análise ocupacional das dunas dos ingleses

XIV SIMGeo
Simpósio de Geografia da UDESC
2º SEMINÁRIO NACIONAL DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
ÁREA TEMÁTICA: PLANEJAMENTO TERRITORIAL, PLANEJAMENTO
URBANO
ANÁLISE OCUPACIONAL DAS DUNAS DOS INGLESES
Raphael Meira Knabben1
Michelle Martins de Oliveira2
Maurício Aurélio dos Santos3
Resumo
O processo de ocupação territorial do Brasil caracterizou-se pela falta de planejamento e
consequente destruição dos recursos naturais. Ao longo da história da nação, a cobertura
florestal nativa, representada por diferentes biomas, foi muito fragmentada, cedendo espaço
para culturas agrícolas, pastagens e as cidades. Florianópolis vem passando por um período de
urbanização crescente e seus ambientes naturais estão sendo visados por especuladores
imobiliários, empresários do turismo. Além da ocupação indevida realizada por pessoas de
baixa renda que vieram, e ainda vêm, chamadas pela propaganda anunciada de que a cidade é
a capital com melhor qualidade de vida, essas pessoas são alguns dos principais ocupantes de
áreas vulneráveis como margens dos rios e ambientes dunários, como encontrados no bairro
dos Ingleses. Através dessas razões, a localidade em questão se apresenta com todos esses
aspectos para analisar. As dunas dos Ingleses são ocupadas por famílias de baixa renda que
não tiveram oportunidade ou interesse de se deslocarem dali.
Palavras-chave: Ingleses, Dunas, Ocupação.
Abstract
The process of territorial occupancy of Brasil was characterized by the lack of planning and
consequent destruction of naturals resources. Throughout the nation’s history, the native
forest, represented by different biomes, was very fragmented, giving space for crops, pastures
and the cities. Florianópolis has been undergoing a period of increasing urbanization and her
natural environments are being targeted by real estate speculators, tourism entrepreneurs.
Besides the improper occupancy held by low-income people who came, and even come,
attracted by announced advertising that the city is the capital with the better quality of life,
these people are some of the main occupants of vulnerable areas like riverbanks and dune
ambient, like founded at Ingleses. Through these reasons, the place in question presents with
all these aspects to analyze. The dunes of Ingleses are occupied by low-income families that
had no opportunity or interesting to move away from there.
Keywords: Ingleses, Dunes, Occupancy.
1
Graduando do curso de Geografia (Bacharelado e Licenciatura) na Universidade do Estado de Santa Catarina
(UDESC) e bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET) de Geografia da UDESC.
E-mail: [email protected]
2
Bacharela em Geografia pela UDESC e egressa do grupo PET de Geografia da UDESC.
E-mail: [email protected]
3
Doutor em Ciências: História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP) e professor efetivo do
Departamento de Geografia da UDESC. Orientador da presente pesquisa.
E-mail: [email protected]
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Introdução
Ingleses é um bairro localizado no Distrito dos Ingleses do Rio Vermelho no norte
da Ilha de Santa Catarina, mais especificamente na região nordeste. Situa-se há vinte e oito
quilômetros do centro de Florianópolis e apresenta uma área de cinco quilômetros quadrados.
Suas coordenadas estão entre 27°24’ 59’’ e 27°26’38’’ de latitude sul e 48°24’14’’ e
48°22’14’’ de longitude oeste. O bairro apresenta toda a infraestrutura necessária para uma
boa qualidade de vida, com exceção do sistema de saneamento básico, que, aliás, segundo a
Associação Brasileira de Engenharia Sanitária (ABES) de Santa Catarina ocupa o penúltimo
lugar dos estados brasileiros em qualidade de saneamento.
Lugar, como tantos outros em Florianópolis, privilegiado pela sua beleza. O
balneário é formado por uma extensa faixa de areia que se estende por aproximadamente
cinco quilômetros de comprimento e se apresenta densamente povoado. A especulação
imobiliária construiu às margens da praia, causando uma série de discussões e
questionamentos ambientais, entretanto não impediu as construções de ali ocorrer. Os Ingleses
hoje é objeto de estudo de diversos trabalhos científicos, muitos deles analisando seu
crescimento urbano e os problemas ambientais gerados por ele.
O bairro começou como uma vila de pescadores e com a construção de um templo
e de uma escola de acordo com “Fala de Governadores e Presidentes da Província” (1º de
maio de 1849) (MAY, 2001), porém foi só em quatro de dezembro de 1962, pela lei nº. 531
que o Distrito dos Ingleses separou-se em definitivo do Distrito de São João do Rio Vermelho
(NOPES, 2006).
Segundo May (2001) os ex-pescadores não chegam a procurar atividades fora da
comunidade, mas se adaptaram às atividades ligadas a economia turística e de construção
civil, a população encontrada hoje nos Ingleses é formada por “pessoas de fora”, ou seja,
outsiders, por não saberem se adaptar corretamente as condições ambientais dos Ingleses.
Valéria Santos Nunes (2005) em sua monografia complementa isto dizendo que houve um
forte impacto da migração devido à brusca urbanização. Por este motivo muitos tiveram que
abandonar suas atividades de subsistência, começando a disputar com os imigrantes por um
trabalho assalariado para sobreviver. A maioria dos imigrantes, mesmo trabalhando na
informalidade, diz que vive melhor nos Ingleses do que no lugar de onde vieram, porque
conseguem emprego com maior facilidade. (NUNES, 2005)
Foi na década de 1980 que Florianópolis teve o reconhecimento que procurava
investindo no turismo. Foi a partir do título de capital turística do MERCOSUL, que a cidade
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conseguiu o retorno pelos investimentos na área. Através do fomento ao turismo, balneários e
localidades como Santo Antônio de Lisboa, Ratones, Canasvieiras, Cachoeira do Bom Jesus,
Ingleses do Rio Vermelho, São João do Rio Vermelho, Lagoa da Conceição, Ribeirão da Ilha
e Pântano do Sul, antes áreas rurais, foram destinadas por lei como lugares de interesse
turístico. A lei referente é a Lei Municipal nº. 2.193/85 (NOPES, 2006).
Portanto, por causa do processo de adensamento populacional de alguns
balneários, inclusive o dos Ingleses, a atratividade turística fica abalada. Grande parte da área
dos distritos, desde a década de 1980, é destinada a empreendimentos de classe alta (NUNES,
2005). Tais empreendimentos atraem operários e comerciantes em um espaço, que, por ser
uma ilha de relevo marcado por morros, chega a um estágio em que só é possível a
verticalização e a ocupação das áreas declivosas, o que cada vez mais traz os típicos
problemas das grandes cidades. Quando chega a este estágio, toda a área de preservação
ambiental que limita a urbanização é colocada em risco, devido às alterações bruscas do solo.
Inclusive, a maior parte do litoral brasileiro passa pela dificuldade de aliar conservação
ambiental com a intensa urbanização.
Atualmente, nos Ingleses, há: área industrial, comercial, do poder público,
residencial e de veraneio (MAY, 2001). E cada vez mais essas áreas expandem-se. Segundo
dados do IBGE, a taxa de crescimento anual de Florianópolis entre os anos de 1980 e 1991 foi
de 2,38%, enquanto a dos Ingleses é de 7,32% anual. (NOPES, 2006).
Os Ingleses, como outras áreas litorâneas do país, tem seu território disputado por
empresas que visam lucro imediato, negligenciando as áreas de preservação permanente
(APP). A maioria dos moradores, por historicamente terem perdido o contato com a natureza
como meio de subsistência, acabam se sujeitando a mais mudanças no seu habitat pela
necessidade de emprego. Somado ao despreparo técnico de enfrentamento judicial pelo poder
do território pelos residentes, os quais acabam sendo deslocados em favor de uma
responsabilidade social que as empresas têm por empregar é uma possível resposta para a
intensificação da urbanização dos Ingleses.
Sabendo que a pesca, anteriormente o principal meio de subsistência, deu espaço
para o turismo, e que a construção civil também é bem ativa na região constata-se que, se não
houver um controle de urbanização, o turismo pode diminuir consideravelmente ou será
necessário alterar o foco turístico, pois grandes empreendimentos precisam de grandes
estruturas tal como a de transportes, o que pode causar degradação do espaço natural que em
uma localidade muito urbanizada representa um espaço mínimo.
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O bairro Ingleses atualmente tem atraído trabalhadores e veranistas do Paraná e do
Rio Grande do Sul principalmente. Isso corrobora a afirmativa da migração interna no Brasil
destacadamente devido a fatores econômicos. Em escala brasileira a relevância dessa
migração do sul do país é baixa. Porém é importante pensar na infraestrutura necessária para
comportar até mesmo um pequeno número de pessoas que vêm em busca de oportunidades de
trabalho. Muitas dessas pessoas não possuem um local adequado para morar, algumas
acabaram perdendo o contato que possuíam e sem dinheiro para retornarem contribuíram para
construção da Favela do Siri. Para chegar até a Favela do Siri não há sinalização alguma. Há
uma invisibilização da própria favela, e até mesmo da Vila do Arvoredo que é o nome que se
dá a região logo a frente das dunas.
Início da ocupação das dunas
O campo de dunas dos Ingleses se estende por 953,5 hectares, da praia do
Moçambique pela planície do Rio Vermelho até perto da área urbanizada (CARDOSO NETO,
2004). A praia dos Ingleses, como já enfatizado, foi ocupada primeiramente por famílias de
pescadores, os quais exerciam poucas mudanças sobre a dinâmica dunária. Por volta de 1960,
outras famílias de baixa renda começaram a se deslocar para as dunas (NOPES, 2006).
Inclusive, a Vila do Arvoredo, mais conhecida por Favela do Siri, foi ocupada por
trabalhadores de classes desfavorecidas (MAY, 2001).
Sem infraestrutura, com condições precárias, e com risco de soterramentos
constantes, as dunas continuam ocupadas devido à má distribuição de terras, pois a maioria
das pessoas que ocuparam a região não possuem condições financeiras para adquirir um lote
em outras áreas. Prejudicadas pela ação antrópica de retirada da cobertura vegetal, as dunas
que antes haviam se fixado, voltam a se mover.
As pessoas acabam ocupando as regiões das dunas mais do que pela busca pelo
urbano e pelas belezas naturais da Ilha, a falta de escolha é fator essencial, pelo inchaço
urbano e pelo processo de expulsão do campo que sofrem devido aos fortes empresários que
dominam o mercado. A mecanização do campo faz com que sejam necessários menos
trabalhadores na agricultura, isto gera um contingente de desempregados, que acaba buscando
emprego e melhores condições de vida, como não encontram isto no campo, acabam
buscando os centros urbanos.
Outro fator relevante para esse aumento populacional em Ingleses é a condição de
“litoralização” que o Brasil carrega desde a primeira fase da colonização. (NUNES, 2005). As
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principais vias de circulação comercial e de desenvolvimento urbano ficam nas regiões
litorâneas, com isso os maiores núcleos empregatícios encontram-se nos locais de intenso
tráfego e ocupação. Ou seja, tais núcleos servem como ímã para quem precisa de um emprego
para sobreviver e sustentar a família.
Norberto Olmiro Horn Filho (2006) classifica as Dunas dos Ingleses como área
tombada, que são áreas que se destacam pelo interesse ambiental e pela preservação. Ou seja,
não deveria ter família alguma morando na região, o próprio terreno não possui estrutura para
isso. Juntamente com as praias de Canasvieiras e Brava, a praia dos Ingleses é um dos
balneários mais prejudicados pela ação humana (HORN FILHO, 2006).
O maior crescimento populacional nos Ingleses deu-se a partir da década de 1990. Houve
deslocamentos de famílias do oeste catarinense e do Paraná (OLIVEIRA, 1998). Além de
alguns nordestinos, os quais fizeram um caminho mais longo, ao invés de se fixarem no
sudeste, fixaram-se em Florianópolis.
Atual condição das dunas dos Ingleses
Na primeira visita aos Ingleses, no dia 1 de julho de 2010 vimos que uma região
dunária mais interior, um pouco mais distante das praias, foi cortada para ocupação do solo
por construção destinada a classe média, o que se percebe é o avanço de tal prática. O solo
além de fino é utilizado sem cuidado por parte dos moradores. Os resíduos entram em contato
direto com o lençol freático, contaminando toda região. E as enchentes são recorrentes devido
à retirada do solo arenoso, o qual possuía alta permeabilidade.
Houve um grande desequilíbrio do ecossistema ali presente. Os últimos
empreendimentos causaram uma aceleração de todo um processo de sucessivas alterações
sócio-ambientais que já haviam sido despertadas na década de 1960.
Mesmo as regiões de construção legalizada possuem problemas com saneamento,
muitas são por meio de fossas. Além de pousadas e restaurantes que despejam os dejetos
diretamente no mar. Há hotéis a 500 metros da praia, que devido aos fortes ventos são
diariamente invadidos por uma grande quantidade de areia. Moradores disseram que postes já
foram soterrados. Sabe-se que a praia dos Ingleses é uma das praias mais atingidas pelas
ressacas4 em Florianópolis, devido às constantes mudanças do tempo. Com isso observa-se a
falta de planejamento a curto e longo prazo de contenção de danos, pois cada vez mais há
4
Ressaca: Movimento anormal das ondas do mar sobre si mesmas na área de rebentação, causada por rápidas e
violentas mudanças climáticas.
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avanço da ocupação urbana sobre o mar e a construção de mais estradas asfaltadas, além das
trilhas que levam casas que se encontram em áreas de preservação permanente até a praia.
Políticas empregadas pela prefeitura
A prefeitura pode controlar o crescimento populacional, o que não pode é derrubar
as casas. Mesmo tendo o poder de embargar demais construções, o poder público acaba
concedendo partes do território para grandes empreendimentos, os quais prometem devolver
para a sociedade o cumprimento de responsabilidades que deveriam ser do estado, tais como
saneamento. Aparentemente os empreendimentos milionários trazem a infraestrutura
necessária, porém a custos de degradação ambiental, visto as trilhas de desmatamento para
facilitar o acesso dos moradores de tais empreendimentos e a própria construção. Há obras de
contenção para as ressacas, por exemplo, muros que acabam acentuando o processo erosivo.
Entrevistas com a população local
Foram realizadas sete entrevistas com moradores da comunidade. Com o roteiro
utilizado (está no apêndice deste artigo) podemos fazer as seguintes afirmações:
A maioria dos moradores se estabeleceu na Vila do Arvoredo há alguns anos, um dos
entrevistados relatou que a associação formada pelos próprios moradores está fazendo uma
espécie de fiscalização para que não sejam construídas novas residências, estagnando ou
diminuindo o número de casas que lá existem. Porém há o hábito de realizar “puxadinhos”
nas moradias já existentes, o que faz com que o número de moradores cresça. As pessoas que
moram na vila são de baixa renda, muitas vieram atraídas pela menor quantidade de despesas
(aluguel, água, luz), pela planicidade do local, que faz com que os moradores não necessitem
subir inúmeros degraus, pois os locais típicos das favelas são os morros, o que gera
dificuldade para trazer compras, material de construção e móveis, além do desgastante
exercício diário.
Nota-se que grande parte dos moradores não são nativos, nem têm os pais nativos
dos Ingleses. São em geral pessoas que vieram do interior de Santa Catarina ou de outros
estados em busca de emprego e melhores condições de vida. Alguns passaram por diversas
casas de aluguel, mas com a extrema dificuldade de pagar a despesa, era necessário escolher
entre quitá-la ou comprar comida, fazendo com que estas pessoas deixassem as casas de
aluguel e tivessem cada vez o desejo pela casa própria. Este desejo pela casa própria é
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satisfeito quando na atual comunidade, porém na maioria dos casos não há escritura de posse,
embora os donos possuam o contrato de compra e venda do terreno. A prefeitura reprimiu a
comunidade fortemente no início da ocupação (há uns 20 anos), chegando inclusive a retirar
alicerces de casas, hoje em dia as ideias de transferir os moradores de lá são mais pacíficas,
porém aparecem apenas como promessas de ano eleitoral.
Nessas promessas entram também o saneamento básico (o uso de fossas sépticas é
grande) e o acesso legal à luz e água, o máximo que eles possuem é o lixo coletado. A
comunidade está mais consciente sobre os problemas causados pela má destinação do lixo,
organizam-se para depositá-lo em um local específico, onde é coletado. Porém, há relatos que
os moradores da parte mais interior da favela ainda jogam o lixo nas dunas. Os problemas
com alagamentos são vistos como de um passado distante (mais de dez anos). Atualmente há
um vão por onde escoa a água da chuva, esgoto, etc. Fazendo com que o problema de
alagamento seja menos frequente.
Há uma considerável taxa de natalidade neste local, o número de filhos é de
quatro ou cinco em média. Numa residência em que tentamos entrevistar os moradores, nos
deparamos com uma adolescente que disse que não poderia nos atender, pois estava cuidando
dos irmãos menores enquanto a mãe trabalhava, percebe-se esta questão dos irmãos mais
velhos cuidando dos mais novos enquanto os pais trabalham.
Praticamente todas as residências possuem energia elétrica e água clandestinas.
São adquiridas por gambiarras realizadas pelos próprios moradores. Há muitos fios e cabos a
uma baixa altura (menos de dois metros), o que é risco para a comunidade, que pode se ferir.
As quedas de energia não são constantes, e quando ocorrem, são no período noturno. A água
possui uma qualidade mediana, houve relatos que há dias que a água está com cor amarelada,
barrenta, que dá até medo de ingerir, mas como não há outra opção, é consumida.
A ação das dunas não danifica tanto a estrutura das casas, o problema maior é a
limpeza das mesmas, pois quando o vento é muito forte as residências ficam sujas de areia
mesmo após terem sido varridas. Em uma entrevista foi lembrado o ferro velho que fica
próximo às residências dos moradores causa um forte impacto na compactação, o que faz com
que as estruturas das casas tremam.
Quando perguntamos se os moradores já tiveram problemas respiratórios
causados pela areia das dunas, observamos que os moradores ficam em dúvida, muitos não
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sabem o significado desta terminologia. Após exemplificar com tosse, renite ou bronquite,
alguns moradores dizem já ter sofrido com essas enfermidades, porém não correlacionam
estas doenças com a areia das dunas.
Apesar de dizerem gostar do local e já estarem adaptados a morar na Vila do
Arvoredo, os moradores demonstram anseio em sair dali. A falta de políticas públicas para
conseguir transferir as pessoas deste local é evidente, durante os anos eleitorais chovem
promessas, uma moradora relatou que já teve promessa até de construção de apartamentos
próximos à vila, mas que é conversa para angariar votos. Uma dificuldade enfrentada como
morador da Vila do Arvoredo elencada pelos entrevistados é o preconceito. Dizer em uma
entrevista de emprego que é morador da Vila do Arvoredo ou da Favela do Siri é complicado,
disse um entrevistado. Há um preconceito muito grande com os moradores e utilizando as
palavras de uma entrevistada: “Gente ruim tem em todo lugar”.
Talvez os moradores não tenham noção do termo aquífero, mas sabem que há
água embaixo das dunas, pois inclusive disseram que era viável fazer um poço artesiano para
que suas casas tivessem água, porém desconfiam da salubridade da água e optam pela
clandestinidade dos “gatos”. Os moradores não se organizam a respeito do aquífero, porém
são organizados em uma associação de moradores para reivindicar direitos, construção de
moradias, coleta do lixo, entre outras causas.
O problema com grandes quantidades de areia invadindo as casas era maior em
tempos passados, atualmente apenas nas áreas muito interiores da favela que há uma grande
movimentação das dunas, que pode resultar em soterramento de casas. As pessoas plantam
árvores frutíferas como o limoeiro, mas muita vegetação foi retirada e as dunas se movem.
Esta movimentação aumenta com a força do evento, é citado o furacão Catarina que ocorreu
em março de 2004 como uma grande desgraça para a comunidade, quando muitas moradias
foram soterradas pela areia e outras perderam o telhado.
Recuperação ambiental, uma alternativa conclusiva
Não se pode recuperar toda área degradada, porém é possível dar tratamento
adequado a terrenos que sofrem com enchentes. Para recuperar tais lugares da poluição do
lençol freático ao invés da retirada de areia para aplainar é necessário que o governo exija a
reposição de solo. E para a dinâmica dunária ser recuperada deve-se cumprir as leis como, por
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exemplo, o artigo 50 da lei de crimes ambientais de 12/02/1998. Tal artigo diz: “Destruir ou
danificar florestas ou plantas nativas, vegetação fixadoras de dunas ou protetoras de
mangue. Pena: prisão de um a três anos, ou multa, ou ambas”. Não se pode deixar crescer o
número de ocupações em áreas de preservação permanente, afinal mais dejetos serão
produzidos sem destinação correta.
O que deve ser feito inicialmente é fiscalização e controle das residências que
estão presentes na comunidade hoje, para que se saiba quantas pessoas moram ali e como
moram. Com este dado seria possível diminuir o crescimento da Vila do Arvoredo, fazendo
com que pelo menos se estagnasse o impacto. Com fiscalização competente dos órgãos do
município durante certo período, caso aparecessem novas propriedades, as mesmas deveriam
ser desapropriadas, pois estão em área de preservação permanente.
As propriedades existentes antes dessa catalogação deveriam ser mantidas, e esta
população ser movida para outro lugar sem que acarretasse em custo para estes moradores.
Estas pessoas são de condição social mais carente, e estão lá muitas vezes por falta de opção,
este outro lugar para onde as pessoas seriam movidas deveria ser estudado com muita cautela,
diferentemente do que é feito comumente em questões referentes à habitação popular. Tem-se
por hábito colocar conjuntos habitacionais em lugares afastados, segregados, pois há um
senso comum, uma lógica de mercado e um discurso especulativo que “o lugar bom deve ser
para o rico, é para quem pode”, o que acarreta em que quando as pessoas menos favorecidas
têm moradias legais, são financiadas por programas como o Minha Casa Minha Vida 5, que
geralmente são em locais longe de onde essas pessoas moravam anteriormente na ilegalidade,
longe do seu local de trabalho, o que acarreta em toda uma problemática não só para a pessoa,
mas para toda uma questão de planejamento urbano na cidade.
Este medo de acabar morando longe do seu local atual, a Vila do Arvoredo, faz
com que muitos moradores acabem não demonstrando interesse em sair dali, pois já possuem
trabalho próximo, constituíram relações de vizinhança, fora o sentimento de pertencimento à
comunidade. Em entrevista, um deles disse: “Vão tirar a gente daqui e mandar lá para longe,
prefiro ficar aqui aonde só gasto com um ônibus para ir e voltar para o centro”.
Os moradores não tem conhecimento que há um aquífero abaixo de onde estão
suas casas, aquífero este que abastece a região. Sem saneamento básico, quase todas as casas
5
O Programa Minha Casa Minha Vida é um programa do governo federal brasileiro que consiste no
financiamento da habitação, criado em 2009. O programa é destinado a aquecer o mercado formal da habitação
abrindo linhas de crédito a empreiteiros para que realizem a construção que é supervisionada pela Caixa
Econômica Federal.
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(não podemos dizer todas, afinal não fomos a todas), utilizam de fossa séptica, o que aumenta
ainda mais os riscos de contaminação do lençol freático, ou seja, o modo como o esgoto é
tratado tem que ser modernizado urgentemente na comunidade, pois o manancial dos Ingleses
pode se perder.
BIBLIOGRAFIA CITADA
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Disponível
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GAZZONI, Marina Teixeira. Vila Arvoredo: Retrato social, político e ambiental da ocupação
dos Ingleses. 2006. TCC – Curso de Jornalismo – UFSC, Florianópolis. 2006.
HORN FILHO, Norberto Olmiro. Estágios de Desenvolvimento Costeiro no Litoral da
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Geográficas, UFSC, Florianópolis, 2006.
MAY, Marilú Angela Compagner. Utilização de dados setorizados do uso do solo e da
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Departamento de Engenharia de Produção e Sistemas, UFSC, Florianópolis, 2001.
NOPES, Adriane. Praia dos Ingleses: um espaço em transformação a partir dos anos 1960. 2006.
91 f. Monografia (Especialista) - Curso de Especialização em História Social No,
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<http://www.pergamumweb.udesc.br/dados-bu/000000/000000000001/000001C6.pdf>.
Acesso em: 05 maio 2010.
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NUNES, Valeria Santos. Migração: Desenraizamento e Inserção – Migrantes no bairro de
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OLIVEIRA, Amílcar. 130 famílias invadem dunas. ANotícia, Joinville, 5 set.1998.
Disponível em: http://www1.an.com.br/1998/set/06/0ger.htm Acesso em: 1 jun 2010.
APÊNDICE
Roteiro de entrevista
1) Há quanto tempo o(a) senhor(a) mora na Vila do Arvoredo?
2) Por que veio morar aqui?
3) Seus pais eram nativos dos Ingleses?
4) Onde você nasceu? Em quais lugares morou antes de morar na Vila do Arvoredo?
5) A casa é própria? O terreno é seu? Tem escritura de posse?
6) A prefeitura fez algum esforço para retirá-lo daqui?
7) O(A) senhor(a) tem filhos? Seus filhos demonstram interesse de continuar na Vila quando
alcançarem a independência?
8) A prefeitura alguma vez já fez obras que melhorassem o acesso a comunidade ou a
qualidade de vida da Vila do Arvoredo?
9) Como é feito o tratamento de esgoto?
10) Acontece alagamentos? Com que periodicidade?
11) Você possui energia elétrica? Foi difícil conseguir a instalação de energia elétrica? Falta
luz constantemente?
12) Quem fornece a água? Qual a qualidade dessa água?
13) Sua casa já sofreu problemas na estrutura devido à ação das dunas? O(A) senhor(a)
conhece muitas pessoas que sofreram com a ação das dunas ou que perderam suas casas?
14) Qual o destino dado ao lixo?
15) Você sente dificuldades para limpar sua casa em dias de vento intenso?
16) Você já teve problemas respiratórios causados pela areia das dunas ou conhece alguém
que tenha?
17) Há outras dificuldades que o(a) senhor(a) enfrenta morando nas dunas?
18) O senhor tem conhecimento de haver um aquífero que abastece o bairro logo abaixo
dessas dunas?
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19) Os moradores da Vila se organizam de alguma forma? A comunidade é organizada a
respeito do aquífero?
20) Durante todo o tempo em que o senhor mora aqui, quais as principais mudanças notadas
no ambiente? As dunas mudaram de comportamento (mais areia/menos areia, mais
movimentação/menos movimentação, surgimento de vegetação)?
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