Análise jurisprudencial... João Pes e Taís Rosa

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ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DA NEGAÇÃO DO DIREITO DE ACESSO À ÁGUA TRATADA1
PES, João Hélio2; ROSA, Taís Hemann da3
Resumo: O presente trabalho objetivou analisar através das jurisprudências dos Tribunais de Justiça do Rio Grande do
Sul e do Superior Tribunal de Justiça qual tem sido o posicionamento desses sobre o corte no fornecimento de água
tratada, realizado pelas concessionárias desse serviço essencial. Apesar de esse serviço, que proporciona o acesso à água
potável, constituir-se como essencial à dignidade da pessoa humana e estar enquanto direito fundamental abrangido por
tratados internacionais, ratificados pelo Brasil, constatamos que em algumas situações esses tribunais estão permitindo a
sua suspensão; é o caso do reconhecimento da legalidade do corte no fornecimento de água realizado após aviso prévio.
Palavras-chave: Jurisprudência; serviço essencial; acesso à água, direito fundamental; negação.
INTRODUÇÃO
O direito de acesso à água tratada no Brasil não se encontra expresso no ordenamento jurídico. Porém, nossa
Constituição Federal acenta-se em regras e princípios; nesse sentido, o princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana deve ser percebido como um dos fundamentos maiores para que se assegure o acesso à água tratada a todos os
cidadãos brasileiros.
Outro fator que deve ser compreendido como relevante na garantia do acesso á água tratada no Brasil é a
disposição do Comitê da ONU para os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais pertencente ao Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, ratificado por nosso país, sobre o direito fundamental de acesso a
quantidades mínimas de água potável ao ser humano.
Nesse contexto, buscamos analisar quais os entendimentos dos Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul e do
Superior Tribunal de Justiça sobre o corte no fornecimento de água tratada, realizado pelas concessionárias desse
serviço essencial. Através das análises jurisprudenciais, investigamos em quais situações esses tribunais estão
permitindo a suspensão desse serviço.
Buscamos apresentar qual o posicionamento desses tribunais sobre o corte no fornecimento de água tratada em
diferentes circunstâncias, como no caso do corte em decorrência de débitos pretéritos, corte com e sem aviso prévio,
dentre outras situações que emergem nessas demandas judiciais.
Além das análises jurisprudênciais, procuramos demonstrar por que o acesso à água tratada deve ser percebido
como um direito fundamental, de caráter essencial e garantidor da dignidade da pessoa humana, da vida com dignidade
e parte integrante de um mínimo existencial para a vida.
1 O DIREITO DE ACESSO À ÁGUA TRATADA
O direito de acesso à água tratada não se encontra expressamente disposto no texto Constitucional brasileiro,
portanto, faz-se necessário que teçamos algumas linhas a respeito dos fundamentos que nos levam a definir o acesso à
água tratada como um direito essencial de todos os cidadãos brasileiros.
Para tal objetivo, primeiramente devemos definir em que se constitui o próprio direito. Assim, convém relembrar
ensinamentos de Norberto Bobbio: “[...] se pode falar de Direito somente onde haja um complexo de normas formando
um ordenamento, e que, portanto, o Direito não é norma, mas um conjunto coordenado de normas, sendo evidente que
uma norma jurídica não se encontra jamais só, mas está ligada a outras normas com as quais forma um sistema
normativo” (1997, p. 21).
Doutrinariamente o sistema jurídico tem sido concebido como um sistema de normas que abarcam tanto regras
quanto princípios4. A distinção entre princípios e regras é um assunto complexo, não há dúvida de que a grande
discussão sobre esse problema ganhou a força atual com as obras de Ronald Dworkin e Robert Alexy. Por não ser o
objeto do presente trabalho, interessa aqui utilizar as definições largamente conhecidas.
Nesse contexto, as regras devem ser assimiladas como disciplinadoras de determinada situação, é a expressão
literal de um fato que pode ou não ocorrer, e caso ocorra essa norma que o define incidirá sobre o mesmo. Por outro
lado, os princípios “normalmente apontam para estados ideais a serem buscados, sem que a norma descreva de maneira
objetiva a conduta a ser seguida” (BARROSO, 2009, p. 206).
Para Alexy os princípios “são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das
possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização” (2009, p. 90).
1
Trabalho vinculado ao Projeto de Pesquisa – PROBIC – do Universitário Franciscano (UNIFRA): “O emprego do
princípio da dignidade da pessoa humana pelos tribunais brasileiros”.
2
Doutorando em Direito na universidade de Lisboa e Professor do Curso de Direito do Centro Universitário
Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil; [email protected];
3
Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil;
[email protected];
4
Autores que expressam tal compreensão: DWORKIN (2007), ALEXY (2009) e SILVA (2010). Com ressalvas
discordantes: HART (2007, p. 321).
Fazendo uma distinção qualitativa e não uma distinção de grau, Alexy define as regras como sendo: “normas que são
sempre satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais,
nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível” (2009, p.
91).
A existência de princípios balisadores na Constituição Federal brasileira como o princípio da dignidade da
pessoa humana e a cláusula aberta dos direitos fundamentais aos direitos elencados em tratados e, ainda, definições
interpretativas sobre o mínimo existencial, são os fundamentos racionais para considerarmos o acesso à água tratada um
direito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro.
2 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E MINIMO EXISTENCIAL
Conceituar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é uma tarefa complexa a ponto de autores
profundamente conhecedores das teorias que fundamentam a utilização desse princípio como norma jurídica
fundamental efetuarem ressalvas nesse tocante. Ingo Sarlet (2007, p.40) reconhece que não há como negar que uma
conceituação clara do que efetivamente seja “se revela no mínimo difícil de ser obtida, isto sem falar na questionável (e
questionada) viabilidade de se alcançar algum conceito satisfatório do que, afinal de contas, é e significa a dignidade da
pessoa humana hoje”.
Jorge Miranda ensina-nos que a unidade valorativa do sistema constitucional (tanto do Português como do
Brasileiro) “repousa na dignidade da pessoa humana [...], ou seja, na concepção que faz da pessoa fundamento e fim da
sociedade e do Estado” (MIRANDA, 2000, p.180).
Várias são as implicações da inclusão do princípio da dignidade da pessoa humana como um dos pilares da
Constituição Federal brasileira e como um verdadeiro princípio basilar do ordenamento jurídico pátrio. Poderíamos
apontar a necessidade de discriminarmos o que deve ser considerado como imprescindível para viver com dignidade.
Porém, é necessário fazê-lo levando em consideração o panorama atual de nossa sociedade. Ou seja, a definição do que
se constitui em mínimo existencial deve ser balizada dentro das demandas sociais de nossa época, considerando que a
constante evolução tecnológica e social requer uma permanente atualização das demandas sociais para uma vida digna.
Assim, neste contexto global “o direito ao mínimo existencial não é reducionista, no sentido de que só lhe
caberia garantir um mínimo dos mínimos” (TORRES, 2009, nota prévia).
Ou seja, para sua discriminação é indispensável considerar que:
A globalização do mundo expressa um novo ciclo de expansão do capitalismo, como modo
de produção e processo civilizatório de alcance mundial. Um processo de amplas
proporções, envolvendo nações e nacionalidades, grupos e classes sociais, economias e
sociedades, culturas e civilizações. Assinala a emergência da sociedade global como uma
totalidade abrangente, complexa e contraditória. Uma realidade ainda pouco conhecida,
desafiando práticas e idéias, situações consolidadas e interpretações sedimentadas, formas
de pensamento e voos da imaginação (IANNI in AARÂO, 2008, p. 207) [grifos meus].
Nessa perspectiva, não é estranho as contendas também reclamarem novos direitos, ou, velhos direitos ainda não
efetivados apesar de muitas vezes assegurados constitucionalmente. Nesse sentido,
a teoria do mínimo existencial tem a pretensão de oferecer a rationale que conduz à
distribuição igual dos bens sociais, mediante a adoção de políticas públicas focalizadas e de
escolhas orçamentárias racionais em um ambiente de escassez de recursos financeiros.
O direito ao mínimo existencial, em síntese, é o núcleo essencial dos direitos fundamentais
ancorado nos princípios da dignidade da pessoa humana e do Estado Democrático de
Direito e na busca pela felicidade. Após a reserva do mínimo existencial, que garante a
igualdade de chances, é que se iniciam a ação da cidadania reivindicatória e o exercício da
democracia deliberativa, aptos a assegurar os direitos sociais prestacionais em sua extensão
máxima, sob a concessão do legislador e sem o controle contramajoritário do judiciário
(TORRES, 2009, nota prévia) [grifos meus].
Assim, ocorre que todas as necessidades básicas do ser humano para manter-se de forma digna devem ser
percebidas como mínimas, devem ser livres da intervenção do Estado na via dos tributos, e exigem ainda uma prestação
positiva do Estado para sua manutenção (TORRES, 2009).
Para Ana Paula Barcelos “o chamado mínimo existencial, formado pelas condições materiais básicas para a
existência, corresponde a uma fração nuclear da dignidade da pessoa humana à qual se deve reconhecer a eficácia
jurídica positiva ou simétrica”. (BARCELLOS, 2008, p.278).
2
Contextualizando a realidade brasileira a partir da Constituição de 1988, verifica-se que a “dignidade da pessoa
humana tornou-se o princípio fundante da ordem jurídica e a finalidade principal do Estado, com todas as
consequências hermenêuticas que esse status jurídico confere ao princípio” (BARCELLOS, 2008, p.279).
Contudo, compreendemos que os direitos mínimos a uma condição de vida digna devem ser pensados de acordo
com o contexto das demandas sociais atuais. Ou seja, devemos discriminá-los não de forma mínima, mas sim de forma
que sejam mínimos para assegurar dignidade.
É nessa conjuntura que encontramos no rol de direitos mínimos a serem assegurados direitos como o de acesso
ao abastecimento de água tratada. Esse direito, a partir da clausula de abertura, pode ser caracterizado como direito
fundamental e na parte final desse trabalho será cotejado com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
3 CLÁUSULA ABERTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
A “cláusula aberta” dos direitos fundamentais nos termos da atual Constituição Brasileira admite considerar
como direitos fundamentais determinadas situações jurídicas não previstas na Constituição (chamados de direitos
fundamentais não enumerados). Assim, com a adoção da “cláusula aberta”, também denominada de “princípio da não
tipicidade dos direitos fundamentais”, passam a ser também considerados direitos fundamentais aqueles que decorrem
do regime democrático, dos outros princípios adotados pela Constituição Brasileira e dos tratados de direitos humanos,
bastando estar consagrados em lei ou regras (inclusive de costume) nacionais ou internacionais reconhecidas pelo
Estado brasileiro.
Nesse viés, a Constituição Brasileira aceita outros direitos além daqueles nela expressamente previstos. “Esses
direitos não são aqueles que as normas formalmente constitucionais enunciam e, sim, aqueles que são ou podem ser
também direitos provenientes de outras fontes, na perspectiva mais ampla da Constituição material” (CUNHA JUNIOR,
2008, p 617).
O §2º do artigo 5º5 da Constituição Federal deixa claro que a enumeração dos direitos fundamentais é aberta,
meramente exemplificativa, podendo ser complementada a qualquer momento por outros direitos, por meio de outras
fontes.
A origem dessa cláusula, incluída desde a primeira Constituição Republicana, tem como referencial histórico a
Constituição dos Estados Unidos da América, que ao receber o aditamento IX (9ª Emenda Constitucional), em 1791,
fixou que a enumeração de certos direitos na Constituição não deve ser interpretada como denegação ou diminuição de
outros direitos reservados ao povo (PES, 2010, p.50).
A presença da cláusula de “abertura material” nas Constituições Brasileiras até recentemente foi pouco
observada, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência. A sua concretude, ou observância prática, muito deixou a
desejar porque sempre predominou o entendimento de que os direitos fundamentais o são, enquanto tais, na medida em
que encontram reconhecimento nas Constituições formais. “Essa doutrina brasileira, refratária à natureza material dos
direitos fundamentais, bem reflete a jurisprudência nacional, que sempre entendeu que os direitos fundamentais são
apenas aqueles incorporados ao texto de uma Constituição escrita” (CUNHA JUNIOR, 2004, 612).
Assim, é por meio da cláusula aberta que podemos justificar, também, a caracterização de direito fundamental ao
direito de acesso à água tratada. Ademais, não devemos considerar o direito de acesso à água tratada um direito que
deve ser assegurado apenas aos cidadãos brasileiros, conforme compromissos internacionais, assumidos pelo Brasil,
como o de reconhecer o Comitê da ONU para os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Esse Comitê, desenvolvendo
uma atividade interpretativa do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ratificado pelo Brasil,
elaborou a Observação Geral nº 15, no ano de 2002, reconhecendo o direito de acesso à água como um direito que está
incluído no âmbito dos direitos humanos à saúde, à vida digna e à alimentação, dispondo que: “o acesso a quantidades
suficientes de água limpa para uso pessoal e doméstico é um direito fundamental de todos os seres humanos” (ONU,
2002).
A partir da cláusula de abertura dos direitos fundamentais, é possível inferir a força normativa que devem conter
as disposições trazidas pelos Tratados ratificados pelo Estado brasileiro, como é o caso do Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de
1966, e ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 226, de 12 de
dezembro de 1991 e promulgado pelo decreto nº 591, de 6 de julho de 1992 (PES, 2010).
Assim, tanto a base principiológica do Direito Constitucional brasileiro quanto a ratificação de tratados
internacionais que versam sobre direitos sociais, nos quais incluem-se o acesso à água, são alguns dos institutos que
apontamos como legitimadores, no Brasil, do direito de acesso à água tratada.
5
Art. 5º(...:)§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
3
4 O ACESSO À ÁGUA NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA:
4.1 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ): PRECEDENTES FORMADOS
Em recurso especial não-conhecido por unanimidade, do ano de 2007, o qual destinava-se a julgar recurso
especial interposto em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande Sul que “reconheceu lícito o corte do
fornecimento de água em face da inadimplência, após aviso prévio, com base na Lei n. 8.987/95, em conjunto com o
art. 15, I, § 1º, da LC n. 170/87” (BRASIL, 2007), o Superior Tribunal de Justiça deixou inequívoco seu entendimento
sobre a legalidade do corte no abastecimento de serviço público essencial, desde que tal suspensão seja efetuada após
aviso prévio. Conforme ementa colacionada:
Ementa: Administrativo – Serviço de Fornecimento de Água – Corte por Falta de
Pagamento, Após Aviso Prévio – Legalidade – Lei n. 8.987/95 e LC n. 170/87 - Súmula
83/STJ (BRASIL, 2007).
A súmula nº 83, citada na ementa, dispõe que “não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a
orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida”; nesse caso, o entendimento referido pelo STJ
é o de que na “relação jurídica entre a concessionária e o consumidor, o pagamento pelo serviço de abastecimento é
contraprestação, e o serviço pode ser interrompido em caso de inadimplemento, desde que antecedido por aviso”
(BRASIL, 2007).
Nessa ocasião, o STJ expressou também sobre seu entendimento referente aos efeitos do princípio da
continuidade no que tange aos serviços públicos essenciais, expressando-se da seguinte maneira: “‘a continuidade do
serviço, sem o efetivo pagamento, quebra o princípio da isonomia e ocasiona o enriquecimento sem causa de uma das
partes, repudiado pelo Direito (interpretação conjunta dos arts. 42 e 71 do CDC)’. (REsp 684.020/RS, Rel. Min. Eliana
Calmon, DJ 30.5.2006)” (BRASIL, 2007).
Mesmo tratando-se de julgado do ano de 2007, essas exposições refletem o entendimento atual do STJ sobre a
suspensão no fornecimento de serviços públicos essenciais delegados.
O Ministro do STJ Humberto Martins aponta algumas referências jurisprudenciais6, elencando que “há muito a
jurisprudência do STJ trilha no sentido do julgado recorrido” (BRASIL, 2007). Dentre essas jurisprudências, apontadas
pelo Minístro, podemos encontrar alguns entendimentos que explicitam o posicionamento do STJ sobre o assunto.
Tais acórdãos referenciados pelo Minístro Humberto Martins deixam claro o entendimento do STJ de que o corte
do fornecimento de serviço público essencial é lícito. Porém, desde que efetuado após aviso prévio e que o consumidor
permaça inadimplente. A relação jurídica nesses casos tem natureza de Direito Privado, sendo o pagamento feito sob a
modalidade de tarifa e, portanto, caracterizado como contraprestação. Esclarece, ainda, mais uma vez, que a
continuidade do serviço, sem o efetivo pagamento, quebra o princípio da isonomia e ocasiona o enriquecimento sem
causa de uma das partes (BRASIL, 2010).
Entretanto, é possível encontrar em jurisprudência, também referênciada pelo Minístro Humberto Martins nesse
recurso especial, posição inconformada com tal entendimento sobre a questão do corte no fornecimento de serviço
público essencial. É o posicionamento do relator do julgado: REsp 691.516/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em
11.10.2005, DJ 24.10.2005.
O Min. Luiz Fux ressalta ao final do relatório do julgado referenciado que: “‘Destacada minha indignação contra
o corte do fornecimento de serviços essenciais a municípios, universidades, hospitais, onde se atingem interesses
plurissubjetivos, submeto-me à jurisprudência da Seção. 9. Recurso especial improvido, por força da necessidade de
submissão à jurisprudência uniformizadora’”. (REsp 691.516/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 11.10.2005, DJ
24.10.2005) (BRASIL, 2007).
Em outra situação, o STJ, discutindo sobre corte no abastecimento de água em decorrência de débitos pretéritos,
demonstrou seu entendimento sobre tal circunstância:
Ementa: Administrativo e Processual Civil. Recurso Especial. Corte no Fornecimento de
Água e Esgoto. Art. 6º, § 3º, II, da Lei 8.987/95. Impossibilidade de Suspensão do
Abastecimento na Hipótese de Exigência de Débito Pretérito. Caracterização de
Constrangimento e Ameaça ao Consumidor. Art. 42 do CDC. Precedentes (BRASIL,
2008).
Nesse caso, não proveu agravo regimental que defendia ser direito da concessionária (Companhia Estadual de
Águas e Esgotos – CEDAE) a suspensão do abastecimento em razão de inadimplência do usuário. Isso, pois, entendeu
6
Jurisprudências referenciadas pelo Exmo. Senhor Minístro Humberto Martins: REsp 631.246/RJ, Rel. Min. Denise
Arruda, DJ 23.10.2006; REsp 684.020/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 30.5.2006; REsp 691.516/RS, Rel. Min. Luiz
Fux, julgado em 11.10.2005, DJ 24.10.2005.
4
ser a hipótese em voga caracterizada pela exigência de débito pretérito, não devendo, portanto, ser suspenso o
fornecimento.
O STJ esclareceu, taxativamente, que o corte de tais serviços pressupõe o “inadimplemento de conta regular,
relativa ao mês do consumo, sendo inviável a suspensão do abastecimento em razão de débitos antigos, devendo a
companhia utilizar-se dos meios ordinários de cobrança, não se admitindo nenhuma espécie de constrangimento ou
ameaça ao consumidor, nos termos do art. 42 do CDC” (BRASIL, 2008).
Porém, também nessa oportunidade, o STJ deixou explícito, mais uma vez, o entendimento sobre a legalidade no
corte do fornecimento do serviço, nos casos precedidos de aviso prévio, bem como a inocorrência de afronta ao
princípio da continuidade, conforme passagem:
O art. 6º, § 3º, II, da Lei n. 8.987/95 dispõe que ‘não se caracteriza como descontinuidade
do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando for
por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade’. Portanto, se há o
fornecimento do serviço pela concessionária, seja de água ou de energia elétrica, a
obrigação do consumidor será a de realizar o pagamento, sendo que, o não-cumprimento
dessa contraprestação poderá ensejar, verificando-se caso a caso, a suspensão do serviço
(BRASIL, 2008).
Em diversas ocasiões, mais recentes, trazidas ao STJ, pode-se perceber expressamente a manutenção do
entendimento sobre o corte no fornecimento de serviços públicos essenciais (como água e energia elétrica) decorrente
de débitos pretéritos. Tal percepção dá-se através de algumas afirmações apresentadas em diferentes julgados que
envolviam situações similares, conforme as elencadas a seguir:
a) Datado de 17 de dezembro de 2009: “É firme a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça no sentido
da impossibilidade de suspensão de serviços essenciais, tais como o fornecimento de energia elétrica e água,
em função da cobrança de débitos pretéritos” (BRASIL, 2009);
b) Datado de 22 de fevereiro de 2011: “Esta Corte Superior entende que o corte de serviços essenciais, como
água e energia elétrica, pressupõe o inadimplemento de conta regular, relativa ao mês do consumo, sendo
inviável, pois, a suspensão do abastecimento em razão de débitos antigos, questionados em juízo” (BRASIL,
2011);
c) Datado de 08 de fevereiro de 2011: “O Superior Tribunal de Justiça entende que o corte de serviços
essenciais, como água e energia elétrica, pressupõe o inadimplemento de conta regular, relativa ao mês do
consumo, sendo inviável, pois, a suspensão do abastecimento em razão de débitos antigos” (BRASIL, 2011).
Outro aspecto, que merece ressalva, é o entendimento do STJ sobre a característica da cobrança pelo
fornecimento de água pelas concessionárias, ou seja, discutiu-se em algumas ocasiões se tal cobrança seria tributação ou
tarifação, visto que tributos não devem onerar o cidadão além do que este pode prover. Contudo, o entendimento do STJ
é de que tal cobrança é tarifa, conforme trecho a seguir:
1. Os serviços públicos podem ser próprios e gerais, sem possibilidade de identificação dos
destinatários. São financiados pelos tributos e prestados pelo próprio Estado, tais como
segurança pública, saúde, educação, etc. Podem ser também impróprios e individuais, com
destinatários determinados ou determináveis. Neste caso, têm uso específico e mensurável,
tais como os serviços de telefone, água e energia elétrica. 2. Os serviços públicos
impróprios podem ser prestados por órgãos da administração pública indireta ou,
modernamente, por delegação, como previsto na CF (art. 175). São regulados pela Lei
8.987/95, que dispõe sobre a concessão e permissão dos serviços públicos. 3. Os serviços
prestados por concessionárias são remunerados por tarifa, sendo facultativa a sua utilização,
que é regida pelo CDC, o que a diferencia da taxa, esta, remuneração do serviço público
próprio. 4. Os serviços públicos essenciais, remunerados por tarifa, porque prestados por
concessionárias do serviço, podem sofrer interrupção quando há inadimplência, como
previsto no art. 6º, § 3º, II, da Lei 8.987/95, exige-se, entretanto, que a interrupção seja
antecedida por aviso, existindo na Lei 9.427/96, que criou a ANEEL, idêntica previsão
(BRASIL, 2005).
Nesse interim, podemos constatar que para o Superior Tribunal de Justiça, algumas situações envolvendo o corte
no abastecimento de água são incontroversas. Esse é o caso do entendimento sobre a lícitude do corte no fornecimento
5
de água em face da inadimplência do consumidor, após aviso prévio, bem como de que o pagamento por tal serviço é
contraprestação, tarifação, podendo ser interrompido em caso de inadimplemento.
Tocante ao princípio da continuidade, no que tange aos serviços públicos essenciais, fica patente o entendimento
do STJ de que não há afronta a esse princípio, visto que o não pagamento pelo serviço ocasionaria o enriquecimento
sem causa de uma das partes, inclusive, ironicamente, daquelas pessoas paupérrimas que deixam de pagar as contas de
água por falta de condições financeiras.
Relativo ao corte por débitos pretéritos é clara sua inadimissibilidade diante do STJ, que adimite o corte apenas
por débitos relativos ao mês do consumo, devendo, portanto, débitos pretéritos ser reclamados em juízo e não através de
corte no fornecimento do serviço como meio de coação.
Por fim, o Superior Tribunal de Justiça tem fundamentado suas decisões de suspensão no fornecimento de
serviços públicos de abastecimento de água com a Lei 8.987, de 13.2.95, que dispõe sobre o regime de concessão e
permissão da prestação de serviços públicos. É preciso relembrar que tal legislação surgiu com o “claro propósito de
abrir o campo dos serviços públicos à livre concorrência com a iniciativa privada” (COUTO E SILVA, 2002, p. 61), e
de que no mesmo ano a Emenda Constitucional n. 6, de 15.8.1995, revogou o art. 171 da Constituição, eliminando a
definição de empresa brasileira de capital nacional e, com isso, criando as condições para a empresa de capital
estrangeiro participar do mercado de prestação de serviços públicos. Portanto, tais decisões judiciais estão perfeitamente
em sintonia com os interesses predominantes nesse contexto.
4.2 SOB A ÉGIDE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL (TJ/RS)
Em acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS) do ano de 2003, impetrava-se mandado de
segurança contra a Companhia Riograndense de Saneamento – CORSAN, visando ao restabelecimento do fornecimento
de água na residência da impetrante, que teve o fornecimento de tal serviço interrompido em razão de encontrar-se
inadimplente diante da concessionária. Alegava, entretanto, que não dispunha de condições financeiras para efetuar o
pagamento de suas dívidas (BRASIL, 2003). Veja ementa:
Ementa: Constitucional. Abastecimento de Água. Corte de Serviço Essencial. Sendo a
água um bem essencial e deferido à empresa pública o monopólio para o efeito de melhor
controlar sua qualidade e administrar seu fornecimento a todos, não pode seu fornecimento
ser suspenso sob a alegação de falta de pagamento. Para a respectiva cobrança dispõe a
credora de meios próprios e adequados. Precedentes deste Tribunal. Concessão da
Segurança. Manutenção da Sentença em Reexame Necessário (BRASIL, 2003) [grifos
dos autores].
Em tal situação fática, o acórdão do TJ/RS foi pela concessão da segurança, decisão unanime. Essa decisão
acentou-se sob algumas considerações acerca do fornecimento de serviços públicos essenciais delegados.
Dentre tais considerações podemos salientar o entendimento do TJ/RS, nesse ano de 2003, de que, por ser a água
um bem essencial, deferido à empresa pública o monopólio, não pode seu fornecimento ser suspenso sob a alegação de
falta de pagamento, devendo a respectiva cobrança ser fetuada por meios próprios e adequados (BRASIL, 2003).
Do voto do Relator, Desembargador Augusto Otávio Stern, podemos destacar alguns trechos que revelam seu
entendimento sobre a essencialidade do serviço de fornecimento de água, como: “O fornecimento de água constitui-se
em serviço essencial e indispensável ao cidadão” (BRASIL, 2003). O Desembargador cita, ainda, doutrina de Maria
Sylvia di Pietro, que aponta que o usuário tem direito à prestação do serviço, e que se o mesmo o for indevidamente
negado, pode exigir judicialmente o cumprimento de tal obrigação pelo concessionário, referindo que é comum
ocorrerem casos de interrupção na prestação desses serviços quando o usuário encontra-se inadimplente, e que, porém,
mesmo nessas ocasiões, há jurisprudência no sentido de que o serviço essencial não pode ser suspenso, cabendo à
empresa concessionária cobrar do usuário as prestações devidas através da via judicial cabível (PIETRO apud BRASIL,
2003).
Já em outra oportunidade, julgada em março de 2010, que continha como embargante o Departamento Municipal
de Águas e Esgotos. O TJ/RS acordou, por maioria, em desacolher os embargos infringentes. O caso em voga foi
narrado da seguinte maneira:
ENIO JOSÉ DE ANDRADE CÉSAR aforou ação cautelar inominada contra o
DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE ÁGUAS E ESGOTOS, por ter sido suspenso o
serviço [...] sem aviso prévio. [...]. O servidor do demandado ingressou no pátio do imóvel
pulando o muro, colocando uma luva em forma de lacre com uma advertência de multa em
caso de violação, constrangendo-o sobremaneira. [...]. O DMAE interpôs embargos
infringentes, sustentando que o autor continuava inadimplente, tanto que foi revogada a
liminar anteriormente concedida, que impedia o corte do serviço. (BRASIL, 2010) [grifos
meus].
6
Na ementa desse julgado resta patente o posicionameto do TJ/RS sobre o corte desse serviço público essencial,
dispondo que: “Sendo a água bem essencialíssimo para a sobrevivência humana, inviável permitir que a empresa
estatal, concessionária desse serviço e organizada para cumprir o papel do Estado, a quem cabe prover aos serviços
essenciais, possa cortar o abastecimento, por conta do inadimplemento” (BRASIL, 2010).
Merece destaque o voto da Des.ª Rejane Maria Dias de Castro Bins (Relatora), que ao votar pelo desacolhimento
dos embargos infringentes, reportou-se ao Preâmbulo da Constituição de 1988, esclarecendo que o constituinte assentou
no mesmo a “busca de um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, o
bem-estar das pessoas, como valores supremos, entre outros, de uma sociedade fraterna” (BRASIL, 2010), afirmando
ainda que o Preâmbulo deve auxiliar “o intérprete a compreender o pensamento do constituinte e, embora não faça parte
da própria Lei, ambos definem seu sentido e finalidade” (BRASIL, 2010).
Ainda no voto da Des.ª Rejane Maria Dias de Castro Bins encontramos a referência ao art. 1º da Constituição,
que se compromete a ter como fundamento da mesma, a dignidade da pessoa humana, e ao art. 5º que assegura o direito
à vida (BRASIL, 2010). Destacou que ao cuidar-se do direito à vida, “e sendo a água bem essencialíssimo para a
sobrevivência humana, inviável permitir que o DMAE, autarquia prestadora desse serviço, [...], possa cortar o
abastecimento, por conta do inadimplemento. É, talvez, o único bem em que isso não pode ser permitido: em nome da
vida, da dignidade da pessoa e da saúde pública” (BRASIL, 2010).
A Desembargadora, para basilar seu entendimento, fez emergir alguns diplomas referentes ao reconhecimento da
essencialidade da água, como a afirmação do Comitê da ONU para os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
(novembro de 2002) de que:
‘o acesso a quantidades suficientes de água limpa para uso pessoal e doméstico é um
direito fundamental de todos os seres humanos. [...]. Sobre a aplicação dos artigos 11 e 12
do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Comitê referiu
que ‘o direito humano à água é indispensável para vida com dignidade humana. É um prérequisito da realização de outros direitos humanos’. [...]. Sérgio Vieira de Mello, na
ocasião Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, a respeito, perante
o Comitê, afirmou ser a água ‘uma parte integrante do direito a um nível de vida aceitável
e, de fato, do direito à vida’ (BRASIL, 2010) [grifos do autor].
Referenciou também a Declaração Ministerial de Haia sobre Segurança Hídrica no Século XXI (de 22 de março
de 2000), que apresenta a água como sendo “vital para a vida e a saúde das pessoas e para a manutenção dos
ecossistemas, sendo um requisito básico para o desenvolvimento dos países” (BRASIL, 2010) [grifos do autor], e a
Carta de Porto Alegre, resultado do Fórum Internacional das Águas (outubro de 2003) que “consagrou a água como um
direito humano fundamental e inalienável, sendo ‘imprescindível assegurar o acesso à água a cada um dos cidadãos de
todos os países, independentemente da condição socioeconômica na qual se encontrem’” (BRASIL, 2010) [grifos do
autor].
Foi a partir desses e outros argumentos que a Relatora desse julgado votou por desacolher os embargos
infringentes, voto vencedor, juntamente com os votos do Des. Genaro José Baroni Borges, Des. Francisco José Moesch,
Des. Marco Aurélio Heinz.
Foram contrários, acolhendo os embargos infringentes, o Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro (REVISOR), que
afirmou que:
[...] existente débito, lícita a suspensão do fornecimento de água enquanto não pago o
débito existente, sem que se possa falar em violação ao artigo 22 do CDC, tendo em vista
que a obrigatoriedade de fornecimento do serviço essencial não abrange a gratuidade deste,
havendo necessidade de que o usuário pague a tarifa cobrada pelo serviço. [...]. Não pago o
débito, lícita a conduta da autarquia, sendo permitido o corte de água (BRASIL, 2010).
Em ocasião posterior, de 29 de abril de 2010, que continha como Agravante uma Associação de Moradores, a
Vigésima Segunda Câmara Cível do TJ/RS não deu provimento a agravo que apresentava a situação expressa assim:
Ementa: Agravo. Direito Público Não Especificado. Fornecimento de Água. Natureza
Não-Tributária. Condomínio. Inadimplência. Corte. Cabimento. Exercício Regular de
Direito (BRASIL, 2010).
A decisão, que não proveu o agravo, fundamentou-se nas seguintes alegações: “Tratando-se de condomínio que
não contém a individualização dos ramais de abastecimento de água, possível a suspensão do fornecimento pela
inadimplência, observada a circunstância que cada condômino é responsável pela administração do condomínio.
Precedentes do TJRGS e STJ.” (BRASIL, 2010).
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Apesar de reconhecer o fornecimento de água como essencial, “a continuidade de prestação do serviço é
condicionada ao regular pagamento das tarifas, sob pena de supressão de recursos necessários para a prestação do
serviço, agindo a SANEP em exercício regular de direito. Interpretação do artigo 22 do CDC” (BRASIL, 2010).
Em outro julgado, de maio de 2010, em que houve provimento parcial, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul elenca algumas considerações de seu entendimento sobre o corte no fornecimento de serviço essencial delegado
decorrente de débitos pretéritos. A ação destinava-se a julgar Apelação Civel proposta por Nelva Salete Oliveira Duarte,
em face da Companhia Riograndense de Saneamento – CORSAN, contra sentença em que se decidiu:
[...] JULGO IMPROCEDENTE o pedido na ação declaratória ajuizada por NELVA
SALETE OLIVEIRA DUARTE contra a CORSAN – COMPANHIA RIOGRANDENSE DE
SENEAMENTO, nos termos do art. 269, I, do CPC.
Sucumbente a autora, vai condenada no pagamento das custas e honorários advocatícios
devidos ao patrono da parte contrária, que fixo em R$ 500,00, nos termos do art. 20, § 4º,
do CPC. Suspensa a exigibilidade, considerando a gratuidade deferida (BRASIL, 2010)
[grifos dos autores].
Em tal situação, dentre outras circunstâncias estudadas, analisou-se, portanto, o corte no fornecimento de serviço
essencial delegado decorrente de débitos pretéritos. Sobre o assunto destaca-se o posicionamento do TJ/RS - repetido
em outros acórdãos do Tribunal - de que, por ser a água um bem essencialíssimo à sobrevivência humana, seria inviável
permitir que a empresa estatal demandada (concessionária desse serviço e organizada para cumprir esse papel do
Estado) pudesse cortar o fornecimento do serviço, por decorrência de inadimplemento, no caso, tratando-se de débito
pretérito (BRASIL, 2010). Ressalvou-se, porém, que tal consumo, resguardado, limita-se “ao correspondente ao valor
mínimo de tarifa, suficiente para as necessidades básicas” (BRASIL, 2010).
Nesse contexto, podemos compreender diante do TJ/RS que, tratando-se de consumidor inadimplente por não
dispor de condições financeiras para efetuar o pagamento das dívidas, por ser a água um bem essencial e indispensável
ao cidadão, o serviço não pode ser suspenso, cabendo à empresa concessionária apenas cobrar do usuário as prestações
devidas, através da via judicial cabível.
Referente ao corte sem aviso prévio, constatamos ser o posicionameto do TJ/RS de que é inviável permitir que a
empresa concessionária desse serviço possa cortar o abastecimento, mesmo diante do inadimplemento do usuário.
Por outro lado, no julgado que envolvia condomínio, que não continha a individualização dos ramais de
abastecimento de água, o TJ/RS considerou possível a suspensão do fornecimento pela inadimplência, visto que cada
condômino é responsável pela sua administração, bem como, o cabimento da utilização do CDC, concebendo que a
continuidade de prestação do serviço é condicionada ao regular pagamento das tarifas, conforme artigo 22 do CDC.
No que tange ao corte no fornecimento do serviço, em decorrência de débitos pretéritos, o mesmo é visto como
inviável, conforme precedentes do STJ.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A abordagem feita neste artigo, embora sucinta, evidenciou a negação por parte dos Tribunais de Justiça do Rio
Grande do Sul e do Superior Tribunal de Justiça, em determinadas situações, de um direito fundamental e essencial à
vida e a dignidade humana.
O direito de acesso à água tratada, que emerge como um direito essencial de todos os cidadãos brasileiros,
decorrente das bases principiológicas de nossa Constituição e dos tratados ratificados pelo Brasil, tem sido amplamente
violado por esses Tribunais em algumas situações. É o caso da legitimação do corte no fornecimento de água, realizado
pelas concessionárias, após aviso prévio, que se converte em um contrassenso, pois deixa prevalecer o direito de
suspensão de serviço essencial delegado por inadimplência do consumidor, uma verdadeira garantia patrimonial, sobre
um direito fundamental que é o de acesso à água tratada.
Apontamos como o mais importante dos princípios negligenciados nessas decisões: o princípio da dignidade da
pessoa humana. E ainda, também violado, nesses casos, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, que por sua vez, a partir de interpretação do Pacto realizada pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas em 2002, consolidada a partir da Observação Geral nº
15, aponta o acesso a quantidades suficientes de água limpa para uso pessoal e doméstico como um direito fundamental
de todos os seres humanos.
Compreendemos que a água deve ser percebida como constituinte do mínimo existencial para uma vida humana
digna, bem como para uma vida saudável, atributos garantidos pela Constituição de 1988, o que, porém, tem sido
negado muitas vezes aos cidadãos brasileiros através das decisões analisadas, que permitem em ocasiões de
inadimplemento do cidadão consumidor o corte no fornecimento desse serviço essencial. Ou seja, independentemente
de ser o acesso à água tratada um direito de caráter essencial, é permitida a sua negação quando o consumidor não
possuir meios financeiros suficientes para pagar por ele, encontrando-se inadimplente.
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Nesse contexto, emerge a problemática por nós demonstrada, através das decisões jurisprudenciais analisadas, da
vedação ao acesso desse bem indispensável à vida humana que é a água potável, vedação essa que consiste na restrição
ao exercício de um direito fundamental, restrição que se funda na prevalência de valores vinculados a bens patrimoniais
sobre o valor incontestável do bem “vida” e da dignidade da pessoa humana.
Assim, constatamos que têm sido dispensadas, no momento das decisões que versam sobre a suspensão no
fornecimento de água tratada, em especial nas decisões mais recentes, quaisquer implicações das bases principiológicas
do Direito Constitucional brasileiro, bem como da ratificação de tratados internacionais que versam sobre direitos
sociais que abarcam o direito de acesso à água tratada.
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Instrumento. Direito Processual Civil. Dissídio Jurisprudêncial não demonstrado. Violação do Artigo 535 do CPC.
Recorrente que não define em que consiste a omissão. Súmula nº 284/STF. Artigo 458 do CPC. Ausência de
fundamentação no Acórdão. Inocorrência. Instalação de Hidrômetro. Inexequibilidade. Reexame de Provas. Súmula nº
7/STJ. Serviço de Água e Esgoto. Interrupção. Incabimento no Caso de Dívidas Pretéritas. Agravo no Agravo de
Instrumento nº 1.207.818 - RJ (2009/0188194-3). Agravante: Companhia Estadual de Águas e Esgotos - CEDAE.
Agravado: Nanci do Bonfim Magalhães. Relator: Minístro Hamilton Carvalhido. Brasília, dez. 2009. Disponível em:
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______. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Agravo de Instrumento não provido. Processual Civil e Administrativo.
Agravo Regimental. Ofensa ao Art. 535 do CPC. Inocorrência. Decisão Mantida por seus Próprios Fundamentos.
Serviço Público. Fornecimento de Água. Existência de Hidrômetro. Cobrança Com Base em Estimativa. Ilegalidade.
Corte do Serviço. Débito Pretérito. Impossibilidade. Decisão Monocrática Fundamentada em Juriprudência do STJ.
Agravo no Agravo de Instrumento nº 1.351.353 - RJ (2010/0174312-3). Agravante: Companhia Estadual de Águas e
Esgotos - CEDAE. Agravado: Jorge Luiz da Silva. Relator: Minístro Mauro Cambell Marques. Brasília, fev. 2011.
Disponível em: <https://ww.stj.jus.br>. Acesso em 01 abr. 2011.
______. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Recurso Especial improvido. Agravo Regimental - Recurso Especial –
Energia Elétrica - Corte do Serviço - Débito Pretérito – Impossibilidade – Súmula 83/STJ – Decisão Agravada Mantida
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- Improvimento. AgRg no Recurso Especial nº 1.032.256 - SP (2007/0066433-0). Agravante: Companhia Piratininga de
Força e Luz. Agravado: Adriana Martins Pereira Faustino. Relator: Minístro Sidnei Beneti. Brasília, fev. 2011.
Disponível em: <https://ww.stj.jus.br>. Acesso em 01 abr. 2011.
______. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Embargos Infringentes desacolhidos. Apelação Cível. Direito
Contitucional à Saúde, ao Saneamento Básico e do Consumidor. Direito Administrativo. Fornecimento de Serviço
Público de Água por Concessionária Autárquica. Corte. Débito pretérito. Inviabilidade. Embargos Infringentes n.°
70033845900. Embargante: Departamento Municipal de Água e Esgoto - DMAE. Embargado: Enio Jose de Andrade
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Autônomo de Saneamento de Pelotas. Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro. Rio Grande do Sul, abr. 2010. Disponível
em: <http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em 03 abr. 2011.
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Contitucional à Saúde, ao Saneamento Básico e do Consumidor. Direito Administrativo. Fornecimento de Serviço
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Apelante: Nelva Salete Oliveira Duarte. Apelado: Companhia Riograndense de Saneamento - CORSAN. Relator:
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