LÓGICA – Aulas - Lógica tradicional aristotélica AULA 4: Considerações introdutórias Proposições categóricas Quadro de oposições CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: Pioneirismo de Aristóteles: primeiro a formular a noção de forma lógica, a distinguir a verdade da validade e a sistematizar relações lógicas entre proposições. o Kant chegou a afirmar que a lógica inventada por Aristóteles estava pronta e nada mais havia a fazer (caso célebre de previsão errada). A lógica estóica (embrião da lógica proposicional) é considerada, juntamente com a lógica de Aristóteles (dos silogismos categóricos), uma versão de lógica tradicional. O valor da lógica aristotélica hoje é histórico, estando todos os seus resultados integrados na lógica clássica (e os resultados incorretos foram excluídos). o Aristóteles pensava que a sua silogística era suficiente para lidar com todas as inferências válidas possíveis. Estava enganado (seu sistema, ainda que completo em si mesmo, corresponde apenas a uma fração da lógica). o O método de prova da lógica aristotélica é muito trabalhoso, não é o mais eficiente: PM, Pm, termo maior e menor, etc. o O que distingue a lógica aristotélica da clássica não é o fato de a clássica ser simbólica (toda lógica formal é simbólica – abstrai do conteúdo – ainda que misturando palavras da linguagem natural). Deficiências da lógica aristotélica: trata-se de uma teoria bastante limitada (se comparada à lógica clássica atual) 1) Incapaz de dar conta de vários argumentos válidos (como os baseados na quantificação). Depois de Frege, a lógica formal podia, pela primeira vez, lidar com argumentos que envolviam frases com quantificação múltipla, frases que eram, por assim dizer, quantificadas em ambos os extremos, tais como "ninguém conhece toda a gente" e "qualquer criança em idade escolar pode dominar qualquer língua". 2) Confunde sujeito e predicados. Pode-se permutar livremente sujeitos e predicados. Por exemplo, “Algum F é G”, pode representar “Alguns atenienses são homens” ou “Alguns homens são atenienses”, de modo que “ateniense” e “homem” funcionam ora como sujeito, ora como predicado. Essa forma de tratar o predicado é enganadora. Na lógica de predicados clássica, isso não ocorre, pois sua forma lógica deixa mais claro os predicados: ∃x (Fx ∧ Gx). 3) Aplica-se apenas a classes não-vazias. Quando aplicada a classes vazias, aparece o problema da implicação existencial (para evitar a falácia da pressuposição existencial, é preciso sempre afirmar que a classe é não vazia). Ex: Todos os marcianos são louros. Alguns marcianos não são louros. Dado que não há marcianos, a relação de contradição fica comprometida, pois tanto a proposição categórica universal afirmativa (Todos os marcianos são louros) quanto a particular negativa (alguns marcianos não são louros) ficam ambas falsas. (na interpretação booleana, as proposições particulares com classes nulas são falsas e as universais, contraditórias. Verdadeiras). Comprometimento metafísico: para Aristóteles, a lógica se funda em uma concepção metafísica do mundo, ou seja, as leis lógicas são leis do ser. o Por trás do mundo das aparências e mudanças, há a realidade imutável do ser. Nas próprias coisas se localiza o substrato que torna as conexões lógicas válidas (a razão respeita e reflete a ordem real do ser). Em suma, a inferência depende das relações entre as coisas e seus atributos. o Os princípios da identidade, da não contradição e do terceiro excluído, por exemplo, constituem, primariamente, leis do ser. Decorrem de uma doutrina estática do real: o ser é fixo e permanente; daí, ser sempre idêntico a si mesmo (princípio da identidade) , não poder ser e não ser ao mesmo tempo (lei da não contradição) e deve ser ou não ser, sem outra alternativa (tertium non datur). Tais princípios constituem leis ontológicas e, secundariamente, normas lógicas. o Kant altera esse comprometimento metafísico da lógica, fazendo ela residir no juízo (como categoria ou forma do pensamento e não das coisas). O criticismo kantiano conduz a uma doutrina da lógica totalmente diversa da aristotélica, embora mantendo grande parte de sua parte operatória. o Relação íntima com a geometria euclidiana: características estáticas e substancialistas. “As noções de objeto, de propriedade e de relação, da lógica aristotélica e da lógica matemática usual, derivam de visão estática e euclidiana da realidade. Os objetos geométricos independem do tempo e permanecem idênticos a si mesmos. Aqui se encontra, sem dúvida, uma das justificações psicológicas e epistemológicas do princípio da identidade. Nenhum objeto pode estar (ou possuir uma propriedade) e não estar em dado lugar (respectivamente, não possuir a referida propriedade). Esta é, evidentemente, uma primeira aproximação da lei da contradição. Outro atributo das entidades geométricas - base da lei do terceiro excluído - formula-se assim: todo objeto está (é) ou não está (é) em dado lugar. Em síntese, a lógica aristotélica e a lógica matemática não são mais que generalizações idealizadas de leis que regem os entes geométricos euclidianos; os corpos geométricos são estáticos e imutáveis, dotados de propriedades e mantendo relações entre si, como as substâncias de Aristóteles”. (Da Costa. Ensaio sobre os fundamentos da lógica. P. 120). Os círculos de Euler e os diagramas de Venn confirmam essa tendência de se geometrizar as categorias racionais. ELEMENTOS DE LÓGICA ARISTOTÉLICA: Estrutura de uma proposição categórica: S é P. o Aristóteles considerava que qualquer sentença declarativa poderia ser reduzida a essa forma primitiva. o Quando a cópula não está explícita, basta substituir o predicado da sentença por um equivalente explicativo. Ex: ‘Getúlio suicidou-se’ pode ser expresso na forma padrão (S é P) assim: ‘Getúlio é um ser que se suicidou’. A lógica aristotélica possui apenas 4 formas lógicas (tipos de proposições categóricas): o 1) Universal afirmativa (A): Todo F é G. o 2) Universal negativa (E): Nenhum F é G. o 3) Particular afirmativa (I): Algum F é G. o 4) Particular negativa (O): Algum F não é G. o Há formas equivalentes de escrever essas sentenças: o Diagramas de Venn (método de representação espacial e de decisão para a silogística categórica): Quadrado de oposições (relações lógicas sistematizadas na Idade Média): o O quadrado de oposição ajuda a negar corretamente proposições das quatro formas dadas. Por exemplo, a negação de uma universal afirmativa (A) é uma particular negativa (O) e não uma universal negativa (E), como pode parecer a alguns. Ex: a negação de A (“Toda verdade é relativa”) é O (“Alguma verdade não é relativa”) e não E (“Nenhuma verdade é relativa”). Ex2: Para negar ‘Todo mineiro é atleticano’, que por sinal é falsa, precisamos de pelo menos um indivíduo que seja mineiro e não seja atleticano, isto é, precisamos afirmar a sentença ‘Algum mineiro não é atleticano’, que de fato é uma sentença verdadeira. Note que a negação não é a sentença ‘Nenhum mineiro é atleticano’, que também é falsa. Note que, se uma sentença é falsa sua negação deve ser verdadeira. Na lógica clássica isso fica mais fácil de ser percebido, pois basta colocar o operador de negação à frente da afirmação. Por exemplo, a negação de A [∀x (Fx → Gx)] é O [¬∀x (Fx → Gx)], que é a mesma coisa que ∃x (Fx ∧ ¬Gx). Da mesma forma, a negação de E [∀x (Fx → ¬Gx)] é I [¬∀x (Fx → ¬Gx)], que é a mesma coisa que ∃x (Fx ∧ Gx), e não A [∀x (Fx → Gx)]. o Com o quadro de oposição podemos mais facilmente inferir a verdade ou falsidade de algumas proposições: o O quadrado de oposições permite também perceber que as afirmações subalternas podem ser ambas verdadeiras, ainda que, intuitivamente, tendamos a considerar a afirmação particular falsa. Por exemplo, dado que “Todos os homens são mortais”, é correto afirmar que “Alguns homens são mortais”, assim como é verdadeiro afirmar que há 4 pessoas na sala quando há 10 (o que se quer dizer é que há pelo menos alguns homens mortais ou 4 pessoas na sala). Isso é contra-intuitivo, pois contraria uma máxima conversacional segundo a qual se deve transmitir toda a informação disponível (e se eu sei que todos os homens são mortais, é enganador dizer que alguns homens são mortais, pois o interlocutor pressupõe que alguns homens não são mortais – pressuposição esta que não é logicamente válida). AULA 5: Teoria do silogismo A palavra silogismo provém de súllogos (reunir, interconectar palavras ao raciocinar). o Argumentos mais elaborados podem ser sempre decompostos em diversos silogismos. O silogismo é composto de 3 proposições categóricas: o Proposição categórica: formada por um quantificador (todo, nenhum, algum), seguido de um termo, uma cópula (é, não é) e outro termo. o Estrutura do silogismo: Premissa Maior (P), Premissa Menor (p) e Conclusão (c) - onde 3 termos, Maior (T), Médio (M) e Menor (t), são compostos 2 a 2. Nas premissas, o termo maior (predicado da conclusão) e o termo menor (sujeito da conclusão) são comparados com o termo médio. Importante notar que a premissa maior não é definida em função da posição que ocupa, mas sim como a premissa que contém o termo maior (que, por definição, é o termo predicado da conclusão). O mesmo ocorre com a premissa menor, que é definida por conter o termo menor (o termo sujeito da conclusão). Aristóteles conseguiu com bastante sucesso determinar as formas válidas de silogismo. Existem 256 tipos de silogismos, sendo 24 coerentes e 19 válidos (o resto é falácia). o Alguns exemplos: Silogismo A – A – A Todo crente em Deus merece ser salvo Os cristãos são crentes em Deus. Os cristãos merecem ser salvos. Silogismo E – A – E Nenhum santo comete pecado. Todos os ateus cometem pecados. Nenhum ateu é santo. Silogismo A – A – I Os cristãos são justos. Os cristãos são seres humanos. Há seres humanos que são justos. Silogismo E – I – O Nenhum santo é pecador. Alguns pecadores são ateus. Alguns ateus não são santos. Para que um argumento em forma silogística seja válido, ele deve obedecer a um conjunto de regras mais ou menos intuitivas, que são as seguintes (cf. MARGUTTI, Breve Resumo das Regras do Silogismo Aristotélico): o 1ª Regra: somente três termos (menor, médio e maior). O silogismo completo deve ter exatamente três termos. O menor é ligado ao maior através do médio. O desrespeito a essa regra conduz à falácia dos quatro termos (quaternio terminorum). Falácia dos quatro termos: não é um silogismo, pois não possui um termo médio. o Ex: Quem guarda gado é pastor. Quem é pastor é sacerdote protestante. Quem guarda gado é sacerdote protestante. o Ex2: O cão ladra. Aquele grupo de estrelas é o cão. Logo, aquele grupo de estrelas ladra. o 2ª Regra: os termos maior e menor nunca devem ter maior extensão na conclusão do que nas premissas. Os termos do silogismo podem ser entendidos como designando classes de objetos. Neste caso, temos de prestar atenção à extensão em que tais classes foram tomadas. Com efeito, se uma dessas classes for tomada, numa das premissas, em apenas em parte de sua extensão e, na conclusão, em toda a sua extensão, estaremos diante duma falácia: teremos passado indevidamente da parte para o todo. Não é difícil identificar a extensão do sujeito das proposições aristotélicas, pois esta já vem indicada através dos o o o o o o quantificadores utilizados. Assim, em ‘todo homem é mortal’, o termo ‘homem’ foi tomado universalmente; em ‘algum médico é pediatra’, o termo ‘médico’ foi tomado particularmente. Regra para determinar a extensão do conceito que ocupa a posição de predicado: o Sentença afirmativa: predicado tomado particularmente o Sentença negativo: predicado tomado universalmente Ex: ‘Todos os arianos [u] estão fadados a dominar o mundo [p]. Ora, nenhum chinês [u] é ariano [u]. Logo, nenhum chinês [u] está fadado a dominar o mundo [u]’. 3ª Regra: o termo médio nunca deve aparecer na conclusão. Se o termo médio aparecer na conclusão, ele não terá desempenhado a sua função de ponte entre dois conceitos e não permitirá uma inferência silogística. Esta regra é suficientemente intuitiva para dispensar exemplos. 4ª Regra: o termo médio deve ser tomado universalmente ao menos uma vez. Versão simplificada (6ª Regra): de duas premissas particulares nada se conclui. Com efeito, se as premissas forem particulares, o termo médio não terá sido tomado universalmente ao menos uma vez e não haverá inferência válida. Esta regra permite que, em alguns casos, sejamos capazes de determinar a validade de um silogismo sem ter que examinar a extensão dos termos envolvidos. Se o termo médio for tomado particularmente nas duas premissas, não haverá garantia de que a parte da extensão do termo médio na premissa maior é a mesma parte da extensão do termo médio na premissa menor. Neste caso, ele não poderá funcionar como ponte entre os termos maior e menor e a inferência não será válida. Ex: Alguns políticos são ladrões. Ora, alguns padres são políticos. Logo, alguns padres são ladrões. Forma: Algum A é B. Algum C é A. Logo, algum C é B. 5ª Regra: de duas premissas negativas nada se conclui. Se as premissas são negativas, elas simplesmente estão excluindo uma classe da outra. Isto não permite que o termo médio funcione como ponte e, desse modo, a inferência não pode ser válida. Ex: Nenhum padre é ladrão. Nenhum ladrão é honesto. Logo, Nenhum padre é honesto. Forma: Nenhum A é B. Nenhum B é C. Logo, nenhum A é C. A conclusão não decorre das premissas, pois o fato de as classes ‘A’ e ‘C’ estarem excluídas da classe ‘B’ nada nos autoriza a dizer sobre a relação entre A e C. 6ª Regra: (vide regra 4) 7ª Regra: a conclusão segue sempre a pior premissa. Aqui, a palavra ‘pior’ tem a ver com o fato das sentenças envolvidas serem particulares ou universais, afirmativas ou negativas. Desse modo, se houver uma premissa particular no argumento, a conclusão deverá também ser particular; se houver uma premissa negativa no argumento, a conclusão deverá também ser negativa; se houver uma premissa simultaneamente particular e negativa, a conclusão deverá também ser particular negativa. 8ª Regra: se as premissas são sentenças afirmativas, a conclusão não pode ser negativa. Se as premissas são afirmativas, elas incluem classes umas nas outras (não há qualquer exclusão de classes); em virtude disso, a conclusão também deverá incluir uma classe na outra, não podendo haver qualquer exclusão aqui também. AULA 6: Diagramas de Venn o Método de decisão para a silogística categórica: Para verificar se um silogismo é ou não válido mediante o método dos diagramas de Venn, é necessário representar ambas as premissas em um diagrama, o que se faz por meio de 3 círculos que se interceptam, cada qual representando um dos termo (maior, menor e médio) presentes nas premissas. Tomemos então as seguintes classes: S: termo menor P: termo maior M: termo médio o Ex1: Para diagramar a proposição “Todo M é P”, sombreamos toda a parte de M que não se sobreponha a P (não está contida em P, o que inclui as áreas S-PM e -S-PM). Ou seja: o Para diagramar a proposição “Todo S é M”, sombreamos toda a parte de S que não se sobreponha a M (não está contida em M, o que inclui as áreas S-P-M e SP-M). Ou seja: o Agora, podemos diagramar as duas proposições ao mesmo tempo, ou seja: “Todo M é P” e “Todo S é M”, o que dá: o Este diagrama acima representa espacialmente o silogismo AAA: Todo M é P. Todo S é M. Logo, todo S é P. o Ex2: Para representar um silogismo com uma premissa particular. Seja: Todos os artistas são egoístas. Alguns artistas são pobres. Logo, alguns pobres são egoístas. Começa-se representado a premissa universal (Todos os artistas são egoístas) e depois inserimos um x para diagramar a premissa particular (Alguns artistas são pobres). Assim, temos: o 4. Data 13/08 qua Tema Lógica aristotélica (I): Considerações introdutórias: Proposições categóricas; Quadro de oposições. 5. 18/08 seg Lógica aristotélica (II): Silogismo. 6. 20/08 qua Lógica aristotélica (III): Diagramas de Venn Bibliografia o ALMEIDA, Aires; TEIXEIRA, Célia; MURCHO, Desidério; GALVÃO, Pedro; MATEUS, Paula. “Lógica silogística”. In: A arte de pensar. o COPI, Irwing. Introdução à lógica. São Paulo: Mestre Jou, 1968. (Cap. 5: Proposições categóricas, p. 139-166; Cap. 6: Silogismos categóricos, p. 167-192). o KENNY, Anthony. “A fundação da lógica”. In: História Concisa da Filosofia Ocidental. Temas e Debates, 1999. Disponível em http://criticanarede.com/. o KNEALE, William; KNEALE, Marta. O Desenvolvimento da Lógica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1962. (Cap. II: O Organon de Aristóteles, p. 25-114). o MACHADO, Nílson; CUNHA, Marisa. Lógica e linguagem cotidiana: verdade, coerência, comunicação, argumentação. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. (Anexo A: Os silogismos aristotélicos, p. 99-107). o MARGUTTI PINTO, Paulo Roberto. “Breve Resumo das Regras do Silogismo Aristotélico”. o MURCHO, Desidério. O lugar da lógica na filosofia. Lisboa: Plátano, 2003 (cap. 6: Lógica Aristotélica, p. 87101). o SMITH, Robin. “Ancient Greek philosophical logic”. In: JACQUETTE, Dale. A Companion to Philosophical Logic. Blackwell Publishing, 2002 (cap. 1, p. 11-23).