ID: 41829226 17-05-2012 Tiragem: 10000 Pág: 34 País: Portugal Cores: Cor Period.: Semanal Área: 21,24 x 28,04 cm² Âmbito: Regional Corte: 1 de 3 investigação cérebros CAFEÍNA PODE SER "MÃE" DE NOVO FÁRMACO CONTRA HIPERATIVIDADE AINDA FALTA PERCORRER GRANDE PARTE DO CAMINHO, MAS É NA UNIVERSIDADE DE COIMBRA QUE JÁ SE ESTUDA A INFLUÊNCIA DA CAFEÍNA NO TRATAMENTO DE HIPERATIVIDADE E DÉFICE DE ATENÇÃO. OS PRIMEIROS RESULTADOS SÃO POSITIVOS Consumo de café pode ajudar mas deve seguir um protocolo APESAR destes primeiros resul- tados positivos, Rodrigo Cunha salienta que, por "prudência", os investigadores não podem recomendar que as crianças com défice de atenção e hiperatividade passem a beber café, pelo menos "antes dos estudos clínicos". De acordo com a investigação, "aquilo que a cafeína faz é controlar a saliência com que é codificada a informação que deve ser implementada em circuitos neuronais". O professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra salvaguarda que, embora seja seguro afirmar que o consumo de café é benéfico, a clínica deve obedecer a um "protocolo". Isto porque ainda falta avançar para a fase de ensaios clínicos e, antes dessa etapa, os investigadores não devem recomendar aos cuidadores de crianças hiperativas a inserção de café na sua dieta. 34 MARIA FERREIRA SANTOS É UM IMPORTANTE avanço na luta contra a hiperatividade e défice de atenção nas crianças e o mundo já sabe. O estudo sobre a influência positiva da cafeína nestas patologias, que está a ser feito na Universidade de Coimbra (UC), já foi publicado no site da conceituada revista European Neuropsychopharmacology. Nos últimos três anos, os cientistas do Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC) e da Faculdade de Medicina da UC concluíram que a administração crónica de cafeína controla o défice de atenção e a hiperatividade sem causar efeitos secundários como a dependência, o que acontece com o fármaco atualmente utilizado. "Nós tínhamos visto paralelos em estudos anteriores, entre as ações estimulantes provocadas por derivados da anfetamina e pela cafeína. Todo este conjunto de observações levou a que colocássemos em cima da mesa a hipótese de o consumo de cafeína ser tão efetivo como é o metilfenidato, que é derivado da anfetamina, o fármaco de eleição para tratar a hiperatividade. Embora já fosse recomendado episodicamente o consumo de cafeína, a verdade é que isso era feito sem bases científicas sólidas, na medida em que nunca tinha sido testado se a cafeína era eficaz e isso tinha de ser feito", explica Rodrigo Cunha, coordenador da investigação. E FOI ISSO mesmo que fizeram, "primeiro num modelo animal com défice de atenção e hiperatividade". "Fomos testar qual o impacto­da administração diária de doses moderadas de 17MAIO2012 ID: 41829226 17-05-2012 Tiragem: 10000 Pág: 35 País: Portugal Cores: Cor Period.: Semanal Área: 14,78 x 26,45 cm² Âmbito: Regional Corte: 2 de 3 RODRIGO CUNHA num dos laboratórios­ da Faculdade de Medicina da UC onde foram realizados os testes em animais­ cafeína e concluímos que havia um marcado benefício em termos do padrão atencional do animal", destaca o investigador. Estas conclusões abrem portas para dois caminhos: "transportar para o homem estas observações feitas no animal, através de um estudo clínico, e voltar novamente ao sítio onde estávamos antes deste estudo, mas com um conhecimento adicional, pois já sabemos que a cafeína funciona, já temos indicações muito claras relativas ao seu mecanismo de funcionamento e o nosso objetivo agora é voltar ao animal e fazer pequenas modificações na molécula da cafeína, de modo a ter um fármaco novo que é parecido com a cafeína e maximiza os seus benefícios, diminuindo eventuais efeitos secundários". Um novo fármaco que poderia trazer imensas vantagens para os doentes, como o facto de ser "uma alternativa eficaz ao metilfenidato, mas sem acarretar os riscos que conhecemos a longo termo" como a dependência, alerta Rodrigo Cunha. O que significa que, a partir de um estudo que teve início na Universidade de Coimbra, pode nascer uma nova geração de medicamentos para tratar os sintomas da hiperatividade e do défice de atenção. AGORA que os testes em modelos animais já estão prontos, é possível "dar o passo seguinte: experimentar, no ambiente controlado de um estudo clínico, se a cafeína é segura nesta população [crianças com défice de atenção e hiperatividade] em particular e se tem um benefício semelhante àquele que vimos no animal". E quais foram os efeitos detetados nas cobaias? Imaginemos um carro que circula desgovernado. "Nós utilizamos um acelerador – neste caso, a cafeína – para pôr o carro a uma rotação tal que ele rapidamente entra nos eixos e passa a funcionar, não de modo aberrante, mas de modo mais semelhante ao normal. Esta é a lógica dos psico-estimulantes, como o metilfenidato e a cafeína", assegura o também docente da Faculdade de Medicina da UC. "O que sabemos hoje é que a cafeína, quando administrada agudamente, atua como um estimulante, mas, quando administrada de modo crónico, baliza a gama de funcionamento em que os sistemas neuronais podem funcionar, impedindo picos de funcionamento excessivo e picos de depressão excessiva. No fundo, atua como um normalizador do sistema nervoso". A PARTIR desta descoberta, poderia fazer-se muito pelas crianças hiperativas e com défice de atenção. "Infelizmente, não há dinheiro para lançar este estudo, que necessita de bastante investimento", lamenta Rodrigo Cunha, lembrando ainda que o trabalho do grupo vive de "pedidos de financiamento e, nesta altura, a situação económica do país não facilita a disponibilização financeira" para levar a cabo este tipo de investigação. Aliás, foi por esta mesma razão que "este estudo foi financiado por fundos do governo norte-americano, através de um subsídio". "O que antevejo é que a fase de estudo clínico não possa ser feita tão rápido como gostaríamos e deverá ser financiada por entidades externas a Portugal". Rodrigo Cunha vai até mais longe e diz que, provavelmente, o ensaio clínico "terá de ser levado a cabo fora de Portugal, na medida em que o Ministério da Saúde não tem uma atitude muito recetiva à investigação clínica de qualidade". Contudo, como apenas o desenvolvimento do estudo pode dar ao grupo de cientistas as respostas necessárias, milhares de crianças pelo mundo vão ter de esperar por este importante passo na criação de um fármaco que poderia inovar o tratamento da hiperatividade e do défice de atenção, diminuindo a propagação de "fenómenos de toxicodependência no futuro", atualmente causados pelo derivado da anfetamina. ID: 41829226 17-05-2012 Tiragem: 10000 Pág: 1 País: Portugal Cores: Cor Period.: Semanal Área: 5,10 x 2,45 cm² Âmbito: Regional Corte: 3 de 3 CÉREBROS CAFEÍNA CONTROLA... HIPERATIVIDADE