1- CRISE FINANCEIRA MUNDIAL E AS CONSEQUÊNCIAS NO MUNDO DO TRABALHO “Quem vai pensar o destino comum da espécie humana e da única casa coletiva, a Terra? Quem cuidará do interesse geral dos 6,3 bilhões de pessoas? O neoliberalismo é surdo, cego e mudo a esta questão fundamental. Seria contraditório suscitá-la, pois defende concepções políticas e sociais diretamente em oposição ao bem comum. Seu propósito básico é: o mercado tem que ganhar e a sociedade perder. Pois é o mercado que vai regular e resolver tudo. Se assim é, por que vamos construir coisas em comum? Deslegitimou-se o bem-estar-social” 1 . A crise financeira rotulada pela “vergonha do excesso 2 ,” que assolou os Estados Unidos a partir de 2008, teve início no modo de financiamento de imóveis, com a conseqüente quebra do banco americano Lehman Brothers, e que na seqüência, atingiu o mercado produtivo na medida em que muitas empresas, descapitalizadas, dependiam de empréstimos para desenvolver sua atividade produtiva. Em face da “financeirização da economia, da preferência pelo capital especulativo sem correspondência com a massa de valores reais e da globalização dos prejuízos econômicos amargados por um país de hegemonia econômica frente a outras nações 3 ”, a crise acabou gerando repercussão global. Os efeitos da crise econômica puderam ser sentidos em todo o modo de produção capitalista, pois se trata de uma crise estrutural, sistêmica, e não somente financeira, embora tenha sido nessa esfera que ela se originou. Vale lembrar que com a globalização qualquer evento no planeta é capaz de ser conhecido em algumas frações de segundos. Tal velocidade das transações, a estrutura cambiante, confusa e caótica da sociedade gerou aquilo que JOHN KENNETH GALBRAITH denominou como a “era da incerteza” 4 . Segundo o economista da Unicamp MÁRCIO POCHMANN 5 , presidente do IPEA: 1 BOFF, Leonardo. Ética e Moral: a busca dos fundamentos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003, p. 63 Expressão dada pelo economista americano Paul Krugman, ganhador do prêmio Nobel de Economia em 2008. 3 FABIANO, Isabela Márcia de Alcântara; RENAULT, Luiz Otávio Linhares. Crise financeira mundial: tempo de socializar prejuízos e ganhos. Revista do TRT da 3ª Região. Belo Horizonte. n.78. 2009. 4 SOUZA, Tércio Roberto Peixoto, in Revista de Direito do Trabalho 2008 – RDT 130, Flexibilização trabalhista: entre pleno emprego e o direito fundamental do trabalhador, Belo Horizonte, 2008. 5 Entrevista de Márcio Pochmann ao site Caros Amigos sobre o “Mercado de trabalho reproduz a desigualdade”: http://carosamigos.terra.com.br/index_site.php?pag=revista&id=131&iditens=269, acessado em 02/06/2010. 2 essa crise impôs perda expressivas aos ricos, impôs a queda da taxa de lucro das empresas, especialmente de alguns setores industriais. A crise impactou a área social. Estamos convivendo com maior desemprego, com aumento das desigualdades. Essa crise está contaminando o mundo da política. Cinco países tiveram alternância de poder em função, inclusive, do agravamento da crise. Não tivemos crises anteriores com problemas ambientais. Os impactos ambientais são extremamente degradantes. Temos uma crise inédita neste sentido. Vale dizer que é uma crise que encontra o mundo, os países, em quase sua totalidade submetida à lógica mercantil. E não tem saída a curto e médio prazo porque a crise afetou as estruturas do padrão capitalista de produção e consumo. Não há como garantir a sustentabilidade da acumulação do capital. Pela primeira vez na história da economia moderna, três crises de grande impacto – financeira, energética e alimentar – estão em conjunção, confluindo e combinando-se, gerando de modo exponencial, a deteriorização da economia real. 6 Diante do grave cenário, outra solução não restou senão promover a “desalavancagem” da economia e da produção. Em razão do clima de desconfiança generalizado, a concessão de crédito foi fortemente contraída. Por cautela, projetos de investimentos foram preteridos ou simplesmente cortados. As dispensas coletivas de empregados se tornaram tática para grandes empresas, sob o subterfúgio de “evitar” o mal maior, tal como a falência das empresas e ao desemprego de outros trabalhadores; a produção foi diminuída; o consumo encolheu e conseqüentemente o mercado reduziu. Ao falarmos sobre a crise atual, não há como não fazermos um paralelo com a crise de 1929, intitulada como o “crack” da bolsa de Nova Iorque, quando ocorreu uma queda brusca nas cotações dos títulos, acarretando uma perda de confiança na economia, acompanhada por uma redução na produção e nos investimentos provocando, em conseqüência, falências e desempregos. Àquela época vigorava o apogeu das políticas liberais, em que a liberdade econômica significava a garantia aos proprietários de usar e trocar livremente seus bens; autonomia jurídica; a garantia de desenvolver sem condicionamentos a atividade empreendida, e da mão invisível na economia. 6 BUITONI, Ademir. A moeda do Estado e o Estado na moeda na crise econômica mundial in Anais do VI Congresso de Direito Internacional USJT. http://usjt.wtv.com.br/radiousjt_mp3/nucleo_web/direito/anais_congresso_2009.pdf, acesso em 11/06/2010. Como diz PAULO BONAVIDES, o velho liberalismo não pode resolver o problema essencial de ordem econômica das vastas camadas proletárias da sociedade, e por isso entrou irremediavelmente em crise. A liberdade política como liberdade restrita era inoperante, porquanto não dava qualquer solução às contradições sociais, notadamente em relação aos desapossados, que conviviam sem o acesso a quaisquer bens. 7 Neste contexto, a doutrina liberal acabou cedendo espaço para as políticas intervencionistas de John Maynard Keynes, em que o Estado voltou a ter um papel de agente catalisador de políticas econômicas, integrador, modernizador e legitimador do capitalismo, passando a intervir diretamente no exercício da atividade produtiva, a fim de atribuir-lhe alguma racionalidade. Na atual conjuntura de crise econômica, torna-se necessário repensar sobre a política econômica neoliberalista vigente. Segundo Peter Poshen, conselheiro principal para o desenvolvimento sustentável da Organização Internacional do Trabalho “em crises anteriores, como a de 1929, as ações do governo para reverter os problemas econômicos acabaram se tornando as obras que alavancaram o desenvolvimento de países como Estados Unidos durante os anos seguintes”. No Brasil, o governo restabeleceu mecanismos de regulação, por meio de um processo maciço de intervenção do Estado, de modo a fomentar a aceleração da economia, implantando a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, por força do Decreto 6.809/09, que foi prorrogada até 30/06/2009, em que favoreceram os setores das empresas ligadas a materiais de construção, as montadoras e estendida para a “linha branca dos eletrodomésticos”. O governo pátrio ainda promoveu a redução do COFINS para elevar a venda de motocicletas, e a seu turno majorou o Imposto sobre Produto Industrializado - IPI sobre os cigarros para compensar a perda na arrecadação. Em que pese o esforço do governo federal para conter os efeitos devastadores da crise econômica no país, o presidente da Vale do Rio Doce veio a público, em outubro de 7 BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. 7. Ed.2.tir. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 188. 2008, e reivindicou, uma flexibilização das leis trabalhistas do país, como uma forma de combater os efeitos da crise financeira. Sobre o assunto o juiz trabalhista JORGE LUIZ SOUTO MAIOR 8 sustenta que Deflagrou-se a partir daí, um movimento claramente organizado, sem uma necessária vinculação a reais situações de crise, pelo qual várias grandes empresas, sobretudo multinacionais, começaram a anunciar dispensas coletivas de trabalhadores, para fins de criar um clima de pânico e, em seguida, pressionar sindicatos a cederem quanto à diminuição de direitos trabalhistas e buscar junto ao governo a concessão de benefícios fiscais. Não obstante as medidas tomadas e o surgimento de várias propostas de variados matizes tenham intuito primordial a redução dos impactos da crise financeira em nosso país, as providências tem caráter meramente paliativo, pois não enfrentam diretamente a questão principal suscitada pela instabilidade do mercado com repercussão imediata no mundo do trabalho, e conseqüentemente na vida econômico-social de um país. Afinal, é lícito ao empregador, sob as escusas de exercício de direito potestativo de resilição unilateral, dispensar coletiva e injustificadamente seus empregados? Estaria a empresa cumprindo com a sua função social na forma assegurada pelo artigo 170, da CR/88? Na busca de uma solução viável para a crise econômica não podemos olvidar que o modelo econômico precisa ser repensado, sob pena de inviabilizar a vida no nosso planeta. 8 MAIOR, Jorge Luiz Souto, Yes, nós temos sociedade e direito! Revista jurídica Consulex – Ano XIII. Nº 294 - 15 de abril de 2009, Belo Horizonte. 2- LIMITES DA INTERVENÇÃO ESTATAL X AUTO-REGULAÇÃO DO MERCADO: CRISE DO PARADIGMA NEOLIBERAL? O Estado tem atuado na ordem econômica mundial, em geral, como interventor ou regulamentador dos mercados. No Brasil, a atuação do Estado na economia está prevista no artigo 170 a 181 da Constituição Federal, como agente normativo e fiscalizador, como detentor de monopólio, como indutor do desenvolvimento econômico. Repensar sobre o papel do Estado na economia ganhou relevância com a atual conjuntura de crise econômica, pois segundo afirma o doutrinador e ministro do Tribunal Superior do Trabalho, MAURÍCIO GODINHO, “A intervenção é um bem para o capitalismo, como remédio para o doente. O capitalismo é um ser contraditório, irracional e suicida, além de assassino, porque sai liquidandos países”.9 Segundo o autor, a maneira encontrada pelo sistema econômico para superar a crise foi justamente o restabelecimento do Estado na economia. No entanto, é complicado aceitar que após tanto tempo das influências neoliberais – da auto-regulação dos mercados, os Estados voltem a resolver os problemas sociais, ambientais, econômicos e afins, só pela intervenção, por meio da regulamentação jurídica. De modo a contextualizarmos a atual crise econômica, faz-se necessário abrangermos o estudo sobre o sistema econômico, social e político decorrente da hegemonia ultraliberal vigente, que teve início a partir da década de 1970 para então avaliarmos e repensarmos a sua verdadeira eficácia e reais impactos no mundo do trabalho. 9 Em notícias do Tribunal Superior do Trabalho, acessado em 04/06/2010, http://ext02.tst.jus.br/pls/no01/NO_NOTICIASNOVO.Exibe_Noticia?p_cod_noticia=9898&p_cod_area_ noticia=ASCS&p_txt_pesquisa=crise%20econ%F4mica O surgimento do pensamento liberal na sociedade e na economia teve sua hegemonia histórica capitalista a partir do século XVIII, perdurando incólume durante todo o século XIX, não obstante o aparecimento de inúmeras críticas ao capitalismo desenfreado, propiciando um campo fértil à discussão do sistema econômico e social da época, quando então surgiu o Direito do Trabalho, o que traduzia, segundo MAURÍCIO GODINHO 10 , um revés imposto à plena dominância do liberalismo radical. A hegemonia liberal somente veio a sofrer duros impactos com a crise do final da década de 1920 e início da década de 1930, quando estourou a profunda recessão econômica, com o crash das bolsas de Nova Iorque, gerando repercussões sociais, políticas e econômicas gravíssimas, com elevadas taxas de desemprego atingindo, em média 20% nos Estados Unidos, provocadas pela gestão descontrolada da economia. Nesse contexto de desestruturação social, político e econômico, estabeleceu‐se por metade de uma década, a hegemonia de outra matriz de pensamento, caracterizada pelo intervencionismo estatal, influenciada pelas idéias keynesianas. Com efeito, o presidente norte‐americano Franklin Delano Roosevelt estabeleceu o New Deal ‐ pacote econômico de recuperação e reconstrução da economia norte‐americana, em que houve um investimento maciço em obras públicas, a fim de fomentar a geração de empregos, a destruição de estoques de gêneros agrícolas, a fim de conter a queda brusca de seus preços, o controle sobre os preços e a produção, e a diminuição da jornada de trabalho para gerar mais postos de emprego. Sobre a hegemonia do pensamento reformista e intervencionista no capitalismo, desde os anos de 1930, MAURÍCIO GODINHO DELGADO 11 acredita que conferiu aos países industrializados ocidentais, a partir de 1945, cerca de três décadas de elevado crescimento econômico, de generalizada distribuição de serviços públicos e de significativa participação da renda‐trabalho nas respectivas riquezas nacionais. Com isso, deu origem à fase que o historiador inglês Eric Hobsbawn denominou de “a era de ouro” ou “os anos dourados do capitalismo”. 10 GODINHO, Maurício Delgado. CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO – Entre o paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução. terceira edição. LTR: São Paulo, 2008. 11 GODINHO, Maurício Delgado. CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO – Entre o paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução. terceira edição. LTR: São Paulo, 2008. Privilegiou-se as teorias que cogitavam um novo paradigma ao Estado - Estado de Bem Estar Social, representando uma das maiores conquistas da democracia nos países capitalistas ocidentais, período que ficou conhecido como “anos dourados”. A implementação do Estado de Bem Estar Social estabeleceu, especialmente no século XX a declaração de valores, princípios e práticas consideradas fundamentais: democracia, valorização do trabalho e do emprego, justiça social e bem-estar. Apesar de o Brasil não ter vivenciado a verdadeira experiência do Estado de Bem Estar Social, os valores difundidos incorporaram-se em nosso ordenamento jurídico, sendo inseridos nos princípios e regras da Carta Constitucional de 1988. Em que pese a supremacia por três décadas do intervencionismo neoclássico de Keynes, em meados dos anos de 1970, por causa da Crise do Petróleo de 1973 12 , iniciou-se uma grave crise econômica, propiciando o ressurgimento das idéias liberais revigoradas, ante a incapacidade conjuntural das políticas públicas intervencionistas, influenciadas pelo modelo keynesiano de enfrentar com resultados rápidos a inflação e estagnação despontadas naquela época, surgindo propostas de políticas publicas com caráter fiscal, financeiro e desregulamentador, influenciado pelo capital financeiroespeculativo. Segundo os defensores da política ultraliberal, defendida por Friederich Von Hayek e Milton Friedman, a economia e a política do Welfare State seriam insustentáveis, principalmente porque não conseguiria manter o controle da inflação, o que geraria excessivos custos tanto na esfera do governo (em virtude das políticas públicas e sociais), quanto na privada (em decorrência do pleno emprego). A partir de então os países líderes do capitalismo mundial estabeleceram uma profunda reorganização das políticas macroeconômicas, deixando de lado as idéias keynesianas e passaram a adotar as medidas de natureza liberal-monetarista, provocando inevitavelmente grande impacto no sistema mundial, quer na atuação 12 A crise do petróleo aconteceu em cinco fases, todas depois da Segunda Guerra Mundial provocada pelo embargo dos países membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e Golfo Pérsico de distribuição de petróleo para os Estados Unidos e países da Europa. http://pt.wikipedia.org/wiki/Crise_do_petr%C3%B3leo . Acesso em 19/06/2010. sociopolítica, econômica e cultural. A política monetária torna-se o principal instrumento de regulação macroeconômica, conforme os preceitos monetaristas. Segundo afirma o economista francês DOMINIQUE PLIHON “monetarismo e liberalismo tornam-se assim, os novos princípios fundamentais da política econômica”. 13 O início do período de taxas flutuantes de cambio propiciou, em conjunto com outras medidas de liberalização do sistema financeiro, o surgimento de uma fase de ampla dominância mundial das transações financeiras, estabelecendo a hegemonia do setor fincaneiro-especulativo no conjunto do sistema econômico contemporâneo. A gestão da economia e das políticas públicas conduziu ao inicio de uma longa fase de liberalização crescente das fronteiras nacionais à livre circulação de mercadorias, do capital financeiro, estritamente, especulativo, rentabilidades desproporcionais para as aplicações financeiras, diminuição da atuação direta do Estado, restrição do investimento público na economia e na sociedade, supremacia das grandes empresas, concentração de capital, “coisificação” do trabalho humano, redução do número de empregos, desestruturação dos movimentos sindicais. Especificamente, na seara trabalhista, as idéias neoliberalistas diminuíram o valor social do trabalho a um outro patamar, meramente utilitarista, o que disseminou a precarização das condições de trabalho através da flexibilização e da desregulamentação excessivas. MAURÍCIO GODINHO 14 avalia os impactos das influencias liberal-monetaristas como uma “mediocrização do desenvolvimento econômico”. Sustenta ainda que embora os EUA influenciem outros países a adotarem medidas liberal-monetaristas, o que se vislumbra, no entanto, é que usualmente os Estados Unidos da América, quer por ousadia quer por sensatez, adotam certas terapias keynesianas em sua economia interna – o que evita as repercussões econômico-sociais devastadoras percebidas em outras regiões do planeta. Cita ainda exemplos de tais “terapias keynesianas”, tais como a concretização por Ronald Reagan, na década de 1980, de elevados investimentos estatais, bem como o estabelecimento oficial de moderadas 13 PLIHON, Dominique. “Desequilíbrios Mundiais e Instabilidade Financeira: a responsabilidade das políticas liberais. Um ponto de vista keynesiano”, in CHESNAIS, François (Coord.), A mundialização Financeira – gênese, custos e riscos, São Paulo: Xamã, 1998, p.100. 14 GODINHO, Maurício Delgado. CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO – Entre o paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução. terceira edição. LTR: São Paulo, 2008. taxas de juros, estabelecida nos governos de Bill Clinton, e George Bush, na década de 1990, e início do século XXI, o que fomentou a elevada demanda agregada na economia, com o conseqüente nível de emprego. Surge também, com a falta da intervenção do Estado na economia, a discussão sobre a responsabilidade social da empresa, que aparece contida em vários dispositivos constitucionais, tais como os artigos 1°, III, artigo 7°, I, XI, XXVII, artigo 11°, artigo 170, III, artigo 193 e 194, todos da Constituição Federal. No contexto constitucional, a liberdade de livre iniciativa está condicionada ao fim da justiça social, e será ilegítima quando exercida com objetivo de puro lucro, e realização pessoal do empresário. Isso, contudo, não quer dizer que é proibido o auferimento de lucro, e tampouco o empreendedorismo na ordem econômica, pelo contrario, justamente para alcançar o seu fim social, a empresa deve articular-se com os demais agentes econômicos a fim de atingir o êxito total do empreendimento. O que se observa na atual conjuntura, é que o lado das conseqüências dramáticas de grandes impactos do império neoliberal de gestão na economia e nas políticas públicas, ou seja, de desregulamentação econômica, gerou, em tempos de crise econômica um menosprezo ao trabalho e ao emprego, com conseqüentes desempregos e subemprego, em prol do superprivilégio ao capital-financeiro especulativo, por este representar, na visão de MAURÍCIO GODINHO, “a moeda, o dinheiro, a riqueza em seu estado puro”. 15 No Brasil, antes mesmo que a crise financeira alcançasse as empresas, sem cumprir a função social a elas impostas, a do pleno emprego, já se programaram para dispensar em massa seus empregados, reivindicando mais flexibilização dos direitos trabalhistas, criando um clima de pânico e tensão para que pudesse favorecer as reformas trabalhistas, que julgam ser necessárias ao desenvolvimento do país. Efetivamente o Estado contemporâneo está pautado na livre iniciativa dos indivíduos e das empresas privadas, além da busca pela valorização do trabalho humano (artigo 170, da CR/88), no entanto, isso por si só não significa ter que abrir mão do ideário de 15 GODINHO, Maurício Delgado. CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO – Entre o paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução. terceira edição. LTR: São Paulo, 2008. construção do cidadão enquanto sujeito individualmente considerado, enquanto inserido na sociedade. Faz-se necessário, portanto, a inserção do Estado na economia de forma subsidiária, como limite de natureza constitucional à atuação abusiva da iniciativa privada, como ocorrido no Brasil e em outros países do mundo, de modo a manter e suportar os anseios do capitalismo laizze faire neoliberal, frente à crise econômica, para que não tome proporções irreversíveis no desenvolvimento da sociedade, e da economia, para que não reste prejudicado o equilíbrio entre a livre iniciativa e a valorização do trabalho humano. Sobre o tema sustenta o juiz trabalhista JORGE LUIZ SOUTO MAIOR Como se vê, nesta primeira alternativa, de viabilidade do capitalismo, a solução dos problemas da crise não se resume à cômoda aceitação da intervenção do Estado na lógica de mercado. É preciso que o sentido ético se insira na ordem produtiva. Por exemplo, de nada servem as iniciativas de incentivo à produção ou à construção civil, se os produtos e obras se realizarem por intermédio de mecanismos de supressão dos direitos dos trabalhadores, pois que isso, alem de significar desrespeito à ordem jurídica, representa também, uma forma de agressão ao ser humano, quebrando assim, toda possibilidade de pacto social. Para implementação desse projeto, já inscrito na Constituição brasileira, exercem papel decisivo a parcela consciente do empresariado nacional, alem do Estado e do mercado consumidor a partir de uma atitude à base de sanções e prêmios. Há quem afirme que a intervenção do Estado foi o caminho mais acertado para que o Brasil pudesse sair de forma rápida da crise financeira. Sustentou também o presidente Luiz Inácio Lula da Silva que o “Estado aparece como a única resposta confiável à irracionalidade econômica para a qual foi conduzida a humanidade pelos mercados”. 16 No entanto, dificilmente, essa tese irá se confirmar. Em crítica ao comentário do presidente Lula e aos que defendem o retorno do intervencionismo estatal, o economista e ex-Ministro da Fazenda em 1988/1990 MAÍLSON FERREIRA DA NÓBREGA, em artigo publicado pela revista VEJA, em 15/05/2010 afirmou que O Estado não assumiu nem assumira papel novo na economia. Suas funções de regulador do sistema financeiro é que serão revistas, como ocorreu após as crises financeiras que irromperam em média a cada dez anos desde o século XVII. A ação estatal na crise seguiu os manuais de economia. Ninguém de bom senso – de direita ou esquerda – defendeu o retorno do controle estatal de 16 NÓBREGA, Maílson Ferreira. Crise Européia: a esquerda está órfã de novo, in VEJA, 15/05/2010. bancos ou de empresas de siderurgia, transporte, comunicações, mineração, aviação, e outras... A turbulência despertou arcaicos instintos. Juras de amor ao “estado forte”. O cadáver Telebrás será ressuscitado. Houve clara má interpretação das ações dos países ricos durante a crise. A idéia nunca foi restabelecer o intervencionismo. Por outro lado, defende JOSEPH E. STIGLITZ que é absolutamente relevante o papel do Estado, que não deve deixar de intervir nas relações econômicas. Não deve aceitar pura e simplesmente as receitas postas por órgãos internacionais como o FMI. 17 Neste sentido, sustenta, TÉRCIO ROBERTO PEIXOTO SOUZA 18 , que não há uma formula mágica para a consecução de determinados fins. Cada país possui sua matriz econômica, sua história, sua cultura e suas relações comerciais. De outro lado, o mero crescimento econômico não representa uma melhor vida dos cidadãos desses países. Diante da discussão pelo retorno das políticas intervencionistas, no mundo imantado pelos ideais neoliberais, não podemos olvidar, em tempos de crise econômica, que o ordenamento jurídico pátrio atribuiu uma tutela especial ao valor do trabalho na Constituição Federal, como expressão primordial da proteção ao pleno emprego e à dignidade da pessoa humana, principalmente frente ao modo de produção dentro de uma economia liberalizada. Assim, os Estados devem adotar quaisquer mínimos contra-pesos keynesianos à hegemonia ultraliberal, de modo a assegurar a tutela mínima garantida pela Constituição Federal: pleno emprego e dignidade da pessoa humana. No entanto, compete aos juristas saberem até que ponto é salutar essa intervenção do Estado na economia. A crise não é do direito de trabalho e sim uma crise econômica. Há necessidade de encontrarmos um equilíbrio que não tire a proteção dos direitos dos trabalhadores e, por outro lado que não acabe com a competitividade das empresas. In suma, as crises econômicas é uma realidade periódica do sistema capitalista. Se as leis do mercado fossem perfeitas, não haveria a necessidade de intervenção do Estado. 17 STIGLITZ, JOSEPH E. A globalização e seus malefícios. SOUZA, Tércio Roberto Peixoto, in Revista de Direito do Trabalho 2008 – RDT 130, Flexibilização trabalhista: entre pleno emprego e o direito fundamental do trabalhador, Belo Horizonte, 2008. 18 De um lado nos temos um liberalismo econômico, em que a auto-regulação do mercado é o suficiente para solucionar os problemas decorrentes do capitalismo e relações humanas, por meio da mão-invisivel na economia. Por outro lado, nos temos o intervencionismo de John Maynard Keynes, em que o Estado assume a atividade econômica. Segundo o ministro do Tribunal Superior do Trabalho, em palestra sobre a crise econômica, em 21/06/2010, IVES GANDRA FILHO 19 , “o Estado é o pior empreendedor, porque não sabe gerir. Uma coisa é o Estado assumir alguma atividade, tais como segurança, a justiça, que lhes são próprios. O Estado tem que trabalhar de forma subsidiária”. O Estado deve, portanto, intervir na economia para superar as crises econômicas, mas não pode substituir a iniciativa privada, ou retirar competitividade por excesso de regramento. Segundo JOSÉ AFONSO DA SILVA 20 , o Estado brasileiro é capitalista, mas a ordem econômica atribui absoluta relevância aos valores do trabalho humano. E essa prioridade tem o sentido de orientar a intervenção do Estado na economia. 3- DEMISSÕES EM MASSA: PODER POTESTATIVO UNILATERAL DO EMPREGADOR X VIOLÊNCIA DO PLENO EMPREGO Ab initio, a expressão “pleno emprego”, a uma primeira vista, diz respeito à política econômica relativa ao trabalho, mais especificamente ao mercado de trabalho. Entretanto, a sua formulação primordial, keynesiana, “pleno emprego” significa pleno aproveitamento dos potenciais que uma determinada realidade econômica oferece. Por poucas palavras, a inspiração do artigo 170, inciso VIII, da Constituição Federal não visa apenas, apresentar o norte para a eliminação do problema do desemprego, como também para se evitar o desperdício, dos recursos humanos e 19 20 Em palestra proferida no 50° Congresso de Direito do Trabalho, em 21/06/2010, São Paulo. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional. 13. Ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 720 materiais disponíveis para que se chegue a uma realidade de desenvolvimento econômico e social, consoante os fins estabelecidos no caput do mesmo artigo 170. Sobre o tema, leciona JOSÉ AFONSO DA SILVA 21 que o pleno emprego é a expressão abrangente da utilização, ao grau máximo, de todos os recursos produtivos. Trata-se da utilização máxima da força de trabalho capaz. Ele se harmoniza, assim com a regra de que a ordem econômica se funda na valorização do trabalho humano. Isto porque querse que o trabalho seja a base do sistema econômico, receba o tratamento de principal fator de produção e participe do produto da riqueza e da renda em proporção de sua posição na ordem econômica. Como diz ANDRÉ RAMOS TAVARES 22 “a necessidade de introduzir o referido dispositivo decorreu do reconhecimento do desemprego que aflige o país e traduz uma opção contraria de constituinte, ao capitalismo e liberalismo clássico”. Segundo EROS GRAU 23 “a propriedade dotada de função social obriga o proprietário ou titular do poder de controle sobre ela ao exercício desse direito-função (poder-dever), até para que se esteja a realizar o pleno emprego”. Importante ressaltar que, em uma das oportunidades em que se pronunciou acerca do conteúdo da clausula do pleno emprego, o excelso Supremo Tribunal Federal se posicionou no sentido de que, por conta do aludido princípio, deve ser protegida não apenas as condições através das quais o trabalho é desenvolvido, previstas explicitamente em todo o sistema constitucional, notadamente no artigo 7°, mas a própria manutenção dos postos de trabalho. O cenário mundial atual fez surgir uma acirrada discussão acerca da legalidade da dispensa em massa, em que de um lado figura-se o direito potestativo do empregador dispensar coletivamente, e de outro está a obrigatoriedade ou não da negociação coletiva para a validação das demissões em massa, sem perder de vista a violência ou não do principio do pleno emprego, assegurado constitucionalmente. 21 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional. 13. Ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 728 TAVARES, Andre Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003. P. 217. 23 APUD TAVARES, Andre Ramos. Direito constitucional econômico, cit. P. 229. 22 Importante esclarecer que o capitalismo é um sistema econômico caracterizado fundamentalmente pela relação de trabalho assalariada, na qual se encontram, em desigualdade de poder no mercado de trabalho, pessoas que detêm o capital e pessoas que, para sobreviverem, dependem exclusivamente da venda sistemática de sua força de trabalho. Por esse motivo, o emprego assume importância vital aos trabalhadores e para o sistema capitalista. No Brasil, antes mesmo que a crise financeira ameaçasse a estrutura das empresas, sem cumprir a função social a elas impostas e a política do pleno emprego, já se programaram para dispensar em massa seus empregados, reivindicando mais flexibilização dos direitos trabalhistas, criando um clima de pânico e tensão para que pudesse favorecer as reformas trabalhistas, que julgam ser necessárias ao desenvolvimento do país. Em que pese o esforço do governo federal para conter os efeitos devastadores da crise econômica no país, o presidente da Vale do Rio Doce veio a público, em outubro de 2008, e reivindicou, uma flexibilização das leis trabalhistas do país, como uma forma de combater os efeitos da crise financeira, ao mesmo tempo em que dispensava 1.300 de seus empregados, apesar dos incomensuráveis lucros acumulados nos últimos anos. Não bastasse, por conta da alegada crise, em 2009, apresentou, no primeiro bimestre, lucros recordes após dispensar centenas de trabalhadores. Em um contexto de crise inicia-se sempre um choque de interesses entre empregados e empregadores, pois suas necessidades são antagônicas. De um lado, nós temos a empresa, que luta pela livre iniciativa assegurada constitucionalmente, desejando se manter saudável em momentos de crise. De outro lado, temos a massa de trabalhadores, que querem manter seus postos de trabalho para viabilizar o sustento próprio e de sua família. Neste caso, faz-se necessário adotar medidas para harmonizar os interesses opostos entre as partes, porquanto, sem emprego, os trabalhadores não consomem, e sem consumo, não há lucro para as empresas, e, logo, não há dinheiro em circulação, que por sua vez, gera escassez de dinheiro na economia, diminuindo a concessão de créditos pelos Bancos, inviabilizando o crescimento de alguns setores, gerando a recessão econômica. Vale ressaltar que as empresas possuem papel muito importante na economia, e para a sociedade, na medida em que circula produtos e serviços, gera, por conseguinte, receitas e emprego para o país, inserindo os trabalhadores no mercado de consumo, democratizando o acesso às riquezas. Ocorre que as empresas jamais irão admitir diminuir seus lucros, em prol da função social e da preservação do pleno emprego, preferindo transferir todo os prejuízos com os seus empregados. Logo, submete-los a compor uma lide por uma solução que ensejará prejuízo, mesmo que ínfimo, será quase que impossível. Por isso, nós assistimos algumas demissões em massa de empregados ou até mesmo a flexibilização ainda maior dos direitos dos trabalhadores por meio de normas coletivas que muitas vezes são abusivas, prevendo renúncias de direitos indisponíveis, o que é vedado pelo Direito do Trabalho. Com efeito, aumentaram os movimentos empresários para flexibilização das normas heterônomas trabalhistas, por isso torna-se fundamental preservar o caráter protetivo do Direito do Trabalho e de seus institutos, a fim de equilibrar a assimetria de forças que caracteriza as relações de emprego, sobretudo em períodos de descompasso entre a produção e o consumo e de “desalavancagem” da economia. A realidade atual é que não existe em nosso ordenamento jurídico alguma legislação que proíba as demissões em massa, pois a empresa detém o poder diretivo e regulamentar do seu empreendimento, podendo demitir unilateralmente. No entanto, estabelece o artigo 170, III, da Constituição Federal que deverá a empresa observar a função social da propriedade, bem como o pleno emprego, fator importante para a manutenção equilibrada da economia e do bom funcionamento estatal. Além do mais, nos grandes noticiários de todo o país iniciaram-se propagandas para a procura de meios jurídicos que pudessem ser usados pelas empresas para conter a disseminação do caos financeiro tais como: suspensão do contrato de trabalho, redução salarial por negociação coletiva e dispensas coletivas, e muitos foram, em concreto os efeitos produzidos nesta direção. Fruto nefasto do quadro exposto acima é a negociação coletiva em detrimento do trabalhador, voltada para beneficiar a empresa e mais, amplamente, o mercado e o sistema econômico e financeiro vigente, olvidando-se que cada direito trabalhista conquistado foi fruto de uma época de lutas e grandes reivindicações sociais. Lado outro, sobre o assunto o Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ministro Milton Moura França, sugeriu que a negociação coletiva pode ser utilizada para reduzir direitos trabalhistas legalmente previstos, gerando, por outro lado, segundo JORGE LUIZ SOUTO MAIOR 24 , isso pode acarretar “um tremor considerável na idéia de se apresentar como viável o projeto de uma sociedade capitalista desenvolvida a partir de um pacto de solidariedade, sobretudo por conta das incoerências, que se mostram às claras na presente crise”. Essa corrida passando por cima dos direitos fundamentais e indisponíveis trabalhistas é totalmente injustificável,e JORGE LUIZ SOUTO MAIOR 25 identifica três motivos: Primeiro, porque não estando o custo do trabalho na origem da crise, nada autoriza dizer que a sua redução possa ser fator determinante para que a crise seja suplantada. Segundo, porque já se pode verificar o quanto se apresentou precipitada e oportunista tal atitude. Com efeito, em fevereiro de 2009, registrou-se um aumento do nível de emprego formal, sobretudo nos setores de serviços; construção civil; agricultura e administração pública². A própria Companhia Vale do Rio Doce, que iniciou esse movimento irresponsável, se viu obrigada a informar que no quarto trimestre de 2008, quando anunciou dispensas coletivas de trabalhadores, obteve um lucro líquido de R$10,449 bilhões, o que representa um aumento de 136,8% em relação ao mesmo período do ano anterior, quando a empresa obteve um lucro líquido de R$ 4,411 bilhões. A Bovespa acumula alta de 11% no mês de março de 2009³. A venda de automóveis, segundo se argumenta, em razão da redução do IPI, sofreu um aumento de 11%4. As vendas do comércio varejista subiram 1,4% em janeiro com relação a dezembro do ano passado, segundo noticiou o IBGE. Nos últimos 12 meses até janeiro de 2009, as vendas do varejo nacional acumulam alta de 8,7%. A EMBRAER, que dispensou 4.200 empregados, está sob investigação do Ministério do Trabalho, acusada de ter fornecido bônus de R$50 milhões a 12 diretores e de ter efetuado a contratação de 200 empregados terceirizados (fatos negados pela EMBRAER como verdadeiros). Em terceiro lugar, mesmo que a crise fosse o que se apresentava – e ainda há dúvidas quanto ao que possa efetivamente ser – é grave, de todo modo, 24 MAIOR, Jorge Luiz Souto, Yes, nós temos sociedade e direito! Revista jurídica Consulex – Ano XIII. Nº 294 - 15 de abril de 2009, Belo Horizonte. 25 Idem, ibidem. a ausência de uma compreensão histórica. Ora, os argumentos de dificuldade econômica das empresas; a alegação de que elas seriam obrigadas a fechar se fossem obrigadas a dar aumento de salário ou estabelecer melhores condições aos trabalhadores, sobretudo no que tange a limitação da jornada, salário mínimo e férias; que é melhor um trabalho qualquer a nenhum; que é mais saudável para as crianças de 05 a 10 anos se dedicarem à disciplina do trabalho subordinado durante 8 ou mais horas por dia do que ficarem nas ruas desocupadas; que é preciso primeiro propiciar o sucesso econômico das empresas de forma sólida para somente depois pensar em uma possível e progressiva distribuição da riqueza produzida; que a livre iniciativa não pode ser obstada pela interferência do Estado; foram uma constante no período de formação da Revolução Industrial e se reproduziram por mais de cem anos até que em 1914, sem qualquer possibilidade concreta de elaboração de um novo arranjo social, o mundo capitalista entrou em colapso. Diante deste impasse entre a falta de regulamentação jurídica que proíba as demissões em massa e a responsabilidade da função social da empresa, bem como o respeito ao pleno emprego, torna-se importante, buscarmos instrumentos alternativos para a solução, e a melhor opção, é a negociação prévia, por intermédio dos sindicatos, já que as demissões em massa não podem ser a primeira e única alternativa do empregador para superar os problemas de direção e comando em tempos de conjuntura econômica desfavorável e instável. Os sindicatos são, portanto, entes representativos de classes que possuem direitos, garantias e deveres assegurados por lei e com objetivos comuns de tutelarem os interesses de seus membros. JORGE LUIZ SOUTO MAIOR 26 destaca que o papel importante dos sindicatos é o de dar corpo e configuração à consciência de classe dos trabalhadores, possibilitando uma luta mais organizada e com maior força negocial em direção a conquistas mais abrangentes, generalizáveis, que possibilitem a melhoria das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores como todo. Assim, por intermédio dos sindicatos a negociação coletiva serve para melhorar as condições de vida, de salário e trabalho, não podendo servir de instrumento para a pactuacão coletiva que reduza, suprima ou modifique in pejus direitos laborais já assegurados, e que guardem relação, mesmo que indireta, com os direitos humanos e fundamentais. As flexibilizações dos direitos pátrios devem respeitar o mínimo 26 MAIOR, Jorge Luiz Souto, Yes, nós temos sociedade e direito! Revista jurídica Consulex – Ano XIII. Nº 294 - 15 de abril de 2009, Belo Horizonte. existencial, o patamar mínimo da dignidade da pessoa humana, sem olvidar que o abuso do direito se equipara a ato ilícito (artigo 187 do Código Civil), gerando nulidade da negociação coletiva abusiva. Alerta ISABELA PARELLI HADDAD FLAITT27 a crise econômica é a pedra de toque da flexibilização dos demais direitos trabalhistas, isto é, não sendo comprovada a real dificuldade econômica da empresa, não há que falar em redução ou flexibilização de direitos. Não havendo crise a empresa deve cumprir com todas as suas obrigações integralmente, deve respeitar todos os direitos trabalhistas. O que se espera ansiosamente é que as empresas parem de visar apenas o lucro e passem realmente a respeitar os trabalhadores e seus direitos, cumprindo adequadamente, a função social que lhes é imposta pela Carta Constitucional (artigo 170, III), pois antes de serem trabalhadores essas pessoas são seres humanos, que têm o direito de viver com o mínimo de dignidade, o principio dos princípios, fundamento basilar de nosso Estado Democrático de Direito. Neste contexto, em 04-02-2009 foi divulgada pela Procuradoria Regional do Trabalho da 2º Região “manifestação oficial do Ministério Publico do Trabalho sobre flexibilização” 28 , em que foi reconhecida expressamente que os sindicatos podem utilizar instrumentos e medidas emergenciais, de comum acordo com as empresas ou sindicatos patronais, visando a manutenção dos postos de trabalho, com o objetivo de evitar qualquer impacto social, recomendando que nas negociações coletivas que envolvam redução de jornada, seja levado em consideração os direitos trabalhistas mínimos, devendo se ater aos seguintes aspectos: 1. As entidades sindicais podem ajustar medidas emergenciais, de comum acordo com as empresas, que visem à preservação dos empregos, sempre fundadas em critérios objetivos e visando o menor impacto social. 2. Neste ajuste, deve a Lei nº 4.923/1965 ser integralmente cumprida, com atenção especial aos seguintes aspectos: 27 FLAITT, Isabela Parelli Haddad. A crise mundial e suas conseqüências para o mundo do trabalho in Suplemento Trabalhista, São Paulo: LTR, 2009. 28 PRIMEIRA MANIFESTAÇÃO OFICIAL DO MPT SOBRE FLEXIBILIZAÇÃO, acessada em 20/06/2010, http://www.prt2.mpt.gov.br/imprensa/noticia_detalhe.php?seq=393 a) os acordos ou convenções coletivas que prevejam a redução de jornada e consequente redução salarial devem ser, necessariamente, frutos de negociação coletiva, com a participação da categoria interessada, por meio de assembléia geral, em que seus termos sejam aprovados por maioria de votos dos empregados interessados, sindicalizados ou não. b) a redução salarial deve ocorrer pelo prazo máximo de 3 (três) meses, prorrogável nas mesmas condições e se ainda indispensável, em face do estado financeiro emergencial da empresa; c) as remunerações, pro labore e gratificações de gerentes e diretores devem ser reduzidas na mesma proporção aplicada aos empregados. d) a celebração desses acordos e convenções coletivas devem submeter-se à prévia e inequívoca comprovação documental (insuficiência econômica, financeira e patrimonial, que inviabilize a manutenção de postos de trabalho) às entidades sindicais, por parte das empresas interessadas, dando conta de sua situação econômica emergencial. e) Durante a vigência desses acordos coletivos e convenções coletivas, fica vedado o trabalho em sobre-jornada decorrente de incremento de produção. f) Situações emergenciais que impliquem em acréscimos da jornada, assim como, as decorrentes de força maior serão objeto de negociação. g) Os acordos coletivos e as convenções coletivas para esse fim firmadas deverão ser depositadas no Ministério do Trabalho e Emprego, em atenção ao cumprimento da Lei. 3. Os acordos e convenções coletivas para tal fim devem ser, preferencialmente antes de firmados, enviados ao Ministério Público do Trabalho para a devida análise. Portanto, devem os sindicatos envolvidos na negociação coletiva procurar instrumentos diversos para o enfrentamento da crise, sem que isso acarrete na resolução coletiva dos contratos de trabalho, sem, contudo, mitigar os direitos dos trabalhadores. Lado outro, aceitar sem quaisquer ressalva a dispensa coletiva sem prévia negociação coletiva e injustificada viola vários preceitos da Constituição de 1988 da dignidade da pessoa humana, valor social do trabalho, valor social da livre iniciativa, a busca pelo pleno emprego, alem de contrariar objetivos específicos da nossa Lei Maior que são do de construir uma sociedade justa e solidária e erradicar a pobreza e a marginalização, alem de reduzir as desigualdades sociais e regionais. Portanto, o fundamento utilizado pelo setor empresarial de dificuldade econômica para sustentar as demissões em massa não antecede à formação dos direitos sociais, que já estiveram presentes na formação do capitalismo, e, quando a situação de crise financeira era uma evidencia indubitável, não foram válidos para impedir o aparecimento dos direitos trabalhistas, o que significa que o Direito do Trabalho tem razão de ser exatamente em tempos de crise econômica, servindo como um paradigma de um modelo de reestruturação social. Em artigo publicado em 10/04/2009, MARIA CECÍLIA MÁXIMO TEODORO 29 critica os atos unilaterais e injustificados patronais e alerta sobre os problemas sociais, sustentando que Questionam-se os atos das empresas em demitir inúmeros trabalhadores em curto período de tempo, sob o pretexto da inviabilidade econômica e financeira de manter os postos de trabalho diante da crise, optando por unilateralmente e na surdina “decidir”pela redução de empregos e encargos sociais, o que se designa por “dispensa coletiva dos trabalhadores, ou dispensa em massa ou demissão em massa dos trabalhadores”, e assim por diante. O problema social das demissões coletivas se agrava quando a empresa (“não social”) utiliza-se do subterfúgio de não avisar, de não negociar, de não encontrar alternativas por meio da negociação coletiva junto ao sindicato representante da categoria para evitar as demissões. É inconteste que o modo oportunista de proceder de algumas empresas em desconsiderar o interesse de toda a comunidade, constrangendo sindicatos a fim de auferir a redução/ flexibilização de direitos trabalhistas, alem de pressionar o Estado para obter incentivos fiscais, acabou gerando uma reação de modo inesperado do Judiciário, frente às atitudes patronais de rescindirem unilateralmente contratos de trabalho. Portanto, a necessidade de combater os constantes abusos no poder econômico, na livre iniciativa desregrada, no poder potestativo unilateral empresário, pode conduzir uma sociedade mais justa e solidária. Mesmo diante de uma crise mundial, o Poder Econômico empresarial deve observar os limites da boafé e da função social da empresa. A jurisdição estatal trabalhista em duas relevantes decisões proferidas pelo TRT 2° Região, Relator Desembargador Ivani Contini Bramante, e da 15° Região pelo Relator Desembargador José Antonio Pancotti abriram as portas do judiciário para a avaliação de mérito sobre as dispensas coletivas, em que restou determinado a observância da prévia negociação coletiva, anulando a dispensa imotivada e coletiva dos trabalhadores, de forma a evitar grandes impactos sociais. Na decisão da 15° Região restou determinado a indenização aos trabalhadores de dois salários mínimos, além das verbas resilitórias, manutenção por um ano de plano de saúde, preferência por até dois anos de recontratação, além de manutenção das liminares concedidas suspendendo as rescisões dos contratos, o que, entretanto, foi modificada pelo colendo Tribunal Superior do Trabalho. Sustenta MARIA CECÍLIA MÁXIMO TEODORO 30 que As decisões mencionadas são difusoras no sistema jurídico pátrio, mas os egrégios TRT’s ao concluírem pelo vício no negócio jurídico e pela ilicitude na conduta dos agentes envolvidos restringiram-se, pois: ou determinaram as empresas a indenizar os obreiros (com diversas 29 TEODORO, Maria Cecília Máximo, SILVA, Aarão Miranda da Silva, Exigibilidade: Nas demissões massivas é imprescindível a negociação coletiva prévia. Acessado em 22/03/2010. http://www.fazer.com.br/layouts/abrat/default2.asp?cod_materia=2667 30 TEODORO, Maria Cecília Máximo, SILVA, Aarão Miranda da Silva, Exigibilidade: Nas demissões massivas é imprescindível a negociação coletiva prévia. Acessado em 22/03/2010. http://www.fazer.com.br/layouts/abrat/default2.asp?cod_materia=2667 formas), ou remeteram as partes a um acordo específico para as demissões. Outros mecanismos jurídicos poderiam ter sido utilizados e mais efetividade às normas trabalhistas alcançadas, incluindo, aplicações de sanções às empresas. Porém, o marco difusor foi a consideração e evidencialidade pacífica de abusividade e ilicitude nas condutas dos empregadores em praticarem as demissões em massa, e sempre unilaterais. Conforme estabelece o artigo 170, da Constituição Federal, a ordem econômica deve ser fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos existência digna, consoante os ditames da justiça social, observando os seguintes princípios: propriedade privada, função social da propriedade, livre concorrência, redução das desigualdades regionais e sociais, e a busca pelo pleno emprego. Em síntese, a nossa Carta Constitucional não tem letra morta, portanto deve ser realizada a interpretação harmônica destes princípios e normas com os artigos introdutórios da Constituição Federal (artigos 1° ao 11°), o que permite concluir que o caminho a ser seguido é o do bem comum, das condições igualitárias, do bem estar social, da dignidade da pessoa humana, do pleno emprego (trabalho digno), da paz social, dentre outros, sempre valorizando a busca pelo equilíbrio de forças. 4- A ORDEM ECONÔMICA E O VALOR SOCIAL DO TRABALHO De conformidade com o artigo 1°, inciso IV, da Constituição Federal é possível vislumbrar o valor social atribuído ao trabalho como sendo um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, e por sua vez, como conseqüência, o constituinte elencou no artigo 7° da carta constitucional, alguns direitos reputados como fundamentais, visando assegurar um piso, um conjunto mínimo de condições para o regular desenvolvimento das relações de trabalho, de modo a construir uma sociedade livre, justa e igualitária. Neste contexto principiológico do valor do trabalho no âmbito constitucional, deve ser levado em consideração as previsões que estabelecem o artigo 170 da Constituição Federal, em que restou evidente que a opção do constituinte foi por uma economia de mercado, de natureza eminentemente capitalista, mas com a cautela de se preservar os valores do trabalho humano sobre os demais, nesta mesma economia. Para MANOEL JORGE E SILVA NETO 31 “a livre iniciativa deve ser compatibilizada à valorização do trabalho humano, de forma que o trabalhador não seja, de maneira alguma, assumindo friamente, como mero fator produtivo, mas como fonte de realização moral e material do trabalhador”. Conforme visto em capítulos anteriores, a busca pela conquista de mercados sem restrições às fronteiras nacional, aliado ao fenômeno político e cultura de interdependência e ao fenômeno financeiro tem causado sérios impactos nos relacionamentos sociais, e, por conseguinte, ao valor do trabalho em nossa ordem econômica. Tal fenômeno se caracteriza por uma economia em tempo real, em escala planetária, segundo afirma TÉRCIO ROBERTO PEIXOTO SOUZA 32 . Como facilmente se observa, o direito do trabalho possui relação direta e interligada com o quanto exposto. A constante busca pela flexibilização do Direito do Trabalho por regras mais flexíveis, menos rígidas e mais maleáveis, passaram a ser insistentemente priorizada pelos empresários como instrumento de barateamento de produtos e serviços, tornando-os mais competitivos mundo afora, em detrimento dos direitos trabalhistas conquistados ao longo de muitos anos de reivindicações. Por um outro lado, as alterações de algumas regras dos contratos de trabalho seriam instrumentos legítimos para aumentar a competitividade dos produtos e serviços colocados no mercado mundial, e, com efeito, seria um instrumento adequado para a manutenção dos postos de trabalho, em um mercado globalizado. Neste sentido, alerta LUIZ CARLOS AMORIM ROBORTELLA 33 que a flexibilidade é uma exigência do mundo do trabalho, facilitando a adaptação às diferentes exigências do mundo do trabalho, facilitando a adaptação às diferentes realidades, macro e micro-econômicas, das nações e das empresas, atendendo ao anseio individual de cada trabalhador que, em maior ou menor grau, no horizonte do possível, prefere libertar-se da estrutura rígida e hierarquizada, para buscar outras formas de realização pessoal, profissional e familiar. Ou seja, o aparente choque entre a noção de Estado Social e a liberdade de empresa são duas vertentes de uma mesma questão que entram em conflito na delimitação dos direitos sociais. O verdadeiro questionamento cinge-se, no entanto, nos limites das flexibilizações para justificar a inserção do país na globalização e com isso na competitividade 31 SILVA NETO, Manoel Jorge. Direitos fundamentais e o contrato do trabalho. São Paulo: LTR, 2005, p. 24. 32 SOUZA, Tércio Roberto Peixoto, in Revista de Direito do Trabalho 2008 – RDT 130, Flexibilização trabalhista: entre pleno emprego e o direito fundamental do trabalhador, Belo Horizonte, 2008. 33 ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. Flexibilização da norma constitucional e garantia de emprego. IN: SILVA NETO, Manoel Jorge. Constituição e trabalho.São Paulo: LTR, 1998. acirrada a nível planetário, sem que para tanto, coloque em cheque os direitos fundamentais trabalhistas, consagrados na Constituição Federal, por meio longas reivindicações e lentas conquistas. Vale lembrar que a máxima valorização do trabalho humano e o princípio do pleno emprego estão resguardados no Texto Constitucional, os quais impõem não somente a manutenção de condições mínimas de sobrevivência dos trabalhadores, mas igualmente a melhoria das próprias relações de trabalho entre os agentes econômicos. Com isso, diante do inegável efeito decorrente da globalização, conforme vimos, parece legítima a flexibilização de alguns direitos dos trabalhadores afim de que a empresa possa prosseguir nas suas atividades empresarias, conforme faculta a Constituição Federal. Baseado no pleno emprego pode-se afirmar que não somente é permitida, mas impositiva a utilização máxima de todos os instrumentos e meios para a plena produção e melhoria das condições de vida dos cidadãos, e dentre estes instrumentos, está a própria flexibilização. Em síntese, não se pode tolerar a flexibilização que viole as condições de trabalho gerando repercussão em direito reputados indisponíveis, ou afetos diretamente à própria condição do ser humano e de cidadão trabalhador. 5- CONCLUSÃO Apesar de a crise econômica não ser mais uma questão central de discussão, diante dos noticiários que anunciam o crescimento recorde brasileiro, que deverá alcançar um patamar de crescimento de 6 a 7% este ano, com a conseqüente queda da taxa de desemprego e índices nunca vistos na economia brasileira, não podemos olvidar, no entanto, que a atual política econômica gerou e pode gerar ainda mais distorções no valor social do trabalho. Vale lembrar, que o Brasil precisa não é de crescimento recorde industrial, e sim buscar mecanismos para fortalecermos o capital-humano e, por conseguinte, o desenvolvimento social, caso contrário, o crescimento irá se estagnar por falta de mãode-obra qualificada, e por não haver meios de escoamento da produção e riquezas, já que o país é carente de rodovias, ferrovias e portos. Isto significa que o mercado interno ficará abarrotado de mercadorias, diante da incompatibilidade do crescimento das exportações, já que não haverá consumidores para a absorção de tantos produtos e serviços, em razão da desvalorização constante da mão-de-obra, gerando um círculo vicioso, em que não há socialização dos lucros e tão somente dos prejuízos, conforme vimos com as demissões em massa, ao fundamento de crise econômica. A crise financeira mundial nos faz repensar a economia brasileira, que está impregnada das idéias neoliberais, clamando por um novo marco regulatório que venha impedir, ou limitar, a ação capitalista sobre as relações sociais através da constante precarização da mão de obra. Insta ressaltar que a história nos mostra que o sistema capitalismo é um movimento pendular constante, e que a cada ciclo, os direitos outrora conquistados são flexibilizados para melhor adaptação ao meio e situação econômica em que vivemos. MÁRCIO POCHMANN 34 analisa que vivemos um momento de transição. Resta apenas pensar em que nova promessa de modernização iremos nos apegar, e se ela será capaz de realizar o ideal civilizatório que até aqui não conseguimos levar a bom termo. 6- BIBLIOGRAFIA BOFF, Leonardo. Ética e Moral: a busca dos fundamentos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003 BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. 7. Ed.2.tir. São Paulo: Malheiros, 2004 BUITONI, Ademir. 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