O Ensino da Filosofia

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A Dimensão Pedagógica da Filosofia
Konilos Elaia
1. Questões Preliminares
Desde o seu surgimento na Antiga Grécia, a Filosofia deve ao mundo uma dimensão
pedagógica, enquanto saber substituto do mítico. Este cumpria a missão de educar um povo através
de crenças originadas da fértil imaginação particular de algumas pessoas mais experientes. Ora,
esse modo crédulo de explicar os fenômenos da vida foi destronado por um saber crítico, analítico,
firmado na razão, o qual, embora tenha fundamentado todo o desenvolvimento humano posterior,
parece não ter ocupado devidamente a lacuna deixada pelos mitos no âmbito da educação. Isto
porque, enquanto os mitos participavam de todo um modo comum de pensamento que perdura
desde a infância da humanidade até os nossos dias no senso popular, a racionalidade filosófica tem
participado apenas de alguns pequenos grupos de privilegiados que, ao profissionalizá-la,
restringiram-na a grandes discussões eloquentes sobre alguns problemas com múltiplas respostas
ou, quiçá, com nenhuma.
Certamente Sócrates foi o primeiro filósofo na História da Filosofia, e talvez o
único, a investir na dimensão pedagógica desse novo saber. Para ele, a Filosofia fazia parte da vida,
do cotidiano, de modo a defender que a vida sem reflexão não merece ser vivida. Daí a sua
máxima: “Conhece-te a ti mesmo”. Embora às vezes confundido com os sofistas, educadores
contemporâneos dele e seus interlocutores nos debates públicos cuja temática acercava o homem,
Sócrates se lhes diferenciava por assumir a Filosofia como uma missão, desde quando o oráculo de
Delfos anunciara ao seu amigo Querefonte “inexistir homem mais sensato, independente, justo e
sábio” que aquele filósofo. Disto ele inferiu sua missão de inquirir e aprender tudo o que podia de
bom.
Talvez o seu pupilo mais famoso devesse ter sido o seu maior seguidor; porém,
desvirtuou-se de tal missão ao profissionalizar esse saber, enclausurando-o na Academia, cujo
critério de acesso era o conhecimento das matemáticas, seguindo as já tradicionais escolas
pitagóricas. Que não se neguem as razões históricas para tal mudança: a morte do mestre, julgado e

Texto elaborado para a disciplina Metodologia do Ensino de Filosofia no IV CURSO DE ESPECIA LIZAÇÃO EM
FILOSOFIA /2002 e apresentado na XII Semana de Filosofia da UFRN, em Natal.

Mestre em Filosofia/UFPB.
condenado com base nas influências das suas lições em público. A Filosofia havia se tornado
perigosa.
Aristóteles, contudo, provavelmente sob as mesmas razões de Platão, embora
abolisse o critério matemático, certamente seguiu seu mestre também quanto à profissionalização
da Filosofia instalando-a no Liceu, onde a lecionava peripateticamente pelo bosque junto com seus
discípulos.
O fato é que desde Platão a Filosofia deixou a ágora, a via de acesso à educação
pública, onde jaziam os mitos, e agora jaz em instituições ditas de ensino superior, elevada à
categoria de disciplina para-científica, cuja função pedagógica parece distar em muito daquela
cumprida pelos mitos. Por quê? O que delegaram à Filosofia, depois de Sócrates? Qual o lugar da
Filosofia na Educação? Em que concepção de Filosofia podemos fundamentar suas práticas de
ensino? O que é Filosofia, afinal?
2. O Saber Filosófico e Outros Saberes
Como, desde o seu surgimento no século VI a.C., a Filosofia tem se distinguido dos
mitos, um saber fantástico, imagético, estruturado em elementos concretos da realidade vivida e
baseado em crenças religiosas originadas no temor pelo invisível, esse saber foi substituído por
aquele abstrato porquanto racional e totalizante; e considerando que nos séculos XVI e XVII d.C.
ela também sofreu do mesmo mal, destronada pela emergente ciência moderna, também racional,
porém não mais totalizante, mas matematizada e experi mental; pode-se depreender daí que ela,
assim como a Mitologia, a Teologia e a Ciência, não é mais que um tipo de conhecimento, isto é,
mais um discurso explicativo da realidade, um saber, uma disciplina, uma atividade com funções
características e um modo peculiar de abordagem daquilo que constitui a sua matéria-prima de
trabalho. Faz-se mister, portanto, caracterizar melhor esse modo próprio de produzir conhecimento
e a função lhe inerente.
Primeiramente, contrapondo-a aos mitos, penso que a Filosofia se distingue pela sua
universalidade. Enquanto a Mitologia tentava explicar a realidade de modo um tanto pitoresco,
particular, haja vista estruturar tal pensamento sobre coisas concretas da sua realidade local,
comum a um povo, a Filosofia, até por diagnosticar díspares explicações míticas para um mesmo
fenômeno, busca então explicar a realidade de modo universal, vendo-a como um todo, apreensível
conceitualmente, numa mesma forma, válida em qualquer tempo ou lugar.
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Considerando o testemunho dos primeiros filósofos, desde Tales de Mileto (séc. VI
a.C.) até Anaxágoras (séc. IV a.C.), o qual leva a Filosofia da Magna Grécia para Atenas, talvez
possamos afirmar que Mito e Filosofia andaram juntos por muito tempo, tendo um como função
educar seu povo, e a outra, explicar a realidade. Basta lembrar que todos aqueles filósofos
continuaram servindo-se dos mitos, inclusive Platão, para quem o mito pode ser uma bela e útil
mentira.
Entretanto, como os mitos explicavam diversos fenômenos da realidade natural e
humana, a Filosofia questiona tais explicações e retoma a realidade como sua matéria-prima,
repensa-a, empreendendo uma verdadeira investigação em busca dos fundamentos racionais da
realidade material, constituindo-se assim num saber dos primeiros princípios ou das últimas causas.
Eis que nesses termos ela se firma em Platão e Aristóteles (séc. IV a.C.). E assim ela encerra a
Idade Antiga e atravessa toda a época Medieval da História da Razão no Ocidente.
Na Idade Média, porém, a Filosofia contrapõe-se à Teologia, cuja matéria-prima é o
divino como fonte única e inquestionável de toda a realidade. Observe-se que este saber, nada
novo, pois aperfeiçoado dos mitos, haja vista fundamentar-se naquelas antigas crenças oriundas do
temor pelo invisível, estrutura-se não mais em elementos concretos particulares, mas e m
experiências singulares com pretensões universais. Contudo, a Filosofia também não dispensa tal
objeto, arriscando-se a questionar o inquestionável, a fundamentar o que seria o fundamento,
constituindo-se, pois, num saber cuja função já não é educativa, tampouco de explicação da
realidade, mas de justificação do transcendental no humano. A Filosofia jaz enclausurada pela
Igreja, detentora do poder e do saber.
Nos séculos XVI e XVII, entretanto, surge um novo tipo de conhecimento que
reclama para si a verdadeira e última explicação da realidade, uma vez que, embora derivada da
Filosofia, a Ciência restringe-se ao estudo de uma realidade particular, ou seja, de uma parte da
realidade sobre a qual pode aprofundar-se, e de um modo também específico sob a exigência de um
método, às vezes experimental, às vezes matemático ou ambos.
Destronada, então, a Filosofia assume como matéria-prima não mais a realidade,
haja vista desta se encarregar a Ciência, mas, sim, o discurso científico sobre o real. Sua função,
portanto, é questionar tal conhecimento, de modo a fundamentá-lo como seu mais novo produto, ou
mesmo legitimá-lo como sua mais nova cria.
Com o surgimento de novos problemas, derivados das mudanças sociais, o século
XIX é marcado pela fundação das chamadas Ciências Humanas, sob a pretensão de explicar os
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fenômenos do mundo propriamente humano, cultural, valorativo. Aguça-se, então, o debate sobre a
questão do método como critério de legitimação do conhecimento científico. Entretanto, a
proliferação desse saber baseado na racionalidade moderna visando ao progresso social, colocou à
Filosofia algumas novas questões no âmbito do valor. Se à Ciência cabe a descrição da realidade, o
diagnóstico e a explicação dos fenômenos naturais e humanos, isto é, a investigação sobre os seres
em particular, sobre partes da realidade, à Filosofia resta questionar – se não sobre o ser, então –
sobre o dever-ser, sobre a possibilidade de mudança, o devir, o fundamento do poder ser diferente.
Nesses termos, parece plausível inferir que a Filosofia tornou-se tão plural quanto a realidade
desmembrada em seus problemas. Sua tarefa, portanto, parece ora assumir a análise do discurso
científico, ora investigar a fundamentação dos valores, como seu novo objeto de trabalho. Para os
defensores do papel analítico da Filosofia, os valores só consistem em objeto de investigação
filosófica enquanto pronunciados numa linguagem. Para os outros, contudo, a sociedade humana
criou tantos valores que até interferem na produção do conhecimento científico, o que impede que
este os tome como objeto, recaindo, portanto, sobre a Filosofia a problematização da racionalidade
moderna como mais um valor criado. Eis, a meu ver, a função da Filosofia hoje.
Daí, embora tenhamos caracterizado o objeto da Filosofia nas suas três
problemáticas fundamentais: o problema do Ser, o problema do conhecimento e o problema do
dever-ser, ainda se constitui em dificuldade dizer o que ela é, uma vez que a sua função variou com
o seu objeto em cada época. Todavia, podemos observar que de toda a variação algo permaneceu
constante: a exigência do problematizar em busca de fundamento.
Isto não significa, porém, que ela não dê respostas. Aliás, parece-me haver apenas
dois filósofos em toda a História da Filosofia que preferiram as aporias: Sócrates e Nietzsche; não
obstante este haver criticado duramente aquele pela sua escolha da razão em detrimento dos
instintos, ou seja, pela valoração do comportamento racional cunhado pelo filósofo antigo.
Portanto, não vale a pena confundi-los. Vale, apenas, salientar que a abordagem de Nietzsche sobre
Sócrates certamente não corresponde à que estou tentando empreender aqui. Por isso, parece -me
possível relacioná-los entre si pelo menos no tocante à desprofissionalização do saber filosófico, de
cuja clausura das academias Nietzsche, com estilo próprio, tentou libertá-lo.
Então, estaria Nietzsche também reclamando da dimensão educativa da Filosofia?
Qual o papel desse saber na educação atual? Na universidade, o seu ensino não parece reduzi-la a
uma disciplina propedêutica, para-científica?! E no nível médio de educação, como justificar seu
ensino?
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3. Questões Fundamentais
Considerando vislumbrados o objeto e a função da Filosofia em sua história, penso
devermos tentar compreender como a sua tarefa participa da Educação. Para tanto, partiremos do
que já galgamos: que o material desse conhecimento é o problema do ser, o do conhecimento e o
do dever-ser, assim como seu fim é fundamentar, senão proble matizar. Qual, então, o seu meio, isto
é, o seu movimento, conforme as quatro causas aristotélicas1? E qual a sua forma?
Quanto ao meio de realização da Filosofia, penso podermos afirmar que ele consiste
no movimento das ideias. Ou seja, a sua causa eficiente é, a rigor, a razão. É esta que a põe e m
movimento na medida em que questiona, repensa analisando, buscando compreender o pensado 2.
No tocante à forma, como diria Aristóteles, “o ser se diz de muitas maneiras”, pois podemos
compreendê-la em dois sentidos: o de ato e o de potência; um como produto histórico de uma
atividade, isto é, a Filosofia como resultado de uma investigação, de um modo de pensar; e o outro
como essa atividade mesma, como a investigação, a especulação racional 3.
A Filosofia em ato, portanto, constitui-se nas suas teorias filosóficas, naquilo que a
tradição já consagrou como obras de conhecimento filosófico. Por outro lado, a Filosofia e m
potência consiste na atividade do filosofar, ou seja, na capacidade racional de elaborar questõe s,
problematizar. Sobre o primeiro aspecto – o do ato –, certamente recai o profissionalismo 4
filosófico, cuja tarefa parece consistir no estudo e apreensão de maior quantidade e profundidade
possíveis sobre essas teorias. Entretanto, não vale a pena confundir esse saber com o seu
profissional, isto é, o filósofo e a Filosofia, pois, assim concebidos, observemos que as suas tarefas
se distinguem. Se à Filosofia sempre coube a função de problematizar em busca de fundamento, ao
profissional de filosofia, enquanto tal, dada a sua formação acadêmica, resta, atualmente, conhecer
e se aprofundar em alguma determinada teoria filosófica. Contudo, pode-se perguntar: isto cumpre
a tal dimensão educativa destronada com os mitos? Por outro lado, sobre o segundo aspecto – o da
potência –, a Filosofia constitui-se em filosofar, uma atividade que dispensa o profissionalismo,
visto que ela se assegura apenas como uma tarefa da razão sobre as problemáticas e o ato de
1
Causa material, final, eficiente e formal. Aqui consideramos como matéria da Filosofia o seu objeto de investigação;
como finalidade a sua função ou tarefa; como causa eficiente, a geradora do movimento, portanto, o meio ou modo
pelo qual esse saber se realiza, e a causa formal será a forma ou maneira como isso acontece, devendo resultar daí a sua
definição, englobando os quatro aspectos.
2
Ver OLIVEIRA , W.C. Pensando o pensamento, in Revista Expressão. Mossoró/RN: PROPEG/UERN, 1990, vol. V.
3
Embora esteja me fundamentando, aqui, diretamente sobre as categorias de ato e potência de Aristóteles, vale lembrar
que Dermeval SA VIANI, em Do Senso comum à consciência filosófica faz essa análise da filosofia como produto e
como processo, correspondendo, segundo ele, à ideologia e ao exercício do filosofar.
4
Não há aqui qualquer conotação pejorativa sobre esse “ismo”; basta conferir o ensaio A Propósito do Filósofo,
publicado na Revista Contexto, Mossoró/RN: FAFIC/UERN, 1997, vol. II.
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problematizar. Mas a pergunta é: em que essa forma da Filosofia supriria a lacuna pedagógica
deixada pelos mitos? Em outras palavras: como expandir o filosofar sem um profissional
devidamente qualificado para tal? Seria o filosofar uma missão?
Se o filosofar não é uma missão, contrariando Sócrates – pois eu não creio que o
seja, dadas as suas condições de possibilidade não corresponderem ao nosso contexto histórico –
então precisamos pensar o problema que se anuncia: existe um profissional da Filosofia e um outro
do filosofar5?
Para tanto, recorramos às categorias de ato e potência de Aristóteles, segundo as
quais é possível se conceber a Filosofia como algo distinto, porém não separado do filosofar. Ora,
todo ser carrega em si a capacidade de se tornar, de se atualizar. Tal capacidade é denominada
potência, que pode atingir ou não o seu fim. Mas uma vez alcançado tal fim, reconhecemos então o
ser em ato, ou seja, realizado, efetivado na sua natureza, na sua realidade. Considerando o que
dissemos da Filosofia, reconhecemo-la não apenas como produto, mas, a rigor, também como
atividade, uma vez que em ambos os casos sua função problematizadora se realiza: o problematizar
se efetiva rigorosamente enquanto atividade, contudo o filosofar não é apenas questionar por
questionar, mas sim a busca de fundamento, o que se apresenta como produto daquele.
Além disso, se pensamos tal produto como uma obra filosófica expressamente
escrita, enquanto resultado da reflexão, observamos que isto se deve tão-somente ao fato de ser a
Filosofia também um tipo de conhecimento e, enquanto tal, precisar objetivar-se, visto não se poder
falar de qualquer conhecimento que não foi objetivamente expresso, comunicado. Quanto a isto,
novamente Sócrates é o nosso exemplo: como poderíamos falar dele se nada sobre ele tivesse sido
escrito?! Como saberíamos da Filosofia de Sócrates?! Do seu pensamento?! Da sua metodologia?!
Portanto, a obra é, em suma, uma exigência contextual quanto ao modo de publicizar, comunicar e
universalizar a prática filosófica.
Com respeito à prática dos profissionais da filosofia, podemos também novamente
recorrer a Aristóteles com a sua categoria de atividade desmembrada em ação propriamente dita
(
; práxis) cujo fim lhe é intrínseco, e a ação extrínseca ao fim. A primeira se refere
principalmente à ação política, cujo fim está em si mesma: simplesmente agir. A segunda diz
respeito a um fazer (
; poiein) que só se realiza com um feito, um produto. Ambas as
atividades resultam num conhecimento prático: a arte (
; poiésis) como prática, e a técnica
5
Quero presumir que esta questão esteja respondida, ou pelo menos apontada no ensaio A Propósito do Filósofo
(OLIVEIRA 1991).
6/11
(
: techné) como instrumento de produção, uma vez que A arte consiste no domínio prático de
certa técnica, enquanto o conhecimento técnico refere-se ao domínio intelectual de certa arte.
Sabemos que, para Aristóteles, o conhecimento filosófico consiste numa ciência
(
: episteme), porquanto teórico, uma vez que lida com os princípios, ao que
acrescentaríamos: com ideias, abstrações, conceitos, visões de mundo. Nesses termos, o seu
profissional efetivo, o filósofo, é fundamentalmente um teórico, principalmente enquanto
responsável por uma disciplina para-científica, como alguém que domina um saber acumulado.
Mas a Filosofia também se constitui em atividade – como filosofar –, podendo reconhecer-se aí
uma prática6, uma arte, cujo objeto é o pensamento e a técnica é a problematização 7. Esta, portanto,
funciona como o instrumento da arte de pensar. Mas, além disso há um outro profissional da
Filosofia: aquele que a professa, aquele a quem cabe não apenas transmitir esse saber acumulado,
mas primordialmente colocá-lo em movimento, torná-lo atividade prática, dar-lhe a dimensão
pedagógica. Nesse sentido, portanto, tal profissional não pode ser mero professor , mas,
necessariamente, um educador no sentido socrático-platônico, senão como justificar a Filosofia no
nível médio da educação escolar?
4. Dimensão Pedagógica da Filosofia
Kant já dissera que não se aprende Filosofia, só se aprende a filosofar. Isto porque
não há utilidade para os não-filósofos em se aprender qualquer teoria filosófica ou o pensamento de
algum autor se isso não for aplicado em algum âmbito da vida, quer seja na academia, quer seja no
cotidiano. Por isso o professor de Filosofia não pode ser um mero transmissor desse saber,
principalmente no nível médio de ensino. É preciso estender tal saber para além das salas de aula se
quisermos vislumbrar em tal disciplina a dimensão pedagógica que cabia aos mitos. Mas, como isto
é possível?
Daí a necessidade de torná-la uma atividade prática de modo que possa ser assumida
pelos educandos. Neste sentido, concebemo-la como uma arte: a arte do pensamento. Em suma,
não é nisto que consiste o filosofar?!
6
Aqui assumo o risco de estar desvirtuando a terminologia aristotélica; no entanto, não posso me prender a termos em
detrimento do pensamento que pode extrapolá-los.
7
Nesse sentido, podemos lembrar novamente a filosofia socrática, cujos diálogos resultam em aporias.
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Como arte, significa que ela dispõe de uma certa maneira de ser praticada. E a
maneira ou metodologia mais condizente com o objetivo da Filosofia e, por conseguinte, com o seu
ensino é a problematização. Contudo, ela também dispõe de um certo instrumental para a sua
prática, que são os conceitos, as ideias expressas em palavras. Portanto, existem pelo menos duas
condições para que a Filosofia realize a sua dimensão pedagógica: a de problematizar e a de
conceituar. A primeira pode ser fundamentada nos questionamentos da maiêutica socrática, a
parturição do conhecimento. Entretanto, como Sócrates conduzia seus discursos a uma aporia, isto
é, sem apresentar as suas respostas, os seus próprios conceitos, então, carecemos de um outro
filósofo cujo pensamento fundamente a técnica do conceituar, evitando assim que nos contentemos
com a aparência do questionar por questionar. Sobre isto, valemo-nos daquele que legou à
posteridade toda a sistematização da Filosofia e tomaremos de empréstimo novamente a sua
concepção das quatro causas: material, formal, eficiente e final. Segundo Aristóteles, todo e
qualquer ser na natureza é constituído de uma matéria, apresenta-se sob uma determinada forma,
foi gerado por algum outro ser e visa a algum fim. Este é o exercício que precisa ser empreendido
após os questionamentos devidos sobre o que se pensa do mundo, a partir das noções que se tem da
realidade.
Nesses termos, servindo-nos da dialética aristotélica podemos começar qualquer
investigação filosófica ouvindo o que todos dizem sobre determinado assunto, ou pelo que diz a
maioria ou ainda pelo que dizem os mais eminentes no assunto – no caso, os filósofos. Mas é
preciso também que o tal assunto se transforme em problema. E eis que Sócrates nos mostra a
técnica 8.
Daí a necessidade de que a tarefa do ensino da Filosofia seja competência de um
profissional e não uma missão, uma vez que, embora comecemos o filosofar com noções sobre a
realidade vivida pelo educando, precisamos adentrar no pensamento filosófico propriamente dito,
ou seja, devemos buscar o fundamento em alguns filósofos que já questionaram e apresentaram sua
reflexão sobre tal assunto. Isto exige um estudo, constituído de leitura e discussão dos temas
filosóficos, para o que se suscita a coordenação de um profissional experiente, ou seja, alguém com
uma prática na arte de pensar sobre tais problemas e algum conhecimento do pensamento
filosófico.
8
Conferir a dissertação do Prof. Dr. Antônio Jorge Soares/DFI-UERN: Da Necessidade do seduzir na educação
escolar; São Paulo: Unicamp, 1993.
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5. Indicações Metodológicas
Não cabe aqui, dentre tantas questões, apontarmos as metodologias para o ensino da
Filosofia. Pelo menos não no sentido técnico. Pois, de modo geral, não se desprezam as diversas
técnicas didáticas e o uso da tecnologia na educação. Entretanto, além dos princípios básicos da
Didática – o domínio prévio do assunto e a sua adequação às condições intelectuais da platéia ou
clientela –, vale indicar alguns elementos fundamentais.
Primeiramente, tomamos como princípio a tese aristotélica segundo a qual “todo
homem tem naturalmente o desejo de saber”. Ora, se a Filosofia, como professa sua etimologia
(
: philia: amor; e

: sophia: sabedoria), é o amor pelo saber, significando a sua busca,
então os nossos filósofos natos são as crianças, haja vista elas, desde cedo, ao aprenderem a língua,
buscarem naturalmente o conhecimento, perguntando sempre que algo não lhes parece
compreensível. Por quererem conhecer o mundo elas indagam – o que é isto? Uma questão
verdadeiramente filosófica, segundo Heidegger. Todavia, esse perguntar, essa curiosidade, vai se
perdendo porque os adultos despreparados inibem essa capacidade infantil ao lhes negarem as
respostas, às vezes até obrigando-as a se calarem. Portanto, penso que precisamos provocar em
nossos educandos o retorno a essa fase do perguntar, o reconhecimento da ignorância e o desejo de
conhecer, de aprender algo novo, superando-se e se propondo novos desafios9.
O segundo se baseia na sabedoria socrática reconhecida na máxima “só sei que nada
sei” como pressuposto para a aprendizagem, uma vez que quem já sabe não tem qualquer
motivação para aprender. É preciso admitirmos a nossa ignorância para então buscarmos o
conhecimento. Isto significa que precisamos fazer o educando admitir a sua ignorância visando
despertá-lo para a busca da sabedoria. Nesse sentido o Prof. Jorge Soares, em sua dissertação Da
Necessidade do Seduzir na Educação Escolar, esquematizou, a partir da sua leitura dos diálogos
socráticos de Platão, três momentos fundamentais que conduzem à dimensão pedagógica da
Filosofia: 1) a ironia socrática, através da qual Sócrates provoca o seu interlocutor, instigando-o a
se mostrar sábio; 2) a maiêutica, fase em que o filósofo-educador formula questões sobre o
conhecimento ora exposto pelo educando, mediante as quais este toma consciência da sua
ignorância; e 3) o retorno platônico aos mitos, ou seja, a aproximação temática à realidade do
educando, de modo histórico, social reforçando o assunto com ilustrações do cotidiano, histórias
pessoais, parentescas, profissionais, como técnica para a rememoração.
9
Segundo Aristóteles, o homem tende sempre aos desafios para se superar, o que Rawls toma como princípio da
motivação. Conf. W. C. OLIVEIRA , A Justiça como Equidade em John Rawls e A Educação em Aristóteles.
9/11
O terceiro princípio diz respeito ao processo de apreensão e difusão das ideias.
Penso que há dois estágios necessários à atividade filosófica: o de leitura de textos e o de
discussão. Não se pode manter uma discussão filosófica sem o mínimo de leitura sobre o assunto;
que seja pelo menos de um texto literário, jornalístico ou mesmo uma leitura da realidade cotidiana.
Também não podemos fazer leituras e nada expressar do que foi absorvido, nada devolver ao
mundo, impedindo o movimento próprio das ideias, que é a discussão entre opiniões divergentes;
pois é o diferente que nos faz pensar.
Fora isso, resta uma indicação temática. O que colocar em discussão? Que assunto
pode interessar aos jovens, hoje, para pensar filosoficamente? Certamente o ponto de partida deve
ser axiológico: a questão dos valores. O que são os valores? Por que eles valem? Qual a sua
origem? Mas isto só terá sentido a partir de alguns valores vivenciados concretamente pelo
educando, como a liberdade, a beleza, a verdade, as paixões, a ação humana, a linguagem e o
pensamento.
Seguramente uma das atividades pedagógicas mais apropriadas a essa dimensão da
Filosofia é – o que chamo – Estratégia de Leitura, Pergunta, Resposta e Avaliação, objetivando o
exercício do problematizar e do fundamentar através da discussão gerada pela leitura de um texto.
A metodologia consiste em enfatizar – mais que a capacidade de responder – a faculdade de
perguntar em vista do conhecimento e a de crítica e autocrítica ao avaliar individual e
coletivamente perguntas, respostas e avaliações dessas e daquelas. A sua meta é a clareza do
discurso e o movimento das ideias.
Eximindo-se dos pormenores, vale lembrar Aristóteles em sua Ética a Nicômaco,
quanto à conduta humana: “Não há regras que abranja a todos” os casos; é preciso, então, que o
educador repense constantemente a sua prática e analise conjuntamente a vivência do seu
educando, assim, quiçá, proporcionemos à educação uma contribuição filosófica e à Filosofia, uma
dimensão pedagógica, haja vista não pretendermos tornar filósofos todos os educandos, mas , sim,
respeitando as suas especificidades, torná-los pensadores em suas respectivas áreas de atuação.
6. Indicações Bibliográficas
 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. livro II (Os
Pensadores).
 ______. Metafísica. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. livro I. (Os Pensadores);
10/11
 GAARDEN, Jostein. O Mundo de Sofia: Romance da História da Filosofia. Trad. João Azenha Jr.
São Paulo: Cia. Das Letras, 2000.
 GALLO, Sílvio (Coord.). Ética e cidadania: caminhos da filosofia: elementos para o ensino de
filosofia. Campinas/SP: Papirus, 1997.
 LIPMAN, Mattew. A Filosofia vai à escola. Trad. Maria Elice de Brzezinsk Prestes e Lúcia
Maria Silva Kremer. São Paulo: Summus, 1990.
 OLIVEIRA, W. C. A Educação em Aristóteles. Mossoró/RN: DFI/UERN, 2002. (inédito).
 ______. A Questão fundamental. Mossoró/RN: DFI/UERN, 2002. (inédito).
 ______. A Propósito do filósofo: um ensaio. Contexto-Revista da Faculdade de Filosofia e
Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Mossoró, RN, ano 2, n°
2, p. 111-22, jan/jul. 1997.
 ______. Implicações éticas do conceito de animal político em Aristóteles. 2000. 158 f.
Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes.
Universidade Federal da Paraíba.
 ______. Pensando o pensamento: uma introdução ao filosofar. Expressão-Revista da Fundação
Universidade Regional do Rio Grande do Norte, Mossoró, RN, ano 22, n° 5, p. 149-52,
maio/1991.
 PLATÃO. A República. São Paulo: Martin Claret, 2001.
 ______. Diálogos. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (col. Os Pensadores)
 SOARES, Antônio Jorge. Da Necessidade do seduzir na educação escolar. 1993. 186 f.
Dissertação (Mestrado em Filosofia e História da Educação) – Faculdade de Educação.
Universidade Estadual de Campinas.
 SÓCRATES. Diálogos. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (col. Os Pensadores)
 TELLES, Maria. Filosofia para crianças e adolescentes. Campinas/SP: Papirus, 1999.
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