O ENSINO DE MICROBIOLOGIA E AS INTERAÇÕES ECOLÓGICAS: UM ENFOQUE NA SELEÇÃO E NA DISSEMINAÇÃO DE GENES DE RESISTÊNCIAS AOS ANTIMICROBIANOS Arnildo Korb1- UDESC Luciana de Oliveira2- SMC Jaqueline Piccoli Korb3-UNIJUI Gabriela Vicari4-UDESC Grupo de Trabalho – Educação e Meio Ambiente Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo A utilização desordenada de tecnologias modernas em saúde humana e na produção animal, como os antimicrobianos, implica em riscos potenciais e reais aos indivíduos ou grupos humanos vulneráveis. Essa vulnerabilidade resulta, na maioria dos casos, dos limitados conhecimentos da população sobre a utilização correta dessas tecnologias. O projeto de Extensão “Abordagens conceituais e estratégias didáticas no ensino de microbiologia para percepção de riscos” analisou a frequência com que o tema resistência bacteriana aos antimicrobianos é abordado em livros didáticos adotados em escolas da rede publica estadual em Chapecó, Santa Catarina, e como estes conteúdos estão inter-relacionados. Somente três dessas referências abordam a temática e riscos à saúde humana. Em raras passagens mencionam a existência de interações entre os seres vivos de modo que os alunos possam entender este fenômeno como natural. Palestras aos professores e alunos abordaram conteúdos de microbiologia e inter-relacionaram conhecimentos sobre o fenômeno da resistência bacteriana e do contexto de riscos decorrentes do uso inadequado destes fármacos. Estes conhecimentos auxiliaram na melhor compreenção e percepção da dinâmica das interrelações entre os micro-organismos no meio ambiente. Para a avaliação das palestras foi aplicado o mesmo questionário, antes e depois. Participaram da enquete 650 alunos. Antes da palestra, 50,6% responderam que antibióticos curam gripe, enquanto 49,4% deram uma resposta negativa. Depois da palestra, 99% afirmaram que estes não são eficazes contra gripe, porém 79% responderam que antibióticos atuam contra vírus e bactérias, enquanto 12,6 % 1 Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento: Universidade Federal do Paraná. Professor adjunto do departamento de enfermagem da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) . E-mail: [email protected] 2 Mestre em Educação: Universidade do Vale do Itajaí. Professora da rede municipal de educação de Chapecó, Santa Catarina. E-mail: [email protected] 3 Graduanda em Enfermagem: Universidade do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI). E-mail: [email protected] 4 Graduanda em Enfermagem: Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) . E-mail: [email protected] ISSN 2176-1396 35789 responderam que estes fármacos são eficazes contra vírus. As atividades com alunos e professores de educação básica colaboraram, também, com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) no alertar sobre os riscos da seleção e da disseminação de genes bacterianos e para o uso prudente de antimicrobianos. Palavras-chave: Ensino de biologia. Inter-relações biológicas. Riscos à saúde. Introdução As políticas educacionais nos países economicamente emergentes têm sido criticadas por serem limitadas em seus objetivos quantitativos e qualitativos. Em relação aos qualitativos, as práticas educacionais deixam de contemplar nos jovens a noção de responsabilização pelas ações, e, em virtude dos limitados conhecimentos científicos, esses acabam esboçando encurtada percepção de riscos socioambientais e à saúde humana e que resultam das tecnologias modernas oriundas deste sistema produtivo hegemônico. As intervenções educacionais, do modo como são praticadas, estão a serviço de grupos econômicos que têm interesses na manutenção da atual lógica produtiva e de consumo em larga escala. Essa lógica é fomentada por interesses de mercado que fortalecem o consumismo difundido pela mídia e da educação formal. Os efeitos negativos do consumismo são os resíduos eliminados indiscriminadamente no meio ambiente e que afetam a biota provocando riscos reais e potenciais aos ecossistemas e à saúde humana. Entre as críticas à educação, como as que ocorrem ao ensino das ciências biológicas, estaria a falta de complexidade na abordagem dos conteúdos específicos, por vezes pouco ou excessivamente aprofundados, a falta de contextualização com a realidade socioambiental do aluno e às concepções de ensino e de aprendizagem adotadas. O fato é que, considerando imensos avanços na ciência e na tecnologia, muitos conceitos básicos, ainda são abordados de maneira parcial. Porém, a dificuldade de ampliar nos jovens a percepção de riscos é também uma preocupação nos países desenvolvidos, como na maioria dos países Europeus. Como um exemplo para estas limitação no processo educacional europeu, é o fato de 50% da população à acreditar na eficiência de bactericidas no tratamento de viroses respiratórias (EUROPEAN COMMISSION, 2011). Esta falta de conhecimento é o que leva pessoas a se automedicarem utilizando sobras de fármacos de tratamentos anteriores. Estas foram algumas das constatações que motivaram a OMS sugerir aos países signatários o desenvolvimento de a programas educacionais para esclarecimento da população sobre a problemática da resistência bacteriana, bem como para uso prudente de antimicrobianos tanto na saúde humana e quanto na produção animal (WHO, 35790 2012). No Brasil não existem dados estatísticos quantitativos e qualitativos do conhecimento da população sobre o assunto. A resistência bacteriana é um fenômeno natural resultante do processo evolutivo desenvolvido por mutações acidentais que, na luta pela sobrevivência, protegem os microorganismos, como das substâncias inibitórias produzidas por outros micro-organismos no meio ambiente. Por se tratar de um fenômeno natural, em algum momento as bactérias se tornam resistentes aos antimicrobianos, como havia sido alertado no Fleming (MCIARTNEY, 2008). A globalização econômica, acelerada nas últimas décadas, tanto pelo fluxo de mercadorias, quanto de pessoas, intensifica a disseminação de patógenos e de genes de resistência aos antimicrobianos no planeta, a ponto da resistência bacteriana ser considerada um problema de saúde pública pela OMS (CNPC, 2008; WHO, 2011). As 25.000 mil mortes humanas, anualmente computadas na Europa, e, o custo médio de 1.5 bilhão de euros aos sistemas de saúde no tratamento de infecções causadas por bactérias multirresistentes, tem ecoado como alerta (MENG, et. al, 2012). Mesmo adotadas medidas de controle sanitário e de monitoramento no consumo destes fármacos e nos genes de resistência em infecções, tem crescido na Europa o número de óbitos provocados por infecções causadas por bactérias multirresistentes (ECDC, 2013). A falta de conhecimentos da população sobre os riscos da resistência bacteriana e do uso inadequado de antimicrobianos é apontada pela OMS como um dos principais fatores que dificultam as políticas públicas de monitoramento (WHO, 2011). Tanto, que sugundo a OMS, 75% dos antimicrobianos no mundo são consumidos de maneira inapropriada na saúde humana e na produção animal. Prescrições descontroladas, resíduos de antimicrobianos no meio ambiente e a automedicação intensificam esta seleção e limitam as opções terapêuticas (WHO, 2013). Um dos grandes desafios para as autoridades em saúde é reduzir a velocidade na seleção e na disseminação destes genes em bactérias patogênicas. O fenômeno da resistência bacteriana desenvolve-se quando, por mutações ou aquisição de genes de resistência, bactérias são expostas às subdoses de antimicrobianos, insuficientes para matar as bactérias, mas o suficiente para promover a seleção. Este fenômeno também ocorre pela exposição a doses elevadas por longo período (EBRAHIM, 2010). A seleção de bactérias resistentes aos antimicrobianos é explicada pelos princípios da teoria da evolução e da seleção das espécies desenvolvida por Darwin. Por este viés, a seleção consiste na exposição dos seres vivos às pressões impostas pelo ambiente por meio de 35791 substâncias orgânicas e inorgânicas nas quais os seres com características genéticas mais favoráveis tendem a sobreviver às hostilidades e os mais fracos eliminados. O que define, portanto, a sobrevivência dos mais aptos por meio da seleção são as pequenas variações no ambiente, pois as extremas levam à extinção de toda uma espécie (DARWIN, 2003). Acrescenta-se aos problemas relacionados à prescrição, a falta de orientação aos usuários no momento da dispensação da medicação, pois esses raramente percebem possíveis riscos à sua saúde quando do uso incorreto. Para Fiol e colaboradores (2010), uso racional de antimicrobianos está relacionado à qualidade da informação que o paciente possui sobre o medicamento e do seu uso, e a ausência de informações aos pacientes na consulta e na dispensação do fármaco cria condições para esses abandonarem o tratamento ou utilizarem de maneira desnecessária (FIOL, et al, 2010). As águas, em função dos contaminantes orgânicos, como esgotos provenientes de fossas sépticas, descargas irregulares ou oriundos de estações de tratamento por vezes, são fontes de patógenos, como vírus e bactérias. Esses podem causar doenças no aparelho digestório, respiratório, auditivo e doenças dermatológicas, como as candidíases. Bactérias multirresistentes lançadas no ambiente, como nas zonas costeiras, lagos e rios, especialmente em regiões utilizadas para lazer, como por exemplo, para práticas de banhos, contribuem para a transferência de genes de resistência entre bactérias comensais e por consequência colonizam os seres humanos (KÜMMERER, 2009; BISELLI, 2011). A problemática do uso de antimicrobianos na saúde se assevera com a dispersão dos genes de resistência no planeta devido ao fluxo migratório humano e de mercadorias resultante do processo acelerado de globalização nas últimas décadas. Mas, em contrapartida, estratégias de atuação conjunta são desenvolvidas mundialmente para o enfrentamento do problema (WHO, 2013). A desinformação da população decorre das limitadas abordagens conceituais em algumas áreas da educação básica, como nas biológicas, e que, por detrás dos interesses do mercado objetiva atender a lógica competitiva e produtivista pautada na produção e no consumo em larga escala (KRASILCHIK, 2004; KORB, et al 2011). Os conhecimentos que permitiriam a percepção complexa de fenômenos biológicos, como da resistência bacteriana, e que resultariam de interações ecossistêmicas são abordados, na maioria das vezes, fora de contexto socioambiental onde o aluno está inserido e onde ele consegue estabelecer conexões e inter-relações (KORB, et al, 2011). 35792 Na atualidade, os materiais didáticos, especialmente livros, são limitados também em informações sobre a origem dos produtos tecnológicos modernos, modos de utilização correta e riscos reais, como no caso dos antimicrobianos consumidos desordenadamente na saúde humana e na produção animal. Também, deixam de contemplar conteúdos para a promoção da saúde, como práticas corretas de higiene, consumo de medicamentos e de alimentos. A percepção e a identificação de riscos são facilitadas quando os alunos tornam mais complexos os conceitos internalizados sobre as temáticas debatidas, ou seja, a percepção se amplia conforme o nível educacional de cada sujeito (GUIVANT, 2002). Esta condição pode torná-los mais ou menos vulneráveis (STEFFEN, 2002), porém, sabe-se que o nível de escolaridade dos sujeitos não é determinante, mas sim a qualidade de educação recebida. A prova disto é que na Europa 50% da população ainda acredita que antibióticos curam gripe. A globalização econômica, como se apresenta, produz ameaças e riscos, como as decorrentes das bactérias multirresistentes em infecções que atingem indivíduos vulneráveis. A cooperação internacional tem se apresentado como uma das alternativas para a construção de políticas de monitoramento e de trocas de experiências e de tecnologias, bem como de construção de normas internacionais de fiscalização de resíduos em alimentos para garantir qualidade e segurança alimentar aos consumidores (WHO, 2011). Porém, é necessária primeiramente, a internalização nos sujeitos de conhecimentos produzidos a partir de conceitos mais complexos, como da resistência bacteriana e do uso prudente de antimicrobianos, e que terá como consequência a formação de consumidores mais esclarecidos e vigilantes. Diante deste contexto de riscos e de vulnerabilidades, no curso de enfermagem da Universidade do Estado de Santa Catarina, foi elaborado e executado o projeto de extensão universitária “Abordagens conceituais e estratégias didáticas no ensino de microbiologia para percepção de riscos”. A partir de um diagnóstico de como os principais livros didáticos de biologia adotados em escolas estaduais no município de Chapecó abordam a temática da resistência bacteriana e as inter-relações ecossistêmicas, professores do ensino médio. se propiciou palestras à alunos e 35793 Resultados e discussão Quanto aos livros didáticos analisados: Foram analisadas 9 coleções de livros didáticos de biologia adotados no ensino de médio por diferentes escolas estaduais do município de Chapecó, Estado de Santa Catarina. Em cinco coleções, nos volumes 2 e 3, a problemática da resistência bacteriana foi abordada nos conteúdos de bactérias e de fungos. Em duas coleções os conteúdos sobre plasmídeos foram tratados como elementos genéticos responsáveis pela transferência das características. Apenas no livro de Amabis e Martho (2013), no capítulo dos “Fundamentos da evolução biológica”, a temática resistência bacteriana foi abordada como fator decisivo na seleção e na adaptação dos micro-organismos. Em oito coleções os autores ressaltaram a disponibilidade de alimentos na cadeia alimentar como fator responsável pela sobrevivência dos organismos. A percepção macro prevalece em relação à micro, motivo provável que dificulte no entendimento dos alunos sobre evolução biológica. SM (2013) enfatiza a colonização da microbiota de indivíduos vulneráveis por microorganismos multirresistentes, o que facilita o estabelecimento das infecções, principalmente as hospitalares. Gowdak (2013) sugere a produção de panfletos para a conscientização da população em geral para a utilização prudente dos antimicrobianos diante do avanço das bactérias multirresistentes. A crescente urbanização, e o aumento da população mundial até 2050, é apontado pelo autor como um desafio para os sistemas de saúde e para a produção de alimentos, embora não cite a FAO e WHO, reproduz o discurso das limitações científicas e tecnológicas na contenção dos avanço de epidemias e infecções oriundos do processo de globalização. E, Amabis (2010) sugere hábitos de higiene saudáveis para promoção da saúde. Quanto às palestras em escolas públicas As palestras direcionadas aos professores, e aproximadamente 650 alunos dos segundos e dos terceiros anos do ensino médio, de escolas da rede estadual de educação em Chapecó, abordaram tópicos em bacteriologia e micologia, como estrutura da parede celular bacteriana, mecanismos de transferência de genes de resistência e de patogenicidade entre micro-organismos, o histórico da descoberta dos antimicrobianos e das primeiras constatações 35794 sobre a problemática da resistência bacteriana, do uso desordenado desses fármacos na saúde humana e na produção animal. A distinção entre morfofisiologia bacteriana e víral foi realizada para facilitar o entendimento de que infecções causadas por micro-organismos acelulares não podem ser tratadas com antibióticos. Estes conhecimentos, durante as palestras, foram inter-relacionados e problematizados com o contexto de utilização de antimicrobianos nas diversas áreas e aplicações. Dados sobre mortalidade causada por infecções multirresistentes, e a limitação na disponibilidade de novos principios ativos, foram correlacionados às previsões e estimativas futuras sobre a problemática, conforme divulgados pela OMS. Conforme essa organização a resistência bacteriana a um antimicrobiano específico asurge de 1 a 4 anos após o lançamento comercial do produto, enquanto são necessários, no mínimo 10 anos entre pesquisa de uma nova fórmula e produção em escala industrial desse antimicrobiano. Os conteúdos das palestras se pautaram em buscar conhecer qual a representação que estes jovens tinham acerca de um fenômeno natural, distinção conceitual entre antibióticos e antimicrobianos e como o processo agroindustrial da região Oeste e a prescrição de antimicrobianos interfere no processo da seleção de genes de resistência. Diferentemente da abordagem dos livros didáticos que caracterizam os antibióticos unicamente como substâncias secretadas no ambiente, mas não relacionadas com a competição (intra e interespecífica), nas palestras se destacou que essas são garantem, pelo menos temporariamente, a competição entre micro-organismos, o que inclui bactérias e fungos. Interrelacionaram estes conteúdos, também, com o contexto geoeconômico e social do Oeste catarinense pautado na produção intensiva de proteína animal agroindustrial e que requer a utilização em larga escala destes fármacos. Os riscos sociais, ambientais e à saúde humana, decorrentes da utilização inapropriada dos antimicrobianos e que tem como justificativa a ocorrência de mortes humanas contabilizadas no continente europeu, foram problematizados e contextualizadas com a realidade agroindustrial da região Oeste catarinense. Esta região apresenta intenso fluxo migratório humano e se estruturada a partir da utilização de antimicrobianos em larga escala para a produção de alimentos de proteína animal para consumo interno e exportação. Para a avaliação das palestras foi aplicado o mesmo questionário, antes e depois da palestra. Antes da palestra, 50,6% responderam que antibióticos curam gripe, enquanto 49,4% deram uma resposta negativa. Depois da palestra, 99% afirmaram que estes não são eficazes 35795 contra gripe, porém 79% responderam que antibióticos atuam contra vírus e bactérias, enquanto 12,6 % responderam que estes fármacos são eficazes contra vírus. Considerações Finais A atual lógica de produção e de consumo em larga escala é mantida por hábitos culturalmente reforçados pela educação formal, como no caso do consumo de medicamentos. As ações de extensão realizadas nas escolas e que alidas a outras políticas educacionais de intervenção, poderão apontar perspectivas otimistas quando implementadas em nível de região ou de Brasil, podem auxiliar, também, na mudança cultural para a preservação dos antimicrobianos criticamente importantes para a saúde humana. Embora no ensino nas ciências biológicas seja necessária a fragmentação dos conteúdos para que ocorra o processo de ensino-aprendizagem, os conceitos sobre o fenômeno da resistência bacteriana podem ser abordados em níveis de complexidade diferenciados conforme os anos de escolarização, e sobre tratamento multidisciplinar e interdisciplinar. A melhoria na qualidade da educação necessita ocorrer não apenas para satisfazer aos indicadores socioeconômicos, mas, principalmente, para ampliar o nível de conhecimento da população e tornar estes saberes relacionáveis entre si, como, por exemplo, de microbiologia com o processo saúde/doença. REFERÊNCIAS BISELLI, P. E. 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