Contornos atuais e perspetivas de reforma Palavras‑chave: Processo clínico; Informação de saúde; Acesso à informação Resumo O acesso ao processo clínico tem sido objeto de acesa controvérsia, protagonizada por duas entidades administrativas independentes: a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos e a Comissão Nacional de Proteção de Dados. Face às posições em disputa, inconciliáveis, e ao papel e atuação dessas duas entidades, assiste‑se hoje a uma grande confusão nos serviços de saúde e à existência de diferentes respostas aos pacientes, para situações e pedidos idênticos. O impacto da controvérsia é tal que, neste momento, todos concordam que é necessário e urgente proceder à revisão do quadro legal em vigor. O Provedor de Justiça já apresentou uma recomendação nesse sentido. E o Governo aprovou uma proposta de lei com igual intento. O presente estudo vem trazer alguns contributos para o debate em curso. Identificar os atributos da solução a adotar. Analisar criticamente as propostas já formuladas. Apresentar outras soluções. Analisou‑se concretamente a Proposta de Lei n.º 18/XIII, em apreciação na Assembleia da República, e concluiu‑se que a mesma apresenta e configura uma solução inaceitável, que determina um substancial retrocesso, quer em matéria de transparên24 cia administrativa, quer no que respeita ao exercício do direito de acesso ao processo clínico. E avançaram‑se duas outras propostas de reforma, para análise e crítica. Primeira proposta: remeter o acesso à informação nominativa (incluindo‑se aí o acesso à informação de saúde) para a Lei de Proteção de Dados Pessoais. Segunda: remeter a regulação da matéria – no setor público e privado – para um diploma próprio e que podia ser a Lei n.º 12/2005. 1. Introdução 1.1. O processo clínico surge inicialmente da necessidade do médico em proceder à documentação e registo da sua atividade clínica. O processo clínico tem uma função clara, associada à atividade do profissional de saúde: melhorar os cuidados de saúde prestados ao paciente; partilhar informação clínica entre profissionais de saúde; diminuir o erro; melhorar o suporte à decisão clínica1. Neste quadro, o processo clínico – e a informação de saúde – pertencem aos profissionais e às instituições de saúde. O paciente não tem o direito de aceder ao respetivo processo clínico. Esta realidade tem vindo, no entanto, a mudar, à medida que se assiste à substituição do modelo de medicina centrado no médico por um outro centrado na pessoa. Um pouco por todo o mundo, a informação de saúde deixa de pertencer aos médicos e às instituições de saúde, que passam, gradualmente, a ser seus meros depositários. E começa a ser reconhecido, nas mais variadas latitudes, o direito dos pacientes à sua informação de saúde. O processo clínico passa então, com esta transformação, a estar associado a um segundo objetivo ou função, da maior importância: informar os pacientes acerca da sua saúde e processo de cuidados. E são hoje reconhecidas as vantagens na partilha dos processos clínicos com os pacientes. Vários estudos vieram demonstrar que o acesso ao processo clínico contribui deci- Pode aceder‑se mais facilmente à informação de saúde e passa a ser possível criar um registo centralizado com toda a informação. Mas os riscos, sobretudo de segurança, não podem ser esquecidos ou desvalorizados. 1. 3. É neste quadro, de profunda transformação e de riscos, que se tem vindo a desenhar o regime (ou direito) de acesso ao processo clínico. Os direitos, as garantias, os procedimentos, os mecanismos de proteção. Em Portugal a matéria tem sido objeto de acesa controvérsia, protagonizada por duas entidades administrativas com fortes responsabilidades neste âmbito: a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) e a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD). O legislador procu- Um pouco por todo o mundo, a informação de saúde deixa de pertencer aos médicos e às instituições de saúde, que passam, gradualmente, a ser seus meros depositários sivamente para a melhoria da comunicação entre o médico e o paciente e o aumento da adesão à terapêutica2. 1.2. Está, entretanto, em curso uma segunda grande transformação relacionada com o processo clínico – e com o acesso à informação de saúde. A informação de saúde do utente é inicialmente registada em papel e depois inserida em pastas devidamente organizadas. Esta realidade está, no entanto, em rápida mudança. As tecnologias da informação e comunicação assumem uma função cada vez mais importante no âmbito dos sistemas de saúde, com reflexos diretos ao nível da gestão dos processos clínicos. Têm vindo a ser desenvolvidas várias experiências, a nível nacional e internacional, de informatização dos registos clínicos. Este processo tem suscitado forte entusiasmo, pela potencialidade que encerra, mas também significativas resistências e receios. rou resolver o diferendo, em 2007, mas sem sucesso. As divergências persistem, as decisões contraditórias continuam a confundir cidadãos e profissionais. E muitos casos acabaram mesmo nos tribunais3. Assim, há hoje unanimidade quanto à necessidade de se proceder à revisão do quadro legal em vigor. O Provedor de Justiça já fez chegar uma recomendação à Assembleia da República. A CADA e a CNPD já se manifestaram a favor da alteração da lei. O Governo apresentou recentemente uma proposta de lei com o mesmo objetivo – e que está neste momento em apreciação na Assembleia da República. Mas a unanimidade termina aí. Não há acordo quanto às razões e pressupostos dessa revisão; e muito menos quanto às soluções a adotar. 1.4. O presente estudo visa contribuir para esse debate, hoje na ordem do dia. Identi25 N.º40 Abr-Jun 2016 Pág. 24-31 ficar claramente os atributos da solução a adotar. Analisar criticamente as soluções já apresentadas. Apresentar outras soluções. No ponto 2 (e ainda a título introdutório) serão apresentados os principais traços do acesso ao processo clínico, em Portugal. No ponto 3 será apresentado o regime de acesso no setor público e o regime aplicável ao setor privado – apresentação necessariamente sintética. No ponto 4 será apreciada a reforma proposta pelo Governo e consubstanciada na Proposta de Lei 18/XIII. No ponto 5 serão apresentadas duas propostas alternativas, que aqui se submetem à análise e crítica. No final, ponto 6, serão apresentadas as principais conclusões a que se chegou. 2. O acesso ao processo clínico em Portugal. Breve caracterização 2.1. O acesso ao processo clínico em Portugal assume contornos próprios, que podem fissionais também conhecem mal o regime legal aplicável aos processos clínicos. Esta situação é, em grande parte, tributária da divergência entre a CADA e a CNPD, já referida. Como as duas não se entendem, não existe nenhuma entidade que se dedique de forma empenhada e consistente a construir essas respostas. 2.3. Uma outra característica importante diz respeito à dispersão da informação de saúde. Os profissionais de saúde não conseguem observar toda a informação clínica de um paciente, porque esta se encontra dispersa em diversas instituições. Existe em Portugal a denominada Plataforma de Dados de Saúde (PDS) mas com ambições ainda limitadas. E o número de utentes inscritos na plataforma é também muito reduzido. 2.4. Uma outra característica do sistema atual reporta‑se à coexistência de diferen- São hoje reconhecidas as vantagens na partilha dos processos clínicos com os pacientes para a melhoria da comunicação entre o médico e o paciente e o aumento da adesão à terapêutica ser identificados através de alguns traços distintivos – seis traços fundamentais. Como primeiro traço, é de salientar que a esmagadora maioria dos cidadãos não conhece os direitos que possui em matéria de acesso à informação de saúde. Realidade facilmente demonstrável e com consequências significativas. Em regra, o acesso só é solicitado em situações de conflito – quando alguma coisa corre mal. Por outro lado, não se aproveita o potencial e as vantagens da partilha do processo clínico. Vantagens ao nível do paciente, da relação médico paciente e ainda ao nível da prática clínica. 2.2. Um segundo traço remete para a falta de informação clara e suficiente para profissionais. Informação, estudos, ações de sensibilização, ações de formação. Os pro26 tes respostas para as mesmas questões ou pedidos, de serviço para serviço. Se o interessado solicitar o acesso no Hospital X a resposta será uma, se o apresentar no Hospital Y ou no Agrupamento dos Centros de Saúde H a resposta já será outra. Ou seja, serviços que integram o setor público – já para não falar na diferença entre o público e o privado – dão muitas vezes respostas diferentes e contraditórias aos mesmos pedidos de acesso. E isso acontece por várias razões. A principal está relacionada com o quinto traço. 2.5. Quinto traço: as duas entidades com competência para se pronunciarem sobre esta matéria, CADA e CNPD, têm entendimentos diferentes sobre o regime de acesso aplicável ao setor público. A CADA entende que o acesso se faz ao abrigo da LADA (Lei de Acesso aos Documentos Administrativos – Lei n.º 46/2007, de 24 de agosto); e que lhe compete a ela, CADA, esclarecer dúvidas e dirimir conflitos decorrentes da aplicação da lei. Já a CNPD entende que o acesso no setor público obedece ao regime definido na LPD (Lei de Proteção de Dados – Lei n.º 67/98, de 26 de Apesar da controvérsia entre a CADA e a CNPD, os tribunais administrativos têm vindo a afirmar, de forma clara e uniforme, que o acesso à informação de saúde no setor público é regulado pela LADA; e que é à CADA que compete zelar pelo cumprimento da lei. Já o acesso ao processo clínico no setor privado – e isso não merece qualquer contestação – está sujeito ao regime fixado na LPD. O paciente tem o direito de aceder a toda a informação do respetivo processo clínico outubro) e não à LADA; e que lhe compete a ela, CNPD, esclarecer dúvidas e dirimir quaisquer conflitos. 2.6. Em sexto lugar, cumpre sublinhar que existe, em Portugal, uma divisão e uma diferença entre o regime aplicável ao setor público e o regime aplicável ao setor privado. 3. O regime de acesso ao processo clínico 3.1. O acesso ao processo clínico pelo titular da informação segue o mesmo regime no setor público e no setor privado. Em princípio, o paciente tem o direito de aceder a toda a informação do respetivo processo clínico (n.º 2 do artigo 3.º da Lei 27 N.º40 Abr-Jun 2016 Pág. 24-31 n.º 12/2005, de 26 de janeiro)a. Este princípio tem apenas três exceções: a. A s anotações pessoais do médico O paciente não tem o direito de aceder às anotações pessoais do médico. b. Privilégio terapêutico O acesso pode ser recusado ao paciente em “circunstâncias excecionais devidamente justificadas e em que seja inequivocamente demonstrado que isso lhe possa ser prejudicial” (n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 12/2005). c. Informação de saúde de terceiros O processo clínico pode também integrar informação de saúde de terceiros. Neste caso, o titular só pode aceder à informação nas situações expressamente previstas na lei. d. Com consentimento expresso do titular [alínea h) do artigo 3.º e n.º 2 do artigo 7.º da LPD]; e. Quando por motivo de interesse público importante o acesso for indispensável ao exercício das atribuições legais ou estatutárias do responsável pelo tratamento (n.º 2 do artigo 7.º da LPD); f. Se o acesso for necessário para proteger interesses vitais do titular dos dados ou de uma outra pessoa e o titular dos dados estiver física ou legalmente incapaz de dar o seu consentimento [alínea a) do n.º 3 do artigo 7.º da LPD]; g. Se os dados forem tornados públicos pelo titular, desde que se possa legitimamente deduzir das suas declarações o consenti- No setor público a comunicação de dados de saúde é feita por intermédio de médico apenas se o requerente o solicitar. No setor privado a intermediação médica é obrigatória 3.2. O acesso por terceiros obedece precisamente ao princípio contrário, quer no setor público quer no setor privado. A regra é a da proibição de acesso a informação clínica de terceiros. Deste modo, o acesso só é permitido em situações excecionais, expressamente previstas na lei. No setor público pode aceder‑se à informação clínica de terceiros em duas situações distintas: ou com autorização do titular dos dados (n.º 5 do artigo 6.º da LADA); ou demonstrando um interesse direto, pessoal e legítimo no acesso (n.º 5 do artigo 6.º da LADA). No setor privado é diferente. Pode aceder‑se à informação de saúde de terceiros nas seguintes situações: a A lei vai mesmo mais longe: “A informação de saúde (…) é propriedade da pessoa, sendo as unidades do sistema de saúde os depositários da informação (…)” (n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 12/2005). 28 mento para o acesso [alínea c) do n.º 3 do artigo 7.º da LPD]; h.Se o acesso for necessário à declaração, exercício ou defesa de um direito em processo judicial e for efetuado exclusivamente com essa finalidade [alínea d) do n.º 3 do artigo 7.º da LPD]; i. O acesso é ainda permitido quando for necessário para efeitos de medicina preventiva, de diagnóstico médico, de prestação de cuidados ou tratamentos médicos ou de gestão de serviços de saúde, desde que o tratamento desses dados seja efetuado por um profissional de saúde obrigado a sigilo ou por outra pessoa sujeita igualmente a segredo profissional (n.º 4 do artigo 7.º da LPD). 3.3. Deve sublinhar‑se, no entanto, que a interdição de acesso por terceiros cessa – quer no setor público quer no privado – decorridos 50 anos sobre a data da morte da pessoa a quem os dados respeitem; ou, não sendo aquela data conhecida, decorridos 75 anos sobre a data dos documentos (n.º 2 do artigo 17.º do Decreto‑Lei n.º 16/93, de 23 de janeiro). 3.4. No setor público a comunicação de dados de saúde é feita por intermédio de médico apenas se o requerente o solicitar (artigo 7.º da LADA). No setor privado a intermediação médica é obrigatória (n.º 5 do artigo 11.º da LPD). É o que resulta também do n.º 3 do artigo 3.º da Lei n.º 12/20054. 3.5. Perante a recusa de acesso, ou outra decisão limitadora do exercício do direito de acesso, a lei atribui aos particulares dois tipos de garantias: garantias administrativas, a exercer perante órgãos administrativos; e garantias jurisdicionais, a exercer junto dos tribunais. No setor público são garantias administrativas a reclamação, o recurso, a queixa ao Provedor de Justiça e a queixa à CADA. As garantias jurisdicionais são exercidas junto dos tribunais administrativos. Quando o acesso ocorre em instituição privada – e o pedido é recusado ou é tomada decisão limitadora do exercício do direito de acesso – os particulares podem apresentar queixa à CNPD (garantia administrativa), ou recorrer aos tribunais comuns (garantia jurisdicional). 4. A Proposta de Lei 18/XIII 4.1. Como foi referido, existe hoje unanimidade quanto à necessidade de se proceder à revisão da legislação em vigor. O Governo afirma‑o da seguinte forma, na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 18/XIII: «Aproveita‑se igualmente esta oportunidade para sanar incoerências e dúvidas de constitucionalidade, há muito discutidas, entre a LADA, o regime da Lei de Proteção de Dados Pessoais e a Lei n.º 12/2005, de 26 de janeiro, na parte relativa ao acesso a informação genética pessoal e informação de saúde, que foram, aliás, evidenciadas pelas várias entidades consultadas»b. 4.2. Antes de apreciar a proposta avançada neste projeto da responsabilidade do Governo, optou‑se por definir previamente, com toda a clareza, os atributos que a solução que vier a ser adotada deve incorporar. Será esse o referencial de análise a utilizar na avaliação das propostas apresentadas. Ora, entende‑se que a solução a aprovar deve respeitar os seguintes atributos principais: a. Garantir a existência de um único regime de acesso e proteção da informação de saúde (para o setor público e para o setor privado); b.Garantir a delimitação expressa e inequívoca do âmbito material de aplicação da LADA e da LPD (e do âmbito de atuação da CADA e da CNPD); c. Assegurar o respeito quer pela Constituição da República Portuguesa, quer pela legislação europeia aplicável. 4.3. A solução protagonizada pela Proposta de Lei n.º 18/XIII para o acesso ao processo clínico é apresentada nos seguintes termos: «Mantém‑se o regime de acesso a documentos nominativos por terceiros que demonstrem um interesse direto, pessoal e legítimo na informação, no entanto, redesenha‑se o conceito de documentos nominativos tendo em conta o regime europeu e nacional de proteção de dados pessoais – não os reconduzindo, portanto, apenas ao conteúdo relacionado com a reserva da intimidade da vida privada, mas definindo‑os enquanto todo o tipo de documentos que contenham dados pessoais»c. b Esta Proposta de Lei visa introduzir um conjunto alargado de alterações à LADA. A reforma do acesso à informação de saúde é apenas uma das várias alterações propostas. Para um maior desenvolvimento, veja‑se a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 18/XIII. c De acordo com a atual alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º da LADA, documento nominativo é o “documento ad- 29 N.º40 Abr-Jun 2016 Pág. 24-31 Com esta proposta (que visa sanar as divergências entre a CADA e a CNPD), o acesso à informação de saúde no setor público continua a ser regulado pela LADA (e pela Lei n.º 12/2005). E (no essencial) nos mesmos moldes em que ocorre atualmente – ver ponto 3. resse direto, pessoal e legítimo é que é possível aceder a esse tipo de dados. Esta alteração constitui, pois, um retrocesso enorme em matéria de transparência. Muita informação que é atualmente de livre acesso passa a ser reservada. Retrocesso que é completamente inaceitável e vem con- A esmagadora maioria dos cidadãos não conhece os direitos que possui em matéria de acesso à informação de saúde. Os profissionais também conhecem mal o regime legal aplicável aos processos clínicos A grande alteração diz respeito ao capítulo do exercício do direito de acesso: a Proposta de Lei n.º 18/XIII introduz, no setor público, a obrigatoriedade da intermediação médica (artigo 7.º). 4.4. Esta solução afigura‑se‑nos no entanto completamente inaceitável, constituindo um substancial retrocesso quer em matéria de transparência administrativa, quer em matéria de exercício do direito de acesso ao processo clínico. Até agora, com a atual LADA, os dados pessoais que não sejam nominativos são, em regra, livremente acessíveis por qualquer particular. Foi assim possível, com este regime, por exemplo, investigar o percurso académico de algumas figuras públicas. Casos que foram notícia e objeto de forte discussão na opinião pública e não só. Com a revisão apresentada na Proposta de Lei 18/XIII essa informação passa, toda ela, a ser de acesso reservado. Só com o consentimento do titular, ou demonstrando inte- ministrativo que contenha, acerca de pessoa singular, identificada ou identificável, apreciação ou juízo de valor, ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada”. A informação de saúde é informação nominativa. E, de acordo com a alínea a) do artigo 3.º da LPD, são dados pessoais “qualquer informação (…) relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável”. São dados pessoais, por exemplo, o nome de uma pessoa singular, o seu número de identificação fiscal ou o respetivo grau académico. 30 trariar o disposto no n.º 2 do artigo 268.º da Constituiçãod. Para além disso, ao voltar a instituir o modelo do acesso indireto – através de intermediação médica – coloca‑se um obstáculo importante ao acesso, dificulta‑se o exercício do direito de acesso. O que acontece, aliás, em claro contraciclo com o que tem vindo a acontecer na maioria dos países europeus. Para além do exposto, esta solução tem ainda o inconveniente de não uniformizar o regime de acesso nos setores público e privado. Mantém a dualidade de regimes. 5. Duas outras soluções 5.1. Assim, em face dos atributos já referidos, apresentam‑se aqui para análise e crítica duas outras soluções, ou caminhos. Uma primeira solução consiste em remeter o acesso à informação nominativa (incluindo‑se aí o acesso à informação de saúde) para a LPD. Com esta opção, a LADA deixaria de regular a matéria – e passaria a haver um único regime, aplicável aos setores público e privado. Esta opção deveria ser acompanhada, no entanto, por uma reflexão sobre o atual regime definido na LPD. Há soluções ins- d O n.º 2 do artigo 268.º da Constituição prevê restrições ao acesso quando esteja em causa a intimidade das pessoas e não o acesso a simples dados pessoais. critas na LADA que podem (e nalguns casos devem) ser transpostas para a LPD. Vantagens desta solução: a. Trata em bloco a questão do acesso e proteção de toda a informação nominativa; b. Coloca o acento onde ele deve estar – na proteção da informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada. 5.2. A segunda solução passa por remeter a regulação da matéria do acesso à informação de saúde – no setor público e privado – para um diploma próprio e que podia ser a Lei n.º 12/2005. Esta opção implicaria a introdução de uma remissão expressa na LADA e na LPD para essa lei especial. Implicaria, também, a opção por uma única entidade a quem recorrer, em caso de recusa de acesso – e que deveria ser a CNPD, que já possui outras responsabilidades em matéria de proteção da informação. Vantagens desta opção: a. O acesso à informação de saúde deixaria de estar disperso e passaria a ser regulado num único diploma; b. Poderia fazer‑se uma reflexão aprofundada, e sem amarras, colhendo o que de melhor possuem atualmente a LADA, a LPD e a Lei n.º 12/2005. 6. Conclusão 6.1. Em Portugal, o acesso à informação de saúde tem sido objeto de acesa controvérsia e debate. Há, por isso, unanimidade quanto à necessidade de se proceder à revisão do quadro legal em vigor. Mas a unanimidade fica por aí. Não há acordo quanto às razões e pressupostos dessa revisão; e muito menos quanto às soluções a adotar. O presente estudo surge neste quadro e com o objetivo de contribuir para o debate. Identificar claramente os atributos da solução a adotar. Analisar criticamente as soluções já apresentadas. Apresentar outras soluções. 6.2. Analisou‑se a solução protagonizada pela Proposta de Lei n.º 18/XIII e concluiu‑se que a mesma é inaceitável, por constituir um substancial retrocesso, quer em matéria de transparência administrativa, quer em matéria de exercício do direito de acesso ao processo clínico. E avançaram‑se duas outras soluções, a saber: a. Uma primeira solução assenta na remissão do acesso à informação nominativa (incluindo‑se aí o acesso à informação de saúde) para a LPD. Esta solução apresenta a vantagem de tratar em bloco a questão do acesso e proteção de toda a informação nominativa; e a de colocar o acento onde ele deve estar – na proteção da informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada. b. A segunda solução passaria por remeter a regulação da matéria – no setor público e privado – para um diploma próprio e que podia ser a Lei n.º 12/2005. Vantagens desta opção: o acesso à informação de saúde deixaria de estar disperso e passaria a ser regulado num único diploma; e, para além disso, poderia fazer‑se uma reflexão aprofundada, colhendo o que de melhor possuem atualmente a LADA, a LPD e a Lei n.º 12/2005. Bibliografia 1. Pereira, AGD. Dever de Documentação, Acesso ao Processo Clínico e sua Propriedade. Revista Portuguesa do Dano Corporal. 2006. Ano XV, n.º 16, p. 11. 2. 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