Investigação, 14(6):109-112, 2015 CIRÚRGICA DE RELATO DE CASO | CLÍNICA GRANDES ANIMAIS ENTEROLITÍASE EM EQUINO SENIL Enterolitíase in Senile Horse - Case report MV. Alex R. Oliveira1, MV. Natacha A. Alexandre1, MV. Rafael M. Alves1, Tasso V. L. Viana1, Leonardo L. Carvalho1, MV. Isadora H. S. Melo1, MV. Mariana R. Nascimento1, Marina L. Costa1, MV. Orlando M. Mariani1, MV. Jéssica C. Barros1, MV. Elaine C. Stupak1, MV. Cristiane A. Cintra1, MV. Vitor F. Casas1, MV. MSc. Fernanda G. G. Dias1, MV. MSc. Lucas F. Pereira1* 1 Universidade de Franca – (UNIFRAN), Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária, Franca, São Paulo, Brasil. *Av. Dr Armando Sales Oliveira, 201, CEP: 14.404-600, Pq. Universitário, Franca – SP. Email: [email protected] RESUMO ABSTRACT Diante da severidade das afecções intestinais na espécie equina e da infrequente ocorrência de enterolitíase no equino senil, o objetivo do presente trabalho foi relatar o caso de uma égua Mangalarga com vinte e seis anos de idade, atendida no Hospital Veterinário da Universidade de Franca, apresentando sinais intermitentes de desconforto abdominal; assim com base no histórico clínico do paciente, optouse pelo tratamento conservador até a autorização do proprietário para intervenção cirúrgica. Porém, mesmo com a piora acentuada no quadro clínico, o tutor não permitiu a realização de celiotomia exploratória e decidiu pela eutanásia. Os achados post-mortem demonstraram presença de enterólitos em cólon transverso, seguido de hemorragia e necrose intestinal. Com base no caso descrito, concluiuse que o diagnóstico precoce e instituição de terapia cirúrgica adequada podem favorecer as condições e prolongamento da vida dos acometidos. Based on the severity of intestinal disorders in equine and infrequent occurrence of enterolitíase in senile horse, the objective of this study was to report the case of a Mangalarga breed horse twentysix years old, attended at the Veterinary University of Franca Hospital presenting signs of intermittent abdominal pain; so based on clinical history of the patient, we opted for conservative treatment until the owner’s permission to surgery. But even with the sharp deterioration in the clinical picture, the tutor not allowed for exploratory celiotomy and decided to euthanasia. The post-mortem findings demonstrated the presence of enteroliths in transverse colon, followed by hemorrhage and intestinal necrosis. Based on the described case, it was concluded that early diagnosis and adequate surgical therapy institution may promote conditions and prolongation of life of affected. Palavras-chave: cólon transverso, enterólitos, equino ISSN 21774080 109 Keywords: transverse colon, enteroliths, equine Investigação, 14(6):109-112, 2015 INTRODUÇÃO Dentre as doenças do intestino grosso que acometem a espécie equina, destacam-se as torções, compactações, deslocamento e obstruções por corpos estranhos ou enterólitos. Neste contexto, os enterólitos são concreções formadas por minerais como magnésio, amônia (estruvita) e/ou cristais de fosfato, sendo que sua formação pode evoluir de meses a anos (BLIKSLAGER, 2006). A amônia é produzida continuamente no cólon maior destes animais e os fosfatos, fósforo, magnésio e nitrogênio são encontrados em abundância na dieta (principalmente em feno de alfafa, grãos e água) (BLIKSLAGER, 2006). Assim, os minerais, quando depositados em camadas concêntricas ao redor de um núcleo, como o corpo estranho (FASCETTI, 2003) podem obstruir o cólon dorsal direito, transverso ou menor (CORRÊA et al. 2006). Os enterólitos podem apresentar-se de formas irregulares, esféricas, elípticas ou nodulares e sua textura irá depender da transformação da estruvita em vivianita, podendo resultar na porosidade de sua arquitetura interna (COHEN et al. 2000). Os enterólitos raramente se formam de dois ou mais no mesmo segmento intestinal (HASSEL et al. 2001). A enterolitíase ocorre principalmente em cavalos da raça árabe, seus cruzamentos e pôneis, não havendo predileção sexual, acometendo animais com idade entre sete a onze anos, sendo raro em animais jovens (CORRÊA et al. 2006). Os sinais clínicos irão depender da forma e localização dos enterólitos; os de superfície irregular encontrado no ceco e no cólon maior podem apresentar pouco ou nenhuma sintomatologia clínica, ou periódicos episódios de cólica, ocasionados pela irritação da parede intestinal. Os enterólitos de maiores diâmetros e regulares causam obstruções nas partes mais estreitas do intestino grosso, flexura pélvica, cólon transverso e cólon menor, e com menor frequência no cólon dorsal direito, flexura diafragmática e no reto (MURRAY et al. 1992). Nesse sentido, as manifestações clínicas mais comuns nos equinos acometidos pela enterolitíase são cólicas de início agudo com incapacidade de defecação, aumento da frequência cardíaca, moderado desconforto abdominal, olhar para o flanco, rolar o corpo, deitar e levantar várias vezes (RADOSTITS et al. 2002). Equinos com pequenos e não obstrutivos enterólitos podem apresentar borborigmos ou sinais de endotoxemia, quando a integridade da parede intestinal está comprometida (BROWN e BERTONE, 2005). O enterólito inicialmente estimula a parede intestinal, ocasionando espasmo da alça, obstrução aguda e ílio adinâmico, consequentemente a pressão que ocorre sobre a parede do intestino gera hiperemia e congestão do segmento acometido e necrose (BLUE, 1979). A fase terminal pode levar até 72 horas, sendo caracterizada por dor moderada a severa, distensão abdominal, taquicardia, diminuição do tempo de preenchimento capilar, sudorese e mucosas pálidas (RADOSTITS et al. 2002). Caso a pressão local continuar, pode ocorrer ruptura da alça intestinal evoluindo para peritonite (BLUE, 1979). A ocorrência de obstruções do cólon transverso ou menor pode causar dor aguda, de moderada à severa, não respondendo as terapias analgésicas, levando a uma distensão abdominal devido à dilatação do cólon maior produzida por gás (MURRAY et al. 1992). O diagnóstico definitivo baseia-se na palpação retal, laparotomia exploratória e achados de necrópsia (MURRAY et al. 1992). ISSN 21774080 110 O tratamento conservador com analgésicos proporciona alívio temporário da dor, principalmente quando o enterólito é grande e está obstruindo completamente o lúmen intestinal (ALVARENGA et al. 1987). A terapia cirúrgica é a de eleição, devendo ser realizada por celiotomia ventral, poucas horas após o início dos sinais clínicos. A abordagem terapêutica mais utilizada consiste em enterotomia para esvaziar o cólon via enterotomia criada na flexura pélvica, em seguida o enterólito é levado para esse local, para que ocorre a remoção do mesmo (BROWN e BERTONE, 2005). Dependendo da integridade da parede intestinal, é necessária a realização de enterectomia (CORRÊA et al. 2006). O prognóstico é reservado, sendo dependente do estado geral do paciente (MURRAY et al. 1992) e da precocidade do diagnóstico e tratamento (CORRÊA et al. 2006). RELATO DE CASO Foi atendido no Hospital Veterinário da Universidade de Franca (UNIFRAN), um equino, fêmea, da raça Mangalarga, pesando 310 kg, vinte e seis anos de idade com histórico de desconforto abdominal há aproximadamente quinze dias, controlado inicialmente por analgésicos endovenosos, por colega veterinário. Ao exame clínico, observou-se apatia, distensão abdominal, congestão de mucosas e presença de halo endotoxêmico oral, taquicardia, taquipneia e temperatura corpórea de 38,6º C e aquesia. Durante a sondagem nasogástrica notou-se grande quantidade de refluxo com sangue e à palpação retal constatou-se Investigação, 14(6):109-112, 2015 massa compactada de aproximadamente 50 cm em cólon ventral esquerdo e leve distensão de intestino delgado. À auscultação abdominal apresentava-se com ausência de motilidade nos quatro quadrantes. Foram solicitados hemograma completo e perfis renal e hepático, os quais estavam dentro dos parâmetros de normalidade para a espécie. Realizou-se paracentese onde foi constatado a presença de líquido de coloração amarelo turvo. O animal foi internado para tratamento clínico sintomático para síndrome cólica, com administração de solução de cloreto de sódio a 0,9% (50 mL/kg, via intravenosa – i.v.), flunixina meglumina (1,1 mg/kg, i.v., a cada 12 horas), ranitidina (2mg/kg, i.v.), sedacol (200 ml i.v.) e polivitamínicos, porém com 6 horas de tratamento, houve piora nos parâmetros clínicos, evoluindo para choque neurogênico. O proprietário não autorizou a realização de laparotomia exploratória, optando pela eutanásia. O animal foi encaminhado para exame de necropsia, o qual evidenciou extensa distensão abdominal, presença de conteúdo intestinal em cavidade abdominal, estômago repleto de ulcerações em mucosa glandular e aglandular com pequenas áreas de erosões. Alças intestinais hemorrágicas, cólon ventral esquerdo com extensa área de congestão e necrose. Conteúdo arenoso em cólon maior, com aspecto de argila. Ampla área com conteúdo compactado em cólon ventral esquerdo, flexura pélvica e cólon menor. Presença de enterolitíase em cólon transverso, de formato e superfície irregular, coloração escura, medindo aproximadamente 12 centímetros de diâmetro (Figura 1), consistência firme, aderido a material perfuro-cortante (pedaços de arame). também contribuiu para a alcalinização do pH intestinal, que associado a concentrações elevadas de minerais e presença de corpo estranho predispôs a formação do enterólitos (HASSEL, 2002). De acordo com Corrêa et al. (2006), demais fatores que possam influenciar no pH intestinal ou na concentração de minerais podem ser considerados na etiologia, como fatores genéticos ainda não totalmente elucidados, microbiota intestinal e deficiências de absorção intestinal. Figura 1: Imagem fotográfica de enterólito de formato e superfície irregular, coloração escura, medindo aproximadamente 12 centímetros de diâmetro. DISCUSSÃO Obstruções intestinais são causas comuns de internação e óbito em equinos (FASCETTI, 2003) e segundo Pulz et al. (2005), a idade média dos acometidos por enterólitos é de aproximadamente 9,7 anos, divergindo do animal descrito no atual trabalho; assim como a raça não predisposta para tal afecção (CORRÊA et al. 2006). Provavelmente, a baixa incidência de enterolitíase em animais senis pode ser atribuída à idade média de utilização para trabalho em conjuntura com o alto valor do tratamento cirúrgico (PULZ et al. 2005; CORRÊA et al. 2006). Em contrapartida, os mesmos autores citaram que o aumento na incidência em adultos, pode estar relacionado ao elevado número de animais estabulados, o que favorece a ingestão de corpos estranhos, além da conscientização dos tutores sobre a gravidade das afecções intestinais nessa espécie e aos exames complementares disponíveis. Acredita-se que a suplementação alimentar deste paciente (ração comercial e farelo de trigo), por conter alto teor proteico ISSN 21774080 111 Corrêa et al. (2006) discorreram que em estudo realizado na Califórnia, 22,5% dos casos de enterolitíase em cavalos foram diagnosticados no cólon transverso, corroborando com a localização no paciente descrito. Os sinais clínicos podem ser inespecíficos (BLIKSLAGER, 2006); no entanto os enterólitos de superfície irregular normalmente ocasionam irritação da parede intestinal (MURRAY et al. 1992), o que pode justificar a presença de sangue durante a sondagem nasogástrica do paciente e alças intestinais necrosadas no exame post-mortem. Apesar de a palpação retal ter evidenciado massa compactada em cólon ventral esquerdo, nem sempre os enterólitos são passíveis de detecção pelo exame físico (MURRAY et al. 1992), e devem ser diferenciados de outras afecções intestinais que acometem a espécie devido a similaridade da sintomatologia clínica (BLIKSLAGER, 2006). A procura tardia por assistência veterinária especializada, associada a não autorização do procedimento cirúrgico, formato irregular do enterólitos e presença de corpos estranhos intestinais pontiagudos, ocasionou isquemia com consequente necrose intestinal, coincidindo com a piora do quadro clínico do paciente, de conformidade com o que fora descrito por Radostits et al. (2002). Investigação, 14(6):109-112, 2015 CONCLUSÕES Baseado no presente relato pode-se concluir que os enterólitos são formados por minerais que se depositam facilmente ao redor de objetos não digeríveis, ingeridos acidentalmente, podendo ser encontrado em animais idosos, causando sintomatologia clínica variada. O prognóstico está diretamente relacionado com o diagnóstico precoce e instituição de terapia cirúrgica emergencial adequada, os quais visam melhorar a qualidade de vida e sobrevida do paciente acometido. Murray RC, Green EM. et al. 1992. Equine enterolithiasis. The Compendium. 14 (8):1104-1112. Pulz RS, Maia JC, Pezzi AF. et al. 2005. Ocorrência de enterolitíase em equinos no 3° regimento de cavalaria de grandes – Porto Alegre/ RS. Veterinária em Foco. 4(1):95103. Radostits OM, Gay GC, Blood DC. et al. 2002. Doenças do sistema digestório. Clínica Veterinária. 9. ed. Editora Guanabara Koogan. p. 176-211. REFERÊNCIAS Alvarenga J, Vianna R, Wolf TW. et al. 1987. Enterólitos em equinos. 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