A Evolução do Controle de Constitucionalidade no Direito

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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
ESCOLA SUPERIOR DE GESTÃO E CONTROLE FRANCISCO JURUENA
Credenciamento MEC – Portaria nº 1965/06
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO PÚBLICA E
CONTROLE EXTERNO
A EVOLUÇÃO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO
DIREITO COMPARADO E BRASILEIRO E SUA APLICAÇÃO NOS
TRIBUNAIS DE CONTAS
LUIZ FERNANDO ALMEIDA DE OLIVEIRA
PORTO ALEGRE
2008
RESUMO
Procurou-se abordar de uma maneira mais célere e compreensível todo o histórico e
em alguns pontos o pensar filosófico acerca da hierarquia das leis, a supremacia da
constituição e, como conseqüência, o Controle de Constitucionalidade das Leis.
No bojo do estudo e da pesquisa ficaram claras as origens dos diversos sistemas de
controle, desde o mais simples em uma sociedade tribal básica, passando pelo
mundo antigo, medievo até atingir-se os modernos sistemas de Controle da Constitucionalidade do mundo contemporâneo, com o exemplo do controle difuso através
do gênio criativo americano, o controle concentrado através do Direito Austríaco, a
criação do Conselho e dos Tribunais Constitucionais nos sistemas de controle de
constitucionalidade político da França e da Itália, o Controle Jurisdicional da Áustria,
da Alemanha e, finalmente, do Brasil. A evolução histórica e filosófica do Controle
de Constitucionalidade no Brasil e seu sistema híbrido, com suas espécies, difuso,
concentrado e incidental, até chegarmos aos Tribunais de Contas, suas peculiaridades e casos concretos nos também controles difuso e incidental. A Súmula 347 do
Supremo Tribunal Federal em um contraditório com o artigo 97 da Constituição da
República (a reserva de plenário) e a Súmula Vinculante nº 10. Seus efeitos e eficácias frente à atuação das Cortes de Contas e o controle difuso, sendo exercido
mesmo que na hipótese de ser revogada a Súmula 347. Conclui-se pela necessidade de ser positivado na Constituição da República dispositivo ulterior que dê a
legitimidade de propor Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, como meio de sedimentar definitivamente o caráter republicano dos
Tribunais de Contas no Brasil.
Palavras-chave: História. Supremacia. Constituição. Sistema. Controle de Constitucionalidade, Parlamento. Conselho Constitucional, Tribunal Constitucional. Controle
Político. Controle concentrado. Controle difuso. Direito. Grécia. Inglaterra. França.
Itália. Alemanha. Brasil.Súmula. Vinculante. Concentrado. Difuso.
ABSTRACT
The full historical development of Law hierarchy and, to some extent, its philosophical background, as well as the sovereignty of the Constitution and the resulting control over law constitutionality are here addressed in a concise yet comprehensive
way. The origins of several control systems, from the plain model of an elementary
tribal society, to both the Ancient and Middle Ages ones, to the current modern system of constitutionality control, are made evident as the study is conducted. The research goes through the diffuse control, variant established by the North American
creative nature, the centralized control set up by Austrian Law, the creation of Italy’s
and France’s Constitutional Council and Courts within their political constitutionality
control systems, Austrian’s jurisdictional Control, Germany’s oppon and Brazil’s. The
historical and philosophical evolution of constitutionality control in Brazil. Its hibrid
system with diffuse, centralized and incidental versions. Courts of Audit. Their peculiarities and real cases under both diffuse and incidental controls. Summula n.347
from the Supreme Court of Judicature in a contradictory proposition based on article
97 of Brazil’s Magna Charta (Plenary assembly prerogative) and Linking Summula n.
10. Their effects and effectiveness before Courts of Audits and diffuse control, being
put in practice even assuming that Summula n. 347 is revocated. The conclusion
points to the need of a further rule in Brazilian’s Constitution that grants legitimacy to
straight lawsuits of constitutionality before the Supreme Court, as a means to consolidate definitely the republican character in Brazil’s Courts of Audit.
Key words: History. Sovereignty. Constitution. System. Control Policy. Constitutionality Control. Parliament. Constitutional Council. Constitutional Court. Centralized Control. Diffuse Control. Law. Greece. England. France. Italy. Germany. Brazil. Summula. Linking. Centralized. Diffuse.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................13
2 O QUE É CONTROLE?........................................................................................16
3 A SUPREMACIA E RIGIDEZ CONSTITUCIONAL...............................................18
4 O QUE É A ORGANIZAÇÃO FUNDAMENTAL DE UM ESTADO........................20
5 UMA TEORIA DA ORGANIZAÇÃO FUNDAMENTAL DO ESTADO....................22
6 UMA ORIGEM HISTÓRICA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE.....24
7 O DIREITO GREGO E A RESPONSABILIDADE DOS CIDADÃOS GREGOS PELA DEFESA DAS LEIS E DA CONSTITUIÇÃO...................................................25
8 O SISTEMA DE CONTROLE DA HIERARQUIA DE LEIS EM ROMA.................29
9 UMA VISÃO DO SISTEMA INGLÊS.....................................................................30
10 OS DOIS GRANDES SISTEMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE.......................................................................................................................33
11 A INCONSTITUCIONALIDADE NO SISTEMA DIFUSO AMERICANO...............34
11.1 JOHN MARSHALL (LEADING CASE) E OS ANTECEDENTES NORTEAMERICANOS................................................................................................34
11.2 UM BREVE RELATO HISTÓRICO. ......................................................34
11. 3 CRÍTICA AO SISTEMA DE CONTROLE DIFUSO................................37
12 CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE..........................38
12.1 A EVOLUÇÃO DO CONTROLE CONCENTRADO AUSTRÍACO.........40
12.2 A ATUAL VIGÊNCIA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
NA ÁUSTRIA..................................................................................................40
12.3 CRÍTICA AO SISTEMA DE CONTROLE CONCENTRADO..................41
13 O CONTROLE POLÍTICO...................................................................................42
13.1 UMA REFERÊNCIA AO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
DAS LEIS NA FRANÇA..................................................................................42
14 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO DIREITO COMPARADO.......................................................................................................................44
14.1 O SISTEMA FRANCÊS – CONTROLE POLÍTICO...............................44
14.2 UMA BREVE VISÃO DO SISTEMA DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DA ITÁLIA: A CORTE CONSTITUCIONAL..........................45
14.3 UMA BREVE VISÃO DO SISTEMA DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA ALEMANHA: O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ALEMÃO BUNDESVERFASSUNGSGERICHT....................................................46
14.4 O CONTROLE ABSTRATO E CONCRETO DE NORMAS DO BUNDESVERFASSUGSGERICHT........................................................................47
15 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS NO DIREITO BRASILEIRO.................................................................................................................50
15.1 UM BREVE HISTÓRICO.......................................................................50
15.2
O SISTEMA ATUAL DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
NO BRASIL....................................................................................................52
15.3 O SISTEMA DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE NO DIREITO BRASILEIRO..............................................................54
15.4 SISTEMA DE CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE NO
DIREITO BRASILEIRO...................................................................................57
15.5 O NOSSO CONTROLE DIFUSO...........................................................57
15.6 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE POR VIA PRÓPRIA.....58
15.7 A QUESTÃO DO CONTROLE INCIDENTAL DA CONSTITUCIONALIDADE..............................................................................................................60
16 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO ÂMBITO DAS CORTES DE
CONTAS...........................................................................................................62
17
OS TRIBUNAIS DE CONTAS E SUAS COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS
E LEGAIS.........................................................................................................63
18 A NATUREZA JURÍDICA DAS CORTES DE CONTAS.....................................65
19 UMA TEORIA E UMA CONSTATAÇÃO, COMO FORÇA DETERMINANTE NO
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NOS TRIBUNAIS DE CONTAS.....................................................................................................................67
20 UMA QUESTÃO SUMULADA.............................................................................70
21 A QUESTÃO DA SÚMULA NO TRIBUNAL DE CONTAS DO RIO GRANDE DO
SUL.....................................................................................................................76
22 RESOLVER-SE-IA O CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE DE LEIS OU ATOS NORMATIVOS DO PODER PÚBLICO PELO TRIBUNAL DE CONTAS?........................................................................................80
23 PERDERIA A CORTE DE CONTAS A ATRIBUIÇÃO DE APRECIAR A CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E ATOS NORMATIVOS, CASO A SÚMULA 347
FOSSE REVOGADA?........................................................................................81
24 CONCLUSÃO.....................................................................................................84
25 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................86
13
1 INTRODUÇÃO
No momento em que o ser humano teve o seu primeiro contato com outro
ser igual, o primeiro relacionamento no mundo ocorreu. As situações fáticas de desinteligência e reservas mentais levaram-no para o embate, provocando o primeiro
atrito, como muito bem foi retratado no filme 2001-Uma odisséia no espaço.
Quando nascemos, chegamos a este mundo, sós. Porém, trazemos um
software básico, um sistema operacional, onde os impulsos de medo e raiva, sexo e
prazer e necessidades fisiológicas estão gravados.
Com o passar dos tempos, vamos adquirindo maneiras de ser, de ver, de
escutar, de olhar, simplesmente, de inter-relacionarmo-nos com o mundo. Já não
existe mais a mãe suprindo as nossas necessidades básicas. Não mais somos o
centro das atenções do lar. Agora temos de enfrentar os contrários, as adversidades
e antagonismos da vida. Começamos a criar uma segunda camada de experiências,
os contraditórios que começam a nos fazer refletir, sem, contudo, deixarmos de proteger aquele software básico. Formamos a nossa maneira de ser. A persona, a máscara.
Contudo, estamos enfrentando o mundo, e os contraditórios nos moldam a
amorfa maneira de ver as coisas.
Pelo avanço das experiências dos contraditórios versus o nosso software
básico, começamos a perceber e sentir a complexidade do mundo. Temos, agora,
que avaliar cada circunstância, efetivamente, e começamos a ter a noção de maneira, imperativa e coercitiva, do bem e do mal, do certo e do errado, da verdade e da
mentira, do justo e do injusto. Temos o nascimento da consciência.
Quando inserido nas plagas de Neanderthal ou Cro-Magnon, o homo sapiens, sendo pela força ou pelo simples medo do desconhecido, obedecia aquilo que
não compreendia. Entre comandar e obedecer, criava uma hierarquia ainda incipien-
14
te, mas que denotava um caráter de supremacia dos comandos do superior e da
sociedade artesanal, os quais o impediam de obedecer a regras submissas às primeiras.
Por que se fala disso? Simples, pelo fato de que cada um é detentor de uma
verdade, de uma moral e de uma justiça, todas singulares.
Desta forma, somos todos individualmente únicos pelas experiências e maneiras de criação, precisamos de um divisor de águas para as nossas, então, desinteligências advindas das nossas diferenças. Não mais o ser, mas um dever ser!
Desde os tempos imemoriais que o ser humano luta por uma sociedade
mais justa e solidária, por um lugar ao sol e por uma busca constante do melhor.
Desde os povos da Mesopotâmia; desde os Chineses e Egípcios, os Gregos
e Romanos, passando pela Alta e Baixa Idade Média e Revoluções Americana e
Francesa que grandes pensadores como Hermes Trimegisto, Sócrates, Platão, Aristóteles, passando por várias correntes filosóficas, doutrinárias e cientificas motivam
o ser humano na busca do saber.
Com os avanços filosófico, tecnológico, cibernético e social, o homem houve
por bem criar sistemas de controle. Gosta de controlar tudo.
Não poderia ser diferente, porquanto em expedito exame, verifica-se que os
Islandeses, com a primeira Constituição Oral1, a Carta Magna de João Sem-Terra, o
pensamento de John Locke e Jean Jaques Rousseau e o Contrato Social, para não
fazer inúmeras citações, até nossos dias, o homem busca as soluções para os problemas nas áreas filosófica, social e, conseqüentemente, nas Ciências Jurídicas,
especificamente o controle.
Constituição oral é o conjunto de normas proclamadas solenemente pelos chefes máximos de um
povo para reger a vida de todos, como ocorreu no séc. IX, na Islândia, quando os Vikings instituíram o
Primeiro Parlamento livre da Europa. CRETELA JR., José. Elementos de Direito Constitucional. 2ª
ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 1998. p.21.
1
15
Com este objetivo e apoiado sobre grandes ombros precedentes, que o nosso intuito será desenvolver esta pequena e singela monografia, apenas retratando
um histórico, agregado a princípios, doutrina e jurisprudência acerca do controle de
constitucionalidade e a formação dos sistemas através das experiências, Americana, Austríaca, Francesa, Italiana e Alemã na formação do nosso controle de constitucionalidade das leis e atos normativos do Poder Público, vigente no Direito Brasileiro, seu histórico e aplicabilidade e a práxis no seio dos Tribunais de Contas do
Brasil, estes no exercício do Controle Externo dos Poderes, instando à reflexão de
todos sobre o tema, sem esgotar a matéria, é claro.
16
2 O QUE É CONTROLE?
Na razão humana há sempre um caráter de controle. O ser humano tudo
controla, desde as suas ações no mundo social, político, jurídico, econômico e filosófico, bem como no seu imo, controle sobre si mesmo e sobre o outro.
Na cultura da humanidade, desde o pensar Grego, especificamente, em Aristóteles, vislumbra-se na ação do Estado a presença de várias funções, as quais
devem ser limitadas quanto ao seu alcance e conteúdo2.
Quando Montesquieu demonstrou sua teoria no “Espírito das Leis” em 1748,
verificou-se a necessidade de dividir as funções do Estado para de certa forma limitar a ação dos Poderes, um controlando o outro, num sistema chamado de checks
and balances.
Como afirma Jacoby (1998):
A ação do controle deve evoluir, a partir da estruturação científica inicialmente concebida por Montesquieu, para uma visão mais próxima da realidade
atual do Estado e da sociedade, aproveitando a experiência histórica acumu3
lada, suas deficiências e acertos.
Pode-se ver que o povo é quem mantém o Estado em funcionamento por
seus legítimos representantes e que cabe a estes, também, o efetivo controle da
atividade estatal e legal, mediante os instrumentos postos à disposição de todos,
sejam privados ou públicos. É bem verdade que a atividade e a faculdade de vigilância constante4 da real aplicação e validade das normas que devem acompanhar
o texto Maior, dá o fanal, de acordo com a vontade da democracia representativa,
2
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tomada de Contas Especial. 2ª ed. Brasília, DF: Brasília
Jurídica, 1998, p.23.
3
Ibid. FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. p. 24.
4
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 18ª ed. São Paulo: Malheiros Editores
Ltda, 1993, pág. 568.
17
para a sociedade que escolheu a sua Carta Maior, pois não é de se esperar nos de5
tentores do poder uma autolimitação voluntária .
Com efeito, sendo o controle a exceção e a constitucionalidade a regra, isto
é, a presunção de constitucionalidade, assim pode-se dizer que o controle se processa para manter a eqüidade do sistema, bem como a tutela constitucional para
uma manutenção da vontade do legislador constitucional e a integridade da Carta
Maior, razão da legalidade e da segurança jurídica perante o bem comum. Enfim, o
sentido do controle é garantir a constituição natural.
Dentro desta pequena definição específica de controle, dirigi-se, agora, para
o que de efetivo interessa nesta exposição que é o verdadeiro controle da constitucionalidade sobre as leis e atos normativos do poder público, objetivamente, o controle sobre a presunção e legitimidade da norma frente à constitucionalidade que,
para o definir, se deve apreciar a questão da supremacia constitucional, a garantia
dos instrumentos judiciais e da tutela individual de direitos de uma verdadeira defesa
indireta na efetivação deste mesmo controle.6
5
MEDAUAR, Odete. Controle da Administração Pública. São Paulo, SP: Ed. Revista dos Tribunais.1993. p.112.
6
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. São Paulo, SP: Ed. Saraiva. 1994.
p.342.
18
3 A SUPREMACIA E RIGIDEZ CONSTITUCIONAL
A questão da rigidez constitucional leva-nos a entender uma constituição
mais difícil de ser modificada, que mantém a estabilidade das relações jurídicas.
Exige um processo mais detalhado e complexo para ser emendada, como garantia
social frente às adversidades políticas comuns no seio dos poderes estatais, principalmente, os poderes que envolvem significativos contornos políticos típicos, com
suas idéias voláteis e nem sempre alicerçadas em ideais do bem comum.
Daí soergue-se a rigidez como principal conseqüência do princípio da supremacia constitucional; que todo o ordenamento esteja de acordo com a constituição, ou sejam submetidas determinadas leis, de duvidosa constitucionalidade, aos
critérios do controle prévio, constitucionalmente possibilitado ou o repressivo nas
vias de ação ou, ainda quando o sistema permite, pelo controle político, para hegemonia e harmonia do sistema infraconstitucional, mantendo-se como o ápice, do
sempre citado exemplo, a conhecida pirâmide, sistema e organização jurídica de um
país, a Constituição.
Cita Silva (2008):
É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontra a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as
normas fundamentais do Estado, e só nisso se notará sua superioridade em
7
relação às demais normas jurídicas.
Ainda, no dizer de Poletti (1999):
Assim sendo, o tema do controle de constitucionalidade das leis, baseado
no princípio da supremacia da constituição, implica colocar a Carta Magna
acima de todas as outras manifestações do direito, as quais, ou são com ela
compatíveis ou nenhum efeito devem produzir. Se a lei ordinária, o estatuto
privado, a sentença judicial, o contrato, o ato administrativo etc. não se conformarem com a Constituição, devem ser fulminados por uma nulidade in7
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31ª. ed. São Paulo: Malheiros
Editores Ltda, 2008. p. 45.
19
comum, qual seja, aquela proveniente da Lei Maior, com base no princípio
8
da supremacia da Constituição.
Conforme as citações supra-escritas, e frente à supremacia constitucional,
pode-se agora entrar nos fundamentos e porquês da existência e sua função como
norma fundamental. A supremacia da Constituição leva-nos ao exercício de um controle das leis que estão infra posicionadas no sistema, mostrando-nos que o controle
da constitucionalidade constitui-se no exame da compatibilidade da norma com a lei
fundamental do Estado, isto é, a norma não pode ter um espectro de abrangência
maior do que a Constituição quis dar, ou melhor, o legislador constituinte quis proporcionar a determinada organização social.
8
POLETTI, Ronaldo Rebello de Britto. Controle da constitucionalidade das leis. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 3.
20
4 O QUE É A ORGANIZAÇÃO FUNDAMENTAL DE UM ESTADO.
Para se fazer um estudo mais detalhado do que seja a organização fundamental de um Estado, buscou-se na Essência da Constituição, despretensiosa conferência de Ferdinand Lassalle em 1863, para intelectuais da antiga Prússia, em que
demonstrou, de forma brilhante, onde estariam os reais fatores de poder e que se a
Constituição não os contivesse ou os contrariasse, ela, Constituição, seria apenas
uma simples folha de papel. Nela, diz inicialmente Lassalle (1998):
Que é uma constituição? Qual é a verdadeira essência de uma Constituição? Em todos os lugares e a qualquer hora, à tarde, pela manhã e à noite,
estamos ouvindo falar da Constituição e de problemas constitucionais. Na
imprensa, nos clubes, nos cafés e nos restaurantes, é este o assunto obri9
gatório de todas as conversas.
Vemos que, mesmo naquela época, já estava na pauta diuturna as questões
que envolviam a sociedade, as leis e os fatos em um contraditório com as condutas
individuais e coletivas, políticas, públicas ou privadas. Adiante o mestre firma a sua
posição:
Não basta a matéria concreta de uma determinada Constituição, a da Prússia ou outra qualquer, para responder satisfatoriamente à pergunta por mim
formulada: onde podemos encontrar o conceito de uma Constituição, seja
10
qual for?
É a partir deste momento que o gênio de Lassalle mostra-se mais evidentemente em sua teoria, quando leva a platéia a raciocinar em acompanhamento à sua
explanação.
9
LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. 4ª ed. Rio de Janeiro, RJ. Ed. Lumen Juris
Ltda. 1998. p.21.
10
Ibid. LASSALLE, Ferdinand. p.21.
21
Discorre sobre a possibilidade de haver incêndios em vários lugares, onde
as normas estariam guardadas. Neste caso, o legislador, completamente livre, poderia fazer leis de capricho ou de acordo com o seu próprio modo de pensar?
11
Assim, Lassalle cita os reais fatores de poder um a um, começando pela
Monarquia, Aristocracia, a grande Burguesia, os Banqueiros, a pequena Burguesia e
a classe operária. Todos envolvidos em um processo de interdependência que realmente comandava e ainda comanda através de uma Lei Fundamental, onde por
final responde à sua pergunta introdutória: Que é uma constituição?
Responde o Mestre:
(...) em síntese, em essência, a Constituição de um país: é a soma dos reais
fatores do poder que regem uma nação. (...) Juntam-se esses fatores reais
do poder, os escrevemos em uma folha de papel e eles adquirem expressão
escrita. A partir desse momento, incorporados a um papel, não são simples
fatores reais do poder, mas sim verdadeiro direito – instituições jurídicas.
12
Quem atentar contra eles, atenta contra a lei, e por conseguinte é punido.
Paralelamente à brilhante conferência de Lassalle, que repercutiu de maneira concreta no âmbito do direito constitucional até nossos dias com a chamada
constituição no aspecto sociológico, onde em verdade o conferencista pretendia defender o voto direto, secreto e universal, temos e sempre tivemos, também, uma
proposta de visualizar a organização fundamental de um Estado, mas não partindo
de um incêndio no mundo das suposições, algo que Lassalle coloca e que é préexistente, já com os reais fatores do poder presentes e atuantes com força de coesão e de coerção, mas do caos, onde em um modelo ideal não haveria o início legislativo ou sociedade constituída de aspecto mais modal, apenas o grupo social e este
tendo, acima de tudo, a necessidade preeminente de organizar a vida no seio da
sociedade primitiva e a prima facies.
11
12
Ibid. LASSALLE, Ferdinand. p. 27.
Idid. LASSALLE, Ferdinand. p. 32.
22
5
UMA TEORIA DA ORGANIZAÇÃO FUNDAMENTAL DO ESTADO
Imaginemos que não haja leis nesta sociedade primitiva e que esta precisa
organizar-se. Qual seriam as primeiras providências?
Temos necessidades básicas de sobrevivência, como alimentação, segurança nas intempéries e ameaças externas e as regras de convivência, internas a
esta sociedade primitiva.
Contudo, para dar-se um início em tudo é necessário alguém que comande.
Este deve ser alguém que detenha alguns requisitos. Ser forte, corajoso, delicado
no trato, mas firme no pulso. Escolher-se-á um dos indivíduos que tiverem estas
qualidades e este estará investido de um cargo, o cargo de chefe, por escolha democrática ou por força imperativa de controle, aí sim, um fator de poder, conforme
Lassalle.
Todavia, algumas decisões envolvem as questões sociais e estas devem ser
decididas por todos. Assim, pode-se, dependendo das dimensões da aldeia, ter-se
uma representação direta. Estamos, portanto, perante uma primeira regra: a de
construir uma sociedade adaptada às necessidades básicas deliberadas.
Haverá, então, as regras de quem comanda (o controle), como e por quanto
tempo; haverá regras dos limites dos aldeões e dos chefes; haverá direitos individuais dos mesmos aldeões; haverá regras de convivência entre todos, com limites impostos pela sociedade; haverá regras de conduta perante a moralidade e nesta seara as penalidades pelos ilícitos que, de uma maneira geral, estarão descritos nos
costumes e nas regras de convívio e moral comum, a culpabilidade social, fatores
de conduta.
O que queremos dizer com isto? Que estamos frente a um originário conjunto de regras que devem ser obedecidas por questões de sobrevivência e, no feixe
social, exigem mais proteção. Embatemo-nos perante as regras de ordem superior.
Haverá também regras menores que pela sua pouca importância para o bojo social
23
deverão, para o bem comum, submeter-se às demais regras de interesse social, ou
seja, o primado de ordem pública.
Estas normas que estão supracitadas e que poderiam envolver um elenco
ainda mais extenso podem ser chamadas de Organização Fundamental de um Estado.
Temos a priori uma maneira prática de verificar a existência destas normas
fundamentais em qualquer constituição de qualquer tempo. Basta que façamos uma
pequena leitura no texto constitucional e veremos que existem algumas normas
constitucionais que, se forem retiradas do texto, o Estado não funciona. Quando a
resposta à pergunta não afetar a estrutura do Estado, estaremos frente a uma norma formalmente constitucional, porquanto as que são fundamentais ao Estado são
chamadas de materialmente constitucionais.
Nesta seara, pode-se verificar que a idéia de supremacia da constituição vai
ficando mais clara e mais fundamentada na sua própria gênese e legitimidade e que
os princípios insertos nela ou os supraconstitucionais alicerçam a sua existência.
24
6 UMA ORIGEM HISTÓRICA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
A origem Histórica do Controle de Constitucionalidade na visão de Ronaldo
13
Poletti, está dividida em três tempos .
1) O controle de constitucionalidade na Antigüidade.
2) Inglaterra e controle pelo parlamento.
3) John Marshall e os antecedentes dos Estados Unidos.
Para bem compreender, em uma primeira análise da exposição que se pretende histórica, consegue-se verificar que o controle de constitucionalidade preenche três períodos a considerar: o primeiro como período do início dos tempos onde,
em uma busca mais incisiva, encontramos vários códigos de comando superior agregados a simples obediência da regra, ou a obediência religiosa, um deus coercitivo punitivo e vingativo, comum na época do rudimentar ser aético e amoral. É como podemos ver nos costumes que hoje praticamos sem saber das causas, como
ritos dos mais diversos e outras liturgias que se incorporaram no costume levandonos à repetição como forma hereditária ou, ainda, de ritos de passagem.
14
Desta maneira, no mais remoto pulsar da humanidade, pode-se buscar alguns fragmentos do instituto do controle, mais tarde, de constitucionalidade, tal como ele se apresenta. Posteriormente, um menos distante, na Inglaterra medieval e
moderna, com fundamento no Direito Natural e o mais recente na criação do gênio
norte-americano, o paradigmático, leading case, caso julgado pelo juiz John Marshall, Marbury versus Madison e seus antecedentes pátrios, e mais próximos a nós
a posição de Hans Kelsen, no controle concentrado em apenas um órgão.
13
Ibid. POLETTI, Ronaldo Rebello de Britto. 1998.
COULANGES Fustel de. A Cidade Antiga. 3ª edição, Edipro. Edições Profissionais Ltda. 2001 São
Paulo SP.
14
25
7 O DIREITO GREGO E A RESPONSABILIDADE DOS CIDADÃOS GREGOS PELA DEFESA DAS LEIS E DA CONSTITUIÇÃO
Não podemos deixar de citar a Antigüidade Grega, pois ela é e sempre será
o berço de toda a cultura, ou senão, parte da mesma, porquanto todas as demais
civilizações que a sucederam basearam-se nos seus princípios filosóficos, históricos
e, em alguns casos, morais e religiosos. A história da Grécia e de Roma constitui
testemunho e um exemplo da estreita relação às idéias da inteligência humana e o
estado social de um povo.
Na seara da aplicação do Direito Grego frente ao fato social, marcou-se entre os procedimentos e processos várias ações de que dispunham os cidadãos atenienses, mais de cinqüenta ações populares denominadas graphès. Dentre elas havia uma em especial, intitulada graphé paranómon, pela qual os cidadãos se tornavam responsáveis pela defesa das leis e da Constituição. Aí está o que se pode identificar como antecedente remoto do controle de constitucionalidade.
Tratava-se de uma ação pública intentada contra alguém que havia proposto
um tipo de lei inferior (psèphisma) a outro tipo de lei superior (nomos). O julgamento
da referida ação cabia a um tribunal do povo, composto por 501 membros.15 Esta
ação tinha lugar, quando podia ser identificada a invalidade de decreto (psèphisma)
frente e contrário à lei maior (nomos).
Parece não ser despropositada, na busca desses sinais longínquos, a menção da Graphé Paranomón, defesa das leis e da Constituição. Teria sido pouco usada por Péricles e de uso exagerado no Século IV.16
15
16
Ibid. POLETTI, Ronaldo Rebello de Britto. 1998. p.9.
Ibid. POLETTI, Ronaldo Rebello de Britto. 1998. p.9.
26
A Graphé Paranomón era um instituto que possibilitava denunciar, com efeito retroativo (ex tunc), lei ou ato, como inconstitucional ou contrário ao interesse
público.
É interessante não olvidar que os gregos, muito mais do que qualquer outro
povo da Antigüidade, preocupavam-se com o ser, e nesta seara os filósofos gregos,
mesmo os pré-socráticos, como os demais pensadores, tentaram explicar os fenômenos humanos.
Contam os filósofos que Sócrates, na Antiga Grécia, precisamente em Atenas, gostava de observar, na sua razão autônoma, a natureza.17 Numa destas observações da natureza, mas agora dos homens especificamente, viu que existiam
várias classes de atenienses. Também, observou que existiam homens que tinham
um comportamento diferenciado quando enfrentavam as adversidades, ou seja, os
momentos de dificuldades e que estes mesmos possuíam uma maneira de ver as
coisas diversamente da dos outros. Havia homens que, além de obedecer as regras
de costume, tinham um comportamento mais elevado, respeitando estes mesmos e
as outras pessoas, valores cívicos e religiosos.
Sócrates chamou estes atenienses de “virtus” – varão, forte
18
– pois eles ti-
nham um comportamento diferente da maioria dos cidadãos. Sócrates denominou
“virtuose”, o que mais tarde deu origem à palavra virtude. Ao lugar onde se praticava
a virtude, Sócrates chamou de “ethos” – o lugar das virtudes, dando origem, possivelmente, à palavra ética.
Com efeito, podemos ver que a ética é, na topologia filosófica, o ponto das
virtudes do ser. Mais, se o ser possui na sua psique – lugar – pratica as suas ações
de modo positivo as quais o levam ao exercício constante e exaustivo do bem, criando o costume, torna-se obrigatoriamente um ser ético no viver.
17
RABUSKE, Edvino. Antropologia Filosófica. Porto Alegre, RS: Escola Superior de Teologia São
Lourenço de Brindes,1981, p. 168.
18
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda & MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando, Introdução à Filosofia. São Paulo – SP: Ed. Moderna. 1993, p.308.
27
Gize-se ainda que, considerando-se a ética como elemento normativo externo (que é o que a religião não prescreve, porque as leis dos homens não estariam
no Evangelho), em termos gerais, se contrapõe à teologia moral, isto é, as regras da
fé. Chega-se à introspecção do que é certo ou errado, bom ou mau, justo ou injusto
no contraditório entre o ser e o dever-ser. Constrói-se a moral, mas junto com ela o
que é verdade e justiça, valores subjetivos e etéreos, tudo isto no contraditório com
a realidade fática, chegando-se ao Direito.
Desta forma, na Sociedade Grega, haveria leis mais expoentes que outras,
as de caráter público, as humanas e de movimentação, manutenção e existência do
próprio “Estado Grego”
Voltando ao Direito Grego, considerando o supracitado, temos que a idéia
de que existiam leis superiores que serviam de fundamento ao poder político e à
própria sociedade, começou a surgir em Atenas um rascunho de hierarquia e de
controle, como cita Mauro Cappelletti:
Na realidade, os nomoi, ou seja, as leis, tinham um caráter que, sob certos
aspectos, poderia se aproximar das modernas leis constitucionais, e isto não
somente porque diziam respeito à organização do Estado, mas ainda porque
modificações das leis (nomoi) vigentes não podiam ser feitas a não ser através de um procedimento especial, com características que, sem dúvida, podem trazer à mente do jurista contemporâneo o procedimento de revisão
19
constitucional.
Ainda, verbis:
Portanto, tinha sido excogitado, em Atenas, um procedimento de revisão das
leis extremamente complexo; a mudança da lei era considerada, em suma,
uma providência de extraordinária gravidade, cercada das garantias mais
prudentes e até mais estranhas, com responsabilidades gravíssimas para
quem propunha uma alteração que não fosse, no final, aprovada ou que, ainda que aprovada, se mostrasse, depois, inoportuna. Deste modo, o poder
de mudar as leis era retirado dos caprichos de maioria da Assembléia Popu20
lar (Ecclesía).
CAPPELLETTI, Mauro. O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado. 2ª edição. Porto Alegre. RS: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1999. p. 49.
20
Ibid. CAPPELLETTI. Mauro. 1999, p. 49.
19
28
Na época, a idéia de respeito ao ser humano era autêntico, pois havia os
casos de condenação penal por responsabilidade daquele que havia proposto o decreto (pséphisma), então, inconstitucional e julgada desta forma.
Na verdade com a graphé paranómon, após a reforma de Efialtes, 462, que
retirou os poderes do Areópago, passando-os para a Boulé (Assembléia do Povo) e
aos Tribunais, existindo, então, um poder quase que supremo do povo sobre as leis
e o governo, como anota Ronaldo Poletti, citando Gustave Glotz, que Péricles avaliou o perigo e encontrou o meio de conjurá-lo: o graphé paranómon colocou a lei acima dos caprichos populares e das lutas civis, autorizando a qualquer cidadão vir
ao socorro da lei, como um acusador e estabeleceu sanções pesadas como garantia da soberania das leis fundamentais. Opunha-se aos arrebatamentos da Eclésia
com os excessos dos demagogos. Até depois da morte de Péricles, aquela instituição manteve sua eficácia. Foi a graphé o instrumento capaz de impedir que a soberania popular se transformasse num poder arbitrário ou numa tirania.21
A origem do controle de constitucionalidade, em termos postos, remonta seu
nascimento na Grécia Antiga em um instituto semelhante ao controle como conhecemos e considerado seu antecedente. Contudo, Atenas soube impedir a utilização
de um instrumento democrático em demasia, pois a iniciativa de leis feita pelo povo,
isto é, democracia deveria também ter o seu limite.
21
Ibid. POLETTI, Ronaldo. 1998. p.10.
29
8 O SISTEMA DE CONTROLE DA HIERARQUIA DE LEIS EM ROMA
Em contornos sésseis, não poderíamos deixar de falar em Roma, tanto na
época da Realeza, como na República, em que o Senado detinha a competência
confirmatória das decisões dos comícios.
22
O Senado Romano tornou-se um verdadeiro centro de governo. Ele verificava se as leis elaboradas iam contra os costumes e, se fossem, qual seria a razão e
se haveria fundamento para tal profunda modificação. Funcionava como um guardião das normas de status constitucional. Controle pelo parlamento.
Cícero contribui para a utilização do Direito Natural nos precedentes ingleses, pois as fórmulas processuais para elaboração de leis funcionariam como base
para a judicial Review.23
22
23
Ibid. POLETTI, Ronaldo. 1998, p.16.
Ibid. POLETTI, Ronaldo. 1998, p.17.
30
9 UMA VISÃO DO SISTEMA INGLÊS
Chega-se ao segundo momento de análise dos três estágios da gênese histórica do controle de constitucionalidade. O controle pelo Parlamento Inglês.
Para se falar da história dos tempos pode-se referir os pontos elencados acima na história dos povos que precederam a primeira real carta maior com força de
poder e de organização de um Estado, a Carta Magna de João Sem-terra, 1215, um
acordo firmado entre o rei e os barões feudais.
Ronaldo Poletti, em sua obra já citada nos traz que as categorias do Direito
Natural foram aplicadas para anular leis contrárias ao Common Law. O Direito Natural consistiu no fundamento que Tomas More24 usou para contestar o direito do Parlamento transformar o Rei no Chefe Supremo da Igreja na Inglaterra.25
(...) Aliás, não é estranha a idéia de que o controle de constitucionalidade de
leis tem seu fundamento histórico no direito de resistência aos governos injustos, de origem medieval. São conhecidas, por outro lado, as referências à
Idade Média na formação de um direito natural superior ao direito positivo.
Já fruto do cristianismo e das idéias estóicas (....), tais idéias estão presentes no jusnaturalismo do séculos XVII e XVIII (Grotius, Rousseau e Locke).
(...) Tomás de Aquino, no entanto, é muito citado para apoio na concepção,
segundo a qual a lei escrita, que viola a lei natural, sendo injusta não seria
26
lei e não teria força obrigatória
Como aconteceu no Império Romano em que a ação era um pressuposto do
direito subjetivo,
24
27
na Inglaterra, o Common Law foi uma criação do direito proces-
Thomas More e os humanistas passam a questionar o teocentrismo, até então predominante. Acreditavam que o homem devia ser o centro das investigações filosóficas por ser ele o único ser capaz
de conhecer. Os humanistas achavam que no período que compreende a Idade Média, acontecera
um retrocesso, porque a humanidade se separara do modelo antigo. Propõe então, a volta ao modelo
clássico (grego e latino), uma antropocentrização da arte e das ciências. Com os aparatos tecnológicos que surgiram na época de nossos autores, (tais como e bússola e a pólvora) a antiga visão do
mundo já não atendia mais às exigências, a religião em decadência precisava ser repensada. O mundo acordava de seu sono. O homem clamava pelo domínio sobre a natureza.
www.consciencia.org/maquiavel_more.
25
Ibid. POLETTI, Ronaldo. 1998, p.18.
26
Ibid. POLETTI, Ronaldo. 1998, p. 8.
27
GUASQUE, Luiz Fabião. O Controle de inconstitucionalidade das Leis. Rio de Janeiro: Ed. Freitas Bastos Ed. 2004, p.122.
31
sual. Os direitos foram nascendo pela experiência judiciária e cada ação era criada
para proteger um direito.
O Common Law foi consubstanciando-se pela aplicação das normas consuetudinárias, mais do que pelas leis em abstrato. A sentença proferida num caso concreto tinha força vinculatória e precedente para casos análogos, cujos efeitos eram a
manutenção destes precedentes, ou seja, o Stare decisis.
28
Antes da Carta Magna, o rei era a justiça, porque ele aplicava as regras,
porque ele era a divindade na terra, o sumo pontífice, a ponte entre o céu e a terra.
Com o tempo, passou a aplicação do direito não mais a ser feita pelo rei, mas perante juízes e tribunais. Contudo, o rei ainda tinha um poder residual, nada impedindo que os súditos apelassem para a justiça do monarca, afinal de contas o rei possuía a proximidade com Deus.
Conforme relata Guasque (2004):
As decisões do Tribunal de Westminster passaram a não ser definitivas,
pois passíveis de recurso ao Rei. Esse, porém, não exercia pessoalmente a
sua jurisdição; ele a transferia a um Conselho Privado (King’s Council), no
qual o Chanceler (Chancelor) e seus juízes, que eram cléricos e não juristas,
temperavam o summu jus pela eqüidade individual, isto é, pela consideração
das circunstâncias de cada caso (...) passou a julgar também os casos não
regrados no Common Law. Fazia-o segundo a Equity, ou eqüidade social
29
que levava o juiz a aplicar a norma que ele próprio formulava.
Historicamente, verificou-se que o tradicionalismo Inglês aliado ao Direito
Natural dava ao rei e ao parlamento o poder de julgar, contudo Sir. Eduard Coke
interpôs uma doutrina que colocava os juízes entre o rei e o povo.
Ensina-nos Cappelletti (1999):
A doutrina de Lord Coke, entendida como instrumento de luta, quer contra o
absolutismo do Rei, quer contra o Parlamento, predominou na Inglaterra por
28
29
Ibid. GUASQUE, Luiz Fabião. 2004, p.122.
Ibid. GUASQUE, Luiz Fabião. 2004, p.123.
32
alguns decênios e, não só na Inglaterra, mas também nas colônias Inglesas
da América, onde foi, de fato, em muitas ocasiões, acolhida pelos tribunais.
Esta doutrina, porém, foi abandonada na Inglaterra com a revolução de
1688, a partir da qual foi, então, proclamada a doutrina contrária, ainda hoje
válida naquele País da supremacia do Parlamento. Mas da doutrina de Coke
ficaram os frutos, pelo menos na América, e pretendo, obviamente, aludir
àqueles frutos que se chamam hoje judicial review e supremacia do poder
30
judiciário, supremacy of the judiciary.
Portanto, havia uma submissão dos juízes que se processou através do
tempo, como fica bem claro na lição supra do festejado mestre Mauro Cappelletti.
Ocorre que o sistema Inglês foi aplicado em suas colônias e na América do
Norte. Por mais paradoxal que possa parecer, as colônias foram constituídas como
Companhias Comerciais e que a maioria destas colônias eram regidas por Cartas
Estatutos de La Colônia.31 Podia-se dizer que estas “Cartas” eram na verdade constituições, pois possuíam estruturas judiciais próprias e vinculatórias. Podiam aprovar
as suas próprias leis, desde que fosse razoáveis e que não ofendessem as Leis do
Reino da Inglaterra.
Como as leis das colônias podiam ser aplicadas em seus territórios desde
que não ofendessem as Leis do Reino da Inglaterra, esta decisão precipitou a aplicação do judicial review. Com efeito, quando da independência da América, estas
“Cartas” foram transformadas em constituições. Estava iminente o controle difuso de
constitucionalidade, que os americanos do norte formariam através da sua jurisprudência e da sua constituição da federação.
30
31
Ibid. CAPPELLETTI, Mauro. 1999, p. 60.
Ibid. CAPPELLETTI, Mauro. 1999, p. 60.
33
10 OS DOIS GRANDES SISTEMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Com a formação do Estado Americano estava plantada a semente do controle de constitucionalidade, que mais tarde seria seguido por um sistema diverso, o
sistema austríaco de controle de constitucionalidade das leis, concentrado a um órgão especial, inspirado nos estudos de Hans Kelsen.
Segundo a questão orgânica, podemos distinguir dois grandes sistemas de
controle de constitucionalidade, a saber: o sistema difuso que dá o poder a todos os
órgãos judiciários e o sistema concentrado, onde o controle está concentrado em
um único órgão.
Partir-se-á para a análise deste dois grandes sistemas de controle de constitucionalidade das leis e atos normativos do poder público.
34
11 A INCONSTITUCIONALIDADE NO SISTEMA DIFUSO AMERICANO
11.1
JOHN MARSHALL
(LEADING CASE) E OS ANTECEDENTES NORTE-
AMERICANOS
Este tipo de sistema de controle de constitucionalidade também é chamado
de controle por via de exceção ou defesa, caracterizado pelo fato de que qualquer
juiz ou tribunal pode deixar de aplicar uma determinada norma por considerá-la inconstitucional. Esta idéia nasceu do famoso leading case, Marbury vs. Madison,
com os seus precedentes.
11.2
UM BREVE RELATO HISTÓRICO
O gênio americano desde tempos precedentes tem mostrado a sua competência e capacidade prática de resolver os seus problemas, políticos, econômicos,
sociais e jurídicos. A evolução que esta nação implementou desde seu nascedouro,
onde o pragmatismo sempre foi o seu fanal, não deixou de lado as questões jurídicas que envolviam, à época, os direitos e garantias de seus cidadãos no contraditório entre os poderes e o povo americano.
Desta forma, a construção de uma teoria do controle de constitucionalidade
não proveio de um texto próprio expresso e construído através de uma Assembléia
Nacional Constituinte, mas sim da jurisprudência, da experiência e dos costumes
frente à situação fático-social então vigente.
O corpo do Direito Constitucional americano é obra da evolução legislativa e
dos arestos judiciais, sempre sintoma da existência de uma Constituição não-
35
escrita, ao lado da Carta formalizada num texto.
32
Assim, a exigência principiológica
da compatibilidade da lei com o texto constitucional é um legado da jurisprudência
americana.
Cita um precedente, Poletti (1999):
(...) que Alexander Hamilton sustentava a competência judiciária para a interpretação das leis e que a Constituição devia ser vista pelos juízes como
uma lei fundamental, com preferências sobre a lei ordinária. A garantia dos
juízes e as normas que garantem a sua permanência no exercício da judicatura, constituem, em grande parte, a cidadela da justiça e da segurança pública. Não há necessidade de esclarecer o princípio de que é nulo o ato exercido por uma autoridade delegada, porém contrário ao teor do mandato
outorgado pela autoridade delegante. Em conseqüência, nenhum ato legislativo contrário à Constituição pode ser válido.
O controle da constitucionalidade das leis, pelo Judiciário, era vedado em
alguns países, contudo na América ela estava em potência de ato na Constituição
para aparecer no histórico aresto de John Marshall, onde foram estabelecidos, concretamente, os princípios do controle da constitucionalidade das leis.
Aqui a síntese do pensamento de Marshall:
Enfaticamente, é a província e o dever do Poder Judiciário dizer o que é a
lei. Aqueles que aplicam a regra aos casos particulares devem necessariamente expor e interpretar essa regra. Se duas leis colidem uma com outra,
os tribunais devem julgar acerca da eficácia de cada uma delas. Assim, se
uma lei está em oposição com a constituição; se, aplicadas elas ambas a
um caso particular, o tribunal se veja na contingência de decidir a questão
em conformidade da lei, desrespeitando a lei, o Tribunal deverá determinar
qual destas regras em conflito regerá o caso. Esta é a verdadeira essência
do Poder Judiciário. Se, pois, os tribunais têm por missão atender à constituição e observá-la e se a Constituição é superior a qualquer resolução ordinária da legislatura, a constituição, e nunca essa resolução ordinária, governa33
rá o caso a que ambas se aplicam.
Na verdade a brilhante decisão e o raciocínio lógico e prático elaborado por
Marshall no célebre caso Willian Marbury vs. James Madison, em 1803, mostra-nos
32
33
Ibid. POLETTI, Ronaldo. 1998.
Ibid. POLETTI, Ronaldo. 1998. p. 37.
36
a importância do sistema americano na construção do Direito e como sendo o leading case, a construção, então, da gênese do controle de constitucionalidade pelo
sistema difuso ou em concreto que hoje se conhece.
A história do controle da constitucionalidade das leis confunde-se com a da
Suprema Corte Americana, mormente na sua feição aceita pelo sistema brasileiro.
34
Com a decisão de Marshall ficou patente que o juiz é um órgão do Poder
Judiciário vivo e não mero parecerista ou mecânico aplicador do direito precedente.
A Carta tem aplicabilidade e adaptabilidade, flexibilidade e maleabilidade do Common Law.
Destarte, o conceito da separação dos poderes é elástico, e as leis inferiores não podem se embater com o regramento superior. A inconstitucionalidade é
declarada tão-somente no caso de extrema necessidade (presunção de constitucionalidade da norma) e só com dúvidas razoáveis.
Daí chega-se à conclusão que a Constituição Americana incorporou a distinção entre a Common Law e equity, consagrando que o Poder Judiciário se estendera a todos os casos de lei e de eqüidade que se suscitem em torno da Constituição,
das leis dos Estados Unidos. Competia, assim, ao Poder Judiciário exercer jurisdições paralelas de Common Law e eqüidade, utilizando-se de procedimentos de ambos os sistemas (exception ou injuction). O Código Judiciário de 1788 considerava,
porém, que a eqüidade somente deveria ser aplicada na ausência ou inadequação
dos remédios previstos no Common Law. 35
Ibid. POLETTI, Ronaldo. p. 42.
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: Estudos
de Direito Constitucional. 2ª ed. Ed. Celso Bastos Editor, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional. 199. São Paulo SP, p. 71.
34
35
37
11. 3 CRÍTICA AO SISTEMA DE CONTROLE DIFUSO
O que se tem pela frente é a insegurança jurídica provocado pelo sistema,
quando este é aplicado em países onde não vige o stare decisis, isto é, o precedente judicial.
Mauro Cappelletti em obra já citada prescreve especificamente no seu exemplo o caso do Japão, onde determinado autor impugna lei que entende inconstitucional. O Órgão do Poder Judiciário Japonês declara a inconstitucionalidade. Contudo outra pessoa interessada na mesma aplicação e quer usufruir desta mesma
declaração de inconstitucionalidade deverá proceder exatamente como o primeiro,
ou seja, o novo devido processo para obter os mesmo resultados.
No gênio americano, quando tendo a constituição escrita, porém na construção através do due process of Law, o caso vai ser apreciado pela Supreme Court. A
partir deste momento a decisão será uniforme e vinculante para qualquer órgão do
Poder Judiciário, estabilizando-se as relações jurídicas e dando a força necessária à
coisa julgada constitucional.
Prescreve Cappelletti (1999):
Em outras palavras, o princípio da Stare Decisis opera de modo tal que o
julgamento de inconstitucionalidade da lei acaba, indiretamente, por assumir
uma verdadeira eficácia erga omnes e não se limita então a trazer consigo o
puro e simples efeito da não aplicação da lei a um caso concreto com possibilidade, no entanto, de que em outros casos a lei seja, ao invés, de novo a36
plicada.
36
Ibid. CAPPELLETTI, Mauro. p 80.
38
12 O CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE
Após a primeira guerra mundial, um grupo de países europeus desenvolve e
adota um terceiro caminho no controle de constitucionalidade das leis, não mais
dando ao parlamento e nem ao judiciário esta tarefa. Este poder de declarar a inconstitucionalidade das leis é conferido a um órgão especialmente criado para este
fim, um órgão de natureza jurídico-político: as Cortes Constitucionais.
Este tipo de controle nasceu no direito continental especificamente na Áustria, onde, em exposição histórica, Hans Kelsen propôs um controle legado a apenas
um único órgão, o Tribunal Constitucional, daí o nome de sistema concentrado, diferenciando-o do, então existente, sistema em concreto, controle difuso, criado por
John Marshall e seus antecedentes como Alexander Hamilton, o sistema americano
de controle da constitucionalidade, onde qualquer órgão do Poder Judiciário pode
declarar a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estatais.
Diametralmente oposto ao sistema americano está o sistema austríaco de
controle de constitucionalidade de 1920, em que concentrou de todas as formas a
competência para a questão constitucional.
Criava-se na Áustria um mecanismo que incorporava um pedido especial, de
uma ação especial por parte de alguns órgãos políticos, desvinculando os casos
concretos do exame da constitucionalidade e retirando-os do espectro do Poder Judiciário. Deviam ser analisadas as questões constitucionais através de ação própria
concentrada ao Tribunal Constitucional.
Cappelletti (1999) leciona:
(...) mas os juízes austríacos, além disso, tampouco tinham o poder de pedir
à Corte Constitucional austríaca somente por aqueles órgãos, não judiciários, mas políticos, que estavam indicados na Constituição, isto é, pelo Governo Federal (Bundesregierungen) tratando-se de pedir o controle de legitimidade constitucional de leis dos Länder (Landesgesetze), pelos Governos
dos Länder (Landesregierungen) tratando-se de controle de leis federais.
39
Nenhum limite de tempo era fixado para o exercício, por parte destes órgãos
37
políticos, do direito de ação, para o qual eles eram únicos legitimados.
Inicialmente e verificando a doutrina percebe-se que este sistema foi originalmente concebido para dirimir os conflitos existentes entre os estados membros,
pois o acesso ao Tribunal Constitucional estava restrito ao governo federal, frente
aos Länder, os governos regionais, quanto às normas da federação.
38
Tavares (1998) prescreve:
(...) não se perca de vista que, para se lidar com a existência de um Tribunal
Constitucional, e sua relação com a Carta Magna, há de partir-se do pressuposto não só formal, qual seja, o de que este diploma normativo encontra-se
no mais alto escalão da hierarquia jurídica, mas também de que concretiza
39
um conjunto de valores supremos e, a princípio, inalteráveis.
Também, Silva (1995) citado pelo autor precedente nos diz acerca das Cortes Constitucionais:
(...) elas exercem hoje um papel de verdadeiro equilíbrio entre os demais
40
poderes, uma espécie de poder moderador, atualizado e sem predomínio.
37
Ibid. CAPPELLETTI, Mauro. 1999, p.105.
TAVARES, André Ramos. Tribunal e Jurisdição Constitucional. Ed.Celso Bastos Editor. 1998,
São Paulo SP, p. 15.
39
Ibid. TAVARES, André Ramos. 1998, p. 16.
40
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10ª. ed. São Paulo: Malheiros
Editores Ltda, 1995, p.16.
38
40
12.1 A EVOLUÇÃO DO CONTROLE CONCENTRADO AUSTRÍACO
Ocorre que o sistema original Austríaco de Controle da Constitucionalidade,
face à criação do Tribunal Constitucional em 1920, com o passar do tempo e as experiências adquiridas, verificou que havia concentrado demais a competência de
argüir a inconstitucionalidade das leis a um pedido especial por parte de alguns órgãos políticos, portanto desvinculado completamente dos casos concretos.
Com o passar do tempo e a experiência adquirida, em 1929, com a Lei Austríaca de Revisão da Constituição foi alterado, ainda que parcialmente, o sistema de
controle de constitucionalidade que era exclusivamente por via de ação.
Esta mudança fez acrescentar a legitimidade, além do Governo Federal e
dos Governos das províncias, os Länder, na via de ação, agora na via tão-somente
incidental a dois órgãos judiciários superiores: a Corte Suprema das causas civis e
penais e a Corte Administrativa, preenchendo a lacuna existente e atenuando o grave defeito do originário sistema, excessiva limitação. Estes órgãos judiciários superiores continuam a não poder declarar a inconstitucionalidade de leis, somente com
requerimento à Corte Constitucional Austríaca, contudo o mais importante é que
podem requerer o exame.
12.2
A ATUAL VIGÊNCIA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA
ÁUSTRIA
Com efeito, têm-se duas formas de levar ao Tribunal Constitucional o exame
da matéria a ser impugnada: primeira por ação direta, cuja competência é dada a
um seleto grupo ou a apenas uma pessoa; segundo é através da via incidental, que
surgiu através de uma discussão nos tribunais inferiores acerca da constitucionalidade de leis ou atos normativos. Tem-se que, uma vez verificada a questão constitucional, o processo é suspenso e remetido ao Tribunal Constitucional para a mani-
41
festação. Decidida, a questão é remetida ao tribunal de origem para que seja dada
continuidade ao julgamento.
Com o tempo o sistema de controle de constitucionalidade austríaco espalhou-se pela Europa e resto do mundo e hoje é adotado por vários países como a
Alemanha (1949), a Espanha (1931), a Itália (1947), o Chile (1925), a Guatemala
(1965) e outros que deixamos de apresentar pelo objetivo central desta monografia.
12.3 CRÍTICA AO SISTEMA DE CONTROLE CONCENTRADO
Pode-se dizer que o controle concentrado, pelo próprio nome, concentra em
um órgão o poder de dizer da constitucionalidade das leis e atos normativos do poder público, fustiga a independência dos órgãos do judiciário quando não dá condições de o magistrado manifestar-se em sua plena convicção, porquanto vincula de
tal forma as decisões que se perde a oportunidade de serem espargidas várias correntes de pensamento que podem nutrir um sistema, dando-lhe ampla possibilidade
de criar a contar do direito postulado.
Com a entrada do controle pela via incidental, houve a possibilidade de abrir
um pouco mais o sistema, aproximando-se do caso concreto, mas também ainda
distante de uma liberdade de dizer o direito, na espécie, opinar, se for o caso, sobre
a constitucionalidade das leis.
Concentrar em um único órgão jurídico-político, como uma Corte Constitucional as decisões, é legar aos seus membros e órgão as influências políticas, como
bem defende André Ramos Tavares, e tentar explicar por meio das vantagens pessoais o desvinculamento do julgador ao obter a vitaliciedade e independência funcional da seara política,41 elementos sopesadores e tão presentes hodiernamente
nos tribunais híbridos.
41
Ibid. TAVARES, André Ramos. 1998, p. 37.
42
13 O CONTROLE POLÍTICO
13.1
UMA REFERÊNCIA AO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS
LEIS NA FRANÇA
Desde as obras de Rousseau, Voltaire e, principalmente, Montesquieu que
precederam à Revolução Francesa, que a separação dos poderes foi a marca e hoje
é fundamento do Estado Francês, onde vigem as regras do controle político de
constitucionalidade, uma confiança no parlamento e desconfiança nos juízes, fruto
do absolutismo e a ligação dos magistrados ao rei.
Prescreve Cappelletti (1999):
Razões históricas da solução tradicionalmente adotada na França acrescentam-se as razões ideológicas, de resto, estreitamente ligadas às primeiras.
Basta pensar em Montesquieu e na doutrina da separação dos poderes,
doutrina que, na sua mais rígida formulação, foi, não erradamente, considerada absolutamente incompatível com toda possibilidade de interferência
dos juízes na esfera do poder legislativo, visto, além disto – especialmente
por força dos desenvolvimentos rousseaunianos daquela doutrina – como a
42
direta manifestação da soberania popular.
Como cita a doutrina, sempre na França e desde antes da Revolução Francesa que não há confiabilidade nos juízes franceses, pois os mesmos estiveram a
serviço do absolutismo. Desta forma, surgindo a questão do controle sobre as leis
perante a constituição, o Poder Legislativo, sendo quem elabora a lei e somente ele
podendo expulsá-la do sistema, deixa para o Poder Executivo as competências especificas e para as Justiças comum e administrativa, os julgamentos. Pressuposto
da inadmissibilidade de intervenção de um poder em outro. Jamais o Judiciário intervem no poder legislativo e vice e versa.
42
Ibid. CAPPELLETTI, Mauro. 1999, p.97.
43
Com a criação do Conselho Constitucional, este se tornou o paradigma do
controle político e não judicial, com algumas atenuações implementadas a partir de
1958.
44
14 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO DIREITO COMPARADO
14.1 O SISTEMA FRANCÊS – CONTROLE POLÍTICO
Não está previsto, na França, o controle difuso ou o concreto judicial, mas
sim o controle de constitucionalidade exercido por um conselho chamado de Conseil
Constitutionnel.
Este Conselho corporifica-se na sua integralidade com a composição dos
Ex-Presidentes da República e outros nove membros ativos dentre três nomeados
pelo Presidente da República, três nomeados pelo Presidente da Assemblée Nationale e três nomeados pelo Presidente do Senat.
Não somente se ocupa este Conselho das questões que envolvem a constitucionalidade, como também as questões das eleições do Presidente da República
e do Parlamento Francês.
A título de conhecimento expedito, tem-se o rito em que o texto legislativo ou
o tratado internacional, já elaborado de forma definitiva pelo parlamento, contudo
não promulgado, é encaminhado ao Presidente da República. Se o Presidente da
República, o Primeiro Ministro ou os Presidentes da Assembléia Nacional ou do Senado entenderem que há vício na constitucionalidade, requerem, por competência
constitucional, seja o texto examinado pelo Conseil Constitutionell, para que ele diga
sobre a conformidade com a Constituição.
Ressalte-se que para as leis orgânicas francesas (no Brasil importam à organização fundamental do Estado) é compulsório o exame da constitucionalidade
pelo Conselho Constitucional.
O prazo normal para a manifestação deste Conselho é de até trinta dias e
para regime de urgência é de oito dias, com decisão, em sessão secreta, por maio-
45
ria de votos. Não existem partes, contraditório, nem audiências, nem defesas orais,
somente memoriais escritos.
Como é um controle a posteriori, mas antes da promulgação, sendo inconstitucional o texto, não entra em vigor.
Este sistema tem sido bem aceito pela doutrina e principalmente na seara
jurídica na França, pois envolve, na realidade, o processo legislativo e a história política e social daquele país.
14.2
UMA BREVE VISÃO DO SISTEMA DE CONTROLE DE CONSTITUCIONA-
LIDADE DA ITÁLIA: A CORTE CONSTITUCIONAL
Na Itália ocorre um controle de constitucionalidade através de um Tribunal
Constitucional, em que o Presidente da República tem o dever de promulgar as leis
aprovadas pelo Parlamento.
Contudo, pode acontecer do Presidente da República entender que exista
algum vício na lei que a torne inconstitucional. Assim, deve remeter o texto novamente ao Parlamento para apreciar, motivando os seus fundamentos de inconstitucionalidade e de interesse público.
Caso o Parlamento devolva o texto ipsis litteris para o Presidente da República, sendo, então por força constitucional obrigado a promulgar, pode enviar a lei
ao Tribunal Constitucional, que, o apreciando, dirá sobre a Constitucionalidade ou
não daquele texto, dissipando o conflito atinente. Neste momento, o Tribunal Constitucional, ao cabo, exerce, em verdade, um caráter jurisdicional elidindo o conflito.
46
14.3
UMA BREVE VISÃO DO SISTEMA DE CONTROLE DE CONSTITUCIONA-
LIDADE NA ALEMANHA: O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ALEMÃO BUNDESVERFASSUNGSGERICHT.
A Lei Fundamental de Bonn concebe o Budesverfassugsgericht, como órgão
jurisdicional composto por juízes federais e outros juristas eleitos em parte iguais
pelo Parlamento Federal (Bundestag) e pelo Conselho Federal (Bundesrat), não podendo os seus membros ser escolhidos dentre os integrantes dos órgãos legislativos federais e estaduais ou dos governos federal e estaduais. 43
Este Tribunal é organizado em duas Câmaras com suas competências definidas, entre elas a de editar seus regimentos com regras processuais próprias e suplementares.
A sua competência versa sobre as controvérsias entre órgãos federais superiores, direitos e deveres da união e estados, mormente, no tocante à execução do
direito federal, ao exercício da fiscalização federal, e outras controvérsias entre a
União e os Estados, entre os Estados ou no interior destes Estados, mas sempre
que não houver outra via de ação.
Também lhe compete o controle das normas, onde aborda a constitucionalidade ou legitimidade; os Recursos Constitucionais formulados por qualquer cidadão
sob o embate com qualquer direito fundamental; Denúncias de abusos de direito, a
Inconstitucionalidade dos partidos políticos, os quais ameacem a ordem democrática
e o controle sobre as eleições. Nas lacunas pode ocorrer aplicação analógica de
outras regras processuais.
43
MENDES Gilmar Ferreira. O Controle de Constitucionalidade. Aspectos Jurídicos e Políticos.
São Paulo, SP: Ed. Saraiva. 1990. p. 139.
47
14.4
O CONTROLE ABSTRATO E CONCRETO DE NORMAS DO BUNDESVER-
FASSUGSGERICHT
A Lei Fundamental consagra a competência do Bundesverfassungsgericht
para apreciar a compatibilidade formal e material do direito federal e estadual com a
constituição, ou a compatibilidade do direito estadual com o direito federal. 44
No exame do controle de constitucionalidade, observa a doutrina que a diferença entre os dois controles reside, no concreto, na lesão a direito do impetrante
com pertinência da questão constitucional, e no caso abstrato desvincula-se do subjetivismo para vincular-se à defesa da ordem constitucional, contudo e às vezes com
conteúdo marcadamente político.
O controle abstrato de normas pode ser proposto pelo Governo Federal, pelo Governo Estadual, ou por um terço dos membros do parlamento, desde que se
configure divergência ou dúvida sobre a compatibilidade da lei com a constituição.
No caso concreto, qualquer juiz pode requerer que a Corte constitucional verifique a compatibilidade da lesão ao direito com a constituição, suspendendo o exame do processo original até o deslinde da questão constitucional.
Observamos, além de tudo, que em curta análise, o defeito causado pelo
sistema de controle de constitucionalidade Austríaco, não se repetiu nos demais
sistemas, na espécie, no sistema Italiano e no sistema Alemão, sem afastar a grande influência que tiveram os estudos austríacos tão originais e engenhosos.
Na lição de Cappelletti (1999), lê-se:
Em suma, os juízes comuns são, na Itália e na Alemanha, assim como na
Áustria incompetentes para efetuar tal controle de constitucionalidade que é
reservado à competência exclusiva das Cortes Constitucionais dos dois paí44
Ibid. MENDES, Gilmar Ferreira. 1990, p. 155.
48
ses. Contudo, na Itália como na Alemanha, diferentemente da Áustria, todos
os juízes comuns, mesmo aqueles inferiores, encontrando-se diante de uma
lei que eles considerem contrária à Constituição, em vez de serem passivamente obrigados a aplicá-la, têm, ao contrário, o poder (e o dever) de submeter a questão da constitucionalidade à Corte Constitucional, a fim de que
45
seja decidida por esta, com eficácia vinculatória.
Desta forma verifica-se que as constituições italiana e alemã não possuem o
grave defeito contemplado no sistema austríaco, que era a omissão quanto ao controle judicial concreto.
46
Ainda frente ao gênio alemão, Cappelletti (1999) precreve:
(...) tem-se que na Itália e na Alemanha do pós-guerra as questões de constitucionalidade das leis podem chegar ao julgamento das Cortes Constitucionais quer “incidentalmente”, ou seja, por ocasião dos casos concretos
discutidos em processos civis, penais ou administrativos – e fala-se, a este
propósito, de um konkrete ou também, “em via principal”, ou seja, em um
processo autônomo, visando, exclusivamente, a promover o julgamento da
Corte sobre a constitucionalidade de uma dada lei e promovido por iniciativa
de alguns órgãos não judiciários, ou mesmo por iniciativa de uma determinada minoria parlamentar ou de pessoas individualmente consideradas – e
fala-se, neste caso, de abstrakte Normenkontrolle (controle normativo abstrato, abstract review), exatamente para indicar que o controle de legis legitimitate é aqui feito pela Corte Constitucional, sem nenhuma ligação com de47
terminados casos concreto.
Ainda Cappelletti (1999) em nota de rodapé giza:
Manifesta-se, aqui, uma analogia dos mencionados sistemas europeus com
o sistema mexicano. De fato, também no México, o controle judicial de constitucionalidade não é nem exclusivamente um controle que se dá por via
principal (como foi originalmente na Áustria) nem exclusivamente um controle promovido por via incidental (como nos Estados Unidos da América), mas,
antes, um sistema misto ou composto de elementos hetereogêneos, nos
qual está aberta a possibilidade de uma “accion de inconstitucionadidad de
las leyes”, seja também a possibilidade de um “recurso de inconstitucionalidad”, este último, segundo as palavras de um dos mais sérios estudiosos do
judicio de amparo, consiste exatamente em “um control de constitucionali48
dad de las leyes por via de excepcion”.
45
Ibid. CAPPELLETTI, Mauro. 1999, p.109.
Ibid. CAPPELLETTI, p.104.
47
Ibid. CAPPELLETTI. p.111.
48
Ibid. CAPPELLETTI. p.112/113.
46
49
Pode-se perceber a justeza, entre os outros sistemas citados, mas na espécie, o sistema de controle de constitucionalidade de leis e atos normativos da Alemanha na atuação democrática e republicana, dando como recurso em última instância, o recurso constitucional ou Verfassungsbeschwerde, o judicio de amparo
(Direito Espanhol e Mexicano).
Assim, cita Mendes (1999):
Convém observar que, no direito alemão, a Verfassungsbeschwerde (recurso constitucional) está submetida ao dever de exaurimento das instâncias
ordinárias. Todavia, a Corte Constitucional pode decidir de imediato um recurso constitucional, se se mostrar que a questão é de interesse geral ou se
demonstrar que o requerente poderia sofrer grave lesão caso recorresse à
via ordinária (Lei Orgânica do Tribunal, § 90, II). Como se vê, a ressalva
constante da parte final do § 90, II, da Lei Orgânica da Corte Constitucional
alemã confere-lhe uma ampla discricionariedade, tanto para conhecer das
questões fundadas no interesse geral (allgemeine Bedeutung), quanto daquelas controvérsias baseadas no perigo iminente de grave lesão (schwerer
49
Nachteil).
Com este breve alicerce de controle de constitucionalidade no direito comparado, passamos a examinar o controle difuso e o concentrado, sob a ótica do Direito Brasileiro.
No objetivo deste trabalho não se tem a pretensão de aprofundar o exame
do Tribunal Constitucional Alemão, uma vez que os exemplos de Tribunais Constitucionais usados, como o Alemão, são de cunho pedagógico e orientadores deste,
para não nos estendermos além do proposto, neste momento.
49
MENDES Gilmar Ferreira. Argüição de descumprimento de preceito fundamental: Demonstração de inexistência de outro meio eficaz. Brasília, DF: Revista Jurídica Virtual. v. 2, n. 13, jun./1999.
50
15 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS NO DIREITO BRASILEIRO
15.1 UM BREVE HISTÓRICO
A Constituição de 1824 não regulou o Controle de Constitucionalidade
pelo Poder Judiciário. No artigo 15, ns. 8 e 9, prescreviam que ao Poder Legislativo competia fazer leis, interpretá-las, suspendê-las, revogá-las e zelar pela guarda da Constituição, sofrendo influência dos sistemas Inglês e Francês.
Em 1891, influenciada diretamente pelo direito norte-americano, aparece
a primeira constituição com caráter republicano, que estabeleceu o controle incidental ou difuso de constitucionalidade.
Ressalte-se que a Lei 221, de novembro de 1894, dispôs no seu artigo
13, § 10, sobre a organização da Justiça Federal e é considerada relevante ao
sistema de controle de constitucionalidade no Brasil, ao revelar a supremacia do
Judiciário, verbis:
Os juízes e tribunais apreciarão a validade das leis e regulamentos e deixarão de aplicar aos casos ocorrentes as leis manifestamente inconstitucionais e os regulamentos manifestamente incompatíveis com as leis e
com a constituição.
Em 1934 foi mantido o controle difuso ou incidental, mas trouxe inovações importantes como o quorum da maioria absoluta dos membros dos tribunais
para as decisões de inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público (art.
179), a possibilidade de o Senado Federal suspender execução de lei ou ato, deliberação ou regulamento, declarados inconstitucionais pelo Judiciário, atribuindose o efeito erga omnes, bem como o Mandado de Segurança (art. 113, n. 33).
A “Polaca” de 1937, outorgada no Estado Novo, foi marcada pelo autoritarismo com concentração de poder nas mãos do chefe do Poder Executivo que
51
não tolerava um controle de constitucionalidade, dotado de liberdade e independência.
O seu artigo 96 dispôs que só por maioria absoluta de votos da totalidade
dos juízes, poderiam os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato
do Presidente da República, conquanto, o parágrafo único prescrevia:
No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo
do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à
promoção ou defesa do interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento:
se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras,
ficará sem efeito a decisão do Tribunal.
Tínhamos um Poder Judiciário atenuado no controle de constitucionalidade, já que, por iniciativa do Chefe do Executivo, o Parlamento poderia anular a
decisão da Corte, afetando a eficiência do controle jurisdicional de constitucionalidade e, porque não citar, a Segurança Jurídica.
Eis que surge a Constituição de 1946, e dá continuidade ao controle difuso (incidenter tantum), mantendo-se assim os preceitos da Carta Magna de
1934.
Contudo, a Emenda Constitucional 16/1965 formata um alargamento da
competência originária do Supremo Tribunal Federal, através da competência
dada ao mesmo que para processar e julgar a representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa federal ou estadual, encaminhada
pelo Procurador-Geral da República.
Observando com mais cuidado, vê-se que se tratava de uma ação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual que atentasse contra os princípios sensíveis. O Supremo Tribunal Federal não só examinava a lei federal interventiva, mas também declarava a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
estadual para efeito de intervenção, não restando dúvida que a reforma constitucional introduziu no Brasil o controle concentrado ou abstrato de constitucionalidade.
52
Na Constituição de 1967/69 ficou mantido o sistema misto de controle de
constitucionalidade, prevendo a representação perante o Supremo Tribunal Federal tendo como legitimado ativo e exclusivo o Procurador-Geral da República.
Por fim, chegamos à Constituição de 1988, a qual além de manter o sistema híbrido ou misto, isto é, difuso de controle de constitucionalidade e o concentrado, este último, trazido ao nosso ordenamento jurídico pela EC n. 16/65,
trouxe outras novidades que contribuíram para um verdadeiro avanço com vistas
ao aperfeiçoamento e à democratização da fiscalização constitucional.
Ampliou a legitimidade para ingressar com Ação Direta de Inconstitucionalidade. No artigo 103, § 2º, introduziu a Ação Direta de Inconstitucionalidade
por Omissão, o mandado de injunção, e a argüição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição. Ainda, previu a possibilidade de
representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou
municipais em face da Constituição Estadual e, pela Emenda Constitucional n.
3/93, criou a Ação Declaratória de Constitucionalidade de lei ou ato normativo
federal.
15.2
O SISTEMA ATUAL DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO
BRASIL
Na concepção de Estado, a idéia de segurança está topologicamente posta
no ápice da edificação social. A autoridade do Estado está no uso dos meios de preservar a proteção e a fiscalização de si mesmo e das liberdades públicas. Explica-se
a escolha da segurança jurídica, caso a caso em concreto, a opor-se à legalidade,
pois a base de sua existência está nesta mesma segurança50
50
Ibid. GUASQUE, Luiz Fabião. 2004.
53
O controle de constitucionalidade das leis e atos normativos do poder público no direito brasileiro possui dois momentos de verificação da compatibilidade da
norma com o sistema, a priori e a posteriori.
O primeiro acima evita que a lei vigore com vício formal ou material, o controle preventivo exercido pelo legislativo e pelo executivo, cada um oportunamente.
O segundo é feito pelo judiciário, repressivo, que expulsa a norma do sistema.
Assim, o controle de constitucionalidade das leis no Brasil pode ser feito através do controle preventivo, quando as Comissões de Constituição e Justiça analisam os projetos de lei e verificam se estes são constitucionais ou não. Em ato contínuo, acontece o posterior exame em plenário do projeto de lei, onde qualquer parlamentar, se entender que há vício de inconstitucionalidade e que tenha de ser elidido o projeto, durante a votação, o faz, embora isto não seja a praxe das Casas Legislativas, por vários motivos, entre eles, os políticos, mas que são factíveis para
melhor amoldar a norma à Constituição.
Quando isto não ocorre, passa-se à fase de análise pelo Poder Executivo a
quem cabe, por determinação constitucional, o exame do veto ou da sanção a ser
proferida pelo Chefe do Poder Executivo, que pode vetar a lei, se entender inconstitucional ou contra o interesse público, devidamente fundamentado, no prazo de
quinze dias úteis (§1º do art. 66 da Constituição da República).
Nada ocorrendo no controle preventivo e sendo a norma flagrantemente inconstitucional, tem lugar o controle repressivo pelas vias, direta, de exceção, incidental, interventiva, declaratória ou de violação de preceito fundamental. Entra em
cena o controle via judiciário, chamado repressivo, que é o nosso sistema de controle, diferentemente do controle político exercido por um Tribunal Constitucional, aqui
o Supremo Tribunal Federal.
Na análise que vai ser processada neste trabalho e por envolver as questões atinentes, também, aos Tribunais de Contas, passaremos a fazer uma expedita
análise das vias difusa, concentrada e incidental, objeto de análise, como meio de
fazer frente à atuação das Cortes de Contas dentro das suas peculiaridades.
54
É cabal gizar, neste momento, que existe positivado na nossa Carta Magna
e que a doutrina cita, a questão que envolve o controle repressivo a ser utilizado
pelo Poder Legislativo, quando no art. 49, inciso V, permite que o Congresso Nacional possa sustar atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou nos limites de sua delegação.
Mencione-se que deverá, no caso, ser editado pelo Congresso Nacional decreto legislativo sustando tal ato presidencial ou Lei Delegada por ser incompatível
com o texto constitucional, conforme prescreve a regra, verbis: (...) sustar os atos
normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites
de delegação legislativa.
15.3 SISTEMA DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE
NO DIREITO BRASILEIRO
Como expusemos supra, não vale nem cabe repetir que o sistema de controle de constitucionalidade por via direta surgiu na Áustria em 1920-1929 com os
trabalhos de Hans Kelsen, onde propôs o sistema concentrado, devido às falhas e
perigos do sistema americano de controle difuso. Este tipo de controle está fundamentado nas concepções do Tribunal Constitucional Austríaco que, posteriormente,
como já vimos, alastrou-se contaminando, beneficamente, respeitadas as devidas
peculiaridades das searas jurídico-políticas, para o sistema de controle de constitucionalidade nos Tribunais Constitucionais Alemão, Espanhol, Italiano e Português.
O controle concentrado de constitucionalidade de leis e atos normativos no
Direito Brasileiro, somente foi positivado com a Emenda Constitucional nº 16 de
06.12.1965, que atribuiu ao Supremo Tribunal Federal a competência para processar e julgar originariamente a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo federal ou estadual, apresentada pelo Procurador-geral da República,
55
apesar da existência da representação interventiva, desde a Constituição de 1934.
51
Processa-se, a priori, pela Ação Direta de Inconstitucionalidade própria, por
Omissão, Interventiva, pela Ação Direta de Constitucionalidade ou pela de Descumprimento de Preceito Fundamental. Estes procedimentos estão insculpidos no texto
constitucional, podendo levar a uma declaração de inconstitucionalidade, à exceção
da Direta de Constitucionalidade, segundo a respeitável jurisprudência e doutrina
pátria, provocando o efeito vinculante52. Contudo, o artigo 24 da Lei nº 9.868/1999,
prescreve no seu artigo 24 que Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente eventual ação declaratória; e, proclamada a
inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou improcedente eventual ação declaratória. Os efeitos das demais são de retroagir (ex-tunc) e ter eficácia
contra todos (erga omnes).
Gize-se que temos no controle concentrado, em abstrato, o ataque direto e
fulminante, em tese, e que expulsa do mundo jurídico a norma viciada, formal ou
materialmente, considerando-a nula, ex-radice, como se nunca tivesse existido, embora no direito comparado alemão seja acolhida a tese da inconstitucionalidade sem
declarar a norma nula.53
Parte-se da idéia e comprovação de que existe uma ameaça ao sistema
normativo-constitucional por uma determinada norma ou ato normativo eivado de
vícios e que vai prejudicar todo o sistema, fundamentalmente, as liberdades públicas.
Constata-se que no artigo 103 da Constituição da República estão dispostos
os legitimados e autorizados a propor a Ação Direta de Inconstitucionalidade contra
51
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19 ed. Ed. Atlas. São Paulo. 2006, p. 664
Esta era a posição inicial da doutrina quando da aprovação da Emenda Constitucional nº 3/2003, no
contraditório da Adin com a ADC, qual seria o resultado? Alguns doutrinadores diziam que o acórdão
seria apenas pela constitucionalidade da ADC outros diziam o que a Lei 9868/1999 prescreve.
53
Ibid. MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. O Controle Abstrato de Normas. São
Paulo: Ed. Saraiva. 1996.
52
56
lei ou ato normativo do Poder Público, viciada na sua forma ou matéria, que são o
Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de Assembléia Legislativa ou Câmara Legislativa do Distrito Federal,
o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-geral da República, o
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação do Congresso Nacional, confederação sindical ou entidade de classe de
âmbito nacional, citando-se que não existe qualquer menção do Tribunal de Contas,
seus membros, ou o Ministério Publico de Contas, como legitimados ao ajuizamento, mesmo que a existência dos Tribunais de Contas sejam caracterizados pela plena vigência do espírito republicano, então, na defesa dos interesses da sociedade,
ainda que desconhecido, mas constitucional e legalmente regrado.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade, a qual é de competência do Supremo Tribunal Federal, está disposta, também, na Lei Federal nº 9868/99, que dá as
diretrizes e contornos processuais à ação, Código de Processo Civil, artigo 480 e no
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, artigos 176 e seguintes.
Dessarte, podemos citar o prescrito no artigo 102 da Constituição da República, verbis:
Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente: a) a ação direta
de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação
declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;
Nota-se que o Legislador constitucional, seguindo a tradição, optou em dar a
interpretação e a guarda da constituição ao Poder Judiciário, embora o Supremo
Tribunal Federal não trate exclusivamente das questões constitucionais de controle,
exerce a tutela dos interesses, todos com denotações constitucionais, mas nem todos inconstitucionais. Assim, é o guardião da Carta Maior.
Contudo, ainda em exame de constitucionalidade e derivando do controle
abstrato para o concreto frente ao escopo deste trabalho, vamos ao controle difuso,
já tradicional desde a Constituição de 1891.
57
15.4
SISTEMA DE CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE NO DI-
REITO BRASILEIRO
Como já explicitado supra, o sistema de controle difuso de constitucionalidade tem gênese brasileira, baseada no sistema norte-americano, jurisprudencial, a
partir do leading case, Marbury vs. Madison, em que o juiz Marshall deu a idéia de
superioridade e respeitabilidade de certas normas sobre outras, mostrando a hierarquia constitucional.
De origem mais remota, como já mencionado, Sócrates examinou o comportamento dos atenienses, de sorte que o filósofo nos deu a primeira noção de cumprimento de certas normas mais do que outras; vale dizer, hierarquia, observando o
fato social frente à regra de status maior, dando a oportunidade de nos aproximar do
raciocínio do juiz Marshall.
15.5 O NOSSO CONTROLE DIFUSO
Este controle é conhecido também como via de exceção ou defesa. Tem a
característica de que qualquer juiz ou tribunal pode realizar no caso concreto a análise sobre a compatibilidade do ordenamento jurídico com a Constituição Federal.54
Na análise feita pelo judiciário não está em tela a questão central, mas a
prévia que é indispensável ao julgamento da lide. A intenção do agente é ver declarada a inconstitucionalidade da lei que obstaculiza o seu direito a ser exercido.
O controle difuso caracteriza-se, principalmente, pelo fato de ser exercitável
somente perante um caso concreto a ser decidido pelo Poder Judiciário. Assim, posto um litígio em juízo, o Poder Judiciário deverá solucioná-lo e para
tanto, incidentalmente, deverá analisar a constitucionalidade ou não da lei ou
54
Ibid. MORAES Alexandre de. 2006, p.645.
58
ato normativo. A declaração de inconstitucionalidade é necessária para o
55
deslinde do caso concreto, não sendo pois objeto principal da ação.
O controle difuso de constitucionalidade está positivado na Constituição da
República, em sede de Recurso Extraordinário, alíneas a, b e c do inciso III do art.
102, onde prescreve:
III – julgar, em recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta
Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c)
julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
A via de exceção no controle difuso mostra-se aplicável quando a norma parece, ao demandado, fustigar o texto constitucional. Neste momento o juiz pode deixar de aplicá-la por concordar com a argüição da demanda e entender como inconstitucional, determinando-a, na sentença. A parte, aproveitando o duplo efeito, requer
a devolução ao órgão julgador superveniente para que julgue. Assim, em seu trâmite
regulamentar, vai à instância extraordinária para exame no Supremo Tribunal Federal, onde a decisão positiva determina a declaração de inconstitucionalidade inter
partes com efeito ex tunc, com a aplicação, se for o caso, do que prescreve o inciso
X do art. 52 da Constituição da República, aí com efeito ex nunc e eficácia erga omnes.
15.6 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE POR VIA PRÓPRIA
Uma questão interessante que alguns doutrinadores, em especial Nelson
Oscar de Souza, propõem para discussão, tem lugar quando alguém constata que
existe, no sistema, uma norma que fere frontalmente a constituição. Neste contexto,
ela deve ser expulsa do sistema infraconstitucional. É a chamada via própria.
55
MORAES, Alexandre in Barbosa, Ruy. Os actos inconstitucionaes do Congresso e do Executivo ante a Justiça Federal. Rio de Janeiro: Ed.Cia. impressora 7, 1893. p. 96.
59
Como se processa? Construindo-se uma tese em que se demonstre o interesse econômico e jurídico, bem como a questão constitucional, ajuizando-se um
remédio jurídico capaz de provocar a análise da questão proposta incidentalmente,
chegando-se ao exame difuso da constitucionalidade. Não se trata de defesa in concreto, mas da defesa da ordem constitucional e do sistema normativo em tese, feita
por qualquer do povo, com capacidade postulatória e que tenha seu direito ou de
outrem obstaculizado por esta norma impugnada.
A parte prejudicada formula a sua pretensão perante o juiz e indica o fundamento do seu direito e argúi pedido prévio de reconhecimento da inconstitucionalidade da norma ou ato impeditivo. Pode, pois, fazê-lo para ver reconhecido direito seu que esteja bloqueado ou obstado por lei ou ato que a
parte inquine do vício capital. Assim, para que o Judiciário lhe possa atribuir
determinado direito, ou afastar determinado prejuízo, há de reconhecer previamente que o obstáculo oposto ao interessado parte de norma eivada de
56
inconstitucionalidade.
Estamos frente a mais um método de controle de constitucionalidade híbrido, porquanto o ataque é no caso concreto, mas o resultado é, às vezes, de caráter
incidental, ou misto, já que a questão é prejudicial e pode ser remetida ao Tribunal
competente para manifestar-se sobre a constitucionalidade da norma fustigada, com
denotações de ataque em abstrato.
É um sistema de via própria em que cabe o exercício da sensibilidade jurídica do sujeito ativo para perceber e buscar a nulidade da norma viciada de inconstitucionalidade.
Far-se-á, por fim, o estudo da via incidental, a qual também interessa ao
nosso estudo comparativo.
56
SOUZA, Nelson Oscar de. Manual de Direito Constitucional. Rio de Janeiro – RJ: Editora Forense, 1998, p. 220.
60
15.7 A QUESTÃO DO CONTROLE INCIDENTAL DA CONSTITUCIONALIDADE
Como já antes afirmado, o controle incidental foi fruto da exaustiva análise
provocada pelos estudos de Hans Kelsen e que conduziu à criação do Tribunal
Constitucional Austríaco em contraposição ao sistema de controle de constitucionalidade dos Estados Unidos.
Todavia, ficou patente que o sistema concentrado austríaco possuía a falha
de não atingir casos concretos, onde em 1929 se introduz a via incidental para abranger, democraticamente, o sistema, em sua globalidade, conferida a mais alguns
legitimados, agora, os tribunais judiciários.
Verifica-se que este tipo de controle ficou incorporado também como sistema incidental de controle de constitucionalidade com amplo espectro de aplicação.
Embora não esteja cristalinamente positivado na Constituição da República,
este controle está indiretamente e prescrito no Regimento Interno dos Tribunais de
Justiça e Superiores, a exemplo no Rio Grande do Sul: verbis:
Art. 209. Sempre que os órgãos fracionários do Tribunal se inclinarem pela
inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo, determinarão a remessa do
processo ao Órgão Especial.
(...)
Art. 211. A decisão declaratória ou denegatória da inconstitucionalidade, se
proferida por maioria de dois terços, constituirá, para o futuro, decisão de aplicação obrigatória em casos análogos, salvo se algum órgão fracionário,
por motivo relevante, entender necessário provocar novo pronunciamento do
Órgão Especial sobre a matéria.
Na seara dos Tribunais Superiores podemos visualizar no Superior Tribunal
de Justiça, em seu Regimento Interno, o prescrito:
“Art. 199. Se, por ocasião do julgamento perante a Corte Especial, for argüida a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, suspender-se-á o julgamento, a fim de ser tomado o parecer do Ministério Público, no prazo de quinze dias.”
61
“§ 1º. Devolvidos os autos e lançado o relatório, serão eles encaminhados
ao Presidente da Corte Especial para designar a sessão de julgamento. A
Secretaria distribuirá cópias autenticadas do relatório aos Ministros.”
“§ 2º. Proclamar-se-á a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade do
preceito ou ato impugnado, se num ou noutro sentido se tiver manifestado a
maioria absoluta dos membros da Corte Especial.”
No âmbito do Supremo Tribunal Federal, está assim posto:
Art. 176. Argüida a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, em qualquer outro processo submetido ao Plenário, será ela julgada em conformidade com o disposto nos arts. 172 a 174, depois
de ouvido o Procurador-Geral.
§ 1° Feita a argüição em processo de competência da Turma, e considerada
relevante, será ele submetido ao Plenário, independente de acórdão, depois
de ouvido o Procurador-Geral.
§ 2° De igual modo procederão o Presidente do Tribunal e os das Turmas,
se a inconstitucionalidade for alegada em processo de sua competência.
Art. 177. O Plenário julgará a prejudicial de inconstitucionalidade e as demais questões da causa.
Art. 178. Declarada, incidentalmente, a inconstitucionalidade, na forma prevista nos arts. 176 e 177, far-se-á comunicação, logo após a decisão, à autoridade ou órgão interessado, bem como, depois do trânsito em julgado, ao
Senado Federal, para os efeitos do art. 42, VII, da Constituição. (art. 52, X
CRFB 1988)
Como acima mostrado, dá-se durante o andamento do processo, em nível
de órgão colegiado, Turma, Grupo ou Câmara, quando uma das partes, o Ministério
Público ou os próprios julgadores verificam a existência de inconstitucionalidade de
lei ou ato normativo do poder público no processo em exame e determinam a sua
suspensão, remetendo-o ao Tribunal Pleno, para que este dirima a inconstitucionalidade. Observa-se que se a Turma, Grupo ou Câmara entender constitucional a lei
ou ato normativo, não há necessidade de remeter ao Tribunal Pleno, pois neste caso a dúvida é do órgão julgador. De qualquer forma será oferecido o recurso competente ao prejudicado, pois, na espécie, até então ninguém houvera suscitado a inconstitucionalidade.
62
16 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO ÂMBITO DAS CORTES DE
CONTAS
Para que possamos entender melhor a questão do controle geral, mas em
especial o de constitucionalidade no âmbito de competência das Cortes de Contas,
temos que nos remeter a uma breve história destes Tribunais especializados. Recuemos na história brasileira para verificar os fundamentos constitucionais que trouxeram esta tradição de controle sobre a idéia já preconizada por Montesquieu, onde o
poder nas mãos de apenas um, não pode ser concebido, proposta no livro, “O Espírito das Leis”, propondo a separação dos poderes e a conseqüente distribuição de
competências. Podemos perceber que na constituição do Império já estava disposto
no art. 172 verbis:
O Ministro de Estado da Câmara da Fazenda, havendo recebido dos outros
Ministros o orçamento relativo às despesas de suas repartições fará na Câmara dos Deputados, anualmente, logo que estiver reunido, um balanço geral de todas as despesas públicas do ano futuro e da importância de todas
as contribuições e rendas públicas.
Estava lançada a pedra fundamental do controle de contas públicas, através
do Poder Legislativo, porque este detinha o controle de constitucionalidade das leis
via o próprio parlamento. Assim, o controle de contas podia ser observado também
à luz do controle de constitucionalidade, já que o parlamento, no Império, era quem
detinha este último controle, sob a forte influência francesa.
Somente em 7 de novembro de 1890, por meio do Decreto 966-A é criado,
efetivamente, o Tribunal de Contas.
O fundamento da criação está na razão e na necessidade de criar-se um
mecanismo de controle de contas públicas, para evitar as ilegalidades cometidas
pelos detentores do poder, bem como um controle geral das contas atinentes a estes administradores. Frente a isto, ainda o fundamento recursal de que o homem é
um ser sujeito ao erro e recurso pode sanar vícios formais ou materiais em busca do
justo.
63
17 OS TRIBUNAIS DE CONTAS E SUAS COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS E
LEGAIS
Pode-se dizer que os Tribunais de Contas são órgãos de auxílio dos Poderes Legislativos e não apenas deste, mas dos poderes Executivo e Judiciário, também, como da sociedade organizada, mediante seus órgãos de participação política.
Nesta condição, eles alçam ao Legislativo o trabalho técnico para o constitucional
Controle Externo, fornecendo-lhe informações, através das inspeções e auditorias,
culminando nas emissões de pareceres prévios das contas dos Chefes de Poderes
Executivos e relatórios que levam ao julgamento dos demais administradores de
contas, bens e direitos públicos, com ênfase na fiscalização dos agentes públicos e
políticos, como no auxílio da administração em geral e o Poder Judiciário na autotutela da legalidade e no Controle Interno, orientando, ainda, a atuação destes poderes e controlando os responsáveis por bens e valores públicos. 57
Como os Tribunais de Contas são órgãos de auxílio do Poder Legislativo no
controle constitucional de contas públicas, não pode ser considerado um quarto poder, muito embora as suas competências derivem do texto constitucional, ex vi do
Art. 71, seus parágrafos e incisos, bem como possui autonomia, financeira, funcional e administrativa, que estão no Capítulo concernente ao Poder Legislativo. Não é,
portanto, um preposto do Poder Legislativo, mas sim um órgão de auxílio, na medida em que recebe as suas competências diretamente da Constituição da República.
58
Nos artigos 71 a 75, a Constituição da República, dispõe das funções, forma
de composição e nomeação dos seus membros, como também prescreve as várias
atividades que lhe são peculiares dentro do Controle Externo, nos julgamentos e
emissão dos Pareceres Prévios.
57
NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Tribunais de Contas e o poder de julgar sob a ótica do
Direito financeiro e Tributário. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 131, 14 nov. 2003.
58
STF – Pleno- j.29.06.84, in RDA158/196.
64
No que tange à esfera do Estado-Membro, as Constituições Estaduais trazem, na sua edificação jurídico-legal, a descrição, competências, composição e demais atribuições relativas ao bom funcionamento, sempre obedecendo ao princípio
da simetria vertical em consonância com a Carta Maior da República e as Leis Orgânicas dos Tribunais de Contas.
Finalmente, Odete Medauar em sua brilhante obra Controle da Administração Pública, após prescrever e comentar detalhadamente cada atribuição dos Tribunais de Contas (para nós competências por derivarem diretamente do texto constitucional), no que tange ao controle propriamente dito e prescrito no inciso XI do
artigo 71 da Carta Magna.
Grava Medauar (1993):
O inc. XI do art. 71 confere ao Tribunal de Contas possibilidade de representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados. No entanto, os termos “irregularidades” e “abusos”, pela imprecisão, despertam
dúvidas quanto ao seu sentido. Na terminologia do Direito Administrativo abuso teria acepção de abuso de poder, que abrange o excesso e o desvio
de poder, incluídos entre as ilegalidades. Irregularidade apresenta-se como
sinônimo de ilegalidade. (...) o texto em vigor menciona “poder competente”;
parece claro que se trata de representação ao poder dotado de atribuição
legal para adotar providências a respeito, seja o Legislativo ou Executivo. A
representação poderá ocorrer paralelamente a outras medidas tomadas pelo
59
Tribunal.
Parece-nos que fica com clareza solar a possibilidade da representação de
inconstitucionalidade detectada no caso concreto, fazendo-se valer da via incidental,
isto é, levando-se ao poder competente, que é o Judiciário, para que se manifeste
sobre a declaração ou não da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder
público em face da falha apontada pelo Tribunal de Contas em auditoria realizada
por sua competência constitucional e acolhida pelo Tribunal Pleno da Corte de Contas.
MEDAUAR, Odete. Controle da Administração Pública. São Paulo, SP: Ed. Revista dos Tribunais.1993. p. 139.
59
65
18 A NATUREZA JURÍDICA DAS CORTES DE CONTAS
No nosso sistema jurídico-legal, o Tribunal de Contas é um tribunal administrativo que atua no auxílio dos demais Poderes. As decisões exaradas pelos seus
órgãos de julgamento produzem a coisa julgada administrativa, não mais podendo
ser objeto de embate na Administração Pública. Contudo, tem-se entendido que na
esfera da legalidade, quando o próprio Tribunal de Contas do Estado não age dentro da legalidade, esta falha pode ser levada ao Judiciário, o qual detém a competência final de análise das questões constitucionais, a rever o processo, podendo ou
não determinar a revisão da decisão por aquele Órgão, forte no art. 5º, incisos XXXV
e LV da Constituição da República.
Existem alguns doutrinadores que entendem que os Tribunais de Contas
exercem uma função jurisdicional, pelo sentido definitivo da manifestação da Corte.
Os Tribunais de Contas exercem alguns atos típicos da função jurisdicional em sentido material, quando julgam as contas dos administradores e responsáveis como se
o judiciário fosse, aplicando como orientação processual, os Regimentos Internos
vinculados às suas Leis Orgânicas e na omissão o Código de Processo Civil, como
a independência, imparcialidade, igualdade processual, ampla defesa, produção das
provas e direito a recurso, tal como no Judiciário.
Afirmam ainda, que do ponto de vista formal, os Tribunais de Contas não
possuem função jurisdicional, podendo a matéria ser reapreciada pelo Poder Judiciário de acordo com o art. 5º, inciso XXXV da Constituição da República, não produzindo coisa julgada material, apenas administrativa.
Como seus atos podem ser revistos pelo Judiciário, atos formais, mesmo
que possam apreciar a constitucionalidade das leis e atos normativos do poder público, conforme a Súmula nº 347 do Supremo Tribunal Federal, ainda é uma jurisdição administrativa.
66
Contudo, far-se-á uma pequena e despretensiosa análise, jogando para outros ulteriores tempos e searas, talvez, uma resposta mais contundente acerca deste eletrizante tópico.
Veja-se o que prescreve o inciso XXXV do artigo 5º da Constituição da República, gizando-se aqui uma curiosa disposição constitucional frente à Súmula 347
que adiante analisaremos com mais cuidado:
A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.” (grifamos)
O texto da Súmula 347, também fala em apreciar a constitucionalidade de
leis:
O tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a
constitucionalidade das leis e dos atos do poder público.
A dúvida que estamos levantando é: o verbo nuclear apreciar da Súmula é
julgar, ou apreciar do inciso constitucional é dar apreço ou merecimento?
Como as palavras não estão soltas ou nada significam, podemos dizer a
priori que ambas levam a um juízo de valoração, sopesamento, eqüidade, razoabilidade e proporcionalidade, ou seja: justiça no caso concreto.
Contudo, a interpretação não está em tela nesta seara, que para o futuro ou
para provocar a reflexão e chamamento à ação, deixamos para outro ensejo.
67
19 UMA TEORIA E UMA CONSTATAÇÃO, COMO FORÇA DETERMINANTE NO
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NOS TRIBUNAIS DE CONTAS
Existe um mecanismo de controle de constitucionalidade jurisdicional que
poderia ser utilizado pelos Tribunais de Contas e acreditamos que exista um caminho mutatis mutandi a ser construído pelo legislador, pois este, nestas searas, a
princípio, tudo pode.
É nesta oportunidade que aparece o nosso Tribunal de Contas, que ao exercer o controle de legalidade na forma do art. 70 e seguintes da Constituição da
República, pode, pelo controle difuso ou o incidental, deixar de aplicar norma ou ato
normativo do poder público que entenda inconstitucional, ex vi, da Súmula do Supremo Tribunal Federal nº 347.
Gize-se que, se bem pensarmos, o servidor público ou o agente político (os
Chefes de Poder Executivo juram, na posse, cumprir a constituição e não estão sujeitos à “obediência devida”), em geral, não podem deixar de cumprir a lei válida,
pois a mesma goza de presunção de constitucionalidade. Todavia, o Tribunal de
Contas pode, forte no fundamento constitucional do art. 70 e seguintes, já citados, e
na sua ação fiscalizadora e controladora peculiar, deixar de aplicar norma inválida.
Todavia, quando o Executivo deixar de cumprir a lei que ele mesmo, antes
do julgamento do Poder Judiciário no caso concreto, julgue, por si, inconstitucional,
pratica dupla interferência na partilha de competências constitucionalmente estabelecidas. O Executivo, sustando um ato do Legislativo e, ao mesmo tempo, usurpando competência do Judiciário, este último a quem a Constituição concedeu a (guarda, no caso do Supremo Tribunal Federal) competência do controle de constitucionalidade, sejam propostas na via direta, de exceção ou incidental, não havendo
concedido ao Executivo tal atribuição.60
60
Ibid. NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Ano 8, n. 131, 14 nov. 2003.
68
Observa-se que há muito o Supremo Tribunal Federal tem se pronunciado
no sentido de que não é possível ao Presidente da República descumprir a lei por
entendê-la inconstitucional, ato discricionário, mormente, ante o controle em abstrato.
Em julgado, o Ministro Moreira Alves, assim decidiu:
Sucede, que, no Brasil, o controle de constitucionalidade das leis e dos atos
normativos em vigor é atribuição exclusiva do Poder Judiciário, à semelhança de países como, por exemplo, os Estados Unidos da América do Norte, a
Argentina, a Itália, a Alemanha, em que só se admite o controle judiciário
dessa constitucionalidade. (...) Os Poderes Executivo e Legislativo podem
declarar nulos, leis ou atos com força de lei, e quando declaram a nulidade
desses atos administrativos ficam sujeitos ao controle do Poder Judiciário, e
poderão ser responsabilizados pelos prejuízos advenientes dessa declaração se este entender que inexiste a pretendida ilegalidade ou inconstitucionalidade.
De outra forma mostra-nos Moraes (2006):
O Poder Executivo, assim como os demais Poderes de Estado, está obrigado a pautar sua conduta pela estrita legalidade, observando, primeiramente,
como primado do Estado de Direito Democrático, as normas constitucionais.
Desta forma, não há como exigir-se do chefe do Poder Executivo o cumprimento de uma lei ou ato normativo que entenda flagrantemente inconstitucional, podendo e devendo, licitamente, negar-se cumprimento, sem prejuí61
zo do exame posterior pelo Judiciário.
A par da discussão acerca da possibilidade ou não e da repercussão do ato
do Executivo, onde o Judiciário entender que a norma é constitucional, quais seriam
as repercussões para o erário? No caso dos Tribunais de Contas as conseqüências
são dimensionadas, dada a sua competência e práxis do Controle Externo.
61
Ibid. MORAES, Alexandre de. 2006, p. 638.
69
Com força nos precedentes argumentos, podemos, agora, penetrar na atuação dos Tribunais de Contas, quando do exame da constitucionalidade das leis federais, estaduais e municipais, no exame no plano da eficácia e tão-somente.
70
20 UMA QUESTÃO SUMULADA
Há posição doutrinária
62
, onde na análise frente à decisão da Corte funda-
mentada nos incisos II e III do art. 71 da Constituição da República, estaria presente
a possibilidade de afastamento da norma que envolve o objeto ou fato de análise
pelo Tribunal de Contas no caso concreto, a aplicação da negativa de executoriedade de norma por entender, a Corte (posição adotada pelo Tribunal de Contas do Rio
Grande do Sul), ser ela inconstitucional formal ou material.
(...) II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas
as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;
III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de
pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as
fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões
de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório; (...)
Quem defende, entende ser a natureza jurídica dos Tribunais de Contas, no
âmbito das decisões, quando a Corte examina a constitucionalidade das normas,
ora função jurisdicional como Pontes de Miranda, ora função administrativa pelos
demais, que deixa de aplicar a norma por entendê-la inconstitucional, via técnica de
interpretação que conduz a valorização da Lei Maior.63
Está, todavia, demonstrado de forma cabal nos precedentes argumentos
deste mero trabalho que o Tribunal de Contas não pode examinar a norma in abstracto, no âmbito da constitucionalidade, haja vista que na própria Constituição da
República está estabelecido o rol de competências e as pessoas com capacidade
de ajuizar uma ação direta de inconstitucionalidade, conforme se pode verificar do
Ibid. NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Ano 8, n. 131, 14 nov. 2003.
OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Manual de Direito Financeiro. 1ª. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1993.
62
63
71
prescrito no art. 103, no âmbito da Constituição da República e §1º e 2º do art. 95
da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul.
Contudo, pode o Tribunal de Contas, na medida da sua análise e interpretação, apreciar a constitucionalidade das leis e atos normativos do Poder Público, como meio incluso no seu próprio controle e na medida da competência que lhe dispõe a norma constitucional de exercer o Controle Externo, combinado com a Súmula do Supremo Tribunal Federal nº 347.
Outra súmula do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, a título de informação, prescreve: Compete ao Tribunal de Contas negar cumprimento a leis inconstitucionais.
Ao se analisar estas Súmulas, verifica-se que se está, a rigor, sob o efeito
do sistema de controle difuso ou incidental de constitucionalidade, conforme nossa
posição supra.
Com as apreciações de constitucionalidade, bem como as inconstitucionalidades, deixando de aplicar a norma por entendê-la viciada perante o Texto Magno,
sem tirar a sua validade,64 nem expungindo-a do sistema jurídico, os Tribunais de
Contas não deixam ser aplicada e, muito menos, retiram do sistema normas gerais
em abstrato, apenas interpreta-as, conforme a constituição e na espécie, no caso e
circunstância, aplicando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
64
Cite-se a posição de Gilmar Ferreira Mendes, na sua obra Jurisdição Constitucional, p.202 e seguintes, onde aborda o problema do Tribunal Constitucional Alemão, quando pela sua jurisprudência
na declaração de inconstitucionalidade, este declara a inconstitucionalidade da norma sem a pronúncia de nulidade. Prescreve o Mestre: nem sempre afigura-se possível diferençar, com precisão, a declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade. A simples determinação para que o
legislador regule determinada matéria dentro de certo prazo não expressa característica exclusiva do
Appellentscheidung, uma vez que também da declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia
de nulidade constam, não raras vezes, recomendações ou exortações expressas para que o legislador edite uma nova regulamentação.
72
Destarte, não há declaração inconstitucionalidade, mas tão-somente, afastamento da norma e excluída sua incidência, como já dito, na espécie, por entender
inconstitucional, assim prejudicial a todo sistema.
Por que as Cortes de Contas não podem retirar a norma do sistema jurídiconormativo do Brasil? Porque existe mecanismo de controle específico e Poder dotado de órgão especial para tal tarefa.
A norma geral e abstrata deve ser produzida de acordo com o processo legislativo próprio, ex vi dos artigos 59 usque 69 da Constituição da República, observada a competência legislativa em razão da matéria no nosso sistema jurídico, e
pelo paralelismo da forma, só podendo ser retirada por outra norma.65
Assim, os atos jurídicos existem, valem e são eficazes; ou existem são inválidos e ainda são eficazes; ou existem, são inválidos e são ineficazes; ou
66
simplesmente não são, é dizer, não existem.
No caso da análise de uma lei ou ato normativo do poder público nas esferas federal, estadual e municipal, afastada por uma negativa de executoriedade, a
mesma existe, é válida, mas tem a sua eficácia amortecida pelo entendimento do
Tribunal de Contas com efeito ex nunc e eficácia inter partes, com força na competência de fiscalização dada pela Constituição, exercida pelos Tribunais de Contas e
Súmula 347 do Supremo Tribunal Federal, fundamentalmente, em defesa da sociedade baseada na aplicação dos princípios dispostos no Caput do art. 37 da Constituição da República mais os supraconstitucionais.
Na topologia constitucional, verifica-se que, apesar de as Cortes de Contas
estarem no Capítulo do Poder Legislativo, são órgãos de auxílio deste Poder e exercem a suas competências com autonomia funcional, financeira, administrativa e orçamentária. Como possuem uma formação claramente híbrida no contexto, por terem regimentos próprios e seus membros equipararem-se aos Ministros do Superior
65
66
Ibid. NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Ano 8, n. 131, 14 nov. 2003.
Ibid. NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Ano 8, n. 131, 14 nov. 2003.
73
Tribunal de Justiça, e frente ao princípio da simetria aos Desembargadores dos Tribunais de Justiça nos Estados, não têm competência para legislar de maneira abstrata. Vale dizer, não possuem função de natureza legislativa, criação do direito adjetivo ou substancial.
Não é dado aos Tribunais de Contas editar validamente, a qualquer título,
regras de direito que sejam elas independentes ou regulamentares, que contenham imposição de obrigações dirigidas a terceiros, sejam eles adminis67
tradores públicos ou particulares administrados.
Ainda, os Tribunais de Contas, na aferição do embasamento legal dos atos
de gestão financeira e patrimonial dos entes estatais, o que constitui preliminar insuperável para a verificação da legalidade dos procedimentos resultantes de despesa pública, podem, como já dito, apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos
do Poder Público, a teor da jurisprudência sumulada. Fazem-no, contudo, sem caráter de conclusividade e sob a eventual censura do Poder Judiciário, no âmbito do
controle judicial difuso da constitucionalidade das normas jurídicas.68
Em uma análise mais perquiridora, pode-se gravar que a expressão contida
na Súmula 347 do Supremo Tribunal Federal reflete a sabedoria do julgador superior ao conceder atribuição jurisprudencial para dar azo à interpretação e amplitude
ao julgador administrativo. O Tribunal de Contas, no caso concreto, para atribuir os
devidos efeitos nas circunstâncias, sem retirar a norma do sistema, afasta-a na sua
eficácia e incidência, com fundamento no juízo de razoabilidade e proporcionalidade, impérios da eqüidade, apoiado, também, nos positivados princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, legitimidade e economicidade, e porque não dizer, da eficácia, todos já exaustivamente supracitados.
No dizer de Mendes (1999):
É possível que a aplicação do princípio da proporcionalidade configure um
dos temas mais relevantes do moderno direito constitucional. A possibilidade
67
68
Ibid. NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Ano 8, n. 131, 14 nov. 2003.
Ibid. NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Ano 8, n. 131, 14 nov. 2003.
74
de se proceder à aferição sistemática da razoabilidade das leis, especialmente daquelas de índole restritiva, introduz uma nova dimensão ao controle
69
de constitucionalidade e política.
Observa-se que o Tribunal de Contas atua e tem atuado exatamente no
sentido da manifestação do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, de que a aferição, no
caso concreto, julga consubstanciando critérios de eqüidade na aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, ainda mais, quando se está frente a
um possível vício de constitucionalidade na lei ou no ato normativo do poder público
e que este poderá trazer prejuízos no âmbito da administração pública e na esfera
do cidadão. Estes são os fundamentos cabais para evitar a solução de continuidade
na aplicação da Súmula 347 do Supremo Tribunal Federal nos julgamentos e pareceres no cerne das Cortes de Contas, exatamente na apreciação de normas restritivas.
Ainda, cabe para analisar a questão mais próxima, que é edição das Súmulas Vinculantes, entre elas a que atinge de maneira mediata a atuação das Cortes
de Contas, a Súmula Vinculante nº 10, que está assim prescrita:
Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão
fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência,
no todo ou em parte.
Como pode o Tribunal de Contas interpretar esta súmula frente a de nº 347
do Supremo Tribunal Federal e, também em conjunto com a chamada Cláusula de
Reserva de Plenário?
Com a Súmula nº 347 do Supremo Tribunal Federal já supracitada, damos
destaque, neste momento, à Cláusula de Reserva de Plenário, como prescreve o
artigo 97 da Constituição da República:
69
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: Estudos
de Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo SP: Ed. Celso Bastos Editor, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional. 1999, pg. 71.
75
Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos
membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a in70
constitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
Para dar cumprimento à Súmula Vinculante n.10, temos de verificar como se
estabelece a incidência de negativas de executoriedade no âmbito dos Órgãos julgadores que não o Pleno do Tribunal de Contas.
70
Note-se que a redação do artigo 97 da Constituição da República define apenas que deve ser declarada a inconstitucionalidade de lei pela maioria absoluta dos membros. Não é restritiva às Cortes
de Contas. No caso dos Tribunais de contas, não há a declaração, contudo apenas o afastamento da
norma por entender, o pleno, ser inconstitucional, incidentalmente. A norma existe é válida, mas, no
caso concreto, ineficaz para as partes.
76
21 A QUESTÃO DA SÚMULA NO TRIBUNAL DE CONTAS DO RIO GRANDE DO
SUL
O Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul possui duas Câmaras fracionárias e o Órgão Especial de Plenário composto por todos os Conselheiros, os Auditores Substitutos de Conselheiro e a presença indispensável do Ministério Público de Contas.
Existem casos de julgamentos de atos de admissões e aposentadoria, como
outras espécies de atos do gênero inativatórios, que podem gerar em alguma oportunidade uma inconstitucionalidade e são julgados pelas Câmaras, órgãos fracionários do Tribunal de Contas. Estes atos desobedecem a Carta Maior e precisam ser
elididos por razões já expostas e juridicamente óbvias.
Está-se face-a-face com o controle de constitucionalidade pela via incidental. Procede-se à suspensão do julgamento com o posterior envio ao Tribunal Pleno,
Órgão Especial da Corte de Contas, para que diga sobre a constitucionalidade ou
não da norma impugnada, quando verificada em trabalho de auditoria e que o Órgão
Fracionário acolheu a tese sugerida.
Portanto, nada obsta a continuidade da aplicação da Súmula nº 347, pois
embora a reserva de plenário tenha sido expedida com a nítida intenção de cercear
o controle difuso, este é da essência do exercício da judicatura. É o estado democrático de direito tectonicamente sendo exercido, o que, por si, estende-se ao Tribunal de Contas, um dos tantos entes republicanos que fiscalizam e evidencia a democracia exercida a plena força.
Como elemento demonstrativo deste controle pela Súmula nº347, citamos a
decisão do Tribunal Pleno da Corte de Contas Gaúcha no âmbito do Processo nº
5037-02.00/95-7, Tomada de Contas do Legislativo Municipal de Arroio do Sal, Conselheiro Relator Helio Saul Mileski, em que pôs, com clareza solar, a importância
deste instituto de controle, prescrevendo:
77
EMENTA:
GLOSA DE VALORES. REMUNERAÇÃO PAGA A MAIOR.
LEI MUNICIPAL ISENTANDO OS RESPONSÁVEIS DE RECOLHER OS
VALORES GLOSADOS. NEGA EXECUTORIEDADE. Tendo sido glosados
os valores referentes à remuneração paga a maior, os agentes políticos deixaram de recolher os referidos pagamentos com base na Lei Municipal nº
795/98 que isenta, os mesmos, de devolverem aos cofres municipais. Inexiste norma constitucional que autorize o município a dispensar o cumprimento de decisão transitada em julgado do Tribunal de Contas. Assim, lei
deste teor deverá ser negada sua executoriedade por parte do Tribunal de
Contas.
Vê-se que, se não houvesse a manifestação pela negativa de executoriedade, o dano, com certeza, ocorreria para o Poder Público Municipal, pois a inconstitucionalidade é flagrante, nos termos da posição da auditoria, adotada pelo Conselheiro relator, quando cita que:
(...) inexiste norma de competência na Carta Magna que autorize o município a dispensar o cumprimento de decisão transitada em julgado do Tribunal
de Contas que determine o pagamento de multa ou restituição ao erário,
conforme expressa o Parecer nº36/98 da lavra da Excelentíssima Senhora
Auditora Substituta de Conselheiro Dra. Heloísa Trípoli Goular Piccinini.
Na decisão, o Parecer citado, exara:
Com efeito, é clara a posição adotada por este Tribunal de Contas em situações análogas, tendo por base o bem lançado Parecer da Sra. Auditora
Substituta de Conselheiro Dra. Heloisa Trípoli Goulart Piccinini (...) não há
norma constitucional de competência que autorize o Município a dispensar o
cumprimento de decisão transitada em julgado do Tribunal de Contas que
determine o pagamento de multa ou restituição de importância ao erário público. Qualquer projeto de lei que assim dispuser estará irremediavelmente
viciado de inconstitucionalidade. À lei deste teor deverá o Tribunal de Contas
negar executoriedade, no exercício do controle difuso da constitucionalidade, subsistindo a condenação pecuniária até que solvida pelo responsável.
Se a decisão é para resguardo de um dano à administração pública, está-se
frente ao bom senso, eqüidade, por via de conseqüência, aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Para ainda melhor ilustrar, cita-se outra decisão exarada, agora pelo Conselheiro Algir Lorenzon, nos autos do Processo de Tomada de Contas nº159902.00/98-0, que novamente mostra-nos a aplicação do controle difuso de constitucionalidade sob a égide da Súmula nº347 que assim se descreve:
78
Ementa: Tomada de Contas. Infringência às normas de administração financeira e orçamentária, notadamente à Lei Federal nº8666/93. Negada a executoriedade de dispositivo da Lei Orgânica Municipal, com fundamento na
Súmula 347 do Supremo Tribunal Federal. Advertência. Glosa de valores
pagos a título de indenização rescisória a ocupante de Cargo em Comissão.
Baixa de responsabilidade.
Em análise mais aprofundada, o próprio Conselheiro Relator refere Decisão
da Auditora Substituta de Conselheiro, Dra. Rosane Heineck Schmitt, quando em
substituição, nos seguintes termos:
Nesse sentido, traz-se à colação o excerto do Voto prolatado pela Conselheira Substituta Rosane Heineck Schmitt quando do julgamento do Processo nº 3492-02.00/96-0 - Tomada de Contas do Legislativo Municipal de
Canguçu, exercício de 1995, nos seguintes termos:
Forte na Súmula 347, do Supremo Tribunal Federal, nego executoriedade
ao artigo do estatuto municipal acima referido, entendendo que a autoridade
responsável deve adequar o pagamento dos servidores, antes de qualquer
regulamentação a nível local, aos ditames constitucionais contidos no inciso
XIV do artigo 37 da Constituição Federal. Em decorrência, a suspensão da
eficácia da norma referida deverá produzir efeitos "ex-nunc" ou "pro futuro",
como o tem decidido a moderna jurisprudência constitucional, em respeito a
certos "efeitos consolidados", decorrentes "de um mínimo de certeza e estabilidade das relações jurídicas", como ensina Mauro Cappelletti, in O Controle Judicial de Constitucionalidade das leis no Direito Comparado (Fabris Edi
tores, 1984, p. 124).
Assim, na esteira de posicionamentos anteriormente adotados por esta Corte e, especialmente, o supracitado, que bem se amolda à matéria aqui versada, deixo de acolher a glosa proposta pela Supervisão e seguindo a linha
do Órgão Ministerial, entendo que deva ser negada executoriedade ao mencionado artigo da Lei Orgânica do Município, forte na Súmula nº 347 do Supremo Tribunal Federal, devendo ser sustado, de imediato, o pagamento de
tais indenizações, uma vez que o mesmo vai de encontro aos ditames constitucionais já referenciados.
Resta clara a providência adotada pelo afastamento da norma, de imediato,
frente ao iminente dano que, pela mora, poderia causar ao erário municipal, como
na espécie, mensurado o alcance e compreensão do texto impugnado. Decisão incidenter tantum com efeito ex-nunc.
Com efeito, podemos dizer que a jurisprudência das Cortes de Contas, em
especial a do Rio Grande do Sul, está consubstanciada de inúmeras decisões no
âmbito do controle de constitucionalidade de leis, todos pelo controle difuso ou incidental, com fulcro da Súmula 347, sob a campânula da razoabilidade e da proporcionalidade no exercício deste poder-dever, sem olvidar da lição de Gilmar Ferreira
79
Mendes que prescreve a aplicação destes princípios somente em normas restritivas,
aliás como julgam e apreciam as leis, as Cortes de Contas.
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22 RESOLVER-SE-IA O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ABSTRATO
DE LEIS OU ATOS NORMATIVOS DO PODER PÚBLICO PELO TRIBUNAL DE
CONTAS?
Para nós a resposta é, definitivamente, sim. Pode o legislador criar norma
determinando que a cada oportunidade de exame, onde os Tribunais de Contas se
depararem com uma norma que entendam ser inconstitucional, possam ajuizar ação
direta de inconstitucionalidade. Basta pôr este mesmo Tribunal de Contas no rol dos
legitimados para propor ação direta de inconstitucionalidade, a do artigo 103 da
Constituição da República, e nos róis das constituições estaduais, ou concedendo
ao agente do Ministério Público de Contas a mesma representação judicial, porquanto a legitimidade dos Tribunais de Contas deve ser posta em evidência, pois a
corte é multidisciplinar, com representantes de várias esferas sociais, frente a sua
constitucional composição de membros do parlamento, técnicos auditores e do Ministério Público de Contas.
Todavia, observando-se com mais cuidado o prescrito no texto Constitucional, no inciso XI do art. 71, podemos constatar que há autorização constitucional
para a verificação da inconstitucionalidade no caso concreto e de maneira incidental,
quando se lê: representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos
apurados. Vale dizer, da constitucionalidade ou não, mas perante o Tribunal de
Justiça.
Certo, a Carta autoriza o envio de representação por irregularidade, (leia-se
inconstitucionalidade) ao Poder Judiciário, contudo estaríamos frente a uma perda
de autonomia da Corte, pois a própria Constituição da República prescreve esta
autonomia quando equipara os Ministros aos Ministros do Superior Tribunal de Justiça e Conselheiros no âmbito estadual aos Desembargadores dos Tribunais de Justiça, pelo princípio da simetria, e dá autonomia administrativa e orçamentária. Assim,
autonomia dos membros e da Casa de Contas.
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23 A CORTE DE CONTAS PERDERIA A ATRIBUIÇÃO DE APRECIAR A CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E ATOS NORMATIVOS, CASO A SÚMULA 347
FOSSE REVOGADA?
Não. Como o Controle de constitucionalidade, feito pelos Tribunais de Contas é específico e nas contas públicas, admissões e inativações, além de envolver a
jurisprudência sumulada no verbete 347 do Supremo Tribunal Federal, em nossa
visão, agrega, a idéia de que, mesmo perdendo a atribuição que a súmula proporciona de apreciar a constitucionalidade das leis e atos normativos, fundamentados
no exercício do Controle Externo, o qual somente o tem o Tribunal de Contas, seriam suficientes para atestar o controle de constitucionalidade pela via de exceção,
não havendo, a nosso juízo, qualquer perda de atribuição.
Observe-se que no âmbito de análises das contas públicas tem-se nos julgadores das Cortes de Contas uma visão político-técnica, onde com a experiência e
bagagem que cada membro traz de sua nascente existencial e laboral, experiência e
observação técnico-científica ou social, uma conduta que vai se amoldando, onde
aquele mais técnico, com o tempo, torna-se mais político e aquele mais político, com
o tempo, torna-se mais técnico, conjuga-se em um amálgama efetivo, o que a sociedade quer, nem tanto ao céu, nem tanto à terra, mas o necessário para fazer justiça, trazer a eqüidade no trato da res pública, na espécie, o controle de constitucionalidade das leis e atos normativos do poder púbico estadual e municipal.
Os Tribunais de Contas são, em verdade, limitadores das atividades administrativas e, como ninguém, um dos tantos guardiões da Constituição da República,
juntamente com todos os Tribunais de Instâncias Ordinárias e Extraordinárias, não
apenas o guardião Supremo Tribunal Federal na sua imponência e longe do fato
social real mesmo, do município por mais longínquo que seja, apenas no rastro do
distante e afastado cidadão. É nesta seara que os Tribunais de Contas e fundamentalmente os estaduais e os municipais (onde existirem) conseguem “sentir” mais a
problemática dos direitos sociais, em especial no tocante ao tema, a garantia de que
uma lei írrita ou eivada de vícios na forma ou matéria possa atingir o administrado
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por força de atos comissivos ou omissivos dos responsáveis pelo emprego dos bens
e dinheiros públicos.
No caso brasileiro, o controle de constitucionalidade está aposto nas competências constitucionais do judiciário, e os Tribunais de Contas, como órgãos independentes. Não se verifica uma superioridade de quaisquer dos Poderes pelo princípio da separação dos mesmos, os chamados doutrinariamente de Chekcs and
Balances, ainda que relativa, pois se está a considerar as atividades típicas. Supõese, apenas, que o Poder do Povo está acima de ambos e, quando a vontade do
legislador, manifestada nas leis, embate-se com a Lei Fundamental, esta mesma
vontade do povo é exercida, novamente por um direito e garantia social: o controle
de constitucionalidade, para garantir a correta manutenção da vontade do legislador
constituinte.
Veja-se, agora frente a uma decisão do Tribunal de Contas, com sua especialíssima competência, não atingível pela competência do Judiciário, que para julgar, apenas pode ver o direito no aspecto da legalidade formal e da constitucionalidade presente, porquanto no que tange ao substrato material, ninguém é mais detentor do conhecimento do que os próprios técnicos e julgadores das contas públicas, inclusive as do próprio judiciário, que podem ser rejeitadas por falhas de administração. Ao Judiciário caberia, se fosse o caso, a busca de todos os meios de prova admitidos em direito, pois a matéria de contas públicas é especialíssima e afastase, radicalmente, das lides mais costumeiras.
Analisa-se que, quando o Tribunal de Contas afasta a eficácia da lei no caso concreto, para que não seja prejudicado o cidadão, o qual está na ponta do sistema, observa-se um retorno à raiz da democracia, já que este mesmo cidadão é o
que proporciona a composição majoritária dos Tribunais de Contas, porquanto a
indicação e nomeação dos componentes das Cortes de Contas, que este mesmo
povo elegeu como seus representantes, os deputados, é feita por aquele que também os governa, o Chefe do Poder Executivo, excetuados os casos de nomeação
dos Auditores e dos membros do Ministério Público de Contas.
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Com efeito, este afastamento da aplicação da lei no caso concreto, controle
difuso apoiado na Súmula 347 do STF, é o que, talvez, mais se aproxima da legitimidade. A norma continua a viger, porém a eficácia está afastada no caso concreto
com efeito inter partes e eficácia ex nunc.
Destarte, repetimos o acima proposto: porque os Tribunais de Contas não
poderiam ter no rol de legitimidade ativa que comporta o art. 103 da Constituição da
República um inciso abrindo a oportunidade de ajuizar a representação de inconstitucionalidade de leis e atos normativos do poder público, ou ao menos, as Procuradorias-Gerais dos Tribunais de Contas, já que a Constituição é claramente democrática, com os seus princípios positivados e outros supraconstitucionais ou implícitos.
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CONCLUSÃO
Neste pequeno trabalho, procurou-se atingir um dos pontos que se entende
deva ser trabalhado com uma maior atenção pelo legislador derivado, a legitimidade
para propor uma ação direta de inconstitucionalidade, controle concentrado e incidental, porquanto as Cortes de Contas devem e têm o direito de ajudar no controle
desta constitucionalidade, já que são as reais detentoras do controle sobre a administração pública, o que dirá na seara da constitucionalidade.
Com um exame do direito comparado que não se exaure neste trabalho,
buscou-se a razão da existência da hierarquia e a prevalência da Lei Maior sobre a
lei comum, mercê de um sistema social que busca a eqüidade e o bem comum, a
estabilidade das relações jurídicas, a segurança jurídica.
Passando pela história da humanidade, pôde-se verificar os mais diversos
estágios de desenvolvimento jurídico, é claro no tangente ao controle de constitucionalidade e seus institutos semelhantes, as construções desde a Grécia até o famoso caso Marbury vs. Madison, o nascimento do controle de constitucionalidade
em concreto.
Estudou-se o sistema de controle de constitucionalidade das leis e atos normativos do poder público, idealizado por Hans Kelsen na Áustria, o sistema concentrado a um órgão apenas, o Tribunal Constitucional, mas com substância jurídica.
Visualizou-se os controles político pelo parlamento Inglês sem a participação
de qualquer juiz, bem como ao estilo político do Conselho Constitucional Francês e
outro ao estilo Italiano, mas este último com nuances jurisdicionais.
Avançou-se no Bundesverfassugsgericht, na sua estrutura e competência,
sua composição e as duas Câmaras, os aspectos mais aperfeiçoados frente ao modelo austríaco e nos tangentes ao controle mais aproximado do caso concreto com
o derradeiro recurso constitucional, que devido a sua competência e dependência, o
Direito Alemão, talvez, não vivesse sem o seu Tribunal Constitucional.
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O trabalho e a sua importância na influência do Direito Comparado fez do
Tribunal Alemão um paradigma de praticidade e independência na aplicação e interpretação do direito.
Com o estudo mais específico junto ao controle de constitucionalidade no
Direito Brasileiro, adentrou-se na seara mais familiar, a do dia-a-dia do jurista, mostrando o sistema misto, concentrado, difuso e incidental, por certo, mais completo do
que muitos estudados, para por fim chegar aos sítios de domínio das Cortes de
Contas.
Certo é que em 7 de novembro de 1890, por meio do Decreto 966-A é criado, efetivamente, o Tribunal de Contas, fruto de numerosos embates jurídicos para
ao fim de ficar fundada a necessidade do controle das contas públicas. No dizer de
Rui Barbosa: acabar com as caudas orçamentárias e os orçamentos rabilongos. Assim, moralizar o Poder e o serviço público.
Com o passar dos anos as Cortes de Contas avançaram na direção de uma
maior autonomia, passando por situações de imperialismo e cerceamento até mesmo de suas existências, para soerguer-se das cinzas e na Constituição Cidadã ganhar uma competência antes não recebida.
É neste seio que verte a incontestável necessidade de as Cortes de Contas
galgarem mais um degrau na evolução, obtendo junto à Carta Magna a sua independência ao versar sua competência em matéria constitucional, ou talvez em outra
constituinte, mas conquistar um lugar entre os que detêm a legitimidade de propor a
ação direta de inconstitucionalidade contra leis eivadas de vícios por causa de técnicas legislativas deficientes, mal-elaboradas leis, ou desbordando da matéria pertinente ao espírito e vontade do legislador constitucional originário.
Não esqueçamos que os Tribunais de Contas são as Cortes Constitucionais
mais democráticas e republicanas das que existem no mundo contemporâneo. As
mais completas do sistema de defesa da sociedade, garantindo uma correta aplicação dos dinheiros, uso dos bens e direitos públicos.
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