da publicação

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FABIULA COSTA ANTONELLO
O TAO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE: A PARTICIPAÇÃO
DOS AGENTES COMUNITARIOS DE SAÚDE NA BUSCA
PELA QUALIDADE DE VIDA
UNISAL
Americana - 2013
FABIULA COSTA ANTONELLO
O TAO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE: A PARTICIPAÇÃO DOS
AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE NA BUSCA PELA
QUALIDADE DE VIDA
Dissertação apresentada ao Centro Universitário
Salesiano de São Paulo – UNISAL, como
requisito parcial para obtenção do titulo de Mestre
em Educação. Área de Concentração: Educação
Sociocomunitaria. Linha de Pesquisa: A
intervenção
educativa
sociocomunitaria:
linguagem, intersubjetividade e práxis, sob a
orientação da Profa. Dra. Maria Luisa Amorin
Costa Bissoto.
UNISAL
Americana - 2013
A639t
Antonello, Fabiula Costa
O Tao da Educação e da Saúde: A participação dos
agentes comunitários de saúde na busca pela qualidade
de vida / Fabiula Costa Antonello. Americana: UNISAL,
2013.
277 f.
Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro
Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL – SP
Orientador: Profa. Dra. Maria Luisa Amorin Costa
Bissoto.
Inclui Bibliografia.
1. Educação Sociocomunitaria. 2. Agente
Comunitário de Saúde. 3. Semiótica. I. Título. II. Autor
CDD – 370.115
Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB 104/2012
UNISAL: Unidade de Ensino de Americana
FABIULA COSTA ANTONELLO
O TAO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE: A PARTICIPAÇÃO DOS AGENTES
COMUNITÁRIOS DE SAÚDE NA BUSCA PELA QUALIDADE DE VIDA
Dissertação apresentada ao Centro Universitário
Salesiano de São Paulo – UNISAL, como requisito parcial
para obtenção do titulo de Mestre em Educação. Área de
Concentração: Educação Sociocomunitaria. Linha de
Pesquisa: A intervenção educativa sociocomunitaria:
linguagem, intersubjetividade e práxis, sob a orientação
da Profa. Dra. Maria Luisa Amorin Costa Bissoto.
Dissertação defendida e aprovada em 13 de março de 2013, pela banca
examinadora composta por:
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Maria Luisa Amorin Costa Bissoto − UNISAL (Orientadora).
Prof. Dr. Severino Antonio Moreira Barbosa − UNISAL
Prof. Dr. Mauro Hilkner Silva − USP
UNISAL
Americana - 2013
DEDICATÓRIA/AGRADECIMENTOS
À Deus, por ter me dado tantas oportunidades na vida e
pelo seu eterno cuidado por mim, meu eterno amor.
Ao meu pai Antonio Adilor Antonello e minha mãezinha querida
Aparecida Costa Antonello, por terem me dado a vida,
a minha educação e a formação de meu caráter.
Ao meu esposo Rafael Henrique Alves Pereira, meu eterno companheiro nos
momentos difíceis e nos momentos de alegria, por me permitir minha imersão no
conhecimento e por tolerar minhas ausências, tolhendo-lhe o tempo de estar
comigo, mas sempre apoiando este passo na minha vida,
para minha realização profissional.
Ao meu querido amigo David Luquezzi, por estar comigo nesta caminhada, por sua
torcida, por me ouvir e acreditar em meus delírios.
RESUMO
Procura-se entender e aperfeiçoar, num sentido de maior humanização, o processo
de educação para a saúde de um grupo de agentes comunitários da ESF (Saúde da
Família) e sua prática junto à população. Afirma-se a importância do Agente
Comunitário de Saúde (ACS) frente à sociedade, em especial às comunidades da
periferia, na busca pela melhoria da qualidade de vida. A hipótese da investigação,
decorrente da experiência profissional da pesquisadora, contudo, é a de que a
educação em saúde e a ação do ACS reproduzem as relações de poder existentes
entre “médico-paciente”, numa negação das representações de doença e das
práticas de manter/recuperar a saúde da população. Essa negação é
especificamente importante nas populações das periferias, nas quais se encontram
concepções de saúde e doença mais aproximadas dos saberes populares, mas
afastadas do cientificismo médico. Argumenta-se, verificando-se essa hipótese, que
o papel do ACS somente terá efeitos positivos na melhoria da qualidade de vida se
respeitar e discutir as concepções de saúde/doença dos grupos sociais aos quais se
destinam, intercambiando transformações em todos os envolvidos no processo:
população, agentes comunitários de saúde e os demais profissionais da área da
saúde. Metodologicamente trata-se de uma pesquisa qualitativa, na modalidade
estudo etnográfico. Como referenciais teóricos faz-se uso de estudos da semiótica,
da Teoria das Representações Sociais e da Educação Crítica e Sociocomunitaria.
Espera-se, como resultados mostrar que o processo de educação dos ACS e a
promoção da saúde da população serão tanto mais efetivos quanto mais pautaremse nos princípios de uma educação que se configure como sociocomunitaria, ou
seja, que integre os saberes de uma comunidade, respeitando-os e entre eles
promovendo o diálogo. Um possível Tao para pensar o binômio saúde/educação.
Palavras chaves: Educação Sociocomunitaria – Agente Comunitário de Saúde –
Semiótica.
ABSTRACT
It seeks to understand and improve, a greater sense of humanization, the process of
health education of a group of community FHS (Family Health), and its practice
among the population. Affirms the importance of the Community Health Agent (CHA)
before society, especially to communities on the periphery, in the quest to improve
the quality of life. The hypothesis of the research, due to the experience of the
researcher, however, is that health education and action ACS reproduce the power
relations between "doctor-patient", a denial of illness representations and practices to
maintain/regain health. This denial is especially important in populations of the
suburbs, which are the concepts of health and disease are as close of popular
knowledge, but away from medical scientism. It is argued, verifying this hypothesis,
the role of the ACS only have positive effects on improving the quality of life they
meet and discuss the concepts of health / illness of the social groups to which they
are addressed, exchanging transformations at all involved in process: population,
community health agent and other health professionals. Methodologically this is a
qualitative research method in ethnographic study. As a theoretical framework makes
use of semiotic studies, the Social Representation Theory and Criticism of Socio
Education. It is expected, as results show that the process of education of community
health agent and health promotion of the population will be much more effective as
longer abide by the principles of an socio education set, ie, integrating the knowledge
of a community, respecting them and promoting dialogue between them. A possible
Tao to think the health/ education.
Keywords: Socio Education – Community Health Agent – Semiotics.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AB
ABRASCO
ACS
AIDS
APS
CA
CEBES
CNS
CONASP
DM
DST
EAP
ESF
FIOCRUZ
HAS
HIPERDIA
HIV
IAPAS
ICC
INAMPS
INPS
INSS
IRA
IRC
IVB
MS
NASF
NOAS
OMS
ONU
PACS
PND
PSF
SIAB
SINPAS
SSVV
SUS
UBS
Atenção Básica.
Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva.
Agente Comunitário de Saúde.
Síndrome da Imunodeficiência Adquirida.
Atenção Primária à Saúde.
Câncer.
Centro Brasileiro de Estudos em Saúde.
Conselho Nacional de Saúde.
Conselho Nacional de Administração de Saúde Previdenciária.
Diabete.
Doença Sexualmente Transmissível.
Edema Agudo de Pulmão.
Estratégia de Saúde da Família.
Fundação Oswaldo Cruz.
Hipertensão Arterial Sistêmica.
Programa de Hipertensos e Programa de Diabetes.
Vírus da Imunodeficiência Humana.
Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência
Social.
Insuficiência Cardíaca Congestiva.
Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social.
Instituto Nacional de Previdência Social.
Instituto Nacional do Seguro Social.
Insuficiência Respiratória Aguda.
Insuficiência Renal Crônica.
Instituto Vital Brasil.
Ministério da Saúde.
Núcleos de Apoio à Saúde da Família.
Norma Operacional da Assistência à Saúde.
Organização Mundial de Saúde.
Organização das Nações Unidas.
Programa de Agentes Comunitários de Saúde.
Plano Nacional de Desenvolvimento.
Programa de Saúde da Família.
Sistema de Informação da Atenção Básica.
Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social.
Sinais Vitais.
Sistema Único de Saúde.
Unidade Básica de Saúde.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................
9
CAPITULO I −
O TAO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE: O ELO
COMUNIDADE, O PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA E OS AGENTES
COMUNITÁRIOS DE SAÚDE...........................................................................
1.1. Meus Caminhos e Implicações com o Tema............................................
1.2. O Sistema Único de Saúde (SUS): o primeiro caminho, a passos
longos................................................................................................................
1.3. O Caminho que o Programa de Saúde da Família percorreu desde seu
surgimento até os dias atuais............................................................................
1.3.1. Características e Composição da Equipe de Saúde da Família........
1.4. O Tao do Agente Comunitário da Saúde..................................................
1.5. O Agente Comunitário de Saúde e a Territorialização..............................
1.6. O Agente Comunitário de Saúde e a Família na esfera da Antropologia
e da Educação Sociocomunitaria......................................................................
1.7. Agente Comunitário de Saúde: reforçando laços através das Visitas
Domiciliares.......................................................................................................
1.8. A Importância da Participação da Comunidade para o Tao da Saúde e
da Educação Sociocomunitaria.........................................................................
1.9. As Representações Sociais frente à Educação Sociocomunitaria............
14
CAPITULO II − O TAO DO MEIO: SAÚDE, PARADIGMA INDICIÁRIO E
DOENÇA FRENTE Á EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITARIA...........................
2.1. Meu Caminho Traçado………………………………………………………..
2.2. Significado e Definição de Semiótica.........................................................
2.2.1. Os Signos frente à Aprendizagem e à Educação Sociocomunitaria.
2.2.2. Os Problemas Sociais vistos como Signo..........................................
2.3. A Antropologia Médica e o Tao da Saúde e Educação Sociocomunitaria
frente às Interpretações Sociais.......................................................................
51
CAPÍTULO III − A CONSTRUÇÃO DO TAO DA SAÚDE E DA EDUCAÇÃO
SOCIOCOMUNITARIA: UM QUE-FAZER COLETIVO...................................
3.1. Conceitos de Saúde e Doença...................................................................
3.2. A Construção do Tao da Saúde e da Educação Sociocomunitaria: o
Trabalho em Grupo............................................................................................
3.3. O Cuidado dos ACS dentro da Comunidade: Interpretando as
Necessidades Educacionais do Cuidar para Garantia da Qualidade de vida...
3.4. Visão da Saúde/Doença: a Diferença entre Adoecer e o Doentizar da
Comunidade na Educação Sociocomunitaria..............................………………
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CAPITULO IV − O TAO E SUA TRAVESSIA ENTRE A SAÚDE E A
EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITARIA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA.........
4.1. Educação Sociocomunitaria, Cuidado e Saúde: o Tao Possível ………....
4.2. O TAO, sua Travessia na Educação Sociocomunitaria: um Relato de
Experiência …………………………...................................................................
4.2.1. Estrutura Física da Unidade………………………………………………
4.2.2. Recursos Humanos……………………………………………………….
4.2.3. Serviços Oferecidos……………………………………………………….
4.2.4. Trabalho na Unidade ……………………………………………………..
4.2.5. Os Grupos………………………………………………………………….
4.3. Na Busca do Caminho: o TAO da Comunidade Participante e a
Educação Sociocomunitaria..............................................................................
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108
108
109
109
111
CONSIDERAÇÕES FINAIS………………………………………………………...
126
REFERÊNCIAS……………………………………………………………………..
129
APÊNDICE – MEMORIAL………………………………………………………....
137
ANEXOS………………………………………………………………………………
148
9
INTRODUÇÃO
A vida é a arte do encontro,
embora haja tanto desencontro pela vida.
Vinícius de Moraes
10
Os seres humanos buscam significar e compreender a situação de sua
existência através do seu cotidiano e, assim, interpretar o mundo em que estão
inseridos. Em decorrência disso estabelecem relações sociais, que ganham
importância frente às situações de saúde e de doença, pois nessas situações se
estabelecem fortes vínculos culturais da existência humana. Na compreensão e
apropriação desses vínculos as pessoas elaboram seus conceitos e suas
representações em relação ao binômio saúde-doença, tendo em mente uma
definição de como vivem e como descobrem o mundo ao seu redor. Cada sociedade
tem uma representação diferente desses vínculos, dependendo de sua história, que
decorre em tempos e espaços determinados.
Como
enfermeira
e
pesquisadora
participante
deste
trabalho
de
investigação, busco mostrar uma forma possível de compreensão e promoção de
educação sociocomunitária em relação à saúde, valorizando e reconhecendo a
subjetividade do indivíduo, em seus valores e hábitos, quanto ao processo de saúdedoença. Mais especificamente, a problemática posta à investigação consiste em
entender o universo de concepções e práticas de saúde-doença no contexto
existente entre os Agentes Comunitários de Saúde (ACS, doravante) e os sujeitos
por esses atendidos, procurando compreender como esses sujeitos vivenciam a
saúde e as doenças em seu cotidiano e que interpretações fazem das explicações,
orientações e propostas para os cuidados com a saúde trazidos pelos ACS e, ao
mesmo tempo, investigando como esses últimos interpretam e lidam com as
concepções de saúde-doença da população atendida?
O objetivo da investigação é mostrar uma forma possível de compreensão
da educação sociocomunitaria em relação à saúde baseado no reconhecimento das
semioses e valorização das culturas em relação à concepção de saúde-doença,
existentes numa coletividade, promovendo novos conhecimentos, buscando
desenvolver habilidades sociais de ação crítica, ética e humanizada e impulsionando
o envolvimento da educação em saúde pública.
A ideia de se investigar as possibilidades de um TAO, para a educação e a
saúde − com a participação dos ACS que atuam como uma ponte de ligação entre a
comunidade e os profissionais de saúde na busca pela qualidade de vida da
comunidade − surgiu do interesse despertado pela palavra Tao, que é traduzida da
palavra chinesa como “o caminho”. Foi pensando neste contexto de caminho, uma
11
vez que este representa uma passagem que sempre nos leva a algum lugar, e que
nos serve de elo de um lugar ao outro, que procurei traçar um caminho entre a
educação e a saúde, juntamente com o papel que o agente comunitário de saúde
poderia ter nesse caminhar. O ACS, como definido pelo Ministério da Saúde (MS), é
um “fortalecedor” educativo da comunidade, estando agregado e ligado diretamente
a essa, com um papel participativo na formação de perspectivas para a
compreensão e o enfrentamento de questões relacionadas à saúde-doença. São
questões, então, que norteiam a investigação realizada, se o ACS vem sendo, de
fato, uma figura capaz de contribuir e favorecer a ótica dos sinais, levando o
processo educativo para a comunidade, influenciando na melhoria da qualidade de
vida das populações atendidas.
Para a concretização deste trabalho foram abordados, como referenciais
teóricos, a educação de Paulo Freire, a semiótica, como desenvolvida nos estudos
de Santaella, a antropologia médica, que discute a importância de compreender a
influência das culturas e contextos sociais na maneira como os indivíduos percebem
os problemas e estabelecem relações com os diversos temas referentes à saúde, e
também a teoria das representações sociais, como proposta por Moscovici, em que
se atribui valor aos significados construídos socialmente pelos sujeitos quanto a sua
subjetividade, às diferenças culturais e aos modos de vida dos sujeitos em
sociedade. Acredita-se que desses referenciais possa emergir uma compreensão do
conhecimento popular quanto à saúde-doença, ampliando nossos conceitos e nos
aproximando da realidade da temática aqui estudada. Com fundamento nesses
vieses teóricos procuramos mostrar que o enunciador, ou o autor do discurso, no
caso os ACS, devem ter, na maioria das vezes, um diálogo rico em informações e
conhecimentos provenientes de um olhar a um só tempo científico e humanizador,
baseado numa relação de significação sociocultural quanto aos fenômenos de saúde
e doença expressos pela população atendida. Assim, melhor poderão exercer e
julgar seu trabalho de agentes de educação.
Este projeto nasceu pela angústia desta pesquisadora em compartilhar a
necessidade da educação social dentro da assistência à saúde pública valorizando a
importância do reconhecimento da cultura da comunidade, bem como, saber decifrar
e interpretar as ações e representações sociais, contribuindo desta maneira para a
melhoria da qualidade de vida. O trabalho foi realizado em um bairro marginalizado
na periferia da cidade de Americana.
12
Procura-se, portanto, investigar o estabelecimento de laços entre a
comunidade e os ACS, por meio do desenvolvimento educacional desses,
trabalhando sua influência junto à comunidade, seus valores culturais, seu nível de
compreensão da cultura dos sujeitos atendidos, pelo uso da semiótica envolvendo o
reconhecimento da linguagem, signos, sinais, sintomas e significados, identificando
e compreendendo suas atitudes frente à comunidade. Espera-se, dessa forma,
contribuir para a melhoria da qualidade de vida desta população, em relação à
saúde-doença, favorecendo a mudança do contexto atual.
Pretende-se, também, mostrar a importância da apropriação de fundamentos
teóricos e modelos de análise da semiótica e da antropologia médica pela equipe de
saúde, focando por primazia o ACS, aprimorando seu papel na comunidade,
conscientizando-o da sua importância na construção e promoção de novos ideais de
vida para a comunidade.
A metodologia utilizada na elaboração desta dissertação está baseada em
diferentes bibliografias, integrada à pesquisa qualitativa e quantitativa, focado num
estudo de caso etnográfico, explorando a dinâmica de funcionamento e as
concepções de um determinado grupo, atendido pela Estratégia de Saúde da
Família (ESF) situada no bairro Jardim Brasil, porém aborda mais 16 bairros ao
redor, estando todos localizados na periferia da cidade de Americana, Estado de
São Paulo.
Dentre as dificuldades locais deparamos com grande fluxo de entrada e
saída de pessoas provenientes de outras cidades e outros estados do Brasil
(residência flutuante), bairros de invasão e povoação em fase ainda de estruturação;
portanto, com má condição de moradia, sem asfalto, saneamento, água potável,
coleta de lixo que fica localizado no Bairro Asta I, II e II, com alguns pontos de venda
de drogas e prostituição, doenças crônicas, degenerativas, doenças mentais
(hospitais psiquiátricos, casa de tratamento para dependência de álcool e drogas
ilícitas, casa para tratamento aos portadores de HIV e DST), que fazem uso
frequente da unidade, dificuldade por parte de alguns clientes à aderência ao
tratamento, a não aceitação das orientações dos profissionais pela sua herança
cultural e crenças pessoais, dificuldade com o analfabetismo, na compreensão
quanto às orientações para o tratamento e prevenção, dentre outras.
A construção dos dados empregou coletas de discursos e observação
participante da convivência dos ACS com a comunidade, a avaliação dos trabalhos
13
educacionais
cotidianamente
desenvolvidos
junto
à
população,
visitas
à
comunidade, levantamento das dificuldades e dos problemas enfrentados na relação
entre os ACS, às práticas de cuidado com a saúde e a população. A organização
dos dados foi baseada nos modelos teóricos já citados, dentro da categoria de
consciência em relação às interpretações simbólicas e culturais que tanto os ACS
como a população fazem, na ação interpretativa frente ao binômio saúde/doença e o
fortalecimento das possibilidades de transformação da comunidade em relação às
práticas de cuidado com a saúde/bem estar.
Considero, como enfermeira e pesquisadora, que a investigação realizada é
relevante por possibilitar traçar um novo caminho para melhorar a qualidade de vida
da comunidade estudada. Espera-se que os leitores possam atribuir importância ao
elo entre a educação e a saúde, ambas devem sempre estar entrelaçadas,
reconhecer a importância do modelo de saúde pública, que atualmente vem sendo
instaurado no Brasil e valorizando o trabalho educacional desenvolvido pelos ACS
nos diálogos diários, nas visitas, nas campanhas de prevenção e outros meios
utilizados em campo aberto, correlacionando as representações sociais e a
compreensão das semioses da comunidade, ou seja, os seus processos de
significação, bem como os sinais que se nos oferecem à interpretação.
14
CAPITULO I − O TAO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE: O ELO
COMUNIDADE, O PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA E OS
AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE
“Menina na Janela”
Salvador Dali
O QUE SERÁ (A FLOR DA TERRA)
(...) O que será que será?
O que não tem certeza Nem nunca terá!
O que não tem concerto Nem nunca terá!
O que não tem tamanho...
Chico Buarque e Milton Nascimento
15
1.1. Meus Caminhos e Implicações com o Tema
Esta pesquisa, vinda do campo da saúde, agora percorre o caminho
dentro da Academia se propondo a fazer a interpretação da
educação em saúde, por meio da teoria semiótica, querendo
investigar este trabalho frente aos sinais, cultura, religião, enfim, os
comportamentos de um grupo de Agentes Comunitários de Saúde
(ACS) frente à sua ação na comunidade, podendo produzir o bem
comum na saúde e na sociedade. Há evidência crescente de que a
intervenção na saúde tem múltiplos componentes positivos dentro do
foco da educação em saúde com o envolvimento de toda a
comunidade. O norte dessas intervenções está em ajudar
profissionais da saúde (ACS) e toda a comunidade a adotar uma
qualidade de vida segura e saudável, mas compartilhada, em sua
compreensão.
Fabiula Antonello
O que me move a fazer esta pesquisa é o meu envolvimento com a saúde
pública, uma vez que percebo que a educação influencia grandemente todo o
processo de construção do ser humano; e, um dos objetos centrais deste trabalho é
o de valorizar a educação sociocomunitaria para esta conquista.
Como a “Menina na Janela”, de Salvador Dali, eu contemplava externamente
o mar vasto da educação até que, em 2003, obtive meu primeiro contato com a área
acadêmica na Universidade Federal do Mato Grosso; fui contratada como professora
especial para exercer a cadeira de saúde indígena. Entrei confusa no barquinho da
Educação e sem saber ao certo para onde iria, pois remar nesse barquinho não era
meu interesse inicial. Lembro-me que queria atuar na Educação, mas tinha muita
insegurança, a pequena diferença de escolaridade e experiência vivida que eu tinha
em relação aos demais candidatos levou-me a adentrar no barquinho da educação.
Acabei aceitando a cadeira pela influência financeira que esta representava, já que
era muito significativa. E naveguei... e gostei, me realizei...
Minha atuação seria um todo, o início de minha eterna trajetória de
educadora...
Eu sempre tive isto comigo, eu sempre gostei de ensinar (muita
emoção nesta fala). Quando eu fiz a Faculdade, eu fiz a Licenciatura
junto com o quarto ano, mas nunca me imaginei me tornar professor
de profissão, depois dessa nova experiência por este caminho minha
16
vontade e intenção se tornou lecionar. É uma coisa minha mesmo,
que eu sempre tive isto comigo.
Fabiula Antonello
O caminho da saúde pública no Brasil tem se mostrado tortuoso e cheio de
espinhos. O Brasil é um país em desenvolvimento que, ao longo de séculos, vem
buscando a estruturação de seus sistemas econômico, educacional e de saúde, num
desafio de estruturar e se organizar para melhor utilização de seus recursos, com
vistas a traçar metas de qualidade de vida e adquirir o status de país desenvolvido.
Analisando hoje, em âmbito geral, a atual situação do campo da saúde,
encontramos um desencontro nestes caminhos na busca da melhoria da qualidade
de vida. Um país que ainda não “dá conta” de solucionar os problemas e que
poderiam ser resolvidos na atenção básica preventiva, mesmo com as iniciativas e a
valorização do Programa de Saúde da Família (PSF) e seus parceiros os Agentes
Comunitários de Saúde (ACS). Fica a eterna pergunta, então, de como elaborar um
caminho que proporcione, de fato, condições dignas de acesso à qualidade de
saúde, especialmente para a população mais carente economicamente, entendendo
a saúde é direito de todos e dever do estado?
Primeiramente, quero frisar que Saúde é um direito de todos e dever do
Estado, conforme consta nas informações do Ministério da Saúde (BRASIL, 2006) e
firmado pela Constituição de 1988. A saúde, nesse âmbito legal, é definida como “a
situação de bem estar físico, mental e social da população, afastando-se do conceito
de saúde como ausência de doença”. Para se promover saúde devemos pensar em
condições adequadas de moradia, trabalho, educação, lazer, alimentação, estrutura
e fornecimento de serviços de saúde, preservação dos recursos naturais e do meio
ambiente, bem como a valorização das culturas locais, juntamente com a
participação popular, engajando-a em iniciativas de assumir a saúde como bem
comum (BRASIL, 2009).
Assim, vejo que a saúde um bem a que todos têm direito, que está
embasado nos termos do art. 196 da Constituição Federal de 1988 pressupõe que o
Estado deva garantir não apenas serviços públicos de educação, promoção,
proteção e recuperação da saúde, mas adotar políticas econômicas e sociais, que
melhorem as condições de vida da população. Pensando nesta melhoria é que foi
17
aberto pelo Estado brasileiro, juntamente com a promulgação da Constituição acima
referida, um novo caminho na busca da promoção da saúde: a criação do Sistema
Único de Saúde (SUS). Dentre as várias ações preconizadas pelo SUS, que seguem
descritas, enfatizo aqui o Programa de Saúde da Família, implantado no ano de
1998, que veio para reestruturar o modelo médico de atenção à saúde, até então
vigente, substituindo-o por uma perspectiva mais orgânica e sistêmica, comunitária.
Partindo-se deste fato resgato um pouco da história da Saúde Pública no Brasil e o
papel do Programa de Saúde da Família e do Agente Comunitário de Saúde dentro
dessa.
Nesta mesma perspectiva entendemos que a educação a cultura e suas
interpretações fazem parte da ação ativa do homem para a qualidade de vida,
fortalecendo uma prática de educação popular, dimensionando transformações
sociais e naturais. Utiliza-se o processo educativo para que os sujeitos sintam-se
também
produtores
de
conhecimento,
apropriando-se
dos
bens
culturais,
contribuindo para a promoção de sua saúde.
Paulo Freire (2002), em uma de suas falas menciona dois direitos que
considerou fundamental: “o direito de se conhecer melhor o que já se conhece e o
direito de conhecer o que ainda não se conhece”. Essas prerrogativas se relacionam
com o direito de cultura, ou seja, a viabilidade que deve existir para que todos
tenham acesso à participação universal. Defendo o esforço de Freire, no sentido de
mostrar a necessidade de superação do trabalho intelectual e manual; nesta
dissertação, portanto, abordo o desenvolvimento pela educação em grupos. Estes
integrantes da comunidade apresentam-se como sujeitos coletivos conscientes de
sua classe, valorizando sua cultura de homens e mulheres, apostando numa
renovação mental, interpretando as classes sociais existentes, seus problemas,
lutando pelo acesso a uma educação de qualidade frente à realidade, na busca da
sua própria qualidade de vida.
1.2. O Sistema Único da Saúde (SUS): o primeiro caminho, a
passos longos.
Este texto está embasado em documentos oficiais, conforme indicado pelas
referências apostas, que regulam a origem do Sistema Único de Saúde (SUS).
18
Esse foi criado pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado
pelas Leis n.º 8080/90 (Lei Orgânica da Saúde) e nº 8.142/90, com a
finalidade de alterar a situação de desigualdade na assistência à
Saúde da população, tornando obrigatório o atendimento público a
qualquer cidadão, sendo proibidas cobranças de dinheiro sob
qualquer pretexto (SAÚDE BRASIL, 2012).
Do Sistema Único de Saúde fazem parte “os centros e postos de saúde,
hospitais incluindo os universitários, laboratórios, hemocentros (bancos de sangue),
além de fundações e institutos de pesquisa”, como a Fundação Oswaldo Cruz
(FIOCRUZ) e o Instituto Vital Brasil (IVB) (OHARA; SAITO, 2010 p. 47).
Através do Sistema Único de Saúde todos os cidadãos têm o direito a
consultas, exames, internações e tratamentos nas Unidades de Saúde vinculadas a
esse sistema, sejam públicas (das esferas municipal, estadual e federal) ou
privadas, contratadas pelo gestor público de saúde.
O SUS é destinado a todos os cidadãos e é financiado com recursos
arrecadados por impostos e contribuições sociais, pagos pela população e que
compõem os recursos do governo federal, estadual e municipal. O Sistema Único de
Saúde tem como meta tornar-se “um importante mecanismo de promoção da
equidade no atendimento das necessidades de saúde da população, ofertando
serviços com qualidade adequados às necessidades, independente do poder
aquisitivo do cidadão.” (PORTAL DA SAÚDE SUS, 2012).
Propõe-se a promover a saúde, priorizando as ações preventivas,
democratizando as informações relevantes para que a população conheça seus
direitos e os riscos à sua saúde:
O controle da ocorrência de doenças, seu aumento e propagação
(Vigilância Epidemiológica) são algumas das responsabilidades de
atenção do SUS, assim como o controle da qualidade de remédios,
de exames, de alimentos, higiene e adequação de instalações que
atendem ao público, onde atua a Vigilância Sanitária. O setor privado
participa do SUS de forma complementar, por meio de contratos e
convênios de prestação de serviço ao Estado quando as unidades
públicas de assistência à saúde não são suficientes para garantir o
atendimento a toda população de uma determinada região. (OHARA;
SAITO, 2010, p. 69).
Relembro aqui o inicio deste caminho, em que, como já dito, o Sistema
Único de Saúde (SUS) foi criado pela Constituição Federal de 1988, para que toda a
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população brasileira tivesse acesso ao atendimento público de saúde. Para atingir
esse objetivo a saúde tem sido pauta de imensos debates e movimentos constantes,
que visam assegurar a garantia de acesso, a saúde. (BRASIL, 2006).
Até a criação do SUS o “poder” de se obter atendimento médico ficava a
cargo dos beneficiários de “carteiras assinadas”, ou seja, a assistência médica só
era acessível a quem podia pagar por ela. Ficando assim restrito o atendimento para
as pessoas que contribuíssem com o Instituto Nacional de Assistência Médica da
Previdência Social (INAMPS); as demais pessoas eram dadas como indigentes e a
oferta de atendimento de saúde a elas ficava a cargo dos serviços filantrópicos.
Cabe aqui também ressaltar que a Constituição Brasileira de 1988, ainda
vigente, se preocupou com a consolidação de atendimentos individuais, cobrando
obrigações do Estado frente à democracia, surgindo, assim, grandes mudanças
que proporcionaram o exercício da cidadania pelo povo brasileiro e se caracterizou
como a chamada “Constituição Cidadã”. Foi uma ampla participação popular, que
teve por finalidade construir as condições políticas, econômicas, sociais e culturais
que assegurassem a concretização e efetividade dos direitos humanos, num regime
de justiça social atendendo diretamente os direitos sociais de saúde, educação,
trabalho, lazer e aprendizado (BRASIL, 2009).
No próprio texto da Constituição Federal de 1988, o Art. 196 estabelece que:
1. A saúde é direito de todos. 2. O direito à saúde deve ser garantido
pelo Estado. 3. Esse direito deve ser garantido mediante políticas
sociais e econômicas com acesso universal e igualitário às ações e
aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação e para
reduzir o risco de doença e de outros agravos. (BRASIL, 1988, p. 8).
Um dos maiores marcos da saúde se deu em dezembro de 1990, após a
elaboração do artigo 198 da Constituição Federal, quando foi regulamentada a Lei nº
8.080, que é conhecida como Lei Orgânica de Saúde ou Lei do Sistema Único de
Saúde (SUS) vigente até os dias atuais. Essa lei estabelece como deve funcionar o
sistema de saúde em todo o território nacional, define as competências,
responsabilidades e o papel do gestor em cada esfera de governo, juntamente com
a participação popular detalhada pela Lei nº 8.142, de dezembro de 1990.
Apesar dos serviços do sistema universalizado de saúde, SUS, estar
caminhando na busca de melhorias, e tentando traçar caminhos mais precisos para
solucionar os problemas de saúde atuais, os desafios são grandes e devem ser
20
enfrentados para a concretização dos seus princípios e diretrizes. Vivemos uma
realidade nacional que ainda caminha para o processo de construção, organização e
reorganização do modelo de atenção à saúde, que possa, de fato, garantir uma
melhor qualidade de vida para todos os cidadãos brasileiros. Como definido em
documentos oficiais do Ministério da Saúde (BRASIL, 2009, p.10): “Ao SUS cabe a
tarefa de promover e proteger a saúde, como direito de todos e dever do Estado,
garantindo atenção contínua e com qualidade aos indivíduos e às coletividades”.
Com intuito de permanecer na busca de melhores meios de qualidade de
vida o Ministério da Saúde criou, em 1986, a Atenção Primária à Saúde (APS), na
qual a Estratégia Saúde da Família (ESF) é incorporada. Um caminho que garante
um conjunto de ações de promoção, proteção, prevenção de agravos, diagnóstico,
tratamento, reabilitação e manutenção da saúde à população.
Essas ações, por sua vez, são desenvolvidas por uma equipe de saúde, que
presta atendimento exclusivo a cada pessoa, às famílias e à coletividade, de um
determinado território, tendo como objetivo resolver os problemas de saúde mais
comuns e frequentes da população, reduzir os danos ou sofrimentos e contribuir
para uma melhor qualidade de vida das pessoas acompanhadas. Isto, buscando
garantir a acessibilidade de mais pessoas aos serviços de saúde, dando
continuidade aos cuidados prestados, garantindo a longitudinalidade dos mesmos,
responsabilização, humanização, participação social, coordenação do cuidado e
possibilitando uma relação de longa duração entre a equipe de saúde os usuários e
a comunidade em geral, passando a conhecerem-se melhor e fortalecendo vínculos.
É também esse estreitamento de contato que faz com que ocorram problemas nas
interações pessoais entre as equipes de saúde e os usuários; contudo, esses
problemas permitem, quando bem encaminhados, o crescimento e a satisfação de
todos os envolvidos.
Para que este vínculo seja fortalecido e para que haja uma maior aceitação
desse novo caminho proposto na saúde pública, o Agente Comunitário de Saúde
(ACS) tem um papel importante, pois, no traçar deste caminho se faz necessária a
garantia do acolhimento e a construção de vinculações de confiança; o ACS é um
membro da equipe que faz parte da própria comunidade, ajuda a criar essa
confiança, facilitando o contato direto com a equipe de saúde, promovendo a
mediação com a população. Nessa perspectiva, o Ministério da Saúde assim
conceitua a perspectiva de promoção da saúde, que busca substituir àquela
21
curativa, que entende, reducionista e anacronicamente, a saúde como apenas a
ausência de doença:
Ações de promoção à saúde são aquelas que vão contribuir para
proporcionar autonomia ao indivíduo e à família, com informações
que os tornem capazes de escolher comportamentos que vão
favorecer a sua saúde, relacionadas ao modo de viver, condições de
trabalho, educação, lazer e cultura. Reabilitação e ações que
contribuem para a redução de incapacidades e deficiências com o
objetivo de melhorar a qualidade de vida. (BRASIL, 2009, p.16).
O Ministério da Saúde (BRASIL, 2006) em sua publicação “A construção do
SUS: histórias da Reforma Sanitária e do Processo Participativo” apresenta a
Cronologia do SUS, a partir da década de 1960.
1960 - Forma-se o sistema previdenciário: os institutos de previdência foram
centralizados pelo INPS – Instituto Nacional de Previdência Social.
1967 - Há incorporação, para efeito de assistência médica, de todos os
trabalhadores com carteira de trabalho assinada, além dos autônomos que
desejassem contribuir para a previdência social.
1970 - Criação do Ministério da Previdência e Assistência Social, do Sistema
Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS), do Instituto Nacional de
Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), e do Instituto de Administração
Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS). Na esfera das políticas de
saúde, o referencial da medicina comunitária se materializava em programas de
extensão da cobertura de ações básicas, direcionados para a população excluída do
sistema previdenciário. Controle social na área da saúde, dentro de um processo de
mudança da relação Estado-sociedade no Brasil. Essa mudança resultou no
Sistema Único de Saúde (SUS) como um sistema participativo, com controle social
sobre as políticas e ações na esfera da saúde.
1976 - As práticas se revelaram difíceis, limitando-se uma atenção primária
seletiva para as populações marginalizadas de regiões marginalizadas, pela falta de
recursos, pessoal qualificado e tecnologias mais sofisticadas; ocorre a criação de
instituições como o Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES).
1977 - Acontece a 6ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), de 1 a 5 de
Agosto, com o tema “Redes de Saúde”:
22
A discussão que tivemos naquele momento era se queríamos ter
uma única rede de saúde no país ou uma rede dupla. No documento
que o Ministério da Saúde apresenta o único avanço que se
consegue, dadas às circunstâncias do momento, é propor uma dupla
rede uma rede chamada médico-sanitária, de grande extensão de
cobertura e de baixa complexidade tecnológica e uma rede chamada
médico-hospitalar, de pequena extensão de cobertura. Esta seria
comandada pela Previdência e a outra pelo Ministério da Saúde,
ligada aos estados. Esse documento não foi aceito pelo plenário que
queria uma única rede, mas o momento não permitia. A saída do
Ministério da Saúde foi dizer que a decisão final seria tomada quando
os estados contribuíssem para a discussão. [...] naquele momento,
nós já nos considerávamos Partido Sanitário (GUEDES, 2006, p. 65).
1979 - Surge a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva
(ABRASCO).
1980 - Criação do PREV-SAÚDE como um plano nacional alternativo de
saúde, baseado em recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e o II
PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) com as necessidades políticas sociais
mais contundentes; surge também o “Movimento Sanitário”: participação social como
princípio e prática política para a saúde.
1981 - Criação do Conselho Nacional de Administração de Saúde
Previdenciária (CONASP), para a racionalização dos recursos previdenciários
destinados à assistência (INAMPS).
1985 - “Redemocratização e Saúde”: a unificação do setor saúde já era
apontada, especialmente com a passagem do INAMPS para o Ministério da Saúde.
1986 - 8ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), ponto culminante do
movimento sanitário, mobilizado e articulado, com um acúmulo histórico de alguns
anos de lutas e um repertório de propostas convergentes para um projeto alternativo
ao modelo médico-assistencial.
A 8ª Conferência faz com que esta questão transborde, faz com que
a questão da saúde tenha que ser assumida pela sociedade como
um todo. Ela é assumida como uma questão central, como uma
questão seu objetivo, que deveria, então, ser transformada, e
conquistada, em um objetivo de governo, e não mais em um objetivo
de um, dois ou três Ministérios ou de um determinado grupamento
social representado pelos profissionais de Saúde. [...] Me parece que
esse é o grande salto que se dá a grande chance, a grande
potencialidade que o Movimento ganha [...] Nesse sentido, a 8ª
Conferência propõe já não mais a questão do Sistema Único de
Saúde como uma exclusividade, mas propõe a Reforma Sanitária. E
passa a ser um movimento da sociedade, ou pretende ser um
movimento da sociedade (ALVES SOBRINHO, 2006, p. 47).
23
Esse movimento que vinha “ganhando corações e mentes”, na
verdade, consolidava-se como movimento sanitarista, com forte
conotação de democracia participativa, resistência contra o arbítrio e
luta pela redemocratização, aglutinando num projeto comum, as
diversas vertentes que lhe deram origem e norteavam suas
iniciativas (NORONHA, 2006, p. 59).
1988 - Formulação estratégica para a complementação da lei do SUS; a
Constituição Federal configura-se como liberal, democrática e universalista.
A Assembleia Nacional Constituinte e a Plenária Nacional de Saúde
(1987/1988)
Saúde é direito de todos e dever do Estado, a velha, e para alguns,
anacrônica, mas, para mim, atualíssima frase da saúde impressa no
texto constitucional, naquele momento, com a mudança de
concepção para a de Estado mínimo, passou a ser a bandeira de luta
da saúde na resistência pela manutenção do texto (FEGHALI, 2006,
p. 111).
1990 - Forte crise institucional e financeira do setor de saúde no Brasil,
trazendo queda da qualidade e da cobertura do sistema público. O SUS passa a ser,
na prática, um sistema de saúde para os mais pobres, enfraquecendo seu caráter de
universalização do atendimento. A história do SUS continua sendo apresentada,
agora voltada aos anos de 2000.
Sem conhecer a história de um sistema de signos e do contexto sociocultural
em que ele se situa, não se pode detectar as marcas que o contexto deixa na
mensagem. (SANTAELLA, 2002, p. 6).
1.3. O Caminho que o Programa de Saúde da Família percorreu
desde seu surgimento até os dias atuais
A Estratégia Saúde da Família no Brasil apresenta-se, como explicitado,
fundamentada em um novo modelo, procurando deixar de lado o atual sistema de
prestação de serviços excludente, adotando um modelo assistencial mais voltado ao
benefício de toda a população, atendendo desde seus problemas mais simples até o
encaminhamento dos mais complexos.
24
Em 1998, o Ministério da Saúde (MS) oficializou o Programa de Saúde da
Família (PSF), por meio da Lei nº 2177, de 30 de dezembro de 1998 e do Decreto nº
2043, de 23 de fevereiro de 1999, que estabelecem as gestões do programa.
A filosofia do PSF baseia-se na doutrina do Sistema Único de Saúde
(SUS), com o intuito de buscar a reorganização da prática
assistencial em novas bases e critérios, tendo como objetivo o
atendimento ao indivíduo no seu contexto familiar. (BRASIL, 2001,
p.14).
A proposta do PSF propicia o desenvolvimento de um cuidado holístico,
tentando afirmar o princípio da integralidade preconizado pelo SUS. Para isso, o
indivíduo deixa de ser visto como um objeto de atenção isolado e passa a ser
compreendido no seu núcleo familiar. Este conceito abrange a família em seu
aspecto biológico, afetivo, em domicílio comum, crença religiosa, cultural, e toda a
convivência com pessoas significativas. Assim, o Ministério da Saúde pretende, a
partir do PSF, reconfigurar a atenção básica à saúde, promovendo mudanças no
atual modelo assistencial, dando prioridade à prevenção, promoção e recuperação
da saúde das pessoas de forma integral e contínua, levando-a para mais perto das
famílias. (BRASIL, 2007; BRASIL, 2002).
Retornando à questão, a profissão do ACS foi regulamentada pela Lei nº
10507, de 10 de Julho de 2002 que previu como pré-requisito para o exercício
profissional, dentre outras exigências, que o agente comunitário frequente um curso
de qualificação básica para a formação, cabendo ao Ministério da Saúde estabelecer
o conteúdo programático do mesmo ou utilizar centro de formadores. A Lei nº 10507,
de 10 de Julho de 2002 foi revogada pela Lei nº 11350, de 05 de Outubro de 2006.
É justamente esta formação que estamos discutindo, baseados na
pedagogia de Paulo Freire, modelo esse que vem sendo extensamente revisto e
estudado desde a década de 70; o mesmo nos mostra que muitas das educações
em saúde realizadas, embora aconteçam, são isoladas, não se constituindo numa
politica pública eficaz se considerado o alcance nacional, havendo uma diferença no
plano discursivo, conceitual de intenções e ações, conforme preconiza o MS; assim
estes níveis de ação estão inexistentes em qualquer proposta freireana, para
qualquer área do conhecimento que se aplique.
Desta forma, a família passa a ser o objeto de atenção e entendida a partir
do ambiente em que vive. O “estabelecimento de vínculos e a criação de laços de
25
compromisso e corresponsabilidade entre os profissionais de saúde e a população”,
possibilitarão uma melhor compreensão deste vínculo pelos profissionais (ACS,
Enfermeiro, Médico), uma vez que as pessoas terão condições de confiar na equipe
e procurá-la sempre que necessário (BRASIL, 2007).
A origem da Estratégia Saúde da Família (ESF) remonta à criação do
Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), em 1991, como parte do
programa de reforma do setor de saúde, criado pelo Ministério da Saúde em
parceria com as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde. Esse programa teve
como objetivo inicial diminuir a mortalidade materna e infantil no Norte e Nordeste. O
agente comunitário de saúde (ACS) se torna o novo autor na estrutura e rede de
serviços de saúde; um educador da comunidade e deve ser o elo entre a equipe e a
comunidade, pois, ao incorporar-se à equipe diminui as barreiras no processo de
comunicação respeitando as diferenças culturais e hábitos da população.
Definição da Saúde da Família como estratégia prioritária para a
organização e fortalecimento da Atenção Básica de Saúde no País.
Por meio dessa estratégia, a atenção à saúde é feita por uma equipe
composta por profissionais de diferentes categorias (multidisciplinar)
trabalhando de forma articulada (interdisciplinar), que considera as
pessoas como um todo, levando em conta suas condições de
trabalho, de moradia, suas relações com a família e com a
comunidade (BRASIL, 2009, p. 20).
Essas mudanças passam a princípio, pela educação que, segundo
Rodrigues (2001, p. 13) pode ser compreendida como “comportamento, ação ou
programa de criar e desenvolver condições para que indivíduos e grupos se
apropriem do patrimônio cultural de uma civilização, tornando-se capazes de
enriquecê-la e aperfeiçoa-la”.
Conforme o autor, educar possibilita a aquisição cultural na qual o indivíduo
está inserido e, evidentemente, este processo deve ser ampliado através do diálogo
com outras culturas, partindo do local para o universal. (RODRIGUES, 2001).
A cultura é o processo pela qual o homem, em relação ativa com o
mundo e com os outros homens transforma a natureza e se
transforma a si mesmo, construindo um mundo qualitativamente novo
de significações valores e obras humanas e realizando-se como
homem neste mundo humano. (FREIRE, 2002, p. 16).
Uma língua é um código mais uma história. A transmissão da
informação dentro de uma ‘estrutura sem memória’ garante
26
realmente o grau de identidade. Se nos representamos o emissor e o
destinatário como dotados de códigos iguais e totalmente privados
de memória, então a compreensão entre eles será perfeita, mas o
valo da informação transmitida será mínimo e a informação mesma
rigorosamente limitada. (SANTAELLA, 1998, p. 138).
Assim, a educação, a valorização da cultura, a interpretação dos sinais
presentes, potencializam as transformações sociais e naturais dando margens para
que elementos culturais, dentre esses a educação, sejam utilizados como meios de
conscientização e politização.
Portanto, a estratégia da saúde da família visa a revisão do modelo
assistencial de saúde, predominando um atendimento primordial, que passa a ser o
foco principal da atenção; um trabalho realizado no ambiente em que essa vive,
permitindo uma compreensão ampliada do processo saúde/doença e das bases
culturais dessas famílias, ampliando o conhecimento da compreensão que
fazem/têm dos processos de doença e de manutenção da saúde.
O programa reorganizou os serviços de saúde e foi ao encontro de debates
e análises referentes ao processo de mudança do paradigma que orienta o modelo
de atenção à saúde vigente há 14 anos, que vem sendo enfrentado desde a década
de 1970. Valorização das ações de promoção e proteção à saúde, prevenção às
doenças e atenção integral às famílias são iniciativas tidas como capazes de
produzir um impacto positivo rumo a um novo modelo de fazer saúde.
Com a expansão da ESF, que se consolidou como estratégia prioritária para
a reorganização da Atenção Básica à Saúde no Brasil, o governo emitiu a Portaria
nº. 648, de 28 de março de 2006, estabelecendo o acesso universal e contínuo a
serviços de qualidade, reafirmando os princípios básicos do SUS, mediante o
cadastramento e vinculação dos usuários nas suas áreas de origem.
1.3.1. Características e Composição da Equipe de Saúde da Família
Como já mencionado, a ESF reorienta o modelo de atenção à saúde, com a
implantação de equipes multiprofissionais nas Unidades Básicas de Saúde (UBS),
responsáveis
pelo
acompanhamento,
atendimento,
promoção,
prevenção,
recuperação e reabilitação de doenças e agravos mais frequentes. Assim como, na
27
manutenção da saúde de um número definido de famílias, localizadas numa área
geográfica delimitada. Segundo o Ministério da Saúde:
Cada equipe é composta, minimamente, por um médico, um
enfermeiro, um auxiliar de enfermagem ou técnico de enfermagem e
ACS, cujo total não deve ultrapassar a 12, essa equipe pode ser
ampliada com a incorporação de profissionais de Odontologia, e
cabendo ao gestor municipal a decisão de inclusão de outros
profissionais às equipes. (BRASIL, 2009, p. 21).
Conforme o Ministério da Saúde (BRASIL, 1997) é recomendável que a
equipe de uma unidade seja composta, no mínimo, por um médico de família ou
generalista, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e Agentes Comunitários de Saúde;
outros profissionais de saúde poderão ser incorporados a estas unidades básicas de
saúde, de acordo com as demandas e características das organizações da
organização dos serviços de saúde locais, devendo estar identificados com uma
proposta de trabalho que exija criatividade e iniciativa para trabalhos comunitários e
em grupos.
Os profissionais das equipes de saúde serão responsáveis pela população
adscrita, devendo residir no município onde atuam, trabalhando em regime de
dedicação integral. Para garantir a identidade cultural com as famílias sob sua
responsabilidade, os Agentes Comunitários de saúde devem, igualmente, residir nas
suas respectivas áreas de atuação.
Com o objetivo de ampliar a abrangência das ações da APS, e sua
capacidade de resolução dos problemas de saúde, foram criados em
2008 os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), compostos
por profissionais de diversas áreas do conhecimento, (nutricionista,
psicólogo, farmacêutico, assistente social, fisioterapeuta, terapeuta
ocupacional, fonoaudiólogo, médico acupunturista, médico
ginecologista, médico homeopata, médico pediatra e médico
psiquiatra) que devem atuar em parceria com os profissionais do
PSF. (BRASIL, 2009, p. 35).
O Ministério da Saúde não estipula um número máximo de pessoas
diferenciado para o ACS, mas 750 pessoas por agente, o que representa até 6
agentes por equipe (4 mil pessoas), e a política fala em até 1 ACS por equipe; isso é
um reconhecimento de que em varias situações, não é possível ter muitas pessoas
por agente. Uma população de 3 mil pessoas, dividida por 12 agentes de saúde, dá
28
250 pessoas por agente, e a política não estipula um número mínimo de pessoas
atendidas por cada equipe de saúde da Família.
O ministério da saúde preconiza a existência de equipe
multiprofissional responsável por, no máximo, 4.000 habitantes,
sendo a média recomendada de 3.000 habitantes, com jornada de
trabalho de 40 horas semanais para todos os seus integrantes e
composta por, no mínimo, médico, enfermeiro, auxiliar de
enfermagem ou técnico de enfermagem e Agentes Comunitários de
Saúde; número de ACS suficiente para cobrir 100% da população
cadastrada, com um máximo de 750 pessoas por ACS e de 12 ACS
por equipe de Saúde da Família; [...] (BRASIL, 2009, p. 39).
As atribuições das equipes, conforme o Ministério da Saúde (BRASIL, 1997)
devem ser desenvolvidas de forma dinâmica, com avaliação permanente através do
acompanhamento dos indicadores de saúde de cada área de atuação. Assim, as
equipes de Saúde da Família devem estar preparadas para:

Conhecer a realidade das famílias pelas quais são responsáveis, com
ênfase nas suas características sociais, demográficas e epidemiológicas.

Identificar problemas de saúde prevalentes e situações de risco aos
quais a população está exposta.

Elaborar, com a participação da comunidade, um plano local para o
enfrentamento dos determinantes do processo saúde/doença.

Prestar assistência integral, respondendo de forma contínua e
racionalizada a demanda organizada ou espontânea, com ênfase nas ações de
promoção a saúde.

Resolver, através da adequada utilização do sistema de referência e
contrarreferência, os principais problemas detectados.

Desenvolver processos educativos para a saúde, voltados à melhoria
do autocuidado dos indivíduos.

identificados.
Promover ações intersetoriais para o enfrentamento dos problemas
29
De acordo com o Guia Prático do Programa Saúde da Família (BRASIL,
2001), As atividades desenvolvidas na unidade básica de saúde são diversificadas,
dentre elas classificam-se como:
Ações Programadas: são denominadas programas e se traduzem no
acompanhamento periódico e contínuo realizado através da organização de grupos
com retorno previamente agendados. Faz parte dos programas normatizados à
clientela que pertencer à área de abrangência da UBS com número de cadastro
(cartão SUS), dentro da faixa etária e critérios específicos para inscrição dos
mesmos. São exemplos:
- Programa Saúde da Mulher, Pré-Natal, Profilaxia de CA, (Câncer de mama
e Câncer de útero), Aleitamento Materno, Exames em Creches, Cuidado com as
Gestantes, Palestras Educativas em Escolas, Saúde do Adolescente, entre outros.
- Programa de Imunizações.
- Programa de Hipertensos e Programa de Diabetes HIPERDIA.
- Programa de Idosos.
- Programa de Hanseníase.
- Programa de Tuberculose.
- Programa DST/AIDS (Doenças Sexualmente Transmissíveis e Síndrome
da Imunodeficiência Adquirida).
- Controle de raiva.
Ações Não Programadas: são atividades desenvolvidas ou oferecidas à
população da área de abrangência ou fora da área, que procuram os serviços da
UBS. São elas:
- Consultas médicas eventuais.
- Atendimento de enfermagem eventual.
- Imunizações.
- Fornecimento de medicação.
- Marcação de exames.
- Coleta de material.
- Encaminhamento a consultas especializadas.
- Reuniões.
- Visitas domiciliares.
30
- Suplementação alimentar.
Pré-consulta: precede a consulta médica e enfermagem, que consiste em:
- Preenchimento de dados da ficha clínica.
- Anotações de sinais, sintomas e queixas do paciente.
- Verificação de SSVV (Sinais Vitais) e dados antropométricos.
Consulta médica: Atividade prestada pelo médico que consta de
anamnese, exame físico, diagnóstico, prescrição de tratamento, orientações e
encaminhamentos.
Consulta do enfermeiro: Atividade prestada pelo enfermeiro da UBS e
consta de: anamnese, exame físico, diagnóstico de enfermagem, prescrição de
acordo com o protocolo estabelecido pela instituição ou pelo Ministério da Saúde
adotado pela instituição, prescrição de tratamentos e orientações e possíveis
encaminhamentos como, por exemplo: escabiose, pediculose, diarreia não
infecciosa, dermatite amonial, higiene neonatal e outras.
Pós consulta: parte integrante da consulta médica e atendimento de
enfermagem que consiste em: reforço das orientações de enfermagem, explicações
de dietas, orientação sobre utilização da medicação e entrega dos mesmos se
necessário, marcação e anotação de exames complementares e encaminhamentos.
Visita domiciliar: é a visita que qualquer um dos membros da equipe de
saúde faz no domicílio de moradores da área de abrangência. As visitas domiciliares
podem ser para pacientes dos programas ou não. Ex. visitas para crianças faltosas
no programa de vacina, para acompanhamento clínico a pedido do médico ou da
enfermeira, para faltosos de outros programas da UBS.
Reuniões: de educação em saúde, com a população para discutir questões
ligadas ao funcionamento da UBS, reuniões com a equipe de saúde para discussões
de problemas, planejamento, organização, funcionamento e avaliação das
atividades.
31
Dados epidemiológicos: é o levantamento da situação da saúde da
população e dos fatores que interferem nesta, realizadas diariamente.
As mudanças também apontam para a necessidade de definir prioridades de
saúde que permitam equacionar os grandes problemas da população, ao lado da
implantação de sistemas de informação que tornem mais transparentes os
resultados obtidos e os gastos necessários para alcançá-los. O Ministério da Saúde
e o Governo Federal, em parceria com os Estados e Municípios estão em
permanente busca de novas definições que permitam, ao sistema de saúde
brasileiro, ganhar mais eficiência e alcançar os objetivos de cobertura e equidade. O
principal desafio é administrar adequadamente os escassos recursos disponíveis
para que possam suprir necessidades e carências, especialmente dos segmentos
mais pobres da população. (OHARA; SAITO, 2010).
1.4. O TAO do Agente Comunitário da Saúde
O ACS é, atualmente, o personagem principal na continuação da história da
saúde pública no Brasil; um construtor a trilhar este caminho em busca da
implementação do Sistema Único de Saúde. Sua atuação nessa história passa,
necessariamente, pelo fortalecimento da integração entre os serviços da Atenção
Primária à Saúde e a comunidade.
A trajetória do ACS teve início na criação do PACS, em 1991, como
explicitado anteriormente, e é um profissional capacitado para reunir informações de
saúde sobre a comunidade, pois está vinculado às raízes culturais da própria
comunidade, para a qual são fundamentais as suas próprias concepções de
saúde/doença. Ele adentra ao serviço público por meio de um processo seletivo,
tendo como principais características a maioridade, a residência na área geográfica
do bairro ou região onde a UBS está implantada; ter bom relacionamento com os
vizinhos, bem como condições de dedicar-se 8 horas diárias ao trabalho.
Orientado pelo supervisor o enfermeiro da família, locado na unidade de
saúde, realiza visitas domiciliares, na área de sua abrangência, produzindo
informações capazes de dimensionar os principais problemas de saúde de sua
comunidade.
32
Uma língua é um código, uma história, a transmissão da informação
dentro de uma estrutura; o efeito da autocomunicação é uma
transformação do eu, uma reconstrução da própria personalidade,
visto que a essência da personalidade pode ser pensada como um
conjunto individual de códigos socialmente significantes, que muda
durante o ato de comunicação. (SANTAELLA, 2002, p. 142).
Para isso a gramática especulativa trabalha com os conceitos
abstratos capazes de determinar as condições gerais que fazem com
que certos processos, quando exibem comportamentos que se
enquadram nas mesmas possam ser considerados signos. Por isso
ela é uma ciência geral dos signos. Seus conceitos são gerais, mas
devem conter no nível abstrato, os elementos que nos permitem
analisar e avaliar todo e qualquer processo existente de signos
verbais, não verbais: fala, escrita, gestos, sons, comunicações com
animais, imagens fixas e em movimentos, audiovisuais, hipermídia.
(SANTAELLA, 2002, p. 4).
O ACS mora na comunidade e está vinculado à ESF e deve ser capaz de se
comunicar com pessoas pela liderança natural que exerce, funcionando como um
elo entre o programa e à comunidade, pois está em contato permanente com as
famílias, facilitando o trabalho de vigilância e promoção a saúde. Realiza,
igualmente, um elo cultural, que dá mais força ao trabalho educativo, ao unir dois
universos culturais distintos, aquele do saber científico e o do saber popular. Daí a
importância de se conhecer as representações sociais que o ACS faz de seus
grupos de relacionamento (profissionais da saúde, que incorporam o pensamento
científico e a população da comunidade, que incorpora, muitas das vezes, os
saberes populares próprios ao senso comum) e desvelar suas semioses, para um
desenvolvimento adequado deste seu importante trabalho.
As diversas facetas que a analise semiótica apresenta podem assim
nos levar a compreender qual é a natureza e quais são os poderes
de referencia dos signos, que informação transmitem, como eles se
estruturam em sistemas, como funcionam, como são emitidos,
produzidos, utilizados e que tipos de efeito são capazes de provocar
no receptor. (SANTAELLLA, 2002, p. 4)
Concordo com Santaella (1994) quando afirma que os processos sígnicos
estão por toda parte, atravessando áreas que pertencem as mais diversas ciências
das humanidades e também sociais. A semiótica está na própria natureza,
colocando em questão a própria compreensão do mundo. Os processos semióticos
se imbricam à comunicação, o que relaciono com o ACS, pois no processo de
captura, interpretação e transmissão das mensagens colhidas e repassadas para a
33
equipe de saúde, o ACS fornece um apoio direto ao enfermeiro e ao médico da
família, com responsabilidade direta em fornecer dados daquela determinada
população, identificando os signos representativos de problemas mais comuns,
interpretando situações de risco; a partir dessas significações novas demandas
surgem ou se especificam continuamente.
No Brasil, atualmente, mais de 200 mil agentes comunitários de saúde estão
em atuação, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida das pessoas, com
ações de promoção e vigilância em saúde. Seu processo de qualificação é
permanente, com capacitações mensais realizadas pelos enfermeiros dentro da
unidade e por outros profissionais da área da saúde (psicólogos, médicos,
fisioterapeutas, nutricionistas), sendo que o enfoque fica a cargo da higiene,
cuidados alimentares, patologias e as ocorrências de maior prevalência do município
ou da sua área de atuação. Conforme depoimento de uma ACS:
Ser ACS é, antes de tudo, ser alguém que se identifica em todos os
sentidos com a sua própria comunidade, principalmente na cultura,
linguagem e costumes. Precisa gostar do trabalho. Gostar
principalmente de aprender e repassar as informações, entender que
ninguém nasce com o destino de morrer ainda criança (TERESA
RAMOS - ACS, BRASIL, 2001, p.43).
Importante destacar aqui o trabalho do ACS, que é considerado um dos
braços estendidos nos serviços de saúde dentro das comunidades. Ele é um
membro da comunidade que auxilia a criar o vínculo, pelo seu próprio envolvimento
pessoal e cultural com a comunidade, pois tem a possibilidade de levantar os
problemas que mais afetam a comunidade, pela forma, facilidade e capacidade de
se comunicar com as pessoas em seu meio favorece a chegada das informações e
das necessidades para os demais profissionais de saúde do ESF. Por esta razão
valorizo a grande importância da interpretação dos símbolos existentes nas falas e
nos modos de agir que essas famílias demonstram e das representações sociais
envolvidas nesta troca de informações.
A logica é a ciência das leis necessárias do pensamento e das
condições para se atingir a verdade, Muito cedo Pierce deu-se conta
de que não há pensamento que possa se desenvolver apenas
através dos símbolos.
Nem mesmo o raciocínio puramente
matemático pode dispensar outras espécies de signos. Vem dessa
descoberta a extensão da concepção peirceana da lógica, também
chamada de semiótica, trata não apenas das leis do pensamento e
34
da sua evolução, deve se debruçar-se antes, sobre as condições
gerais dos signos. (SANTAELLA, 2002, p. 3).
Um dos meios de garantir informações e vínculo é o acompanhamento
diário, por meio das visitas domiciliares, uma das ferramentas mais utilizadas pelos
ACS. Nessas visitas o ACS pode reconhecer a realidade do seu cliente, ter uma
visão bem diferenciada do cliente atendido dentro da unidade de atendimento, sendo
que nesse terreno da vida podem enxergar as dificuldades, problemas e a situação
econômica, psicológica e social na qual se encontram. Durante as visitas são
desenvolvidas atividades de educação em saúde, prevenção, troca de informações
segurança e credibilidade de ambos.
Todas essas ações que estão voltadas para a qualidade de vida das
famílias necessitam de posturas empreendedoras por parte do ACS
que, na maioria das vezes, exerce a função de estimular e organizar
as reivindicações da comunidade. ‘A atuação do ACS valoriza
questões culturais da comunidade, integrando o saber popular e o
conhecimento técnico’. (BRASIL, 2009, p.46).
Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 1994) são inúmeras as ações
atribuídas ao ACS, dentre elas destacamos:
 Estimular continuamente a organização comunitária.
 Participar
da
vida
da
comunidade
principalmente
através
das
organizações estimulando discussões das questões relativas à melhoria de vida da
população.
 Fortalecer a ligação entre a comunidade e os serviços de saúde.
 Informar os demais membros da equipe de saúde a disponibilidade
necessidades e dinâmica social da comunidade.
 Registrar nascimentos, doenças de notificação compulsória e de vigilância
epidemiológica e óbitos ocorridos.
 Cadastrar todas as famílias da sua área de abrangência.
 Realizar o mapeamento de sua área.
 Cadastrar as famílias e atualizar permanente estes cadastros.
35
 Identificar e registrar todas as gestantes e crianças de 0 a 6 anos de sua
área de abrangência.
 Atuar integrando as instituições governamentais grupos da comunidade
(clube de mães, parteiras, paróquia, creches etc...).
 Executar dentro do seu nível de competência ações e atividades básicas
de saúde.
 Identificar os indivíduos e famílias expostos à situação de risco.
 Identificar áreas de risco.
 Orientar a comunidade para utilização adequada dos serviços de saúde,
encaminhando–as e até agendando consultas e exames quando necessários.
 Realizar visitas domiciliares acompanhamento mensal de todas as
famílias cadastradas.
 Estar bem informado e informar aos demais membros da equipe sobre a
situação das famílias acompanhadas, particularmente aquelas em situação de risco.
 Desenvolver educação e vigilância em saúde promoção prevenção
educação e mobilização das ações coletivas de saneamentos, melhoria saúde e
meio ambiente entre outras.
1.5. O Agente Comunitário de Saúde e a Territorialização.
Um território pode representar e materializar a história das relações sociais e
econômicas, processos de trabalho, as diversidades socioeconômicas de uma
comunidade, bem como mostrar a maneira como as pessoas se relacionam, se
expressam e atuam com os problemas relacionados à saúde/doença dessa
comunidade.
Os ACS tem como responsabilidade definir o território de sua atuação através
desses pressupostos, delimitando claramente onde serão feitas as aplicações de
suas ações. Este trabalho é realizado junto com a comunidade local: “um território
bem definido e bem mapeado instrumentaliza para a organização das ações de
36
saúde e se estabelece como a base de informações sobre o perfil do território”
(OHARA; SAITO, 2010, p. 49).
As características do território devem ser de conhecimento e domínio de toda
equipe, valorizando assim toda importância da cultura agregada e das relações
semióticas aí transcorridas. Dentro deste território o ACS avalia, então, as atividades
econômicas, a distância do centro da cidade, a divisa com outros municípios e
bairros, a quantidade de habitantes e ciclos de vida, a localização da unidade de
saúde, a história e cultura da fundação do bairro, a origem do nome, a procedência
dos habitantes e todo o processo de desenvolvimento do território, os recursos
materiais e humanos, os costumes socioculturais, o analfabetismo, as crenças
populares, os tabus religiosos e morais, as práticas de medicalização, o clientelismo
politico, a exclusão social e nível socioeconômico, a presença de escolas, creches,
farmácias, área de lazer, posto policial, farmácia, unidades de atendimentos,
hospitais, instituições públicas e privadas, transporte e meios de comunicação.
O mapeamento do território deve ser realizado para subsidiar o trabalho da
equipe e principalmente do ACS, o mapa possibilita a visualização e ajuda a explicar
e entender o território e a área de abrangência no qual o ACS vai atuar. Ele deve
construir o mapa de sala da área de atuação, destacar além de suas casas, igrejas,
creches, escolas, fábricas, as microáreas de risco, e os pontos que são
considerados de risco (lixão, áreas de enchentes, esgotos a céu aberto, insetos e
animais...). Para a realização deste mapa o ACS não precisa ter habilidades
especiais, pois um desenho simples pode ser realizado com a ajuda de toda a
equipe, utilizando símbolos para facilitar as áreas de risco; o importante é que o
mapa deve representar a realidade local. (BRASIL, 2009).
O mapa ajuda o ACS a planejar suas visitas domiciliárias, auxilia a circular
melhor na área e separar as informações de mais utilidade. No mapa podem ser
identificadas as pessoas com doenças infecto-contagiosas e as áreas que
necessitam de modificação e intervenção da equipe para assegurar a saúde para a
comunidade.
A construção do mapa representa a realização do diagnóstico da
comunidade, avalia a comunidade como um todo, o perfil socioeconômico, as
condições de moradia, hábitos, costumes, estilos de vida, atividades econômicas,
renda, escolaridade, crenças religiosas, meios de comunicação, transporte, lazer,
participação em grupos sociais e saneamento básico.
37
Segundo Ohara e Saito (2010) o processo para a apropriação do território não
deve ser baseado em procedimentos rígidos; seu objetivo deve ser a apropriação do
território pelos distintos atores sociais, podendo o objeto escolhido variar da
dependência de cada realidade local. Nesse sentido, a definição de um território
deve ter por bases e objetivos a construção de espaços de cidadania e de
construção coletiva, no qual os diferentes sujeitos possam interagir para modificar
uma realidade local, por meio do desenvolvimento de capacidade que visa a justiça
ao direito a saúde. Dependendo tanto de destacar a objetividade dos recursos
materiais do bairro como de registrar os aspectos interpretativos das problemáticas
que cercam essa comunidade, o mapa territorial da ação dos ACS se constitui num
importante elemento de síntese semiótica da territorialização.
A experiência vivenciada no processo de territorialização possibilita uma
aprendizagem significativa, na medida em que propicia a integração entre a prática e
a teoria, sensibilizando os ACS e a equipe de saúde para as demandas da
necessidade local, estabelecendo uma rede social solidária, que resulta na
promoção da educação e na melhoria da qualidade de vida da comunidade.
Segundo Freire (2002, p.69): “A raiz mais profunda da politicidade da
educação se acha na educabilidade mesma do ser humano, que se funda na sua
natureza inacabada e da qual se tornou consciente”.
Após demarcar adequadamente a área de trabalho os ACS, por meio da ficha
A (vide anexo), realizam o cadastro das famílias, bem como coletam uma série de
informações, que torna possível a identificação da realidade na qual as famílias se
encontram (doenças crônicas, hipertensão arterial sistêmica (HAS), Diabete (DM),
criança com menos de um ano de vida, gravidez, saneamento, escolaridade,
moradia, nível socioeconômico). Todo o reconhecimento das fichas cadastrais
possibilita e auxilia o diagnóstico demográfico e socioeconômico, além de
reconhecer as microáreas de risco, apontando as urgências, definindo as tarefas a
serem abordadas. Os cadastros devem ser mantidos atualizados para se obter uma
prática contínua e responsável.
38
1.6. O Agente Comunitário de Saúde e a Família na esfera da
Antropologia e da Educação Sociocomunitaria
Apesar de o termo família ser comum, definir família não é fácil, assim como
também entender sua representação na sociedade. Podemos ver que durante toda
história do mundo e nos dias atuais a sua definição ainda gera muita controvérsia. O
objeto família passa a ser reflexivo e pesquisado, uma vez que nos mostra a cultura,
herança, patrimônio, tradição, os poderes econômicos financeiros e familiares
envolvidos, definindo toda a vida do Homem. Por meio do estudo da família os ACS
e os profissionais de saúde definem traços importantes a serem elaborados para a
melhoria da qualidade de vida. As famílias podem ser classificadas de acordo com
sua organização, estrutura de seus membros familiares, variáveis de tempo e de
espaço. Assim podemos ter, de acordo com Ariès (1981):
Família elementar ou nuclear: é uma unidade formada por homem, por sua
esposa e seus filhos, que vivem juntos em uma união reconhecida pelos membros
de uma sociedade.
Família extensa: é uma unidade formada de duas ou mais famílias
nucleares, ligadas por laços consanguíneos, por um dos lados (esposa ou conjugue)
ou ambos, e ainda duas ou mais gerações. Neste tipo de família, além do grau de
parentesco dos laços consanguíneos, existem deveres e direitos mútuos
reconhecidos, que fortalecem a união. A família extensa pode ser formada por avós,
tios, sobrinhos.
Família composta: também conhecida como família complexa ou conjunta,
formada por três ou mais conjugues e seus filhos. A família complexa é formada por
um núcleo de famílias separadas, mas ligadas pela relação com um pai comum.
Família conjugada fraterna: é uma família formada de dois ou mais irmãos,
suas respectivas esposas e filhos.
Família fantasma: é formada por uma mulher casada e seus filhos e o
fantasma, neste tipo de família o pai não desempenha a função de pai, mas apenas
de genitor sendo a função do pai desenvolvida pelo irmão mais velho ou pela
mulher.
39
A família é o foco principal na atenção a saúde dos ACS e está sempre em
mudança, é complexa e assegura a continuidade da existência humana. Apesar de
passar por várias mudanças durante os séculos, as relações familiares guardam
significados emocionais para quase todos os membros e através desses laços é
possível observar os valores dessas pessoas, seu método de vida, suas
características socioculturais. A família cria direitos, deveres, mitos, tabus, culturas,
inerentes aos seus status e categoria de pai, filho e avô. Assim, muitas vezes são
punidos ou gratificados por cumprirem com suas obrigações, com a família ou
grupos particulares vinculados; dessa forma, se afirmam com a continuidade
biológica pela qual está inserida dentro dos padrões culturais transmitidos.
A importância da antropologia para a compreensão do papel da
família e suas maneiras como se cristaliza e simboliza suas maneiras
de existência dentro da sociedade vivenciando seus potenciais e
limites, faz a construção dos valores culturais, com seus valores
atitudes, e hábitos intocados. (MINAYO, 1991, p. 234).
Os ACS, devidamente instrumentalizados pelo saber formal, desenvolvido
através de conhecimentos técnicos e teóricos junto à equipe de saúde passam a
incorporar e disseminar as atividades do sistema; adentram as casas da
comunidade, que abre suas portas, sua intimidade, seus costumes, seus modos de
cuidar, suas dores, suas alegrias, e crenças realizando um elo com o sistema de
saúde, construindo relações, interações e referenciais.
‘Não são os signos do zodíaco, mas signo, linguagem. A Semiótica é
a ciência geral de todas as linguagens’. Mas, assim, ao invés de
melhorar, as coisas só pioram, pois que, então, o interlocutor, desta
vez com olhar de cumplicidade − segredo desvendado − replica: ‘Ah!
Agora compreendi. Não se estuda só o português, mas todas as
línguas’. Nesse momento, nós nos damos conta desse primordial,
enorme equívoco que, de saída, já ronda a Semiótica: a confusão
entre língua e linguagem. E para deslindá-la, sabemos que temos de
começar as coisas de seus começos, agarrá-las pela raiz, caso
contrário, tornamo-nos presas de uma rede em cuja tessitura não nos
enredamos e, por não nos termos enredado, não saberemos lê-la,
traduzi-la. (SANTAELLA, 2003, p. 2).
Esta modalidade complexa e desafiadora do programa de saúde da família e
do papel a ser desempenhado pelo ACS deve ser implementada como um novo
olhar do Tao, voltado ao conhecimento teórico e prático, baseado na semiologia,
ciência, saúde/doença, corpo e terapêutica, devendo incluir um universo amplo de
40
reconhecimento familiar, social, cultural crenças, das representações dos mitos,
orientando novos modos de ação, possibilitando novos olhares sobre o indivíduo e
sobre a família, seu contexto de vida, seu papel para o individuo, sua fragilidade, sua
força, reconhecendo a família e respeitando sua autonomia na resolução dos seus
problemas.
Concordo com Santaella (2001), quando além da língua materna que
falamos e escrevemos, utilizamo-nos de vários elementos comunicacionais para
passarmos mensagens: criamos, produzimos, transformamos e consumimos formas,
volumes, massas, interação de forças, movimentos, cores, sons, instrumentos
musicais, dança, gesto, cheiro, tato, olhar, sentir, apalpar: tudo é ser da linguagem e
objeto de estudo da semiótica.
Para se trabalhar com as famílias é necessário que o ACS conheça o seu
universo, seus significados, seus valores e saberes socioculturais, reconhecendo-a
como uma unidade de saúde, o sujeito do cuidado.
A medida que a conversa coletiva progride, a elocução regulariza-se,
as expressões ganham em precisão, as atitudes ordenam-se, os
valores tomam seus lugares, a sociedade começa a ser habitada por
novas frases e visões... As representações fazem com que o mundo
seja oque pensamos que ele é ou deve ser mostram-nos que a todo
instante, alguma coisa ausente se lhe adiciona e alguma coisa
presente se modifique. (MOSCOVICI, 1978, p. 68 apud DURAN,
2012, p.234).
1.7. O Agente Comunitário de Saúde: reforçando laços através das
Visitas Domiciliares
Conforme definido pelo Ministério da Saúde a visita domiciliar é a atividade
mais importante do processo de trabalho do agente comunitário de saúde.
O propósito ao entrar na casa de uma família está em reconhecer não
somente um espaço físico, mas tudo o que esse espaço representa. Nessa casa
vive uma família, com seus ideais de sobrevivência, suas crenças, sua cultura e sua
própria história. A sensibilidade/capacidade de compreender o momento certo e a
maneira adequada de se aproximar e estabelecer uma relação de confiança é uma
das habilidades mais importantes do ACS. Isso lhe ajudará a construir o vínculo
41
necessário ao desenvolvimento das ações de promoção, prevenção, controle, cura e
recuperação, da população, pela qual ele é corresponsável.
O Ministério da Saúde (BRASIL, 2009) recomenda que o ACS estabeleça
um bom vínculo com a família, mas que saiba dissociar a sua relação pessoal do
seu papel como agente comunitário de saúde, pois cada família tem uma dinâmica
de vida própria e, com as modificações na estrutura familiar, que vêm ocorrendo nos
últimos tempos, fica cada vez mais difícil classificá-la num modelo único. Essas
particularidades ou características próprias fazem com que determinada conduta ou
ação por parte dos agentes e equipe de saúde tenha efeitos diferentes ou atinjam
resultados de modo distinto, com maior ou menor intensidade, as diversas famílias
assistidas.
Portanto, reforço novamente aqui, que na sua função de orientar, monitorar,
esclarecer e ouvir, o ACS passa a exercer também o papel de educador. E é
fundamental que essa essência de suas funções seja compreendida pelo ACS,
dadas às implicações que isso representa. Para tanto, é necessário que o ACS
aprenda a “ler” o contexto familiar e aquele de sua própria atuação, com
sensibilidade e abertura de compreensão e de perspectivas de ação. Busco,
portanto, correlacionar seu trabalho frente à compreensão das semioses.
Mulheres e homens, somos os únicos seres social e historicamente,
nos tornamos capazes de aprender. Por isso, somos os únicos em
que aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito
mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nos
é construir, reconstruir, constatar para mudar, o oque não se faz sem
abertura ao risco e à aventura do espirito. (FREIRE, 2001, p. 41).
A semiótica foi definida por Pierce como ‘a doutrina da natureza
essencial e fundamental de todas as variedades de possíveis
semioses’, isso é, de qualquer forma concebível de semiose, de suas
condições de possibilidades e de suas possíveis variação. Seu objeto
de investigação é, portanto, de grande generalidade. Em outras
palavras a semiótica descreve e analisa a estrutura de processos
semióticos sem se importar na base de que suporte material tais
processos podem acontecer, ou em que escala podem ser
observados, no interior de células (citosemiose), entre plantas
(fitosemiose), no mundo físico (fisiosemiose), em comunicação
animal (zoosemiose), ou em atividades consideradas como
tipicamente humanas (produção de notações, metarepresentações,
modelos, etc.). É desse tipo de investigação que resulta a natureza
‘quase-necessária’ dessa ciência que, como a matemática, é
concebida por Pierce como ciência formal. (SANTAELLA, 2001, p.
54).
42
Afirmo aqui que para a visita domiciliar ser bem feita, além dos
conhecimentos prévios do ACS, esta deve ser planejada e ter seu roteiro definido,
sabendo-se que o profissional vai naquele dia estabelecer a rota e informar ao
restante da equipe (médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem, técnico de
enfermagem) o motivo e a importância da visita. Deve-se também respeitar a relação
com o tempo das pessoas visitadas, sua realidade naquele momento, garantir
respeito, atenção e dedicação, chamar as pessoas sempre pelo nome, demonstrar
interesse, nunca fazer pré-julgamentos quanto à cultura, crenças religiosas, situação
socioeconômica, etnia, orientação sexual, deficiências e hábitos. Igualmente, adotar
uma postura de escuta, tolerância aos princípios e às distintas crenças e valores que
não sejam os seus próprios, além de atitudes imparciais.
Após a realização da visita deve-se verificar se o objetivo foi alcançado e se
foram dadas e coletadas às informações necessárias, devendo-se avaliar e corrigir
possíveis falhas. Este é um passo importante que possibilitará o planejamento das
próximas visitas. Da mesma forma, deve-se partilhar com o restante da equipe essa
avaliação, expondo as eventuais dúvidas, os anseios, as dificuldades sentidas e os
êxitos,
conforme
planejamento
da
equipe,
pautado
na
identificação
das
necessidades de cada família. Pode ser que na visita seja identificada uma situação
de risco e isso demandará a realização de outras visitas, com maior frequência.
Conforme o Ministério da Saúde (BRASIL, 2009), por meio da visita é
possível:

Identificar os moradores, por faixa etária, sexo e raça, ressaltando
situações como gravidez, desnutrição, pessoas com deficiência etc.

Conhecer as condições de moradia e de seu entorno, de trabalho, os
hábitos, as crenças e os costumes.

Conhecer os principais problemas de saúde dos moradores da
comunidade.

Perceber quais as orientações que as pessoas mais precisam ter para
cuidar melhor da sua saúde e melhorar sua qualidade de vida.

Ajudar as pessoas a refletir sobre os hábitos prejudiciais à saúde.
43

Identificar as famílias que necessitam de acompanhamento mais
frequente ou especial.

Divulgar e explicar o funcionamento do serviço de saúde e quais as
atividades disponíveis.

Desenvolver ações que busquem a integração entre a equipe de saúde
e a população do território de abrangência da unidade de saúde.

Ensinar medidas de prevenção de doenças e promoção à saúde, como
os cuidados de higiene com o corpo, no preparo dos alimentos, com a água de
beber e com a casa, incluindo o seu entorno.

Orientar a população quanto ao uso correto dos medicamentos e a
verificação da validade deles.

Alertar quanto aos cuidados especiais com puérperas, recém-nascidos,
idosos, acamados e pessoas portadoras de deficiências.

Registrar adequadamente as atividades realizadas, assim como outros
dados relevantes, para os sistemas nacionais de informação disponíveis para o
âmbito da Atenção Primária à Saúde. (BRASIL, 2009).
Evidencio que as ações educativas fazem parte do dia a dia do ACS e têm
como objetivo final contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população. O
desenvolvimento de ações educativas em saúde começa pelas visitas domiciliares e
pode abranger inúmeros temas e diversas atividades. Estão entre os exercícios
diários que o ACS tem que realizar: o diálogo e o saber ouvir. Concordo com o
educador Paulo Freire (1996, p. 50) quando afirma que “ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua
construção”.
Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural,
uma das tarefas mais importantes da pratica educativa é propiciar
condições em que os educandos em relação uns com os outros e
todos com o professor, ensaiam a experiência profunda de assumirse. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante,
comunicante, transformados, criador, realizador de sonhos, capaz de
ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque
capaz de se reconhecer como objeto. (FREIRE, 2002, p 23).
44
A questão da identidade cultural, de que fazem parte a dimensão
individual e a de classe de educandos cujo respeito é absolutamente
fundamental na prática educativa, a experiência histórica, politica,
cultural e social dos homens e das mulheres jamais podem dar
conflito entre as forças que obstaculizam. (FREIRE, 2002, p.24).
Enfoco aqui que o processo educativo é, portanto, um dos elementos
fundamentais para se garantir a qualidade da atenção prestada na saúde. Como
entendido, educar é um processo de construção permanente, mas precisa ser
abordado de maneira adequada. Na formação do ACS esse processo inicia-se
primeiramente em como realizar esta abordagem diferenciada da população:
conhecer suas culturas, representações e meios de comunicação.
É uma questão delicada, pois, ao mesmo tempo em que é preciso inculcar
uma mentalidade técnico-científica no ACS, também se deve ter o cuidado de que,
ao apropriar-se dessa mentalidade, o ACS não se distancie dos valores culturais de
sua cultura/comunidade. Uma abordagem para que esta educação seja focada de
maneira correta, não confundindo e/ou persuadindo o ACS a perder sua identidade,
sua representação de quem é, e se distanciar da comunidade na qual está inserido,
é valorizar os níveis culturais da comunidade, promover ações educativas individuais
e em grupos, dento da unidade de saúde ou outros espaços sociais dentro da
comunidade. Como afirma Freire: “Atividades educativas são momentos de encontro
e nesses encontros não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens
que, em comunhão, buscam saber mais.” (FREIRE et al., 1995, p. 165).
Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se
educam entre si, mediatizados pelo mundo. (FREIRE, 2005, p.39)
Desta maneira o educador já não é apenas o que educa, mas o que,
enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser
educado, também educa. Ambos assim, se tornam sujeitos do
processo em que crescem juntos e em que os ‘argumentos da
autoridade’ já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente,
autoridade, se necessita de ‘estar sendo com’ as liberdades e não
‘contra elas’. (FREIRE, 2005, p.68).
Descrevo aqui outro ponto importante para a realização da educação do
ACS, que é a linguagem, que deve ser sempre acessível, simples e precisa. O ACS
deve considerar o conhecimento e experiência dos participantes/usuários permitindo
a troca de ideias, valorizar suas representações socioculturais, estimular a
participação da pessoa e contribuir para que esses se sintam importantes. Do
45
mesmo modo, tem o papel de estimular o autoconhecimento e o autocuidado,
fortalecer a autoestima, a autonomia e também os vínculos de solidariedade
comunitária.
1.8. A Importância da Participação da Comunidade para o Tao da
Saúde e da Educação Sociocomunitaria
Defino aqui que participação significa tomar parte, partilhar, trocar, ter
influência nas decisões e ações, mostrando que a comunidade tem o dever e a
obrigação de partilhar os seus interesses da saúde e da educação, envolvendo-se,
uma vez que, nenhum caminho se constrói sozinho, assim como a equipe de saúde
não é a única responsável pelas ações de saúde. A presença e participação da
comunidade são primordiais para o desenvolvimento das ações de saúde e
educação.
Toda a prática educativa demanda a existência de sujeitos, um que
ensinando, aprende, outro que, aprendendo, ensina, daí o seu cunho
gnosiológico; a existência de objetos, conteúdos a serem ensinados
e aprendidos; envolve o uso de métodos, de técnicas, de materiais;
implica em função de seu caráter diretivo, objetivos, sonhos, utopias,
ideais. (FREIRE, 2001, p. 41).
Destaco a importância de cada pessoa da comunidade saber fazer alguma
coisa e saber dizer alguma coisa diferente, pois, cada qual tem um conhecimento
primário, através de suas representações sociais, que devem ser identificadas e
trabalhadas. A partir daí interpretam-se esses saberes, fazeres e dizeres da
comunidade, representativos da família, amigos e grupos sociais, materializados na
troca de conhecimentos. Portanto, quando a comunidade participa, mostra e troca
informações e diferentes conhecimentos, entre todos, cada membro pode aprender
e contribuir do seu jeito e toda contribuição deve ser considerada e valorizada.
A semiótica contribui neste papel de ajuda para decifrar o que a comunidade
está tentando transmitir, pois é considerada como um conjunto de meios que tornam
possível o conhecimento de uma grandeza manifesta qualquer, que se propõe
conhecer, “tal qual aparece durante e depois de sua descrição” (GREIMAS;
COURTÉS, 1989, p. 87).
46
Concordo com Santos (2011) quando afirma que a participação social na
saúde tem que começar dentro da nossa Constituição, fazer com que as leis e seus
valores sejam colocados em prática, através do incentivo, garantindo à população
duas formas de participação: a) a cada quatro anos avaliar a saúde e propor
diretrizes em âmbito local, estadual e nacional, mediante conferências de saúde,
encampadas pelos entes municipais, estaduais e federal; b) atuar nas estratégias e
definição das políticas de saúde, bem como no acompanhamento de sua execução,
mediante participação nos conselhos de saúde.
A participação do cidadão é um dever e um direito, cabendo-lhe
intervir nas decisões do Governo que vão afetar a sua vida pessoal e
coletiva, sendo um espaço de fomento a autorresponsabilidade
social, de cuidado com a saúde do outro e a própria, de solidariedade
cidadã e de garantia de que programas e projetos públicos serão
apropriados ao atendimento das necessidades sanitárias da
comunidade. (SANTOS, 2011, p. 2).
Tanto quanto a importância da semiose a ser aprofundada no trabalho,
valorizamos as
representações sociais, que tanto caracterizam nossas ações,
concepções e relacionamentos interpessoais. Analisar as representações sociais
nas funções desenvolvidas pelo ACS é, no entender dessa investigação, essencial
para melhor compreender o modo como esse profissional se coloca em suas ações
cotidianas, bem como meio para traçar possibilidades de aprimorar essas ações e a
qualificação profissional do ACS.
1.9.
As
Representações
Sociocomunitaria
Sociais
frente
à
Educação
Para Moscovici (1978), a teoria das representações sociais se apresenta
como rede de ideias, metáforas e imagens, o que lhe confere um caráter dinâmico.
As representações mentais dos fenômenos e fatos existem na sociedade, na medida
em que são necessárias para a compreensão e comunicação de ideias, sentimentos
e significações, circulam e tomam diferentes formas na memória, na percepção dos
indivíduos, ficando depois “cristalizadas” e reconhecidas como autênticas.
47
As representações sociais são entidades quase tangíveis. Elas
circulam e se cristalizam incessantemente através de uma fala, um
gesto, um encontro, em nosso universo cotidiano. (MOSCOVICI,
1978, p. 38 apud DURAN, 2012, p.240).
Minayo entende as representações sociais como um termo filosófico, que
significa a reprodução de percepção anterior do conteúdo do pensamento, como
categorias de pensamento, de ação e de sentimentos, e que constituem a realidade.
(ALVES; MINAYO, 1994).
Nos próximos capítulos relata-se o trabalho investigativo de observação
participante junto à atuação de campo dos ACS da ESF/UBS do Jardim Brasil, na
cidade de Americana-SP, e as práticas de formações profissionais desenvolvidas
junto a esses, dentro das proposições anteriormente expostas. Intenciona-se
compreender o que é a saúde dentro de uma comunidade, primeiramente
entendendo que a saúde é um estado vital, que exige ações de promoção, proteção
recuperação e reabilitação, como objetivo da equipe ESF nesse contexto. Conhecer
as representações sociais dos envolvidos é essencial para se efetivar a
compreensão das práticas de saúde na comunidade, por permitir analisar a fundo os
fenômenos do cotidiano dos grupos sociais, suas raízes, seus conceitos, sua cultura,
seus métodos de comunicação, suas práticas sociais, atitudes e seus julgamentos,
que são individuais e coletivos, obtendo um olhar sobre a manifestação da realidade
dessa estrutura social, seus sentidos, na busca da promoção da saúde e
contribuição para a promoção e melhoria da qualidade de vida.
Assim, os ACS e toda a equipe de saúde buscam, através do conhecimento
das representações sociais, formar um conjunto de explicações referentes às
crenças e ideias em relação à vida, presentes naquela comunidade, ao mesmo
tempo conscientizando-se das suas próprias, permitindo avaliar com delicadeza o
conhecimento, o que é essencial para intervir num determinado acontecimento,
resultando também numa melhor interação social.
Concordo com Moscovici (1978) quando compreende que os traços, tanto
sociais como intelectuais de representações formadas em sociedade, onde a
ciência, a técnica e a filosofia estão presentes sofram a influência e se constituam
em seu prolongamento, e em oposição a elas; dentre os traços encontramos a
identificação dos mitos, as metáforas, as aproximações falaciosas e a forma de
compreender a realidade.
48
O objetivo das representações sociais é conscientizar da importância da
equipe de saúde em respeitar esses fenômenos, próprios aos seres humanos, sua
simbologia, suas trocas simbólicas, desenvolvidas dentro da ambiente social. Isso
manifestado nas relações interpessoais, na influência do conhecimento passado de
geração a geração, na construção e compartilhamento da cultura, a partir de uma
perspectiva coletiva, sem perder de vista a individualidade, contribuindo para a
mudança da qualidade de vida da comunidade.
Desta maneira, ao atuar junto a esses fenômenos de conhecimento das
representações sociais, se cria um elo de humanização; torna-se familiar algo não
familiar, possibilitando a compreensão e a emersão de novas ideias, valores e
teorias.
Toda representação social é sempre a representação de um objeto por um
sujeito, não existe, portanto, representação sem objeto. Desta forma, uma
representação social não pode ser compreendida enquanto processo individual, já
que é produzida num intercâmbio das relações e comunicações sociais. A
representação social descreve as interconexões entre o sujeito e o sistema; o sujeito
e o objeto. Um não existe sem o outro, porém, cada um possui suas próprias
especificidades (MOSCOVICI, 1978).
Concordo com Moscovici (1978) quando afirma que as representações
sociais podem ser entendidas através de processos de objetivação e ancoragem. A
ancoragem se refere a denominar e classificar fenômenos desconhecidos,
compreender fenômenos novos a partir do conhecimento preexistente, atribuindo
significados ao objeto. Esse processo se revela quando o ACS realiza a visita
domiciliar na comunidade da periferia, verificando a incorporação social do saber
das práticas médicas (científicas) indicadas pela equipe de saúde e sua apropriação
pelo saber senso comum da população. Já a objetivação se mostra com a
constituição formal deste conhecimento: o ACS, por exemplo, transforma, durante
seu processo de formação profissional, o seu conhecimento senso comum sobre a
saúde num saber científico, que é representado socialmente, descobrindo e
reconhecendo a importância e os significados que essa nova “roupagem” do saber
apresenta para a comunidade. Sendo assim, através da visita domiciliar, conseguese a incorporação do estranho ou do novo, a interpretação da realidade enfrentada e
a realização de orientações mais efetivas.
49
Permitindo uma integração mais verdadeira com a realidade social,
possibilita um novo sentido de entender o mundo da população da periferia; no caso
desta pesquisa, seus significados, símbolos e culturas existentes, facilitando a
comunicação entre os dois mundos, aquele científico e aquele dos saberes
populares, à promoção do entendimento do conhecimento científico necessário para
a mudança da qualidade de vida.
Deste modo, qualquer coisa que esteja presente na mente tem a
natureza de um signo. Signo é aquilo que dá corpo ao pensamento,
às emoções, reações etc. Por isso mesmo, pensamentos, emoções e
reações podem ser externizados. [...] Os efeitos interpretativos que
os signos provocam em um receptor também não precisam ter
necessariamente a natureza de um pensamento bem-formulado e
comunicável, mas podem ser uma simples reação física (receber um
carta e jogá-la fora) ou podem ainda ser um mero sentimento ou
compositório vago de sentimentos (SANTAELLA, 2002, p.11).
A teoria das representações sociais nos permite analisar as questões
sígnicas que nos envolvem, englobando os fenômenos do dia a dia e do cotidiano
dos grupos sociais, tendo suas raízes nas condutas elaboradas pelo senso comum,
nas interações contínuas das vivências, bem como na objetivação idealizada de
cada grupo social. As representações sociais estão presentes na cultura, na
comunicação, nas opiniões expressas, nas atitudes tomadas, mostrando a realidade
social, fundamentando as perspectivas de vida do individuo e do grupo.
Os pontos de vista dos indivíduos e grupo são encarados, em
seguida, tanto pelo seu caráter de comunicação quanto pelo seu
caráter de expressão. Com efeito, as imagens, as opiniões, são
comumente apresentadas, estudadas, e pensadas tão-somente na
medida em que traduzem a posição e a escala de valores de um
indivíduo ou de uma coletividade. Com efeito, trata-se apenas de
uma fatia retirada a substancia simbólica longamente elaborada
pelos indivíduos e coletividades que, ao modificarem seu modo de
ver, tendem a influenciar-se e a modelar-se reciprocamente. Os
preconceitos raciais e sociais, por exemplo, jamais estão
manifestamente isolados; eles assentam num fundo de sistemas, de
raciocínio de linguagem, no tocante a natureza biológica e social do
homem, suas relações com o mundo. (MOSCOVICI, 1978, p. 49).
Para a busca da transformação da saúde dentro da comunidade o ACS tem
um papel fundamental na interpretação destas representações, pois, fazendo parte
desta comunidade consegue estabelecer e juntar fatos para ter um parecer social
estabelecido, com conceitos formados, favorecendo a mudança, afastando-se das
50
representações alienadas, das meias verdades do “eu finjo que fiz e você finge que
faz”. É através destes elementos simbólicos que os seres humanos se expressam,
mediante o uso de palavras e gestos, que se tornam indispensáveis para o
profissional da saúde compreender a comunidade; é indispensável conhecer as
condições de contexto em que os indivíduos estão inseridos, os vínculos dos
diferentes grupos socioeconômicos, culturais e étnicos e as representações sociais
aí existentes, se se procura fazer um trabalho efetivo em saúde pública.
“Ensinar não é transferir conhecimento, ensinar é criar possibilidades para
sua própria produção ou construção”. (FREIRE, 2002, p. 38).
O capítulo que segue aborda o Tao do meio entre saúde e doença.
51
CAPITULO II − O TAO DO MEIO: SAÚDE, PARADIGMA INDICIÁRIO
E DOENÇA FRENTE À EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITARIA
O Caminho da Vida
O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos.
A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do
ódios... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e morticínios.
Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A
máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria.
Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e
cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco.
Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência,
precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo
será perdido.
O Último Discurso
Filme: O Grande Ditador
Charles Chaplin
52
2.1. Meu Caminho Traçado...
Não é o caminho que importa, e sim o movimento.
Luis Fuganti (Reflexões)
Como descrito no memorial, em Apêndice nesta dissertação, minha vida
sempre foi um caminho constante de conhecimento e experiências... numa estrada
entre a saúde e a inovação da educação, formam-se inúmeros encontros e
descobertas fascinantes que me levaram a uma nova visão da saúde voltada para a
educação.
Ao escrever meu Projeto de Mestrado escolhi como local de estudo a
cidade de Americana, onde me enraizei e na qual ocupo a posição circunstancial de
gerente, numa unidade de saúde onde foi realizado todo o trabalho e também como
educadora em uma Universidade, desde 2007.
Meu desafio em demostrar a importância da semiótica e as diversas formas
de aprendizado na saúde foram além do esperado, me permitindo um olhar
diferenciado sobre o objeto da educação sociocomunitária; um desafio que não foi
fácil, pois vivenciava uma experiência tradicional de certo e errado dentro da minha
formação tradicional como enfermeira, porém, após integrar no mestrado, me permiti
um olhar ampliado. Meu caminho foi cheio de conhecimentos novos e aprendi a
decifrá-los a cada dia que prosseguia a pesquisa, reconhecendo o valor da
interpretação e seus significados.
Dentro dos princípios éticos e políticos, os quais defendo e que orientaram
este trabalho, busco explicitar as opções teóricas, metodológicas para continuar a
produzir um caminho a ser percorrido.
Se vivo torto nessa tortura que vivo, é para sentir a falta de mim
mesmo, quando sinto que não me tenho por certo, abro a janela do
choro para o vento entrar, assim não me sinto só, e deixo o vento me
acompanhar. Se aprendo novas palavras sem sentido, reparto com
os outros o que não sei dizer, bem no fundo sinto arrepios
destorcidos, e tenho mais vontade de viver, abro minha alma para
melhor se arrepiar, assim me sinto bem e sem medo deixo meu
sangue esquentar. Se encontro obstáculos pelo caminho que sigo,
não ligo para eles e continuo a caminhar, encontro forças e somente
sigo, encaro tudo sem ao menos pestanejar, e sem medo dos
53
problemas sigo em frente, na chuva, no sol ou na tempestade, a
questão é bem simples, o que não posso é desistir, então sigo minha
vida, enfrento meu caminho sem medo de cair. (COSTA, 2010)
Neste capítulo, dada à importância que a “leitura” e interpretação dos signos
têm para a compreensão dos sentidos de mundo que estão dispersos num contexto
social; a relevância dessa leitura interpretativa para um profissional que precisa lidar
e
entender
esses
sentidos,
colaborando
para
outros
reentendimentos
e
transformações, como é o caso do Agente Comunitário de Saúde (ACS), trata-se,
então, da questão da semiótica, principalmente embasada nos estudos de Santaella.
2.2. Significado e Definição de Semiótica
Conforme Nöth (1995, p. 15), a Semiótica é uma ciência ainda recente,
embora o projeto de construir uma "ciência dos signos" existisse há muito, podendose afirmar que o aparecimento efetivo dessa ciência se verifica apenas nos meados
do século XX.
A semiótica enquanto campo de conhecimento surge, sugestiva e
simultaneamente, em três contextos diferentes: Rússia, Suíça e
Estados Unidos, entre a segunda metade do século XIX e início do
século XX. Não há apenas uma escola semiótica, há pelo menos
três: a semiótica do norte americano Charles Sanders Peirce, a do
suíço Ferdinand Saussure (mais tarde relido por Hjelmslev e por
Derrida) e a dos teóricos russos, que inspirarão do cineasta
Eisenstein a Vigotski e Bakhtin, este, explorando os signos em sua
relação com a vida social. Tal sincronicidade no surgimento da
semiótica mostra que esse saber estava pronto historicamente para
nascer, não é fruto de uma genialidade isolada (NÖTH, 1995, 121).
Conforme Santaella (2003, p. 3), a semiótica é a mais jovem ciência a
despontar no horizonte das chamadas ciências humanas, surgindo na realidade de
três origens, lançadas quase que simultaneamente no tempo, mas distintas nos
espaço e na paternidade: uma ocorreu nos Estados Unidos, outra na antiga União
Soviética e a terceira na Europa Ocidental.
A importância da Semiologia dentro desta pesquisa é a de entender a
relação do ACS frente à comunidade, sua participação na compreensão e
54
interpretação da linguagem e na compreensão de sentidos em relação aos
fenômenos saúde/doença.
Por meio desta ligação com a semiótica, este trabalho de pesquisa em
educação sociocomunitaria, busca a interpretação da linguagem como um meio de
ajudar na inserção dialógica da população no mundo das práticas de saúde, para
que sendo vistos como seres de valor, os sujeitos, em especial aqueles das
periferias, possam contribuir para a melhoria da sua qualidade de vida, espiritual,
social e física, investindo em suas comunidades, principalmente aquelas
marginalizadas. Isso requer a valorização da cultura da comunidade, favorecendo
suas linguagens e produção de sentidos.
Para Santaella (2002, p. 89) assim se apresenta a classificação da
semiótica:
- Sinais: qualquer estimulo emitido pelos objetos do mundo.
- Signos ou Linguagens: são produtos da consciência; é a representação de
algo, é um complexo de relações.
- Intérprete: aquele que faz a representação do signo em sua mente.
- Interpretante: é o processo racional criado na mente do intérprete
Neste sentido, considera-se linguagem, desde as linguagens binárias do
computador até a linguagem das flores, do vento, dos ruídos, dos sinais de energia
vital emitidos pelo corpo, o sonho, o silêncio...
A Semiótica investiga todas as linguagens possíveis, examina a constituição
de todo e qualquer fenômeno como fenômeno de produção, de significação e
sentido. Sendo assim, sem informação não há mensagem. A Semiótica tem por
função classificar e descrever todos os tipos de signos logicamente possíveis. São
três os métodos de estudo:
- Contemplar: abrir janelas do espirito e ver o que está diante dos olhos.
- Distinguir: discriminar diferenças no que se observa.
- Generalizar: encaixar o que se observa em classes ou categorias,
qualidade, relação, representação.
55
Conforme Santaella (2003, p. 7), a palavra semiótica vem do grego
semiotiké e é traduzida como doutrina geral dos signos. De forma geral, a semiótica
trata de tudo aquilo que representa, significa alguma coisa:
A Semiologia aparece definida por Saussure, no Curso de Linguística
Geral (editado pela primeira vez em 1915), da seguinte forma: ‘Pode,
portanto conceber-se uma Ciência que estuda a vida dos signos no
seio da vida social; ela constituiria uma parte da psicologia social e,
por conseguinte, da psicologia geral; nós chamá-la-emos semiologia’
(do grego semeion, signo). Ela ensinar-nos-ia em que consistem os
signos, que leis os regem. (...) A linguística não é senão uma parte
desta ciência geral (SANTAELLA, 2003, p. 45).
Neste estudo se procura valorizar e interpretar o entendimento e o
reconhecimento dos ACS, através da interpretação de gestos, sinais, cultura,
vivências, crenças, hábitos, e linguagens, bem como seus mecanismos para tratar
esse conhecimento. Todos estes estão presentes na produção de saberes em
relação à saúde que o profissional faz, para com a população.
2.2.1. Os Signos frente à Aprendizagem e à Educação Sociocomunitaria
O “paradigma indiciário” foi, na verdade, uma proposta de método
investigativo centrado nos pormenores, nos resíduos, nos rastros mais tímidos,
considerados reveladores das concepções de mundo dos sujeitos. Ginzburg (1989)
via antecedentes desse método em certos críticos de arte. Todos os fenômenos
intelectuais artísticos, por mais diversos que fossem, possuíam em comum a
característica de se aterem a sinais. (GINZBURG, 1989, p. 147).
Dependendo do ângulo que se olha, Ginzburg (1989) afirma que ao se
construir um paradigma indiciário, se enquadram valores da cultura popular, da
tradição, pois se procura por pistas, detalhes e sinais, que representam uma
“verdade” sobre o objeto pesquisado. E, através desses o autor acredita que a
“verdade” sobre determinado objeto ou fenômeno pode ser desvelada, caracterizada
como um ponto de partida, tendo raízes muito antigas, que remontariam à própria
evolução da humanidade.
56
Por milênios o homem foi caçador... Aprendeu a farejar, registrar,
interpretar e classificar pistas infinitesimais como fios de barba.
Aprendeu a fazer operações mentais complexas com rapidez
fulminante, no interior de um denso bosque ou numa clareira cheia
de ciladas. Gerações e gerações de caçadores enriqueceram e
transmitiram esse patrimônio cognoscitivo. (GINZBURG, 1989, p.
146).
Concordo com Ginzburg (1989) quando relata que para se entender com
profundidade os sentidos que fazemos do mundo, partimos dos sinais e através
deles conseguimos nos apropriar do real. Considera-se, portanto, que os sinais são
signos e possuem significados dentro das categorias em que se está trabalhando,
podendo, então, serem vinculados à cultura. O paradigma indiciário se traduz em
"um saber de tipo venatório", caracterizado pela capacidade de, a partir de dados
aparentemente irrelevantes, descrever uma realidade complexa, que não seria
cientificamente experimentável/explicável.
Ginzburg (1989) atribui características e algumas metáforas para explicar o
método:
 O estudo indiciário são os fios que compõem um tapete com uma trama
densa e homogênea. O tapete é o paradigma e o cientista o tecelão.
 Os elementos históricos, contextuais são as pistas que dão ao caçador
instrumentos para chegar ao seu objetivo.
 Não é rigoroso, porque este tipo de rigor não é só inatingível, mas
também indesejável para as formas de saber mais ligado a experiência cotidiana.
 É utilizado em todas as situações em que a unicidade e o caráter
insubstituível dos dados são, aos olhos das pessoas envolvidas, decisivos.
 É flexível e as formas de saber como faro, golpe de vista, intuição revelam
um tipo de conhecimento em que entram em jogo elementos imponderáveis.
O paradigma indiciário, no fundo, parece querer reproduzir o gesto “talvez
mais antigo da história intelectual do gênero humano: o do caçador agachado na
lama, que escruta as pistas da presa”. Se os pré-históricos perseguiam sua comida,
o alimento do historiador moderno seria a verdade ou, ao menos, a “verdade
possível”; aquela demonstrável por sinais. Os sinais admitem a dúvida,
problematizam temas, informam caminhos abandonados: “Se a realidade é opaca,
57
existem zonas privilegiadas, sinais, indícios que permitem decifrá-la” (GINZBURG,
1989, p. 186).
Correlacionando o paradigma indiciário com a questão do papel do ACS
frente à comunidade, tem-se a importância desta atitude investigativa dos sinais
dispersos nas falas, gestos e modos de ser da população, na resolução dos
problemas levantados junto a essa comunidade, interpretando os seus significados,
compreendendo os meios de propiciar informações adequadas para a mudança da
sua qualidade da vida interferindo, de forma menos impositiva possível, na sua
estrutura cultural e social.
As relações entre o ACS e a comunidade representam um momento
importante de traçar diálogos sociáveis e laços, frente às trocas de experiências,
sentimentos e emoções, transmissão de informações e aprendizado mútuo; neste
momento promove-se o fortalecimento da autonomia das pessoas da comunidade,
sua organização e possibilidade de emancipação.
O homem como um ser inconcluso, consciente de sua inconclusão, e
o seu permanente movimento de busca do ser mais. Na verdade
diferente dos outros animais, que são apenas inacabados, mas não
são históricos, os homens se sabem inacabados. Tem a consciência
de sua inclusão. Ai se encontram as raízes da educação mesma,
como manifestação exclusivamente humana, isto é na inconclusão
dos homens e na consciência que dela tem. Dai que seja a educação
um fazer permanente, permanente na razão da inconclusão dos
homens e do devenir da realidade. (FREIRE, 2001, p. 68).
A dialogicidade, essência da educação como prática para a
liberdade. Esta busca nos leva a surpreender, nela, duas dimensões:
ação e reflexão, de tal forma solidária, em uma interação tão radical
que, sacrificada, em parte, uma delas, se ressente, imediatamente, e
a outra. Não há palavra verdadeira que não seja práxis. (FREIRE,
2001, p. 77).
Concordo com Freire (2002), que o diálogo não é possível entre os que
querem a pronúncia do mundo e os que não querem; entre os que negam aos
demais o direito de dizer a palavra e os que se acham negados desse direito. “É
preciso que os que assim se encontram negados no direito primordial de dizer a
palavra reconquistem esse direito, proibindo que esse assalto desumanizante
continue”. (FREIRE, 2002, p.53).
Frente à narração dos acontecimentos no dia a dia, o ACS consegue
identificar as peculiaridades da linguagem falada, os sinais e sentidos presentes
58
nessa, e desenvolvem as capacidades humanas de interpretar saúde/doença, refletir
e discutir sobre os meios de prevenção e recuperação, através do raciocínio lógico,
percepção, intuição e imaginação. Pela visita domiciliar exercita-se a troca dialógica;
compreensão e atenção tornam-se vitais para compreender as interpretações que
emergem dessa troca. A investigação indiciária está presente em todas as
atividades humanas, quer relacionadas à alimentação, proteção, invenção, religião,
guerras, entre outras. (COELHO, 2006, p. 5).
Segundo Hipócrates:
O estudo das doenças devia ser fundamentado no quanto existe de
comum e de individual na natureza humana: na doença, no doente,
na dieta e em quem prescreve...; na constituição geral e específica
dos fenômenos celestiais e de cada região, nos costumes do povo,
no regime, nas profissões, na idade de cada um; na fala, nas
maneiras de ser, no silêncio, no pensamento, no sono e na insônia,
nos sonhos..., nos gestos involuntários...; nos paroxismos, nas fezes,
na urina, nas secreções, no vômito, na ligação entre as doenças...;
nos abscessos..., no suor, nos calafrios, no frio, na tosse, no espirro,
no soluço, na respiração, nos arrotos, na flatulência..., nas
hemorragias, nas hemorroidas. Com base em tudo isso, estenda-se
a investigação até onde se consiga. (HIPÓCRATES apud PORTO,
1997, p. 9).
Para Hipócrates, o sintoma deve sempre ser analisado em relação aos
elementos básicos como o ar, a água e o lugar. Ao ser interpretado pelo médico
como um indício, o sintoma adquire um valor de signo. No modo como a Estratégia
de Saúde da Família (ESF) está organizada, os ACS são os primeiros a realizar a
análise dos indícios, baseada na observação e descrição dos sintomas, no destaque
que darão às falas e produção de sentido dos sujeitos. A procura por sentidos é
constante, por exemplo, nas visitas domiciliares, pois examinam todo contexto
cotidiano familiar, registrando com minúcia todas as características levantadas
durante a visita, diagnosticando/interpretando os problemas através dos sintomas
que lhe são apresentados, numa observação direta e interativa de conhecimento e
semiótica. Observando e avaliando a realidade consegue levantar pistas sobre o
problema, sobre “o visto” e o “não visto”, sobre “o dito” e o “não dito”, encaminhando
suas apreciações para a equipe de saúde.
Concordo com Ginzburg (1989, p. 154-155) quando relata que numa atitude
orientada para análise de casos individuais, reconstruíveis somente através de
pistas, sintomas e indícios, o paradigma dirige as formas do saber na decifração dos
59
signos, do corpo da linguagem e da história dos homens; numa investigação sem
preconceitos. Fato evidenciado pelo papel dos ACS da ESF aqui analisada, pois
sensibilizados para a importância de empregar o paradigma indiciário na sua
atuação estes observam atentamente e registram as histórias dos sujeitos, pois,
respeitam cada vez mais as diversidades das culturas e tentam compreender a
realidade implícita, através do desvelamento dos significados epistemológicos
levantados.
Essa ideia, que constitui o ponto essencial do paradigma indiciário ou
semiótico, penetrou-nos mais variados âmbitos cognoscitivos,
modelando profundamente as ciências humanas. Minúsculas
particularidades paleográficas forma empregadas como pistas que
permitiam reconstruir trocas e transformações culturais (GINZBURG,
1989, p. 177).
Uma das características importantes deste trabalho é a de conscientizar os
ACS de que o entendimento da saúde/doença pode ser interpretado de inúmeras
maneiras, pela codificação de sinais, vozes, gestos, olhares, sutilezas, choros,
alegrias.
Conforme Santaella (2003, p.23), todo aprendizado ocorre por meio de
signos. O processo comunicativo é fundamental à cognição.
A primazia lógica é do signo, mas a primazia real é do objeto. O
objeto é determinante, mas só nos aparece pela mediação do signo.
Somos seres mentais, o signo é um primeiro porque aquilo que
realmente produz vem imediatamente na frente. [...] Porém, aquilo
que está representado no signo não corresponde ao todo do objeto,
mas apenas a uma parte ou aspecto dele. O signo é sempre
incompleto em relação ao objeto (SANTAELLA, 2003, p. 44-45).
Concordo com a autora, pois aprendemos desde cedo, quando nascemos, a
nos comunicar. O primeiro elo é o da comunicação pelo choro que, inicialmente,
comunica os estados fisiológicos, mas que depois, conforme somos inseridos na
cultura, vamos aprendendo os outros significados do choro e passamos a fazer uso
deles, comunicando outros sentidos. Assim, comunicamo-nos por meio da
linguagem corporal, gestos, sinais. Mesmo sem querer, estamos aprendendo todas
as vezes que participamos de uma cadeia significativa. Como seres humanos,
estamos no mundo nos comunicando e aprendendo, e mesmo os nossos receptores
internos, biológicos, produzem diálogo sempre; estamos em processamento
60
constante de signos e das mudanças interpretativas que esses geram em nossa
visão de mundo.
Procuro estabelecer, junto aos ACS, a importância de desvendar/
compreender os fenômenos comunicativos, essenciais à vida humana, através da
observação sígnica dos elementos do entorno e das experiências vividas realizadas
durante o acompanhamento nas visitas domiciliares na comunidade, abordando os
modos de vida, a cultura, as representações sociais da comunidade, em seu
cotidiano.
A proposta de um método interpretativo centrado sobre resíduos,
sobre os dados marginais, considerados reveladores. Desse modo,
pormenores normalmente considerados sem importância, ou até
triviais, ‘baixos’ que forneciam a chave para acender a produtos mais
elevados do ser humano. (GINZBURG, 2003, p. 150).
Conforme Santaella (2002), o universo dos signos abrange as inumeráveis
"coisas representativas de outras coisas": estímulos e inúmeros saberes, que nos
chegam via percepção e que passamos a conhecer e, sobretudo, reconhecer e
relacionar através da memória e dos raciocínios associativos. Sem signos não há
um saber consciente de coisa alguma.
Isso se justapõe ao que Santaella (1998) afirma sobre o pensador da
semiótica; que o próprio homem é um signo, pois somente tem consciência de si
mesmo quando se reconhece como tal, pela simples experiência de ser e saber que
é homem, implicando este fato em discernir o "não ser" planta, pedra ou outro
animal. É na dimensão da consciência e do pensamento reflexivo que o homem se
reconhece como homem.
Reafirma-se, assim, a hipótese deste trabalho, que é a importância de se
conduzir uma consciência reflexiva sobre essa essencialidade humana, que é a
produção e a interpretação simbólica para o ACS e para a comunidade. Esse
reconhecimento é fundamental para assumir-se uma postura de não exclusão dos
saberes da cultura popular, tão marginalizada, em especial em se tratando de
questões relativas à saúde, pois se valoriza o conhecimento técnico científico. Tratase de uma forma de reintegrar a população mais marginalizada socialmente, dentro
das inúmeras diversidades sociais encontradas.
Os fenômenos são trabalhados na busca do reconhecimento, compreensão
e percepção dos signos.
61
Em uma definição mais detalhada, o signo é qualquer coisa de
qualquer espécie (uma palavra, um livro, uma biblioteca, um grito,
uma pintura, um museu, uma pessoa, uma mancha de tinta, um
vídeo etc.) que representa outra coisa, chamada de objeto do signo,
e que produz um efeito interpretativo em uma mente real ou
potencial, efeito este que é chamado de interpretante do signo
(SANTAELLA, 2003, p. 8).
“Nascem os signos de associações provocadas por experiências repetidas,
espontâneas ou voluntárias. As experiências são contatos e reações. Os signos são
os representantes do conhecimento resultante de contatos e reações” (SANTAELLA,
1998, p. 31).
Acompanhando o pensamento de Santaella, no contato direto entre os ACS
com a comunidade, cria-se um estímulo tanto para a produção simbólica como para
a sensação-percepção-interpretação dessa produção. Argumenta-se que tal
produção é o campo no qual a ação profissional dos ACS transcorre, e esse deve ter
uma reação compatível − ou seja, de acolhimento e diálogo, − conforme os impactos
dessa produção são levantados, percebidos e reconhecidos.
Santaella (2003) relata que reação é o ato ou pensamento decorrente do
impacto percebido num contexto comunicativo. O signo é o representante do
conhecimento assim adquirido. Partindo de associações, reconhecemos objetos, as
coisas e também os indícios de coisas.
“As representações, continuamente usadas na linguagem e no entendimento
pessoal, tornam-se convenções símbolos e assim temos as três modalidades de
signo que os estudiosos distinguem: ícones, índices e símbolos” (SANTAELLA,
1998, p. 32).
Ainda segundo a autora:
Diante de qualquer fenômeno isto, é para reconhecer e compreender
qualquer coisa, a consciência produz um signo, ou seja, um
pensamento como mediação irrecusável entre nós e os fenômenos.
A consciência inerte em diferença sofre estímulo de contato, esse é o
momento instanciam, de tomada de consciência, que Pierce
denomina Primeiridade, categoria que dá experiência, originalidade,
processa, registra, compara, recorda... a segunda instância é a da
consciência, a Secundidade, aquilo que dá à experiência seu caráter
factual, de luta e confronto, a terceira instância é a Terceiridade,
primeira manifestação que podemos considerar como um signo e é
através dele que agarramos o conhecimento e dele tomamos posse
e tomar posse de um signo é algo como tomar posse da realidade, é
um possuir pelo saber, onde representamos e interpretamos o
mundo. (SANTAELLA, 2003, p.12).
62
2.2.2. Os Problemas Sociais vistos como Signo
“A promoção de saúde, assim entendida, tem a ver com o que vem sendo
chamado classicamente, no jargão da Saúde Coletiva, de determinação social do
processo saúde-doença e que há pouco entre nós ganhou o status de política
pública” (COMISSÃO DOS DETERMINANTES, 2007, grifo meu).
Nessa linha proposta, considera-se a busca dessa determinação como uma
tarefa eminentemente semiótica, uma vez que implica ler, pesquisar e interpretar os
problemas sociais e suas causas básicas como signos; e, na estruturação atual do
sistema de saúde brasileiro será necessário começar pelo ponto inicial, ou seja,
pelas bases, na ação dos ACS e seu papel dentro da comunidade.
Almeja-se a conquista da melhoria da qualidade de vida, saúde/doença na
adequada abordagem da semiose e respeito nas representações sociais, garantindo
meios educacionais que proponham o enfrentando de prevenção de doenças,
melhoria dos hábitos de vida, dentre outros. Abordo aqui, portanto, que estes
problemas vêm da natureza dos signos, pois resultam da produção de sentidos
comunicativos camuflados, oriundo das disputas de poder entre os grupos que
compõem uma sociedade e que fazem com que certos grupos dominem (validando
seus discursos e concepções de mundo), enquanto outros são negados ou
ignorados, em uma espécie de conflito “destrutivo”.
Os problemas sociais enfrentados pela comunidade estão ligados, não só
aos organismos humanos diretamente relacionados à saúde, mas também ligados
ao social, ao econômico e ao espiritual, às condições de habitação, de saneamento,
de violência e segurança, de falta de emprego ou de oportunidades de ingressar no
mercado de trabalho, de escolas. Ou, ainda, aos pontos de venda de drogas, pontos
de prostituição, aliciamento de menores para atos infracionais, entre outros.
A ação e a preparação profissional dos ACS relacionados à semiose,
focando suas compreensões, significações e sinais daquilo que vivenciam, dos seus
saberes e daqueles da comunidade, podem conferir importante diferencial para os
trabalhos, tornando-os “ações significadas”, produzindo respostas positivas − de
aceitação da diversidade cultural e de diálogo − frente à comunidade.
63
2.3. A Antropologia Médica e o Tao da Saúde e Educação
Sociocomunitaria frente às Interpretações Sociais
Dentro dessa investigação − e coerentemente a tudo anteriormente exposto
− observamos a grande importância e necessidade de fazer-se uso de referenciais
da antropologia para conhecer e compreender a cultura e a maneira como os
indivíduos percebem-se na sociedade, como estabelecem suas relações com a
equipe de saúde, com outros participantes da comunidade e como buscam a saúde
para si e para sua família.
Com o desenvolvimento da antropologia, surge uma nova concepção para
se observar a relação do indivíduo e a cultura, tornando-se possível uma abordagem
cultural dos problemas sociais e de saúde. Geertz, que se situa na origem desta
corrente de pensamento, concebe a cultura como “um universo de símbolos e
significados e que permite aos indivíduos de um grupo interpretar a experiência e
seguir suas ações”. (GEERTZ, 1973, p.68).
Segundo o referido autor, a cultura nos fornece modelos “de” e “para” a
construção das realidades sociais e psicológicas, a cultura é o contexto no qual
diferentes eventos se tornam inteligíveis. Ele estabelece ligação entre as formas de
pensar e de agir dos indivíduos e de um grupo, ressalta a importância da cultura
para a vida humana, na própria construção do fenômeno humano. Considera-se,
portanto, que as percepções, as interpretações e as ações dos sujeitos, inclusive no
campo da saúde, são culturalmente construídas.
A perspectiva de compreensão cultural dos fenômenos nos serve para
questionar uma série de temas relacionados à saúde pública, como o Sistema Único
de Saúde, a cidadania, a democratização dos serviços de saúde, o papel do ACS
dentro da comunidade e a forma de interação desses como os usuários e vice versa.
O primeiro ponto a ser destacado aqui é aquele referente à necessidade de
ampliarmos os conceitos médicos construídos sobre a visão da comunidade, nossa
atividade clinica de julgamento e entendimento na interpretação de saúde/doença,
refletindo sobre aspectos e problemas sociais, políticos, econômicos e culturais
envolvidos nesse binômio.
Como enfermeira, vejo a importância de reconduzirmos o centro das
relações e do entendimento entre os profissionais de saúde do ESF o ACS e a
64
comunidade, superando a visão de superioridade “científica”, que leva facilmente ao
desentendimento dos discursos e práticas culturais da população e da equipe,
desvalorizando-as relações. Isso é possível partindo-se de um relacionamento
efetivo entre sujeitos, valorizando o relacionamento afetivo-compreensivo e, ao
mesmo tempo, compartilhador de elaborações do real, que podem ser modificadas,
melhorando a qualidade de vida.
Não significa anular a identidade do ACS, mas, sim, valorizar a figura desse
profissional, enfatizar que será sempre ele, dentre todos os outros profissionais da
equipe de saúde, que melhor conhecerá esta população. E esta, por sua vez, irá
respeitá-lo e permitir adaptações na prática da vida cotidiana e diária em relação às
mudanças de estilo de vida, pois o objetivo final é de fornecer educação e
mudanças, conforme a forma que este relacionamento será concretizado.
O papel do ACS frente à comunidade é de extrema importância, uma vez
que ele irá abordar inúmeras pessoas, de diferentes níveis sociais e culturais, num
confronto de interpretações simbólicas, que ocorre em todas as dimensões do
convívio social. Sobretudo, na área da saúde e do cuidado, na qual as percepções
das diferentes concepções de saúde influenciam no cuidado, na recuperação, na
adesão ao tratamento e na erradicação das doenças. São pontos cruciais a serem
trabalhados para se obter um resultado favorável.
A esteira deste fenômeno da antropologia médica vem ganhando
notoriedade e propostas de serviços de saúde que sejam
culturalmente sensíveis, no sentido de qualificar profissionais de
saúde e instituições a entender e satisfazer as necessidades próprias
de saúde dos pacientes em locais em que essa diversidade cultural é
mais pronunciada. Isto é, os serviços preparam-se para melhor
acolher os pacientes que apresentam demandas de saúde bem
especificas. (GEERTZ, 1973, p. 46).
O indivíduo, dentro da sociedade, estabelece diferentes meios de
percepções do mundo ao seu redor; percebe sintomas, sinais, sensações, emoções
e sentimentos, por meio de formas próprias de comportamento, de atitudes e por
vivências já estabelecidas ou presenciadas por outras pessoas. Assim, ele se
defende e procura ajuda e se mostra frente à sociedade, atribuindo um significado
para tudo o que ele percebe/interpreta dentro dessa sociedade, ou seja, dentro do
campo simbólico em que vive.
65
Nestas teorias sociais, considera-se como fundamental compreender
qual é o sentido que os próprios indivíduos como personalidades e
agentes sociais dão aos seus comportamentos, símbolos, valores e
inter-relações sociais. (GROPPO, 2011, p. 361).
Observamos que as diversidades culturais em nosso país representam algo
concreto e existem por todos os lados; há culturas brasileiras e regionais bem
definidas e estabelecidas, que podemos reconhecer no dia a dia, durante os
serviços de saúde. Assim, o intuito é fazer com que o ACS assuma uma postura
importante em saber reconhecer essas diferenças e aceitá-las como modo de ser do
indivíduo, como parte indissociável do ser, sem preconceitos, contribuindo para
fornecer uma melhor educação em saúde, fortalecer o elo com a comunidade, bem
como garantir a cidadania na direção da consolidação efetiva do Sistema Único de
Saúde.
Vale refletir que embora o ACS seja obrigatoriamente integrante da
comunidade, o próprio processo de formação técnico-científica do ACS pode
colaborar para que ele se afaste de suas raízes, passando a “estranhar” práticas
culturais do senso comum e da cultura popular praticadas na comunidade, tratandoas como “erradas” ou menos válidas.
Faz-se necessário, então, como defendido nesta investigação, demonstrar
ao ACS a contribuição que ele pode dar à sociedade, no sentido de oferecer atenção
à saúde de alta qualidade, em estar capacitado para ouvir o cliente, perceber essas
diferenças culturais, adaptando o diálogo, as negociações de sentidos e de práticas,
e promovendo mudanças de vida.
Assim, este grupo de profissionais será capacitado a conviver com a
diversidade cultural, com desafios crescentes de conhecimento e de entendimento,
garantindo competência no desenvolvimento de sua pratica técnica. Eles devem ser
igualmente competentes e capacitados para reconhecer as diferenças internas de
cada grupo ou subgrupos que compõem uma comunidade, valorizando a
integralidade e humanização no cuidado.
Por meio do estudo da Antropologia pode-se mostrar que cada ser humano
é diferente e que temos que nos dar conta dessas diferenças, conscientizando-nos
de que estas pessoas de populações marginalizadas estão envolvidas por sua
cultura, permanecem conectadas a ela, principalmente frente a conhecimentos
“novos”, como aqueles científicos, relacionados às práticas de saúde. Como nós,
66
profissionais da saúde, podemos estar fortemente ligados ao conhecimento científico
e a nossa própria cultura, “tecnicizada, individualizando (restringindo) a formação do
nosso próprio interesse cultural”?
O trabalho etnográfico presta-se muito bem para isso, ao tentar ler
oque ocorre a sua frente, decifrando não apenas o que está explícito
a superfície, mas também os comportamentos aparentes,
incoerentes e deslocados, que, em última análise tem respaldo na
realidade simbólica, que permitiria ao individuo atribuir significados a
partir de sua experiência individual e segundo as normas sociais e
culturais na sua origem, estrutura, função e significado. (GEERTZ,
1973 p. 38).
Liberar o entendimento do ACS frente às diferenças culturais, favorecendo a
valorização dessas por meio de encontros socioculturais é ótimo recurso para o
trabalho nas comunidades, que devem ser momentos ricos, contínuos e dinâmicos,
aflorados de compreensão para traçar um caminho de educação e mudança na
qualidade de vida. Este trabalho não começa e termina durante uma visita do ACS,
mas, se prolonga por todo ou qualquer encontro deste profissional junto à
comunidade.
Uma das atribuições principais do Enfermeiro é a de capacitar os ACS a
traduzir discursos, sinais e sintomas dos indivíduos atendidos, favorecendo uma
orientação educativa adequada, para determinado problema, pensando-se não
somente naquela doença ou problema específico, mas na integralidade do sujeito.
Quando os indivíduos têm um problema social ou doença dentro da
comunidade eles expressam/manifestam tal problema por meio de “sintomas”,
atribuindo sinais, algum significado que para eles são importantes, ou seja,
aspectos desses problemas ou doenças. Os profissionais da saúde têm que
interpretar essas diversas significações e, assim, quando uma pessoa procura ajuda
do profissional de saúde ele deve lançar mão de muita sensibilidade e
conhecimento, superando os obstáculos comunicativos/interpretativos. A importância
do ACS neste papel interpretativo, por ser um participante da comunidade, é de ter
linguajar, modos de ser e atitudes eticamente corretas para abordar a clientela. Seu
comportamento deve ser pautado em interpretar a comunicação estabelecida, pois a
produção de significados de ambos os lados significa a realidade, na qual a cultura
de cada um, Usuário e ACS, permanecerão igualmente presentes, embora
transmutadas.
67
Tanto as crenças quanto os padrões de comportamento dos
indivíduos fazem parte de um sistema, em grande parte derivado de
regras culturais, uma teia de significados com importância de
analisamos enquanto ação e como sistemas simbólicos, como ação
a forma de expressão da cultura é pública, pressupondo, no discurso
social, a existência de protagonistas e assistentes que se comunicam
entre si a partir de interpretação de códigos socialmente
estabelecidos de modo prévio. (GEERTZ, 1973 p. 53).
O capítulo que segue aborda a construção do Tao da Saúde e da Educação
evidenciando a importância do trabalho coletivo.
68
CAPITULO III − A CONSTRUÇÃO DO TAO DA SAÚDE E DA
EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITARIA: UM QUE-FAZER COLETIVO
Lagarta e Borboleta
De corpo mole, como quem não quer nada, devagar, ando muito;
sem me sentir tão cansada, em minha casa descanso sempre, à sombra por preferência.
Viajo, conheço o mundo de carona sem custar nada, meu medo é ser descoberta,
por alguém ser amassada, interrompendo minha volta, ao lugar de querência.
Com aparência rica em variedade, vivo feliz tanto na roça como na cidade,
a preferência, é estar no alto, se possível nas Palmeiras.
Sou presa fácil dos pássaros, minha grande adversidade, não corro, não grito,
não tenho grande mobilidade, podendo, me escondo entre as folhas, fechando suas beiras.
Muito feia, por vezes cabeluda, arrepiante, tenho instinto de bondade,
modifico o que fui antes, na intenção de ser aceita, quem sabe, amada.
Me aprisiono em um casulo, mastigo um calmante, sozinha, isolada,
irradio bons pensamentos dardejantes. Sonho com a vontade, de ser aguardada.
Cansada, faminta, alegre, transformada, deixo o esconderijo,
pelo mundo quero ser adorada, agora, não mais como lagarta, ganhei minhas asas, mudei.
No salão de beleza do Céu, ganhei cores, estou maquiada, sou branca,
com listras escuras, ao fundo estou azulada,
fui dormir Lagarta, como Borboleta, acordei.
Cesar Alvarenga (2011)
69
3.1. Conceitos de Saúde e Doença
Neste
capitulo
trabalhamos sobre
a discussão educação/saúde,
a
valorização das concepções da população sobre a saúde/doença, o trabalho em
grupo e a educação social.
Os conceitos de saúde/doença são analisados em todo o decorrer da
evolução histórica, pois, está agregado no contexto histórico cultural, social, politico,
econômico dentro da experiência humana de cada um, ou seja, a saúde/doença não
representa a mesma coisa para cada pessoa, depende dos valores individuais, das
concepções científicas, filosóficas, culturais e religiosas.
Real ou imaginária, a doença transmissível, é uma antiga acompanhante da
espécie humana, como o revelam pesquisas paleontológicas. Assim, múmias
egípcias apresentaram sinais de doença (exemplo: a varíola do faraó Ramsés V).
Não é de admirar que, desde muito cedo, a Humanidade se tenha empenhado em
enfrentar essa ameaça, de várias formas, baseadas em diferentes conceitos do que
vem a ser a doença (e a saúde). Assim, a concepção mágico-religiosa partia, e
parte, do princípio de que a doença resulta da ação de forças alheias ao organismo
que neste se introduzem por causa do pecado ou de alguma maldição (SCLIAR,
2007, p. 29).
Para os antigos hebreus, a doença não era necessariamente devida à ação
de demônios, ou de maus espíritos, mas representava, de qualquer modo, um sinal
da cólera divina, diante dos pecados humanos. Deus é também o Grande Médico:
“Eu sou o Senhor, e é saúde que te trago” (Êxodo 15, 26); “De Deus vem toda a
cura” (Eclesiastes, 38, 1-9); a doença era vista como desobediência do mandamento
divino, a enfermidade proclamava o pecado quase sempre de forma visível.
A doença é tanto um fato clinico quanto um fenômeno sociológico.
Ela exprime hoje e sempre um acontecimento biológico e individual e
também uma angustia que pervaga o corpo social confrontando com
as turbulências do homem enquanto ser social. A medida que se
cristaliza e simboliza as maneiras como a sociedade vivencia
coletivamente seu medo da morte e seus limites frente ao mal, a
doença importa tanto por seus efeitos imaginários: ambos são reais
do ponto de vista antropológico. A doença é uma realidade
construída e o doente é um personagem social. (MINAYO, 1991, p.
233).
70
A medicina grega representa uma importante inflexão na maneira de
encarar a doença. É verdade que, na mitologia grega, várias
divindades estavam vinculadas à saúde cultuavam divindades da
medicina e sua crença basicamente era voltada para
mágica/religiosa nota-se que a cura, para os gregos, era obtida
também pelo uso de plantas e de métodos naturais, e não apenas
por procedimentos ritualísticos (SCLIAR, 2007, p.31).
Em outros relatos da história entra em cena um importante personagem: o
pai da Medicina, Hipócrates de Cós (460-377 a.C.). Tais relatos traduzem uma visão
racional da medicina, bem diferente da concepção mágico-religiosa antes descrita e
afirmada: “A doença chamada sagrada não é, em minha opinião, mais divina ou
mais sagrada que qualquer outra doença; tem uma causa natural e sua origem
supostamente divina reflete a ignorância humana”. (HIPOCRATES, 1971).
Hipócrates postulou a existência de quatro fluidos (humores) principais no
corpo: bile amarela, bile negra, fleuma e sangue e, desta forma, a saúde era
baseada no equilíbrio desses elementos; ele via o homem como uma unidade
organizada e entendia a doença como uma desorganização desse estado. Galeno −
após revisar a teoria humoral − ressaltou a importância dos quatro temperamentos
no estado de saúde e entendeu a causa da doença como endógena; ela estaria
dentro do próprio homem, em sua constituição física ou em hábitos de vida que
levassem ao desequilíbrio. (SCLIAR, 2007, p. 34).
Em outras culturas o Xamã, o feiticeiro tribal, é quem se encarrega de
expulsar a doença mediante rituais que espantam os maus espíritos que se
apoderam da pessoa, causando doença; vemos isso entre os índios Bororos que
residem na região do Mato Grosso; o conceito de doença e morte para eles é
baseado em maldição de um inimigo ou conduta imprudente da pessoa ao comer
um animal considerado tabu, pois entendem que o espirito do animal se apodera da
pessoa levando-a à doença e à morte. A tarefa do Xamã é, por meio dos rituais,
erradicar este mal. Para tanto, passa dias se preparando longe de tudo e de todos,
faz prolongada abstinência sexual e de alimentos, utiliza por noites rituais
xamanísticos com utilização de plantas alucinógenas que são chamarizes para que
os espíritos possam deixar o corpo da pessoa em paz e combater a doença; o
objetivo é reintegrar o doente ao universo ao qual ele faz parte.
Frente a tantas evoluções durante a história e para se definir o conceito
saúde universal do que é saúde foi necessário um consenso entre todas as nações.
A liga das nações surgiu após o término da Primeira Guerra Mundial, porém, não
71
conseguiu se definir. Foi só na Segunda Guerra Mundial que houve a criação da
Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Este conceito da OMS foi divulgado na carta de princípios, de sete de abril de 1948
(desde então comemorado o Dia Mundial da Saúde), implicando o reconhecimento
do direito à saúde e da obrigação do Estado na promoção e proteção da saúde. A
Organização Mundial da Saúde (1978) define Saúde como “o estado do mais
completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de
enfermidade”.
Dentre todos os relatos da história até os dias atuais está a definição que
descreve um objetivo utópico, impossível de ser alcançado, porém, possui o mérito
de reconhecer, no seu sentido mais amplo, que a saúde não depende somente de
profissionais e casas de saúde, mas depende de toda uma estrutura de natureza
social, envolvendo o tipo e nível de vida de cada pessoa.
Trata-se de um conjunto de equilíbrio orgânico que resulta no bem estar do
organismo, no sentido da manutenção e luta positiva contra forças biológicas, físicoquímicas, mentais e sociais, que tendem a romper este equilíbrio.
Portanto, muitos estudiosos ainda buscam uma definição para saúde. Uma
delas, escrita pelo Ministério da Saúde, em 1986, que diz:
A saúde é resultante de alimentação, habitação, educação, renda,
meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade,
acesso e posse de terra e acesso aos serviços de saúde. É assim o
resultado das formas de organização social e da produção, as quais
podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida, doença,
portanto, é uma alteração de um desvio do estado de equilíbrio de
um indivíduo com o meio (BRASIL, 1986, p. 35).
Por causa disso, nossa Constituição Federal de 1988, artigo 196,
evita discutir o conceito de saúde, mas diz que: ‘A saúde é direito de
todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
a promoção, proteção e recuperação’. Este é o princípio que norteia
o SUS, Sistema Único de Saúde. E é o princípio que está
colaborando para desenvolver a dignidade aos brasileiros, como
cidadãos e como seres humanos (SCLIAR, 2007, p. 41).
Concretizo aqui que a doença ocorre quando há perturbação funcional dos
processos fisiológicos em nível celular, ou seja, quando a pessoa fica exposta a
condições ambientais desfavoráveis, a agentes e/ou a fatores genéticos que levam a
72
alterações
dos
processos
fisiológicos
do
corpo,
causando
manifestações
denominadas de sintomas e/ou sinais de doença.
Para a garantia da saúde faz-se necessário estabelecer integrações entre os
mais diversos setores, como, também, garantir condições econômicas, socioculturais
e políticas incluindo educação em saúde, nutrição adequada, saneamento básico,
cuidados materno-infantis, planejamento familiar, imunizações, prevenção e controle
de doenças endêmicas, provisão de medicamentos, dentre outros agravos a saúde.
Esta definição descreve um objetivo muitas vezes poético e impossível de
ser alcançado, porém, ao longo dos anos, na busca deste conceito, o Brasil procura
reconhecer o seu sentido mais amplo, um enfoque de que a saúde não depende
somente de profissionais, hospitais, casas de saúde para se propagar a saúde, mas,
que o problema é bem mais amplo, de natureza social decorrente do nível de vida
dos indivíduos; é um equilíbrio orgânico da qualidade de vida e resultante de um
ajustamento do organismo do individuo na busca de uma adequada metamorfose e
manutenção deste estado de satisfação e bem estar para um balanço positivo contra
forças biológicas, físico-químicas, mentais e sociais que tendem a romper este
equilíbrio. Portanto, inúmeros conceitos já abordados antigamente se encontram em
desuso e muitos outros tentam se estabelecer na busca desta definição para a
saúde.
É preciso entender bem qual é a ideia de Saúde da Família. Esse conceito
prevê a participação de toda a comunidade em parceria com a ESF na identificação
das causas dos problemas de saúde/doença, na definição de prioridades, na
promoção para educação em saúde e melhoria da qualidade de vida da
comunidade, no acompanhamento, participação e avaliação de todo trabalho
realizado, sendo todas as pessoas tratadas igualmente, sem privilégio, sem
discriminação, valorizando as interpretações culturais.
Um erro é pensar que as ESF são responsáveis apenas pelas visitas
domiciliares e atividades coletivas ou individuais de prevenção às doenças,
enfermidades, patologias em geral, enquanto a assistência curativa continua sob a
responsabilidade de outros profissionais do modelo anterior, tradicional. Essa é uma
grave distorção do ESF, pois, sua função básica é a Integralidade e a Resolutividade
em todos os territórios onde são implantados, sendo responsáveis por toda atenção
básica. Cabe ressaltar que o ESF faz parte de um contexto muito maior, que é o
SUS, no qual os profissionais não têm a pretensão de solucionar todos os problemas
73
de saúde, mas, devem estar conscientes de promover o conhecimento e o domínio
para que a comunidade tenha ciência sobre saúde/doença favorecendo a busca pela
qualidade de vida; uma atenção básica de qualidade é parte fundamental desse
objetivo, de acordo com as responsabilidades definidas na Norma Operacional da
Assistência à Saúde (NOAS), estabelecida pela Portaria nº 95, de 26 de janeiro de
2001.
A interpretação de saúde/doença deve servir de referência na prática de
assistência
junto às
atividades
educativas desenvolvidas
pelos
ACS,
conscientizando e organizando a comunidade no cotidiano da prática assistencial e
educativa, através da interpretação e reconhecimento deste conhecimento,
possibilitando a transformação de um sujeito “sujeitado” para um “sujeito autônomo”,
ocorrendo uma reestruturação da qualidade de vida como um todo.
Concordo com Laplantine (2004) quando discute que a saúde não é a
ausência de doença; a saúde é a força de viver com alguns desses danos. Saúde,
portanto, é acolher amar a vida, assim como ela se apresenta, ou seja, alegre
trabalhosa, saudável, doentia, limitada e aberta ao que virá além da morte.
Portanto, no momento da doença o corpo necessita de cuidados e esse
cuidado deve ser vital para sua sobrevivência; o melhor, então, é garantir que a
doença não se aproxime, oferecendo a educação e a prevenção das doenças.
Quando o doente hipertenso ou diabético, por exemplo, procura a unidade
de saúde deve receber − além de atenção, respeito e orientações quanto a sua
doença e quanto às mudanças de hábito de vida para mais conforto e controle dos
sintomas − a orientação dietética adequada, fornecida por um profissional
capacitado, assim como exames complementares para estadiamento da doença e
do planejamento e percurso terapêutico mais adequado àquela pessoa, valorizando
sua individualidade e reconhecendo as características farmacológicas dos
medicamentes a serem usados. Atitude esta que não inviabiliza a possibilidade do
diálogo com as outras formas de saber que validam o existir das pessoas, como o
uso de plantas medicinais, as benzeduras, as simpatias e outras tantas crenças que
nos construíram; crenças aqui entendidas em seu sentido etimológico como um tipo
de saber arcaico que sobrevive do passado e do presente dentro da comunidade.
A atitude de acolhimento do ACS e da equipe de saúde, na procura pela
unidade, deve ser acolhedora, responsável, competente e amorosa incluindo neste
encontro o respeito pela sua cultura, significados, mitos e sinais; deve se incluir
74
nesse encontro os meios adequados de orientação, além do diagnóstico correto da
etiologia da doença, bem como a terapêutica adequada, independente da classe
social e das misticidades que a comunidade carrega consigo.
3.2. A Construção do Tao da Saúde
Sociocomunitaria: o Trabalho em Grupo
e
da
Educação
Reafirma-se, neste tópico, o caráter coletivo do trabalho desenvolvido no
PSF, pois, através dos grupos firmam-se as relações interpessoais e a capacidade
de enfrentamento da realidade. Isso não se dá ao acaso, mas necessita ser
construído com e pelos ACS.
O ser humano é um ser social e faz parte do seu cotidiano viver uma vida
social ativa, com dependência e decisão e com o envolvimento de outras pessoas. A
sociedade, desde os nossos primórdios, se organiza de formas distintas pelas suas
diferenças. Desta maneira, se articula para sobreviver e ajustar as diferenças, as
qualidades e as características de personalidades, gênero, estereótipos, agrupando
relações interpessoais, formando grupos distintos, “tribos” com membros com papéis
estruturados e definidos.
Conforme Lewin (1975) os grupos se dividem em tipos, sendo possível
classificá-los em:
Grupos
Primários:
São
relativamente
pequenos,
pessoalmente
significativos e altamente unidos. Os membros são bastante envolvidos com o
grupo, sentem-se parte de algo maior que si próprio. Como os membros interagem
frequentemente, com relação face-face, conhecem-se muito bem.
Grupos Sociais: São pequenos, duração, interação e permeabilidade
moderadas, frequentemente focados em determinadas situações.
Grupos Coletivos: São agregados por indivíduos, que se formam de
maneira espontânea, mantendo-se por breves períodos de tempo e com bastante
permeabilidade de suas fronteiras.
Categorias: São agregados por indivíduos similares uns aos outros de
varias maneiras, tais como gênero, etnia, religião.
75
Frente a tal definição é possível observar na pesquisa inúmeros momentos
de variabilidade de grupos dentro da ESF, diante das situações encontradas, estilo
de liderança, enculturação, emoção, submissão, afinações sociais, personalidade,
dificuldades de relacionamento, entre outros fatores relacionados ao envolvimento
do grupo.
Turner e Tajfel conceituam o grupo como sendo:
Uma coleção de indivíduos que percebem a si mesmos como
membros de uma mesma categoria, compartilham algum
envolvimento emocional, esta definição comum de si mesmos, e
alcançam algum grau de consenso social sobre a avaliação de seu
grupo e de sua associação com ele. (TURNER; TAJFEL, 1985, p.15).
Baseados
nesse
conceito
de
grupo,
Turner
e
Tajfel
definem
o
comportamento grupal como:
‘Qualquer comportamento apresentado por um ou mais atores em
relação ao outro ou aos outros, baseado no reconhecimento dos
próprios atores e dos outros como pertencentes a diferentes
categorias sociais’. Nessa perspectiva, as categorizações sociais são
ferramentas cognitivas, que classificam e ordenam o ambiente social,
permitindo ao indivíduo diferentes formas de ação social. As
categorias sociais, além de sistematizar o mundo social, também
‘fornecem um sistema de orientação e auto-referência definindo o
lugar do indivíduo na sociedade’. (TURNER; TAJFEL, 1985, p.16).
Da mesma maneira os ACS se organizam de forma a estruturar relações
interpessoais, articulando características emocionais comuns, deixando uma marca
na sociedade, por meio de suas ações, processos e reações.
Concordo com Lewin (1975) quando descreve que a dinâmica em grupo é
um conjunto de fenômenos, que se dá na formação dos grupos e pode se ampliar,
direcionando as ações desses grupos como um todo, diferenciando-se daquelas
individuais. Dentro deste contexto os ACS se organizam em dinâmicas de grupos,
pois, apresentam laços comuns que os ligam entre si, com trabalhos voltados para a
promoção, a prevenção e a recuperação da saúde.
Os grupos formados pelos ACS formam-se na interdependência, pois o
trabalho se organiza de maneira que um depende do outro para o desenvolvimento
das ações, num compartilhamento de pensamentos, sentimentos e experiências
recíprocas. Um influencia o outro e, neste caso, o enfermeiro apresenta-se como o
maior influenciador dos serviços oferecidos, favorecendo − ou não − a mudança e o
76
replanejamento das atitudes e orientação dos ACS para a promoção da orientação
na comunidade.
É um trabalho árduo e contínuo e deve ser bem discutido e
evidenciado, conforme o nível cultural de suas representações sociais e
interpretações de sinais, favorecendo-se assim uma troca de influências e
conhecimentos. Dessa forma, o grupo da unidade de saúde, junto com os ACS e a
comunidade, pode emergir num compartilhamento de saberes e práticas de
educação em saúde.
A pesquisadora evidencia aqui o trabalho de grupo mensal, denominado de
“Colméia 14”, realizado dentro da ESF Jardim Brasil, em que se trabalha com a
definição de “colmeia”, como a organização das abelhas num trabalho em conjunto e
incansável para a fabricação do “mel”; que representa, aqui, a luta em busca da
qualidade de vida da comunidade. Este trabalho em grupo tem como objetivo
desenvolver as ações em equipe, proporcionando a criação de esforços coletivos
para resolver/discutir um problema, ou um determinado trabalho conjunto, o que
possibilita a troca de conhecimentos, a agilidade no cumprimento de metas e os
objetivos compartilhados. E, igualmente importante, a discussão das várias
interpretações ou significações que podem ser feitas a respeito dos fenômenos,
casos e fatos vivenciados.
Dentro da ESF, o trabalho em equipe é muito importante, pois cada um
precisa da ajuda do outro, trabalhando igualmente, con/discordando uns com os
outros, mas sem perder o foco nos objetivos comuns. Esta atividade deve ser
entendida como resultado de um esforço conjunto, com vitórias e fracassos, de
responsabilidade de todos os membros. Nesta colmeia, cada membro sabe o que os
outros estão fazendo e reconhecem sua importância para o sucesso da tarefa, uma
vez que os objetivos são comuns e as metas coletivas são desenvolvidas para irem
além daquilo que foi predeterminado, facilitando a efetividade no trabalho e a
satisfação do grupo.
São trabalhadas as dificuldades levantadas, os conflitos de ideias diferentes,
o respeito das diversas opiniões, compreensão e interpretação das diferenças, a
sinceridade e objetivação durante o diálogo, preservação da harmonia do grupo,
entendimento de qual a sua função no grupo e sua importância nessa, o respeito
aos conflitos de personalidade, à liderança positiva, ao compromisso, à força e
vontade de mudar.
77
A cada encontro é construída uma parte da colmeia simbólica, que vai
crescendo a cada dia; nesta construção são expostos os problemas, as soluções, as
conquistas para o reconhecimento do grupo, aprendendo a ouvir, lidando com as
diferenças, criando vínculos afetivos, adquirindo confiança mútua na equipe e,
assim, como numa colmeia, o trabalho é árduo e contínuo, construído passo a
passo, numa transformação e mudança coletiva de comportamento, atitudes,
compreensão, comprometimento, para a resolução das prementes questões da
comunidade e dos sujeitos dessa, na qual a UBS está imersa.
Faço minhas as afirmações do psicólogo alemão Lewin (1975), de que as
variações individuais do comportamento humano com relação à norma são
condicionadas pela tensão entre as percepções que o indivíduo tem de si mesmo e
pelo ambiente psicológico em que se insere, o seu espaço vital, que também é
aquele do grupo no qual está inserido.
Os ACS, uma vez não entendendo esta demanda pelo trabalho grupal,
muitas vezes, se frustram, se desmotivam e não conseguem realizar uma ação
mútua em equipe; com isso, não ocorre a troca de informações, nem o feedback
desse compartilhamento e nem tampouco a mudança de perfil da comunidade.
Portanto, para transformar essa equipe de ACS num grupo holístico e
unificado é preciso constituir-se, de fato, um grupo: as forças pessoais devem estar
diretamente ligadas, formando uma “entidade”, em que cada qual se sinta
interdependente do outro, na busca do mesmo objetivo comum.
Para Turner e Tajfel (1985) um conjunto de pessoas só é um grupo quando
agregados em torno de um mesmo objetivo, compartilhando esse sentimento de
interdependência, ou seja, quando se sentem parte deste grupo, gerando o bem
estar para os membros e atratividade para adquirir novos membros; mostrando
segurança frente às suas crenças e a si próprio.
A estrutura dos ACS é a de um grupo social pequeno, de formação
“artificial”, por ser resultante de um processo seletivo, de interação moderada, pois
ocorrem discordâncias frequentemente, forçando determinadas situações não
aceitas por alguns do grupo. Enquadra-se também na categoria de grupos formados
por indivíduos similares, pelo fato de pertencerem a uma mesma comunidade,
embora haja diferenças de gênero, étnicas que condividem a cultura dessa
comunidade, os princípios religiosos semelhantes (cristãos, em sua maioria) e o
interesse por “cuidar” do próximo, dentre outros.
78
Observamos até aqui, portanto, que o papel do grupo é de fazer a sinergia
dos trabalhos e não de competir uns com os outros, porém, em alguns momentos,
ao
longo
da
investigação,
foram
evidenciadas
reações
emergentes
de
competitividade.
Alguns exemplos são: a busca pela melhor área de trabalho devido à falta de
segurança existente no bairro, nas áreas de conflito desse e dificuldades de
relacionamento com algumas famílias; o número de famílias cadastradas a mais que
o preconizado gerando sobrecarga de trabalho; a facilidade de comunicação e
participação durante as reuniões de equipe; o número de visitas realizadas, enfim,
inúmeras atividades e situações que geram entre a equipe conflitos e discórdias,
facilitando a rivalidade e as justificativas pelo não cumprimento do previsto, durante
a entrega da produção e da qualidade do trabalho realizado em grupo.
Destaco aqui um exemplo rotineiro, que acontece durante o fechamento do
SIAB (Sistema de Informação da Atenção Básica). Neste caso, se um dos ACS não
consegue cumprir a meta de visita mensal, o mesmo é “julgado” e excluído do grupo,
pelos demais ACS. Fica sendo visto de modo marginalizado, discriminado pelos
demais, que conseguiram a produtividade adequada e garantiram o mesmo valor
salarial. Portanto, é vista como um não merecedor de participação no grupo. Por
este e outros motivos citados surgiu o trabalho da Colmeia, como meio de
integração de capacitação e compreensão dos problemas individuais, sociais,
culturais, socioeconômicos dos próprios ACS, considerando-se que grupos
operativos não se formam sozinhos, mas, necessitam ser fomentados.
Quando o ACS se insere na equipe ele passa por processos dinâmicos de
modificações em seu modo de ver o mundo, por influência dos integrantes da equipe
de saúde. Passa por treinamentos específicos e cria, frente à comunidade, uma
sensação de nova identidade, pois até então era parte comum da comunidade, e
agora passa a ser um “técnico”. Todo esse trabalho de adaptação é realizado por
meio de capacitações frequentes, nas quais o ACS adquire um conhecimento
diferenciado dos demais sujeitos da comunidade. Cabe ao enfermeiro capacitador e
ao médico trabalharem esta arena de novos conhecimentos e interesses, evitando a
perda da sua agregação (identidade) com a comunidade, com sua realidade,
prevenindo, na medida do possível, conflitos interpessoais entre os ACS e os
membros da comunidade, bem como, as situações de competição ou de negação
dos valores dessa.
79
É notório, também, que com o passar do tempo o ACS começa a adquirir
conhecimentos e experiências no campo da saúde por ele mesmo, pois, ele se
modifica por si próprio, adquirindo outras características e perdendo suas raízes
culturais individuais. Essa mudança fica a cargo da própria pessoa, em seu contato
com outros profissionais. O grupo de ACS tem que compartilhar, frequentemente,
dos mesmos ideais e da troca de informação com a equipe médica, estabelecendo
relações pessoais mais próximas, em direção a uma intimidade, para a qual é
fundamental que não se sintam rejeitados, mas, contrariamente, que se sintam
fazendo parte de um grupo de amizades, de camaradagem, de reciprocidade e
ajuda mútua. Sem esquecer que cada um é parte integrante de dois grupos distintos:
aquele dos profissionais da saúde e aquele de membro de uma comunidade, na
maior parte das vezes socioeconomicamente desfavorecida e marginalizada.
3.3. O Cuidado dos ACS dentro da Comunidade: Interpretando as
Necessidades Educacionais do Cuidar para Garantia da Qualidade
de Vida
A educação em saúde também pode ser compreendida como um processo
de
humanização da assistência médico-sanitarista, pois, por esse processo se
reconhece “as pessoas” por trás dos pacientes, que buscam nos serviços de saúde
a resolução de seus problemas, tantas vezes não somente vinculados à doença em
si, mas de várias ordens.
Vejo que essa humanização pede sujeitos participativos, assim a equipe, em
especial o ACS, deve acompanhar diariamente a comunidade, observando cada
pessoa e cada família em sua singularidade, em suas necessidades específicas,
com sua história particular, com seus valores, crenças e desejos. (SOUZA, 1999).
Através do convívio do ACS com a comunidade e os profissionais de saúde,
esta ligação dupla favorece a implantação de programas educacionais e tem um
significado muito importante para uma abertura a outros profissionais que possam
participar desse processo de formação como: assistente social, nutricionista,
fisioterapeuta, pedagogo, educador físico e demais categorias que podem ser
incorporadas às equipes, além de contribuir para a promoção da qualidade de vida
80
para a comunidade; constitui-se em um espaço privilegiado de absorção de troca de
informação, conhecimento, promoção de saúde e educação continuada.
De acordo com a teoria de Watson (2001), a cura da doença é de domínio
da área médica, porém, um sistema humanístico de valores sustenta a construção
da Ciência do Cuidado. Dentro desse enfoque, trabalhar com o aprofundamento
teórico dos paradigmas que envolvem o cuidar, faz com que tecnologias mais
subjetivas e mais completas, sejam acrescidas à rotina terapêutica e curativa exigida
para qualquer profissional de saúde em contato com o indivíduo, família ou
comunidade (SILVA, 1998).
De forma evidente observamos que a proposta do ESF visa trabalhar o
cuidado com a família e a comunidade numa perspectiva cultural, transferindo
informações e ações do cuidado humano de maneira mais humanista. Esses
cuidados são de extrema importância e necessidade para a natureza humana; eles
ocorrem naturalmente no cotidiano das pessoas, durante o ambiente familiar e
durante o trabalho do ACS, que realiza no dia a dia um trabalho especifico de saúde
e ensino continuado.
O ato de cuidar compreende uma dinâmica de atividade mútua entre o
cuidador e a pessoa a ser cuidada; é a essência da vida humana. Considero que o
cuidado é um suporte primordial na vida do indivíduo e a sua sobrevivência, pois
necessitamos do cuidado desde que nascemos, somos totalmente dependentes; o
ser humano ao nascer não sobrevive sem os cuidados adequados prestados pela
mãe, e que prossegue do seu nascimento, crescimento, manutenção da vida até sua
morte.
Durante este trabalho desenvolvido vejo uma relação de afeto no ato de
cuidar; observo inúmeras características visíveis frente à compreensão e à troca de
experiências do ACS e a Comunidade, pois este relacionamento varia muito,
dependendo da compreensão e interpretação do ACS e da conduta a ser tomada,
pois é avaliada a história de vida de cada um, as experiências prévias das pessoas
envolvidas no cuidado, a situação do momento, o nível sociocultural, o contexto do
dia a dia, o âmbito cultural, religioso e social dos envolvidos.
De acordo com Watson (2001), a ciência do cuidado tem seu foco na
promoção da saúde e não diretamente na cura da doença. De acordo com Boff
(1999), o cuidado é algo essencial, não podendo ser suprimido e nem descartado.
81
A Teoria Humanística de Watson assegura que a ciência do cuidado está
construída sobre fatores relacionados à formação de um sistema de valores
humanos e altruístas, à estimulação da fé e da esperança no processo curativo, o
cultivo da sensibilidade para si mesmo e para os outros, que acompanha o
desenvolvimento de ajuda-confiança entre o cuidador e o ser cuidado, a promoção
dos processos de aceitação dos sentimentos (positivos e negativos) relacionados
aos processos vitais, o uso sistemático do método científico de solução de
problemas para que sejam tomadas as decisões cabíveis, a provisão de um
ambiente mental, físico, sociocultural e espiritual, sustentador, protetor, baseados
em forças existenciais e fenomenológicas (WATSON, 2001).
Esta relação e conduta do cuidado do ACS e da comunidade garante um
relacionamento de proximidade, confiança e aceitação, além de envolver
crescimento, esperança e amor, favorecendo a recuperação daqueles que recebem
cuidado num tratamento terapêutico ou restaurador, tanto para os ACS (cuidadores)
como para a comunidade (os seres cuidados). Uma relação de ajuda, no
envolvimento de ambos, que se efetiva através das visitas domiciliares e do contato
diário.
A relação do cuidado do ACS pode variar de maneira superficial até
aquela mais profunda onde se estabelece vínculos numa ligação de
intimidade e de reciprocidade, numa intimidade que pode levar a
pensar muitas vezes pelo conhecimento do ACS que de fato o
cuidador conhece a pessoa que recebe o cuidado. (BRASIL, 2001, p
76).
A partir desta relação de confiança é que o ACS consegue garantir a
qualidade do cuidado e do envolvimento, pois, ambos fazem parte do processo de
cuidar e este relacionamento deve ter uma aceitação mútua, tanto do cuidador como
do ser a ser cuidado; através deste vínculo ocorrerá a receptividade durante as
visitas, um melhor entendimento dos sentimentos, a criação de vínculos e, acima de
tudo, da confiança. Ambos garantem a mudança da qualidade e do estilo de vida,
quebrando mitos, regras, preconceitos, medos.
O processo de cuidar envolve não apenas a cura das doenças já instaladas,
mas a transformação, prevenção, atenção integral e todo cuidado holístico, que
segundo Watson (2001) “não engloba apenas a esfera física, mas estendem-se
também as mais altas manifestações do espírito humano”, pois o cuidar é uma
82
expressão da nossa humanidade, sendo essencial para o nosso desenvolvimento e
realização como seres humanos. (SOUZA, 1999). Isto nos traz de volta à
compreensão semiótica da vida:
Como se pode ver, os níveis do interpretante incorporam não só
elementos lógicos, racionais, como também emotivos, sensórios,
ativos e reativos como parte do processo interpretativo. Este se
constitui em um compósito de habilidades mentais e sensórias que
se integram em um todo coeso. São essas habilidades que
precisamos desenvolver (SANTAELLA, 2002, p. 23).
Durante a elaboração da pesquisa junto aos ACS foi evidenciado que este
cuidado envolve muita criatividade e inteligência; por vezes os ACS necessitam
aprimorar, inventar e improvisar meios de prestar este cuidado pelas más condições
de vida da comunidade, ou pela falta de materiais e equipamentos disponíveis nas
unidades de saúde. Trata-se de um grande desafio para adequar o cuidado e prezar
pela qualidade de vida da comunidade, pois sem cuidados adequados a vida perde
o sentido, não há desenvolvimento e garantia de qualidade surgindo assim às
doenças e as dificuldades de manutenção fisiológica e cura, além do impacto que
isso tem na própria perspectiva de vida dos sujeitos. Por meio dos cuidados
garantimos a vida, “recuamos” a morte, não só preservando a saúde, mas abrindo
horizontes de possibilidades para a vida.
3.4. Visão da Saúde/Doença: a Diferença entre Adoecer e o
Doentizar da Comunidade na Educação Sociocomunitaria
Durante o tempo que permaneci junto à comunidade, nos trabalhos em
grupo, concretizo que para se promover e realizar ações em saúde se deve,
portanto, acolher e religar os diversos saberes que contribuem à vida humana
respeitando sua diferença sem, contudo, desprezar o que consideramos de cientifico
na profissão.
Precisamos, antes de criticar um modelo de vida oferecer outro que atenda
as necessidades de saúde integral do ser humano. Chamo a atenção aqui pela
forma de doentização do sentimento da comunidade, pois muitos se apresentam
invadidos por sentimentos indefinidos, manipulados pela vida excludente atual da
periferia, problemas sociocomunitarios do mercado globalizado excludente.
83
Observei homens e mulheres perdidos de sua identidade de sujeitos
históricos, perambulando por consultórios médicos de várias unidades de saúde em
busca da autoajuda, dependentes de psicotrópicos; inúmeros indivíduos se
alimentando do seu problema atual, ou seja, a doença do sentimento, a falta de
compreensão,
sem
diálogo
honesto
sobre
suas
desordens,
apresentando
incontáveis problemas sociais, orgânicos, culturais ambientais, sentimentais que
contribuem para o seu mal estar.
Observo uma procura de tratamento rápido, de forma imediatista, tratando
apenas o físico, na procura de um medicamento e de terapias milagrosas que,
muitas vezes, iludem ou atrasam o encontro inevitável com a verdade real de cada
um. Ao mesmo tempo em que os sentimentos são doentizados, perde-se um tempo
precioso para o diagnóstico precoce das patologias orgânicas embasados no
raciocínio medico-cientifico, promovendo o tratamento da cura das doenças, se
esquecendo do tratamento da alma, de tratar a depressão, o cansaço físico, o
estresse, a ansiedade frente às mudanças do dia a dia, as dificuldades financeiras, a
falta do autoconhecimento, as dores e o medo da vida em cada momento.
Presencio inúmeros olhares perdidos da sua realidade sem identidades e na
procura de novas paisagens; muitos adoecidos em caminhos enganosos,
adormecidos de lutar, acomodados com a falta de esperança, de oportunidade,
sobrevivendo após se reinventar como ser humano, numa relação mútua de
compaixão por si mesmo.
Percebo que muitos têm a necessidade de calar este sentimento
aprisionando-o na doença, tratando-o de modelo terapêutico e químico, só fazendo
retardar o encontro consigo mesmo. Não afirmo que, contudo, não existam doenças
físicas, mas que devam ser avaliadas como um todo no ser humano em seu intimo;
doenças que devem ser acompanhadas e tratadas adequadamente, tanto no arsenal
psíquico, no resgate cultural como físico.
Gostaria aqui de introduzir a reflexão sobre como a educação se
caracteriza como uma proposta de possibilidade de cuidado do
humano em sua inteireza, quando falo em inteiro me refiro a tudo
completando a expectativas de saber cuidar a educação media a
saúde e medicina como um farol a nortear os caminhos a serem
percorridos. ‘A leitura do mundo antecede a leitura da palavra’
(FREIRE, 2003, p.81).
84
Neste panorama vemos profissionais incapacitados para educar e lidar com
o encontro humano vivendo junto à comunidade numa relação efêmera, sem vínculo
afetivo, amoroso, dominando e empobrecendo a cada dia a relação de amizade e
reconhecimento do ser humano.
Exilados da própria saúde, os membros da comunidade tornam-se
prisioneiros da doença, cárcere dessa relação, diminuindo a perspectiva e qualidade
de vida e pagando com lágrimas de sangue; assim, o homem se torna escravo da
doença e, em contrapartida, a sociedade não consegue enxergar esta perspectiva
de olhar o ser humano como um todo − mente e corpo – e, pela voracidade do lucro
fácil que faz com que a doença se apresente como uma fonte inesgotável de giro de
capital se torna necessário alimentar esta máscara.
Outra situação que vem contribuindo com toda esta situação é a prática da
automedicalização na busca da solução para os problemas, por meio da
ilusoriamente defendida por muitos como natural e isenta de riscos, mas que
sucumbe aos limites éticos.
A superação e não a ruptura se dá na medida em que a curiosidade
ingênua, sem deixar de ser curiosidade, pelo contrário, continuando a
ser curiosidade, se criticiza. Ao criticizar-se, tornando-se então,
permito-me repetir curiosidade epistemiológica, metodicamente
rigorizando-se na sua aproximação do objeto conota seus achados
de maior exatidão (FREIRE, 2003, p. 31).
A saúde não pode ser mercadoria, que se troca em balcões, nem tampouco
a educação; atender as solicitações para o consumo de medicamentos na procura
da solução dos problemas não é uma estratégia de promoção de saúde é mais uma
forma de reduzir o sujeito a um mero consumidor que, no momento de sua dor, não
mede as consequências dos recursos que utiliza para a cura do mal que o aflige,
ainda que este não esteja no corpo, mas sim nas suas relações pessoais e sociais,
bem como nos símbolos que elegemos para manter nossa integridade enquanto
seres racionais. Dessa forma, cresce o consumo de antidepressivos, anorexígenos,
medicamentos para dormir, como resposta à procura do próprio eu, na busca da
cura da depressão, da ansiedade, da angústia, do sentimento de insegurança, das
inter-relações sociais desequilibradas.
Como proposta de educação, neste contexto, concordo com a pedagogia
freireana que valoriza o conhecimento como produção cultural e afirma que só tem
85
sentido se possibilita aos seres humanos viverem com dignidade se estiverem a
serviço da vida, contra qualquer tipo de opressão; conhecimento esse que acontece
na dimensão do encontro humano, que supõe escolhas, preferências, opções,
rupturas e conflitos.
Para tal pesquisa foram realizados a formação e o trabalho em grupo junto à
comunidade, como terapias, discussões, palestras, diálogos e troca de informações.
Nesse sentido, o papel do ACS foi de muito valia, pois, foram os mesmos que
formaram os grupos, conforme avaliação e necessidade do momento; foi o método
que encontramos para a valorização da semiótica observando os ACS neste
trabalho participativo de observações, interpretações das necessidades e da
valorização das representações sociais, bem como, igualmente, a valorização da
educação sociocomunitaria, contribuindo para a transformação das pessoas do
grupo em membros bem adaptados dentro da comunidade, satisfazendo suas
necessidades, reintegrando-as socialmente, valorizando a autoestima, promovendo
a educação, a prevenção da saúde e a qualidade de vida.
Semiose e comunicação não só se distinguem pela presença ou
ausência do comunicador, mas também pela intenção de comunicar.
A comunicação humana é o sistema que estabelece correlação entre
os signos e significados. Os significados de um signo se baseiam
num dialogo ‘é um fenômeno de cultura descrito pelo sistema de
relação que a comunicação define como aceito por determinada
grupo em determinada época’. (SANTAELLA, 2002, p. 151).
A satisfação maior foi da pesquisadora que pode contribuir com esta incrível
descoberta do potencial dos ACS e dos seres humanos na sua capacidade de
superação; os encontros foram satisfazendo suas necessidades de diálogos com o
grupo de terapia, através do CUCA LEGAL (em Anexo), que no seu início era
realizado de 15 em 15 dias e que, após solicitação dos participantes, passaram a ser
realizados semanalmente, permitindo a palavra e os acontecimentos como parte da
experiência de vida de cada um transformando a vida oprimida em oportunidade
criticas de transformações.
Isto fazendo a comunidade interagir e tratar mentalmente seus estímulos de
superação das dificuldades, proporcionando um novo significado frente à
doentização, buscando um sentido na vida equivalendo que a doença só traz
doença e os profissionais podendo interpretar e descobrir a verdadeira semiose.
86
Além do CUCA LEGAL foram trabalhados e implantados outros grupos
(descritos no Quadro 1), conforme a necessidade da sociedade, promovendo, por
meio dos grupos, ações em saúde religando os diversos saberes que contribuem
para a vida humana, respeitando suas diferenças, cultura, mitos, insegurança,
medos, sem desprezar o exercício profissional, entendendo as dificuldades
crescentes da desigualdade social, as políticas públicas, de educação junto com a
ética e a competência.
Concordo com Paulo Freire (2003, p. 66) quando redimensiona as relações,
pois, somente os seres humanos podem refletir sobre sua própria limitação e são
capazes de se libertar desde, porém, que sua reflexão não se perca numa
vaguidade descomprometida, mas se dê no exercício da ação transformadora da
realidade condicionante.
“O futuro não nos faz. Nós é que refazemos na luta para fazê-lo” (FREIRE,
2003, p. 56).
No capítulo que segue essas discussões continuam a ser tratadas na
exposição e análise dos dados coletados durante a investigação, uma vez que são
abordadas as práticas cuidadoras na educação e na saúde e as situações limitantes
que no nosso cotidiano dificultam − quando não impedem − a realização do que
consideramos a prática do cuidar, do que propomos discutir para a melhoria da
assistência à saúde, do que acreditamos na formação do ACS que passa a ser um
fator importante e decisivo para a mudança do paradigma meramente clinico
assistencialista e biomédico para um modelo que amplie com autonomia e
responsabilidade a discussão sobre o adoecer, suas causas, condições, significados
e ações culturais e públicas propostas.
Propomos que a educação sociocomunitaria, através dos grupos, investigue
a articulação entre a comunidade, envolvendo seu caráter emancipatório,
instrumentalizando e se expressando por meio das intervenções educativas para a
consecução de transformações sociais.
Como já mencionado nos capítulos anteriores entendemos que a medicina é
somente um dos pilares da saúde, assim, para cuidar da educação e promoção em
saúde torna-se necessário ir além do conhecimento do modelo biomédico, focado
nas queixas clínicas do indivíduo, orientando os diagnósticos e tratamento sem
analisar o contexto em que as mesmas acontecem, assim como seus fatores
87
associados ao trabalho, ambiente, educação, determinantes da doença como vemos
nos relatos de Laplatine (2004).
Laplatine (2004), apontando para a cultura como responsável pelo modelo
de apresentação da doença, nos permite analisar, neste tempo de descartáveis
relações virtuais, quais os símbolos e significados que a vida humana precisa
reconstruir para ter sentido sua existência histórica.
Esse inacabado consciente de si mesmo é o que nos vai permitir
perceber o não-eu. O mundo é o primeiro não-eu. Você por exemplo,
é um não-eu de mim. É a presença do mundo natural como não-eu
que vai atuar como um estímulo para desenvolver o eu. E nesse
sentido, é a consciência do mundo que cria minha consciência.
Conheço a diferente de mim e nesse ato me reconheço (FREIRE,
2008, p. 28).
Valorizo aqui a educação para a libertação, em oposição à domestificação; é
a que possibilita formar indivíduos autônomos, em contraposição a analfabetos
políticos; por analfabetos políticos entendemos a condição apontada por Freire:
Se do ponto de vista linguístico, o analfabeto é aquele ou aquela que
não sabem ler e escrever, o ‘analfabeto politico’ não importa se sabe
ler e escrever, ou não, é aquele e aquela que tem por percepção
ingênua dos seres humanos em suas relações com o mundo, uma
percepção ingênua da realidade social, para ele ou ela, é um fato
dado algo que é e não que esta sendo (FREIRE, 2001, p. 105-106).
Dessa forma, pensamos que os saberes necessários para a formação dos
agentes comunitários de saúde devam ser reorganizados, junto aos formadores e a
comunidade, a fim de reintegrar os saberes técnicos do ambiente acadêmico, aos
saberes do cotidiano, abstendo-se de levar o modelo assistencialista dominante, que
se baseia na escuta e satisfação das queixas clínicas do indivíduo que procura as
unidades de saúde, ou durante as visitas domiciliares, desenvolvendo um modelo
baseado na valorização cultural e na representação social.
88
CAPÍTULO IV − O TAO E SUA TRAVESSIA ENTRE A SAÚDE E A
EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITARIA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra,
tinha uma pedra no meio do caminho tinha,
uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida,
de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que, no meio do caminho,
tinha uma pedra tinha uma pedra,
no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra.
Carlos Drummond de Andrade
A vida é um caminho de sombras e luzes.
O importante é que se saiba vitalizar as sombras e aproveitar as luzes.
Henri Bergson
89
Neste capitulo refletimos sobre a formação de educadores em saúde, os
ACS, de modo que esses se constituam em medicadores entre o conhecimento
científico sobre as práticas em saúde e as comunidades, dialogando com as ciências
da educação e da saúde, interligando os saberes, na educação sociocomunitaria.
Estes
profissionais,
com
suas
linguagens
características,
partilhantes
da
reconstrução e ressignificação do cotidiano das pessoas que se encontram em
situação de vulnerabilidade no contexto sócio-econômico-cultural, são de extrema
importância na implantação de outros modelos possíveis de saúde pública.
Propomos a sua formação como educadores e intérpretes junto às suas
comunidades, a partir do caminho das interpretações, reconstruindo e questionando
métodos até agora utilizados, promovendo um modo de vida saudável.
Conforme Gohn (1999) não obstante o desenvolvimento diferenciado entre a
relação práxis comunitária e práxis social, é preciso reconhecer que os que se
ocupam da práxis comunitária impactam a presente realidade econômica, social,
política e cultural com suas ações teórico-práticas. E fazem isso a partir de
diferentes iniciativas, muitas das quais relacionadas à educação, que se torna uma
das mais destacadas formas de atuação. O espaço educativo ocupado pela práxis
comunitária não é o da educação formal, mas, preponderadamente o da
denominada educação não-formal.
O diálogo é o sentimento do amor tornado ação. As trocas entre o homem e
a natureza são originalmente regidas pelo diálogo. (FREIRE, 2003, p. 47).
A compreensão de um objeto nos conduz a um discurso, porém,
sabemos que a educação é um discurso dotado de finalidade prática
e, embora possamos disputar se essa prática é uma arte, se é uma
ciência, se é uma práxis ou se é todas essas formas de agir e mais
algo que nos escapa, o fato é que, reduções lógico-didáticas não
podem preceder, nesse caso, a prática, mas sim serem construídas a
partir dela. (GOMES, 2008, p. 44).
Em síntese, o que propomos é a necessidade da formação dos ACS por
meio de uma metodologia que contemple o conhecimento e os significados de sua
cultura, valorizando seu conhecimento cientifico social para a mudança necessária
na educação/saúde e promoção para a qualidade de vida.
Gostaria desde já de manifestar minha recusa a certo tipo de crítica
científica que insinua faltar rigor no modo como discuto os problemas
e na linguagem demasiado afetiva que uso. A paixão com que
90
conheço, falo ou escrevo não diminuem o compromisso com que
denuncio ou anuncio. Sou uma inteireza e não uma dicotomia. Não
tenho uma parte esquemática, meticulosa, racionalista e outra
desarticulada, imprecisa, querendo simplesmente bem ao mundo.
Conheço meu corpo todo, sentimentos, paixão. Razão também.
(FREIRE, 2003, p. 18).
Por razões experimentais e instrumentais entendemos que a visão da
ciência e da educação na saúde afirma que os profissionais se consideram
detentores da razão e do saber, devido ao seu controle lógico e tecnológico dos
processos de “cura” e de compreensão da doença, não valorizando o poder das
relações sociais e da cultura popular.
Encontramos um alento em Paulo Freire, o educador para além de todo o
tempo, uma reflexão precursora, fundante de sua pedagogia, que para ele o
conhecimento é como produção cultural: só tem sentido se possibilita aos seres
humanos viverem com dignidade se estiverem a serviço da vida e sua totalidade,
contra qualquer tipo de opressão, uma pedagogia de cidadania. (FREIRE, 2002).
Enfatizo que para que realmente ocorra a consolidação do PSF como solicita
o Ministério da Saúde, necessitamos de uma adequada educação em saúde,
continuada e incansável, fortalecendo a existência dos profissionais embasados nos
conhecimentos da cultura, da semiose, das representações sociais, da semiologia
de saúde/doença, nas atitudes e habilidades adequadas, preparados e capacitados
para assumir um perfil adequado ao tipo de trabalho proposto, garantindo uma nova
visão de trabalho em saúde pública.
A educação em saúde configurou-se através dos tempos como uma das
principais estratégias para garantir o desenvolvimento de ações de controle e
prevenção de doenças, particularmente junto aos setores marginalizados da
população. Esse tipo de iniciativa surgiu no Brasil, no início do século XX, quando o
país encontrava-se assolado por epidemias e graves problemas sociais, decorrentes
da intensa urbanização. Nesta época, a educação em saúde assumiu uma grande
valorização, através das determinações de normas de condutas sociais e de higiene,
capazes de modificar hábitos e de adaptar os indivíduos às suas condições de vida
garantindo um maior atendimento à saúde, uma vez que a visão desses agravos
aumentavam os índices de mortalidade (LARROSA, 2002).
91
Compreendo a educação como atividade social, fundamentada no
respeito e na construção coletiva do saber, segundo uma perspectiva
crítica e progressista da problemática da saúde e de seus
determinantes socioeconômicos, políticos e culturais. (LARROSA,
2002a, p. 76).
A educação sociocomunitária é dotada de intenção de estabelecer a
identidade de um grupo dentro da comunidade científica, ou seja, se
refere muito mais ao aspecto cultural e político da comunidade
científica, em suas disputas por verbas, reputação e poder, do que
ao aspecto lógico-metodológico que muitas vezes as divisões se
propõem enfatizar. (GOMES, 2008, p. 45).
O
que proponho é que a educação sociocomunitária seja vista neste
trabalho como um processo de fazer sentido de mundo a partir de uma práxis
educativa, fundada na busca pela autonomia dos sujeitos, sem se opor às demais
áreas da educação, vista simetricamente sob a perspectiva do sujeito que a praticou
ou dos valores desse sujeito, construindo um modo de ser e fazer educação junto à
comunidade.
É preciso, portanto, compreender que ao se propor o estudo da
Educação sociocomunitaria, a proposta não é feita como hipótese de
resolução de todos os problemas sociais e educativos, mas como
problematização das possibilidades de
emancipação de
comunidades e pessoas em constituir articulações politicas,
expressas em ações educativas, que provoquem transformações
sociais intencionadas. (GOMES, 2008, p. 49).
Concordo com o modelo educacional de Paulo Freire (2003), no qual a
educação
levanta
ferramentas
necessárias
para
o
desprendimento
e
despertamento, para uma ação e reflexão dos homens sobre o mundo, para
transformá-los.
Atravessar as encruzilhadas dos saberes científicos, históricos e
populares e refundar o caminho que liga o conhecimento da
academia às comunidade carentes. Caminho esse, reconstruído por
meio do estudo sistemático dos candentes problemas humanos,
embasado na vasta literatura médica e das ciências humanas,
contrapondo da visão reducionista que evoca tão somente a boa
vontade, o saber incauto sem lucidez que perpetua as relações de
dominação e exploração. (FREIRE, 2003, p.51).
Frente à pesquisa pude perceber que a formação de educadores-intérpretes
junto às suas comunidades, no dia a dia, cria um caminho reflexivo na construção de
relações dialógicas, relações de questionamentos na doença-saúde, tanto para a
92
comunidade quanto para o ACS, favorecendo uma melhor qualidade de vida,
colocando a doença não como finalidade das práticas e o ser doente como um mero
espectador da doença, nem reduzindo a doença à situação miserável.
O modelo de educação aqui proposto incentiva e trabalha em grupo e
concentra ferramentas necessárias para o despertamento e reflexão sobre a saúde
e a qualidade de vida, pois, evoca a boa vontade de participar e aprender voltados
apenas para uma troca de conhecimento e educação, sem relações de domínio e
exploração. As práticas educativas dentro dos grupos são consideradas propostas
de melhoria e boa aceitação para a mudança.
A educação se refaz permanentemente na práxis, no estar-sendo, no
mundo, na comunidade dos sujeitos, na reconstrução de seus significados e no
reconhecimento de sua importância no mundo. A conscientização dessas
possibilidades, por parte dos sujeitos envolvidos na proposta aqui apresentada, é um
dos pilares dessa educação e passa a ser uma atitude frente à realidade cultural de
sujeitos que se encontram diariamente nos grupos, mediando suas vidas,
reconhecendo e compartilhando outras informações e saberes,
bem como se
reconhecendo como parte integrante de uma comunidade.
“Educar é substantivamente afirmar. Divinizar ou diabolizar a tecnologia ou a
ciência é uma forma altamente negativa e perigosa de pensar errado”. (FREIRE,
2003, p. 33).
Junto à comunidade, a educação se realiza através da linguagem e da troca
dialógica: esta linguagem não apenas veicula o saber sem juízo moral de
superioridade ou inferioridade, mas é a própria tessitura de saberes que reintegram
o humano, homens e mulheres, em sua dimensão cósmica.
Nesta perspectiva os ACS são pontes entre os saberes populares e os
saberes acadêmicos, vinculando a realidade social de cada um, sem abrir mão de
suas características culturais, reunindo saberes comuns. Com suas histórias vividas
na mesma comunidade na qual trabalham, a sua linguagem e seus saberes
peculiares são, por excelência, os mediadores desse encontro de saberes com os
membros da comunidade, possibilitando a ligação e o reconhecimento de um modo
de cuidar que valorize todas as características da comunidade trabalhando a
educação nos seguintes pontos:
93

Valorizando a alimentação como fonte de vida.

Valorizando os cuidados de higiene e saúde.

Cuidando do meio ambiente, água, lixo, terra; valorizando o lugar de
pertencimento e não de dominação.

Valorizando o corpo, o seu reencontro com a atividade física, dança,
ginastica, canto, caminhada.

Religando os saberes populares e a cultura através das rodas de viola.

Valorizando os saberes populares frente à cura, com uso de plantas
medicinais, como mais uma forma de tratamento.

Acolhendo as práticas religiosas, rezas, benzeduras, que nos religam
ao sagrado, ao encontro do eu e o tu, junto ao tratamento proposto pela medicina.

Conhecendo criticamente as políticas públicas de saúde e propostas
para as práticas integrativas que se referem aos saberes da comunidade como sua
cultura.

Cuidando e proporcionando a boniteza da vida através dos grupos de
pintura, artesanato, crochê, bordado, valorizando o aprendizado e aumentando a
renda familiar.

Proporcionando bem estar, integração da equipe e comunidade nas
festas comemorativas.

Valorizando a vida através do canto.

Reintegrando o ser humano,
sua autoestima e independência na
escola de alfabetização de adultos.

Promovendo
uma
viagem
linda,
conhecendo
novos
mundos,
valorizando a imaginação através da leitura na biblioteca pública.

Dialogando com os grupos terapêuticos “CUCA LEGAL E PENSANDO
JUNTO”, reintegrando a pessoa na comunidade, proporcionando qualidade de vida.

Promovendo grupos relacionados aos programas do Ministério da
Saúde, com diferentes faixas etárias − adolescente, gestante, homem, criança, idoso
− sobre os problemas atuais, dentre eles doenças, promiscuidade, prostituição,
doença mental, drogatização, gravidez na adolescência, alcoolismo, planejamento
familiar, DST/HIV, acidentes domésticos, entre outros.

Conhecendo e decifrando as práticas educacionais e os saberes
populares culturais para a promoção da qualidade de vida; valorizar a semiose.
94

Dialogando e trocando informações críticas sobre as doenças, meios
de prevenção junto aos grupos do HIPERDIA, favorecendo o conhecimento a
respeito de sua patologia, do diagnóstico ao tratamento, conhecendo os direitos e
deveres da comunidade na participação e responsabilidade de sua doença e da
promoção da saúde publica.

Articulando e participando dos grupos comunitários e sociais em
benefício da saúde e da qualidade de vida da população nos centros comunitários
do bairro, creches, escolas.
Segundo Larrosa (2002) a educação deve constituir-se em uma prática que
produz e transforma a experiência que as pessoas têm de si mesmas, com a
primazia da visão conservadora voltada a reforçar o controle social. Este modelo de
atenção à saúde está em construção, sendo fundamental para sua concretização a
participação conjunta da clientela e dos profissionais de saúde. A experiência
relatada evidenciou o vínculo que deve ser formado entre as duas unidades citadas,
para o reconhecimento cultural das interpretações, sendo necessário entender o
processo saúde/doença e nele interferir positivamente.
A educação sociocomunitária é uma divisão na Ciência da Educação
que, como as demais, envolve seus interesses e riscos. Proposta sua
investigação, a partir de evidências históricas de sua ocorrência
prática, necessita ser investigada tanto sob a perspectiva histórica
como sob a perspectiva crítica de sua prática, notadamente, como
enfatizamos, em suas categorias de comunidade e intervenção
educativa. (GOMES, 2008, p. 60).
A experiência vivida durante a realização desta pesquisa, além de ter sido
prazerosa, contribuiu para uma nova visão da pesquisadora em reconhecer o quão
importante é o mundo da semiose e das interpretações, a valorização do
conhecimento alheio, a importância das representações sociais e da educação
sociocomunitaria.
Revelo
aqui
a
importância
do
compartilhamento
de
saberes/práticas, bem como a construção de novas formas de lidar com a
saúde/doença como objeto de discussão trazido para a roda, ou atividades
educativas. Os ACS foram trabalhados para focar suas ações numa prática
interpretativa, respeitosa e dialógica e, com isso, pude perceber o mesmo
entusiasmo e a mesma mudança ocorrida em mim. Em todo momento participaram
ativamente nas decisões que competiam também a eles, sabendo ter uma
95
responsabilidade social em relação a sua profissão, a sua atuação para com a
comunidade na promoção da qualidade de vida.
“A educação sociocomunitaria parte para um tipo de processo educacional
marcado
por
intervenções
educativas
que
articulam
a
comunidade
para
transformações sociais”. (GOMES, 2008, p. 46).
O ACS, por meio das práticas efetivadas nos vários grupos de sujeitos que
passaram a frequentar a unidade de saúde aqui referida, aprendeu a interpretar o
ser humano de forma ampla, passou a entender as possíveis causas de suas
doenças, não vendo o indivíduo de forma isolada, mas conforme as condições
sociocomunitarias, a precariedade das situações de moradia, emprego, cultura e
política. A população, por sua vez, colaborou e vem colaborando, cobrando,
denunciando possíveis falhas na administração, participando efetivamente com
depoimentos de vida que trazem à tona uma realidade que é vista por todos, porém,
enxergada por poucos. São situações de pobreza, de violência e de injustiça, que
dificultam o viver de muitas famílias.
É muito importante lembrar que, em todo ato de análise semiótica,
sempre ocupamos a posição lógica do interpretante dinâmico, pois
analisar também significa interpretar. Uma semiose só pode ser
estudada a partir do ponto de vista do analista. Esse ponto de vista
corresponde, na semiose, ao lugar do interpretante dinâmico. A
diferença que vai entre uma interpretação analítica e uma intuitiva,
muito embora a primeira não exclua a segunda, está na utilização
que a análise faz das ferramentas conceituais que permitem
examinar como e por que a sugestão, a referência e a significação
são produzidas. Saber que estamos na posição do interpretante
dinâmico, ou seja, de uma interpretação singular é um indicador de
um certo teor de humildade que deve sempre nos acompanhar, pois
interpretações singulares são sempre incompletas e falíveis. Mas, é a
consciência mesma da fatalidade que deve nos munir de energia e
empenho para que a análise seja tão cuidadosa e escrupulosa
quanto possível, o que implica um conhecimento seguro dos
conceitos e de sua operacionalização analítica. (SANTAELLA, 2002,
p. 39).
As atividades em grupo, que seguem relatadas, demonstraram a ampliação
dos territórios de ação do ACS e do Enfermeiro, na prática de inter-relacionar
saberes (saberes populares e de saúde coletiva), de exercer a profissão enquanto
trabalhadores e aprendizes de trabalhadores em saúde, com o destaque para a
inclusão da população no processo de construção do sistema de saúde vigente,
tomando-a como sujeitos de suas próprias ações.
96
Em seu texto “Tecnologias do Eu e Educação”, Larrosa (2002a, p.80)
considera os dispositivos pedagógicos como tecnologias do eu que “constroem e
medeiam a experiência de si, como um conjunto de operações de relações
orientadas à construção de um duplo e como um conjunto de operações de relação
orientadas à captura desse eu duplicado”.
Trata‐se, portanto, de uma série de mecanismos visuais-discursivos, que
estabelecem critérios e finalidades aos ACS em relação ao sujeito, em como ele se
vê, se expressa, narra e julga a si mesmo. Esta prática diária garante uma adequada
interpretação da identidade, personalidade e/ou essência do indivíduo; o ACS, dessa
maneira, garante uma educação mais atrativa, mais aceita e, com estes
mecanismos, igualmente garante ensinar ao Sujeito a ser sujeito, a (re) conhecer em
si mesmo os seus valores e seus cuidados com saúde/doença
Os acontecimentos da atualidade, convertidos em notícias
fragmentadas e aceleradamente obsoletas, não nos afetam no fundo
de nós mesmos. Vemos o mundo passar diante de nossos olhos e
permanecemos exteriores, alheios, impassíveis. (LARROSA, 2002b,
p. 136).
Segundo Larrosa (2002a), é interessante comprovarmos que à medida que
as notícias nos chegam rapidamente, na mesma proporção elas se tornam,
“aceleradamente obsoletas”.
Para tal observação e interpretação que o ACS faz do cliente, da
comunidade e das diferentes culturas agregadas e das interpretações da
saúde/doença ele deve relacionar a educação aprendida, pois, requer correlacionar
o conhecimento teórico/prático vivenciado no dia a dia e do mundo.
Assim, Larrosa (2002b, p.136) afirma que “consumimos livros e obras de
arte, mas sempre como espectadores ou para conseguir uma satisfação
intranscendente e instantânea. Sabemos muitas coisas, mas, nós mesmos não
mudamos com o que sabemos”.
Na escuta alguém está disposto a ouvir o que não sabe, o que não
quer, o que não precisa. Alguém está disposto a perder o pé e a
deixar-se tombar e arrastar por aquilo que procura. Está disposto a
transformar-se numa direção desconhecida. (LARROSA, 2002b, p.
138).
97
O ACS recebe orientação e é responsável por “repassá-la” para toda a
comunidade cadastrada, seja no domicílio, na comunidade ou na unidade de saúde
da família, relembrando que para que esta educação em saúde realmente aconteça
e mude a qualidade da vida da comunidade, ela tem que ser contínua. O ACS tem
que saber decifrar o indivíduo, valorizar sua cultura e realizar uma atividade
educativa continuada, fazer e refazer o processo de capacitação dos indivíduos e
dos grupos envolvidos a assumirem a solução dos problemas de saúde/doença.
Concordo com Gomes (2008), de que se faz necessária uma consideração
crítica e uma enorme cautela ao se substituir termos que designam coletivos
localizados, tais como grupos ou movimentos pelo termo comunidade, pois este
último é tomado por uma bondade ideológica quase tão imensa quanto os termos
família, no discurso social, ou vida, no discurso ético. A comunidade, como local e
prática do cotidiano é também o local onde se reiteram as tradições, onde se fixam
os preconceitos, onde se praticam, de forma transparente, as exclusões menos
perceptíveis, sob a égide serena dos hábitos e costumes; pode ainda ser o refúgio e
o lugar da resistência a mudanças, da ruptura possível e concreta em relação à
comunidade
A educação sociocomunitaria é, assim, numa primeira visão, o
estudo de uma tática pela qual a comunidade intencionalmente
busca mudar algo na sociedade por meio de processos educativos.
[...] ao buscar essa tática, a comunidade concretiza sua autonomia.
Buscar mudar a sociedade significa romper com heteronomia, com
ser comunidade perenemente determinada pela sociedade.
(GOMES, 2008, p. 54).
Particularmente no ESF, em que o paciente se mantém cadastrado e
vinculado, ocorre diariamente a educação em saúde, garantindo uma relação
educativa acentuada cliente/ACS/Profissionais de Saúde, na qual o cliente se torna
um importante promotor de seu conhecimento, consegue discernir sobre seu estado
de saúde e da relação desta com o seu modo de vida e trabalho.
Na realização da educação em saúde o paciente deverá adquirir
conhecimentos suficientes sobre seus problemas e suas enfermidades para que
modifique suas atitudes e práticas. Este método de trabalho tem a intenção de
ajudar os indivíduos a remover certos hábitos de seu comportamento e auxiliar na
prática educativa em saúde, dando poder aos indivíduos sobre o controle de suas
vidas. Assim, a educação em saúde também ajuda as pessoas a examinarem as
98
bases sociais de suas vidas, enquanto situações adversas à saúde em suas
comunidades (CORRÊA et al, 2007).
Concordo com Corrêa et al. (2007) quando ressaltam que propor mudanças
de condições de vida e de valores é importante, pois produz novos comportamentos
nas pessoas e essas características não podem ser consideradas fora de um
contexto sócio histórico individual e coletivo, construído ao longo de anos.
O trabalho de educação em grupo é formado por um conjunto de pessoas
que possuem objetivos em comum e, para atingi-los, reúnem-se em um espaço de
tempo e lugar determinado, para expor conhecimentos, afetivos, aflitivos, dúvidas,
troca de experiências, portanto, estão sempre ali a espera de conhecimento e
respostas às suas expectativas.
Este tipo de educação deve ser permanente elaborada e direcionada a
qualificar a equipe de saúde da família em atividades correspondentes ao nível
primário de atenção à saúde. Mecanismo este que garante o desenvolvimento da
equipe a partir do momento que proporciona qualificação profissional. Nesta são
abordados diversos temas, como o conceito de família, o trabalho em equipe, a
prática da visita domiciliária, a educação em saúde, a importância da educação
permanente, a relação do profissional com a comunidade, o preparo do ACS para
atuar no PSF, atuação em grupo, diversas patologias, prevenções em geral, vacinas,
alimentação, entre outros.
A educação sociocomunitaria oferece a possibilidade de propor uma
educação “que ocorre fora da escola, ou seja, no ‘por ai’ da sociedade, sob forma
institucional ou não”. (GOMES, 2008, p. 48).
A partir da educação comunitária em saúde o ACS compreende e assiste o
indivíduo no ambiente onde vive, possibilitando uma melhor percepção das relações
interpessoais, bem como as condições socioeconômicas e culturais existentes no
núcleo familiar, compreendendo o indivíduo de forma integral e articulada entre si e
com os demais subsistemas sociais, para que o cuidado holístico possa se
estabelecer.
Não há nenhum critério apriorístico que possa infalivelmente decidir
como uma dada semiose funciona, pois tudo depende do contexto de
sua atualização e do aspecto pelo qual ela é observada e analisada.
Enfim, não há receitas prontas para a análise semiótica. A
necessidade de uma heurística por parte de quem analisa e,
sobretudo, da paciência do conceito e da disponibilidade para
99
auscultar os signos e para ouvir o que eles têm para dizer. Quando
analisamos semioticamente, estamos sempre na posição de
interprete dinâmicos, singular e, por isso mesmo, falível. Isso só
aumenta nossa responsabilidade, pois toda semiose tem uma
objetividade semiótica que deve ser respeitada. (SANTAELLA, 2002,
p. 43).
Por meio das visitas domiciliárias e do conhecimento educacional se
estabelece uma ponte para garantir formas de intervenção, pois, tais visitas
permitem conhecer as condições de vida e saúde da população e, a partir deste
conhecimento da realidade elabora-se a educação em saúde, como uma prática de
muito valor para melhorar os hábitos de vida da população. As informações sobre o
processo saúde/doença são trabalhadas com as famílias como forma de despertar a
consciência para uma vida mais saudável; esta por sua vez é realizada em qualquer
contato da população com o ACS. Tais ações educativas são consideradas um
instrumento de transformação social, que poderá propiciar a reformulação de
hábitos, a aceitação de novos valores e mudanças de comportamento.
Gomes propõe que a educação sociocomunitaria seja:
Um tema ou área pertinente à educação social, na medida em que
seu problema ultrapassa tanto a questão do ‘lugar institucional, como
da finalidade em relação ao educando’, para situar-se no modo de
articulação da comunidade e no alcance do processo educacional
consequente a essa articulação em relação às transformações
sociais. (GOMES, 2008, p. 49).
Um fator importante a ser trabalhado na educação em saúde são as
condições sociais, a maneira como o indivíduo enfrenta seus problemas e como as
informações são apresentadas e resgatadas pelo ACS. Dessa forma, podemos
relacionar os grupos sociais e seu processo de conhecimento de saúde/doença.
Outro fator que considero primordial é o relacionamento profissional entre o
ACS e a comunidade, neste deve haver um elo, de conquista e confiança, de
entrosamento com a comunidade em geral e em particular com cada indivíduo. Tal
relacionamento acontece pela comunicação: daí a necessidade de saber abordar e
ajustar este diálogo conforme as diferentes pessoas, com seus níveis culturais,
classe social e opções religiosas, sendo necessário, portanto, estabelecer uma
atitude ética, sem preconceitos, mistificações, prejulgamentos estabelecidos,
fornecendo uma comunicação acessível e igualitária a todos os indivíduos
envolvidos neste processo educacional.
100
A grande tarefa do sujeito que pensa certo não é transferir, depositar,
oferecer, doar ao outro, tomando como paciente de seu pensar, a
inteligibilidade das coisas, dos fatos dos conceitos. A tarefa coerente
do educador que pensa certo é, exercendo como ser humano a
irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quem se
comunica, a quem comunica, produzir sua compreensão do que vem
sendo comunicado. Não há inteligibilidade que não seja comunicação
e intercomunicação e que não se funde na dialogicidade. O pensar
certo por isso é dialógico e não polêmico. (FREIRE, 2002, p. 21).
Outro fator a ser evidenciado junto à equipe no desenvolvimento da
educação em saúde, e que ficaram evidentes durante as visitas, foram as tentativas
dos clientes em “burlar” a dominação do fazer médico-curativo. Quando percebidas
tais práticas o cliente, geralmente, é rotulado de rebelde, não-cooperativo, difícil de
se lidar, pois a não aceitação das orientações e do tratamento proposto é percebida
como “ignorância”, “falta de vontade”, “produto da miséria social”. No entanto, como
aqui considerado, essas tentativas, na maioria das vezes, ocorrem porque as
relações pessoais, o respeito à cultura, o compartilhamento de poder sobre o corpo,
a vida, não são evidenciadas. O vínculo não está concretizado: ou porque o ACS
não foi convincente a ponto de conseguir garantir uma mudança, ou até mesmo
porque ele não concorda culturalmente com o que está orientando, ou nem ele
adere ao tipo de informação envolvida nas orientações médicas, de qualquer forma
porque as posições dos sujeitos não foram reconhecidas. Foi trabalhado junto aos
ACS o porquê dessa “rebeldia”; discutiu-se sobre: como tentar decifrar a não
aceitação, ainda mais quando continuada, do cuidado?
Relato aqui um dos casos que mais me marcou nesse processo. Foi aquele
de uma senhora de 58 anos, com uma ferida crônica na perna devido a problemas
vasculares, “encostada” − conforme expressão da mesma − pelo Instituto Nacional
do Seguro Social (INSS). Mesmo com toda orientação e com todo cuidado da equipe
médica para com essa senhora, continuadamente, na época da perícia, ela se
descuidava da ferida e todo o tratamento retrocedia... Após investigação mais atenta
do caso, o que só foi possível mediante uma aproximação bastante dialógica no
sentido de serem estabelecidos vínculos de confiança, soube-se que a mesma tinha
inúmeros problemas de ordem de vulnerabilidade social e necessitava daquele
dinheiro do INSS para alimentar a família. Após entender a situação da cliente a
mesma pode confessar que sempre, antes da perícia médica que manteria ou não o
101
auxílio-doença, ela passava uma “buchinha “ na ferida para aumentar as bordas,
fazer sangrar, edemaciar e aparentar uma piora local.
A semiose, de acordo com Peirce, é um processo ininterrupto, que
regride infinitamente em direção ao objeto dinâmico e progride
infinitamente em direção ao interpretante final. Quando realizamos
uma análise semiótica, precisamos estabelecer alguns cortes
arbritários, sob o ponto de vista externo, mas internamente
necessários: como e onde colocar um limite no objeto dinâmico. O
que, afinal, queremos revelar com a análise? Que objetivos ela visa
atingir? É essa pergunta que deve sempre estar norteando até onde
se vai na pesquisa do objeto dinâmico e onde se deve parar o
processo interpretativo. O signo é múltiplo, variável e modifica de
acordo com o olhar do observador que, na semiose analítica, na sua
posição de interprete dinâmico, também é signo em diálogo com o
signo que esta sendo interpretado. É por isso que analisar
semioticamente significa empreender um diálogo de signos, no qual
nós mesmos somos signos que respondem signos. (SANTAELLA,
2002, p. 43).
Devemos, portanto, entender que rejeições ou resistências são ações
propositais que precisam ser muito bem entendidas, a partir daí as ações sociais e
educativas devem ser identificadas e ditadas por inúmeros motivos. Podem vir a
acontecer
por
motivos
como:
desinteresse,
medo,
ansiedade,
falta
de
convencimento, clareza, dificuldade na compreensão das informações, falta de
cooperação por diversas razões, abordagem ríspida, imposição de fatos sem dar
importância ao potencial da comunidade, não valorizando os moldes educativos
tradicionais e culturais preestabelecidos da comunidade, impondo moldes já prontos
e vinculados ao PSF...
Sugiro que se parta do princípio de trabalhar o próprio conhecimento da
comunidade e, aos poucos, transformar o que há de inadequado na realização da
prática em saúde e na qualidade de vida, mostrando algo novo, evidente, curioso,
diferente, que proporcione uma melhor qualidade de vida a todos. Destaco a
importância dessas afirmações, pois as resistências e incompreensões dos
tratamentos ou práticas preventivas propostas são entraves importantes para atingirse essa qualidade de vida.
A
busca
das
interpretações
acompanha
as
ações
educativas,
proporcionando conhecimento da realidade, valorizando e desenvolvendo uma
atitude coerente, com responsabilidade frente às mais diversas manifestações do
paciente. De maneira, que possa ser desenvolvida para sanar dúvidas e auxiliar em
102
qualquer situação corriqueira do dia a dia, atendendo às suas necessidades que,
muitas vezes, são singulares a determinada situação.
É só na relação com o interpretante que o signo completa sua ação
como signo. É apenas nesse ponto que ele age efetivamente como
signo. Entretanto, quando o signo é interpretado, esse ato embute os
outros dois aspectos do signo: o de seu fundamento e o da sua
relação com o objeto. Ao analisarmos os signos, temos de tornar
essa relação explicita. É por isso que a análise dos interpretantes
deve estar alicerçada na leitura cuidadosa, tanto nos aspectos
envolvidos no fundamento do signo como nos aspectos envolvidos
nas relações do signo com seu objeto, tais cuidados são importantes
para que não fiquemos presos nas armadilhas dos estereótipos.
(SANTAELLA, 2002, p.37).
Considero que o papel da educação em saúde deve existir dentro da
comunidade como parte integrante do dia a dia, em todas as atitudes de promoção,
prevenção, recuperação e garantia da qualidade de vida, colocando em prática todo
o referencial teórico, cuidados assistenciais, atividades em saúde. Infelizmente,
essas concepções se apresentam presas nos papéis, nos discursos educacionais e
se perdem frente às práticas baseadas no cuidado à saúde como exercício de poder
e controle. Como profissional, pesquisadora e enfermeira atuante no setor ESF,
valorizo aqui o papel do ACS e a importância do mesmo em ser conscientizado e
capacitado para desenvolver um trabalho de extrema importância, baseado nas
interpretações,
reconhecimento
das
semioses,
valorização
cultural
e
das
representações sociais, como já dito, possibilitando a transformação de um “sujeito
sujeitado” para um “sujeito autônomo”.
Portanto, não basta ter uma equipe de ACS apenas reprodutora de práticas
discursivas: esta equipe deve ser trabalhada para a realização de uma mudança real
dentro de si mesma, com formações de ideais e conhecimentos, reforçando a
inclusão da cultura daquela sociedade frente às suas interpretações de mundo, aos
direitos de cidadania, integrando o conceito de saúde ao contexto econômicocultural da educação em saúde.
É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode
melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à
reflexão critica, tem de ser tal modo concreto que quase se confunde
com a prática. (FREIRE, 2002, p. 22).
103
A educação em saúde deve ser concebida como propriedade libertadora,
democratizadora em todos os âmbitos da assistência à saúde da comunidade, e ser
vista, portanto, como uma emancipação através do saber. E, desse modo,
alcançando resultados desejados, no sentido da “mudança de hábitos” e reforçando
os lugares sociais e as posições dos sujeitos de saber/poder de saúde/doença.
Com o advento do Programa Saúde da Família (PSF), as atividades
educativas desenvolvidas pelos ACS têm sido reconhecidas como parte do plano
terapêutico, uma vez que se constituem num instrumento de intervenção da ciência
no cotidiano das famílias e da sociedade. A partir dessa fundamentação foi proposto
dentro da comunidade um trabalho educativo de grupos, uma forma organizada de
educação para saúde, envolvendo, profissionais da saúde, ACS e os membros da
comunidade sujeitos desse processo; igualmente importantes para a implantação
realização e manutenção desse processo educativo.
Sabemos que existem esforços e projetos de educação popular em Saúde,
principalmente a partir da década de 1970, que, segundo Corrêa et al. (2007),
infelizmente não se tornaram políticas públicas continuadas e eficazes. Ou seja, não
atingem as comunidades carentes em suas necessidades, concentrando-se em
alguns polos de atuação e, além de não contextualizar as ações de saúde nos
problemas principais da comunidade, não se relacionam territorialmente ou
culturalmente aos mesmos.
Estes esforços e projetos, bem como os já propostos, são experiências
relevantes na discussão e no papel de tentar as soluções dos problemas de saúde
pública e de formação dos ACS. Contudo, não foram suficientes, ou não tiveram em
seu fundamento a proposta de abordar adequadamente uma educação em saúde
que deve ser voltada para um resgate da cultura e da interpretação dos sinais,
aplicando práticas educacionais cuidadoras na saúde voltadas para a situação
limitante e através do cotidiano, elaboradas para a prática da educação do cuidar.
É justamente nesta formação da elaboração da educação em saúde e da
formação dos ACS que discuto aqui a importância desta ser reavaliada pelo
Ministério da Saúde, e não apenas estabelecer um conteúdo programático para
todos os demais centros formadores do Brasil. O que argumento aqui é que devem
ser elaborados modelos e práticas baseados nas experiências da comunidade, nas
dificuldades encontradas em cada comunidade, valorizando sua cultura e modo de
vida, sua territorialização e as diferenças das maneiras de vida de cada comunidade,
104
além de valorizar os princípios do SUS − integralidade, universalidade, equidade − e
quebrar de uma vez com paradigmas enraizados em sistema de saúde
assistencialista e curativo, ampliando a autonomia, a responsabilidade, a discussão
sobre o adoecer, suas causas, condições perpetuadoras e ações de educação
pública propostas para a prevenção e mudança da qualidade de vida.
4.1. Educação Sociocomunitaria, Cuidado e Saúde: o Tao Possível
Começo com a seguinte reflexão pedagógica freireana:
“Ninguém liberta ninguém. Ninguém se liberta sozinho. Os homens se
libertam em comunhão”. (FREIRE, 2003, p. 52).
Dessa forma, enfoco aqui que a educação se refaz permanentemente na
práxis, no mundo, ao redor do ser humano; os sujeitos vão se construindo e
reconstruindo reconhecendo seu valor no mundo, se descobrindo na vastidão do
mundo que o cerca.
Quando temos conscientização desse aprendizado se torna mais fácil a
aceitação das diversas formas de aprendizado, por meio da semiótica, na
interpretação dos sinais e representações sociais; a atitude concientizadora frente à
realidade cultural medeia a educação no mundo.
A vocação de saber o mundo para Paulo Freire se realiza através da
linguagem, que não apenas veicula o saber, sem juízo moral de
superioridade ou inferioridade, mas que é a própria tessitura de
saberes que ‘re-integram’ o humano, homens e mulheres, em sua
dimensão cósmica. (AZEVEDO, 2009, p.55).
Pois eu digo: Para o Terceiro mundo, assim como para o Primeiro, o
saber fundamental continua a ser a capacidade de desvelar a razão
de ser no mundo e esse é um saber que não é superior nem inferior
aos outros saberes, mas é um saber que elucida, é um saber que
desoculta ao lado da formação tecnológica. (FREIRE, 2001a, p.214).
Entre a sustentação pedagógica freireana destacamos os termos “boniteza,
fraternura, autonomia, coletivismo, diálogo, respeito às diferenças, valorização do
saber popular, democracia, ética e construção de um caminho possível para
105
alcançar o conhecimento”1. Frente a estes aspectos de postura amorosa e ética as
propostas pedagógicas são primordiais de serem trabalhadas dentro da unidade
ESF junto aos ACS e à comunidade. Tendo sempre em mente que a proposta
freireana é a de libertar a pessoa e a sociedade como uma possibilidade histórica de
cuidado nas relações de educação em saúde.
Parto do ponto de que o diálogo, dos diferentes com suas diferenças, no
encontro tem possibilidade de desmitificar as barreiras do conhecimento e favorecer
a troca de saberes, de modo que os sujeitos envolvidos se relacionam mutuamente
e deixam de estar em posição de sujeição de acordo com sua classe social, sua
cultura, título acadêmico (especialmente quando esse traduz numa “licença” aos
profissionais de saúde de serem os detentores do poder e do conhecimento sobre o
corpo/vida do Outro) e passam a se reconhecer no olhar do outro, “ressignificando”
suas práticas, trabalho este diário dentro do ESF.
Tenho o direito de ter raiva, de manifestá-la, de tê-la como motivação
para minha briga tal qual tenho o direito de amar, de expressar meu
amor ao mundo, de tê-lo como motivação de minha briga porque,
histórico, vivo a Historia como tempo de possibilidade não de
determinação. Se a realidade fosse assim porque estivesse dito que
assim teria de ser não haveria sequer porque ter raiva. Meu direito à
raiva pressupõe que, na experiência histórica da qual participo, o
amanhã não é algo pré-dado, mas um desafio, um problema. A
minha raiva, minha justa ira, se funda na minha revolta em face de
negação do direito de ‘ser-mais’ inscrito na natureza dos seres
humanos. Não posso, por isso, cruzar os braços fatalisticamente
diante
da
miséria,
esvaziando,
desta
maneira,
minha
responsabilidade no discurso cínico e ‘morno’, que fala da
impossibilidade de mudar porque a realidade é mesmo assim.
(FREIRE, 2000, p. 78-79).
Nesta visão vislumbramos a formação de educadores comunitários em
saúde, sendo que cabe aos ACS realizarem a ponte entre o saber popular e o saber
acadêmico. O saber acadêmico pode ser contextualizado na realidade social de
cada localidade, sem abrir mão de sua característica universal, reunindo saberes
comuns, regionais, relacionados à anatomia, fisiologia, patologia e história natural da
doença. Ao mesmo tempo em que os ACS, com sua história vivida no local, sua
1
Frequentemente Paulo Freire usa termos tais como boniteza e fraternura, que também utilizamos
neste trabalho, tanto como reinvenção de palavras como referência a palavras utilizadas nos diversos
lugares do Brasil, pois aprendemos nossa língua ouvindo os que a falam. Ana Maria Freire explica
esse processo de aprendizagem da língua e seu aproveitamento na escrita no capítulo “A sua
compreensão do ato de ler/escrever e o modo como escrevia”, na obra “Paulo Freire uma história de
vida”, publicada em 2006. (AZEVEDO, 2009, p.56).
106
linguagem e saberes populares peculiares, seriam os mediadores do encontro
desses saberes e destes com outro membros da comunidade, possibilitando a ‘religação’ e ‘re-conhecimento’ de um modo de cuidar que valorize todas as
características dos homens e mulheres. Neste contexto torna-se possível então
desenvolver o cuidado na saúde.
“Re-insisto em não ser possível anúncio sem denúncia e ambos sem o
ensaio de uma certa posição em face do que esta ou vem sendo o ser humano”.
(FREIRE, 2000, p. 119).
Tomando-nos capazes de inteligir o mundo, de comunicar o
inteligido, de observar, de comparar, de decidir, de romper, de
escolher, de valorar, nos fizemos seres éticos. Por isso, também,
capazes de transgredir a ética. [...] É por isso que uma das nossas
brigas fundamentais é de preservação da ética, é a de sua defesa
contra a possibilidade de sua transgressão. (FREIRE, 2003, p. 122).
Cada profissional que desenvolve seu trabalho junto à comunidade,
educando, deve ser capacitado para desenvolver e aplicar o seu saber com zelo,
para que sua prática não se torne nefasta, não se achando superior à comunidade.
Para tanto necessitamos aperfeiçoar continuadamente a formação profissional,
considerando sempre que a nossa população brasileira, em sua maioria, mal tem
olhos para o prato de comida vazio, não consegue saber seus direitos em nenhum
campo, ficando a cargo das “esmolas” de serviços públicos oferecidos, que muitas
vezes atuam desrespeitando suas opiniões, cultura, desvalorizando e desagregando
suas representações sociais.
Estratégia de Saúde da Família têm como meta a reorganização da
atenção à saúde e propõe uma assistência diferenciada, que vê o
indivíduo como um todo e prioriza as ações de promoção da saúde,
contribuindo para que passe a existir entre a comunidade e os
profissionais de saúde uma nova relação de confiança, de atenção e
de respeito. Esta relação fortalece o vínculo e o envolvimento entre
profissionais e usuários, favorecendo o ato de cuidar, e a melhoria da
qualidade de vida da comunidade, especialmente daquela excluída
(BRASIL, 2002, p.67).
Paulo Freire re-dimensiona essa relação:
Somente os seres que podem refletir sobre sua própria limitação são
capazes de libertar-se desde, porém, que sua reflexão não se perca
107
numa vaguidade descomprometida, mas se dê no exercício da ação
transformadora da realidade condicionante (FREIRE, 2001, p.66).
São reflexões que os promotores de saúde devem concretizar na vida da
comunidade, entendendo métodos de educação, reconhecendo os sinais, decifrando
linguagens, valorizando as representações e desmistificando que apenas o
conhecimento médico deve ser valorizado, promovendo um cuidado baseado no
conhecimento médico/paciente, clínico e cultural.
“O futuro não nos faz. Nós é que nos refazemos na luta para fazê-lo”
(FREIRE, 2001, p. 56).
4.2. O TAO, sua Travessia na Educação Sociocomunitaria: um
Relato de Experiência
4.2.1. Estrutura Física da Unidade
A estrutura física da unidade onde a pesquisa foi desenvolvida não está
comportando o volume de pessoas à procura de atendimento, porém, é bem
distribuída, com 4 consultórios dentre eles um específico para o atendimento de
ginecologia e obstetrícia, 1 sala de vacina, 1 sala de inalação, 1 sala de
procedimentos (curativos, injeções, verificação de SSVV, antropometria...), 1 sala de
esterilização, expurgo, farmácia, almoxarifado, consultório do dentista, banheiros
para clientes feminino e masculino, banheiro para funcionários, cozinha, despensa, e
um amplo salão com mesas e cadeiras, onde é possível acomodar 300 pessoas.
Nesse espaço são realizadas as atividades de grupo, “escolares”, biblioteca,
costura, dança e todas as demais oficinas, festas, etc...
O ambiente externo é amplo e, muitas vezes, quando o salão está ocupado
ou há necessidade de atividade ao ar livre, os grupos são feitos do lado de fora,
embaixo das grandes árvores frondosas, em especial os grupos trabalhados com a
parte psicológica.
108
4.2.2. Recursos Humanos
Dentre os recursos humanos estão enfermeiras, agentes comunitários de
saúde, auxiliares de enfermagem, técnicos de enfermagem, médicos, dentistas,
auxiliar de dentista, recepcionistas, guarda, auxiliares de limpeza, farmacêutica,
vigilância epidemiológica e estagiários de nível superior (enfermeiros, psicólogos,
nutricionistas, educadores físicos, fisioterapeutas, farmacêuticos, pedagogos).
4.2.3. Serviços Oferecidos
Os serviços oferecidos à comunidade são: atendimento à demanda
espontânea e àquela programada, sendo que a última envolve os seguintes
programas: puericultura, saúde da mulher, saúde do idoso, saúde mental, saúde do
adolescente, consultas clínicas, consultas de enfermagem, coleta de exames,
(prevenção do câncer de colo uterino e mamas, atenção a puérperas, pré-natal,
planejamento familiar), atendimento a hipertensos e diabéticos − HIPERDIA e visitas
domiciliárias.
É importante ressaltar, porém, que entre as consultas programadas
acontecem também àquelas provenientes da demanda espontânea.
Para as visitas domiciliares a unidade dispõem do carro 2 vezes na semana,
nas terças há coleta de exames domiciliares nos clientes acamados e nas quintasfeiras quando os profissionais necessitam realizar atividades extramuros, como
visitas domiciliárias, “exame do olhinho”, campanhas de vacinação e atividades
educativas em escolas ou igrejas junto à comunidade.
Os procedimentos realizados são: verificação de SSVV, antropometria,
coleta de exames laboratoriais, gasometria arterial quando necessária, coleta de
exame de colpocitologia oncótica, coleta de strepto B, curativos, inalações, injeções,
visitas domiciliares, administração de medicamentos EV (endovenosos), passagem
de SVD (sonda vesical de demora), retirada de corpo estranho, aferição de glicemia
capilar (DEXTRO).
109
4.2.4. Trabalho na Unidade
O trabalho na unidade é realizado da seguinte forma: consultas médicas e
de enfermagem todos os dias.
Nas segundas-feiras: pela manhã ocorre coleta de exames, consulta dos
hipertensos e diabéticos – HIPERDIA; a tarde consultas de puericultura, pré-natal,
pós-parto, tratamento de leucorreia.
Nas terças-feiras: pela manhã ocorre coleta de exames domiciliares,
realização de eletrocardiograma, consultas de puericultura, consultas de pré-natal
pós-parto, prevenção de CA de mama e colpocitologia oncótica; a tarde consulta a
adolescentes, prevenção de DST, gravidez na adolescência.
Nas quartas-feiras: pela manhã ocorre coleta de exames laboratoriais,
consultas dos hipertensos e diabéticos, puericultura; a tarde atendimento a
adolescentes, consultas de pré-natal, pós-parto, prevenção de CA mama e de colo
do útero, tratamento de leucorreia e no fim da tarde reunião com a equipe.
Nas quintas-feiras: pela manhã ocorre consultas HIPERDIA e saúde
mental, puericultura; a tarde visitas domiciliares, consultas de pré-natal, pós-parto,
prevenção de CA mama e de colo do útero, tratamento de leucorreia, consulta a
adolescentes.
Nas sextas-feiras: pela manhã e tarde acontecem as consultas HIPERDIA
e saúde mental, puericultura e a adolescentes.
4.2.5. Os Grupos
A realização das atividades dos grupos se dá conforme mostra o Quadro 1.
110
Quadro 1 - Realização de Atividades dos Grupos
Segunda-feira
Terça-feira
Quarta-feira
Quinta-feira
Sexta-feira
Grupo de
ginástica
Centro
Comunitário
Grupo letras
alfabetização
+ biblioteca
Grupo de
fisioterapia
Grupo letras
alfabetização
+ biblioteca
Grupo crochê
Grupo de
adolescentes
Grupo dança
Grupo de
Grupo nutrição
(Escola
unidade
caminhada
Estadual Ana
Maria)
Grupo de
puericultura
Grupo de
Grupo Cuca
Grupo de
Grupo nutrição
(Creche
gestantes
Legal
gestantes
Municipal
Jaraguá)
Projeto Olhar
Grupo Bom
Grupo de
Brasil
Pastor
capacitação
(exames
Grupo nutrição
(dependentes dos ACS de oftalmológicos
químicos)
15 em 15 dias na Creche) 1
X ano
Oficina do
Grupo coral +
cuidador 1 X
roda viola
ano.
Grupo de
pintura tecido
Grupo de
ginástica
Igreja Sta
Luzia
Fonte: Elaborado pela Pesquisadora
Obs: São também realizados anualmente, em datas comemorativas, festa
junina, bingo solidário, feira de artesanato, visita ao rio Tietê no Barco Escola,
gincana INTER-ESF (interação com todos os ACS e toda a comunidade dos
Bairros), campanhas vacinais conforme o calendário do Ministério da Saúde,
campanhas de Amamentação, campanhas de Doação de células-tronco, campanhas
de prevenção de CA colo útero, mama, DST, HIV, campanha do bem viver idoso,
campanha de Tuberculose, campanha contra fumo, campanha de prevenção de
gravidez na adolescência, campanha de Hanseníase, campanha do HIPERDIA
(diabete, hipertensão), campanha de Diarreia.
111
4.3. Na Busca do Caminho: o TAO da Comunidade Participante e a
Educação Sociocomunitaria
A quantidade de usuários na unidade à espera de atendimento é grande,
dentre eles crianças, mulheres, homens, adolescentes e idosos, que se perfilam nos
corredores em frente aos consultórios, esperando, com ânsia, a sua vez. Alguns
chegam com problemas de saúde de longo curso clínico, como diabetes ou
hipertensão, outros, porém, trazem problemas que preocupam pela sua gravidade,
como casos sugestivos de tuberculose, pneumonia, febre maculosa, varicela ou
mesmo hanseníase.
No período em que a pesquisa foi desenvolvida, entre dezembro de 2011 e
dezembro de 2012, o vínculo formado entre os usuários e esta pesquisadora saltava
aos olhos: em alguns momentos a clientela vinha em busca de soluções para seus
problemas de saúde, mas também para conversar, trazer notícias do mais novo
membro da família ou fotos, desabafar, pedir ajuda, dar um abraço, ou somente para
se sentir valorizada em algum momento do dia. Clientela de vida tão sofrida e pouco
generosa, sendo muitos idosos abandonados pela família com doenças crônicas,
outros idosos com problemas crônicos sérios de feridas, amputações e que
necessitam de curativo diário; há uma demanda muito grande também dos pacientes
diabéticos, que se deslocam cedo em jejum para aferição da PA, realização da
glicemia capilar e para realização da insulina diária.
Esta sociedade carece de assistência, mas os recursos para sanar as
deficiências são concedidos aos poucos; pela quantidade da demanda se arrastam
os encaminhamentos de especialistas, exames mais sofisticados, pequenos
procedimentos e cirurgias. A riqueza de sentimentos presente em cada atendimento,
no qual as vivências individuais eram valorizadas, tornavam a consulta envolvente e
estabelecia-se um relacionamento adequado entre profissional de saúde e cliente,
favorecendo a humanização à assistência à saúde. A ligação da comunidade junto
ao ACS é nítida: ocorre uma troca baseada na mútua confiança, credibilidade
reciproca. Os ACS são como um “jornal”, com informações dos bairros atendidos: a
todo momento que chegam das visitas trazem consigo as histórias, os problemas, as
angústias, as dificuldades, as dores, as alegrias, as ansiedades, as conquistas, as
vitórias... enfim, um emaranhado de sentimentos e emoções. O envolvimento é
112
notório e, muitas vezes, pude observar em seus olhos os mesmos sentimentos já
vistos antes nos olhos dos clientes, este envolvimento é espontâneo e a troca de
sentimentos é partilhada e envolvente, por tanta vontade de ajudar e ao mesmo
tempo ser ajudado.
Depois de caminhar pelas interpretações e reconhecer as dificuldades e os
conflitos que dificultam a prática no trabalho do ACS junto à comunidade, reforço
que a educação sociocomunitaria, os meios de capacitação e o trabalho em grupo
são as pontes para se chegar aos caminhos que devemos trilhar. Partilho esta
experiência vivida junto aos ACS e à comunidade, valorizando que é possível
oferecer uma melhor qualidade de vida para essa comunidade, através de pensar-se
na saúde pública e na capacitação dos ACS pelos vieses da Educação
Sociocomunitaria e da pedagogia freireana.
Esta busca foi para nós um momento singular de re-descoberta e resignificação, sendo que a concepção de TAO, no campo dos símbolos, que nos
completam os caminhos, tornou-se uma possibilidade real do encontro do saber
acadêmico e científico com o saber cotidiano, entrelaçados aos educadores
comunitários em saúde, resultando em inúmeras travessias e descobertas,
valorizando a importância de cada um, em educar dentro do seu conhecimento
cultural, reorganizando o processo de conhecimento e do cuidar, tendo como a
disciplina principal o respeito pelo ser humano, a responsabilidade e a vontade de
promover uma mudança significativa na qualidade de vida desta comunidade.
Em sua obra “Pedagogia do Oprimido”, Paulo Freire ao tratar do tema, nos
alerta para a violência e a dominação que uma ordem social injusta como a que
vivemos, gera, nutrindo-se de miséria e sofrimento daqueles excluídos, que os
poderosos do mundo exploram, oprimem e violentam cotidianamente, atitudes
mascaradas, muitas vezes, por um marketing social.
“Os opressores, falsamente generosos, têm necessidade, para que sua
“generosidade” continue tendo oportunidade de realizar-se, da permanência da
injustiça” (FREIRE, 2003, p. 31).
Comovida com as palavras do autor em propor a mudança, que se dá a
partir da libertação das condições opressoras/oprimidas, reconhecendo os limites
dessa situação de opressão para a transformação de uma práxis libertadora, e na
importância que a semiótica tem nesse processo, pensamos em construir um
trabalho junto aos ACS, uma forma organizadora de educação para a saúde,
113
envolvendo a comunidade e seus membros
na implantação desse processo
educativo.
O estudo constituiu-se num relato de experiência acerca de inúmeras
atividades desenvolvidas em grupo numa Unidade Básica de Saúde da Família, na
Região de Americana, interior de São Paulo cidade da qual está distante 126 Km, no
período de Dezembro de 2011 a Fevereiro de 2013. Observou-se a participação
efetiva e espontânea da clientela com relatos de vida, importantes para uma reflexão
acerca dos personagens e dos momentos que tornam rica a vivência no PSF, e
consolida-se como estratégia para viabilização do Sistema Único de Saúde (SUS),
sendo a educação em saúde entendida como um processo que engaja o ACS com a
comunidade podendo-se, assim, observar a efetivação da práxis na busca da
construção de um sujeito/cidadão. Ao fazer parte da equipe do PSF o ACS deve
preparar-se para atuar prestando uma assistência preventiva, em detrimento da
curativa e coletiva, em detrimento da individual; para isso, é preciso que se conheça
como operacionalizar esses objetivos, suas atividades, colaborando com a formação
de um profissional crítico, reconhecedor de sinais e interpretações e consciente de
seu compromisso social.
As oficinas apresentadas no Quadro 1 têm adesão espontânea e
organizada; a participação da comunidade é grande, de até 60 pessoas; possui
realização semanal e a participação do ACS é essencial, pois, cada qual realiza uma
atividade de grupo/oficina, tendo uma escala diária, juntamente com as visitas
domiciliares.
Durante toda a realização dos grupos evidencia-se o grande envolvimento
do ACS com a comunidade: sempre são solicitados, cumprimentados, há uma
harmonia na relação, uma troca de amizade e gratidão de ambos os lados.
São abordados diferentes temas e atividades educativas e esta construção
de conhecimento é feita gradativamente, fortalecendo a importância da educação
sociocomunitaria: os reflexos dessas mudanças são vistos a cada dia através de
atitudes, depoimentos e melhoria da qualidade de vida. Para a realização deste
trabalho são utilizados inúmeros recursos, favorecendo cada dia mais o
envolvimento e a participação da comunidade. (ver como exemplo o anexo com o
Roteiro do CUCA LEGAL).
114
Os materiais disponíveis e empregados são: retroprojetor, colchonetes,
cartolinas, pincéis, tintas, tecidos, sistema de som, encartes ilustrativos do Ministério
da Saúde (MS) material explicativo-ilustrativo, próteses, folders, encartes, material
para crochê, agulhas, lápis, caderno, lápis de cor, giz de cera, lousa branca etc...
A educação sociocomunitaria ainda não existe; o que acontece nos
dias atuais é um processo de aprofundamento da crise da ‘práxis
social’ e uma valorização da ‘práxis comunitária’ e da educação dela
resultante, a ‘educação comunitária’ em suas mais variadas formas
de manifestação. Portanto, a educação sociocomunitaria é um
processo a ser construído pelos que lutam para edificar uma outra
realidade sócio-histórica, a partir da própria realidade vivida e
mediante a ‘práxis sociocomunitaria’. (MARTINS; ARANHA, 2005, p.
31).
Dentre os processos de trabalho dos ACS e a equipe, cada profissional
realiza seu trabalho em conjunto discutindo as necessidades e as divisões de
trabalho. De acordo com a fala dos ACS:
Na segunda-feira tem a consulta médica, na terça [...]. Na quarta, o
atendimento às gestantes. O trabalho é organizado conforme o
programa; observa-se prioridade e, dependendo do caso, vai para o
auxiliar, enfermeiro, médico. Tem outro momento em que nós temos
a participação de todo mundo junto. Nas palestras onde toda a
equipe participa sobre temas específicos. O palestrante é o agente
de saúde, mas todos participam.
À medida que os problemas surgem, a gente tenta discutir. Às vezes
depende de uma atitude individual ou de todos nós. Toda vez que
temos um problema em nossa área, conversamos com todos,
chegamos a um consenso. Encontramos um problema na visita,
trazemos para o grupo e voltamos com a solução.
Foram evidenciados nos trabalhos em grupo e nos momentos de formação
dos ACS as dificuldades, as rejeições e resistências, frente às ações educativas a
serem elaboradas pelos ACS e a comunidade, discutindo-se que estas podem ser
ditadas por inúmeros motivos que foram anteriormente enunciados. A pesquisadora
sugere que se parta do princípio de trabalhar o próprio conhecimento da
comunidade e, aos poucos, transformar o que há de inadequado na realização da
prática em saúde e na qualidade de vida, mostrando algo novo, evidente, curioso,
diferente, que proporcione uma melhor qualidade de vida a todos.
115
A busca deste trabalho está em valorizar as ações educativas e o
desenvolvimento da educação sociocomunitaria, por meio de uma atitude coerente,
com responsabilidade, frente às mais diversas manifestações do paciente, que
possam ser desenvolvidas para sanar dúvidas e auxiliar em qualquer situação
corriqueira, em determinada situação.
O trabalho empírico com a realidade, com os problemas dos
indivíduos e grupos das classes subalternas é o primeiro elemento
que neste momento gostaríamos de destacar como sendo
proveniente da ‘práxis comunitária’ e que pode ser articulado pela
‘práxis social’ tendo em vista a superação da realidade presente. A
proximidade concreta da realidade vivida pelo povo é um
procedimento da ‘práxis comunitária’. (MARTINS; ARANHA, 2005, p.
28).
O PSF tem se constituído como campo para elaboração e construção de
novas práticas de saúde, ampliando o universo no que se refere ao pensar-fazer na
atenção primária, quebrando o modelo médico até então firmado na figura do
médico e na saúde curativa, que seria superior em relação à atenção primária.
É preciso pensar na formação de ACS questionadores, decifradores e
participativos, que saibam utilizar os conhecimentos apreendidos em prol do bemestar da população, capazes de estabelecer diálogos entre a diversidade de saberes
que se encontram no cotidiano de vida das pessoas, tendo como consequência um
cuidado emancipatório e contínuo, requerendo um ACS atuante, com poder de
decisão e autonomia, sabendo conhecer a realidade da comunidade que assiste e
desenvolver com ela ações para a promoção da saúde, estimulando a participação
dos indivíduos na luta política pela saúde e compreender as relações entre as
condições de vida e de trabalho, saúde/doença, do ponto de vista da ação social.
Concordo com Santaella (2002) quando relata a teoria de Pierce na qual nos
adverte que:
O exercício da fenomenologia exige de nós tão só e apenas abrir as
portas do espírito e olhar para os fenômenos. O primeiro olhar que
devemos dirigir a eles é o olhar contemplativo. Contemplar significa
tornar-se disponível para o que está diante de nossos sentidos,
auscultar os fenômenos e dar chance de se mostrarem, deixa-los
falar. Temos de aprender a desenvolver quando nos colocamos
diante de processos de signos que pretendemos ler semioticamente,
dar aos signos o tempo que eles precisam para se mostrarem. O
segundo olhar deve ser dirigido para os fenômenos é o olhar
observacional, nesse nível, é a nossa capacidade perceptiva que
116
deve entrar em ação. Estar alerta para a existência singular do
fenômeno, saber discriminar os limites que o diferenciam do contexto
do qual pertence, conseguir distinguir partes e todo. (SANTAELLA,
2002, p. 31).
A importância da formação de ACS competentes para atuar no PSF é
reafirmada quando se discute que o modelo de atenção à saúde que estão ajudando
a construir necessita de profissionais que permanentemente ampliem seus
conhecimentos, apropriando-se das novas teorias e práticas; estes devem estar
sempre abertos para enfrentar novas experiências, identificar novos problemas
críticos de sua realidade de trabalho, refletir sobre tais problemas e buscar, de forma
interdisciplinar, soluções apropriadas para eles. Enfim, eles devem estar
continuamente disponíveis para o processo de ensino-aprendizagem.
Quando o doente busca uma orientação de sua doença dentro da ESF este
deve receber, além de atenção e respeito, orientações quanto a sua doença,
mudanças de hábitos de vida visando mais conforto, comodidade e controle dos
sintomas; para isso precisa de uma equipe preparada e coesa, rica em informações.
A busca pela educação em saúde deixa claro que ainda está em formação e
que para este processo funcionar depende da participação conjunta da clientela e
dos profissionais de saúde; fica evidente o vínculo que deve ser formado entre os
envolvidos, garantindo humanização e troca de saberes e a prática social do
processo saúde/doença, com construção de novas formas de lidar com o objeto de
discussão trazido para a roda ou para a atividade educativa.
Gosto de ser gente porque, inacabado sei que sou um ser
condicionado, mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir
mais além. Gosto de ser gente porque, como tal, percebo afinal que
a construção de minha presença no mundo, que não se faz no
isolamento, isenta da influência das forças sociais, cultural e
historicamente, tem muito a ver comigo mesmo. Gosto de ser gente
porque, mesmo sabendo que as condições materiais, econômicas,
sociais e políticas, culturais e ideológicas em que nos achamos
geram quase sempre barreiras de difícil superação para o
cumprimento de nossa tarefa histórica de mudar o mundo, sei
também que os obstáculos não se eternizam. (FREIRE, 2002, p. 31).
Os ACS participam ativamente nas decisões de educação em saúde nas
políticas administrativas e assistenciais para exercê-las, porém, são necessários
esforços, muito estudo, consciência da responsabilidade social de sua profissão, ver
o ser humano de forma ampla, entender que as causas de suas possíveis doenças
117
não se encontram no indivíduo de forma isolada, mas, podem ser o reflexo de
precárias situações de moradia, emprego, cultura e política. A população, por sua
vez, colabora cobrando, denunciando possíveis falhas, muitas vezes na ouvidoria e
enriquecendo o processo com depoimentos de vida. São situações de pobreza, de
violência e de injustiça que dificultam o viver de muitas famílias. Todas as atividades
de educação em saúde relatadas e interpretadas durante a realização dos grupos e
nas visitas domiciliares demonstram a importância da ação do ACS na prática de
inter-relacionar saberes (saberes populares e de saúde coletiva), de exercer a
profissão enquanto trabalhadores e aprendizes de trabalhadores em saúde, com o
destaque para a inclusão da população no processo de construção do sistema de
saúde vigente, tomando-a como sujeitos de suas próprias ações, interpretações de
saúde/doença e garantia da qualidade de vida.
Para se assegurar uma adequada mudança da qualidade de vida dentro das
periferias o ACS deve desenvolver um trabalho em grupo dinâmico e contínuo, para
enfrentar a tarefa de transformar uma comunidade até então cheia de estigmas e
descrenças enraizadas, naquilo que se faz necessário para atingir uma melhor
qualidade de vida.
“Quanto mais me torno capaz de me afirmar como sujeito que pode
conhecer, tanto melhor desempenho minha aptidão para fazê-lo”. (FREIRE, 2002, p.
78).
Concordo com a visão de educação que Paulo Freire vislumbra, não apenas
política e utilitária e que não objetiva somente criar novos quadros para um novo tipo
de sociedade. Busca uma educação transformadora, politicamente mais humana,
capaz de criar com o poder do saber do homem libertado, um homem novo, um
homem livre. O método visa à preparação de pessoas para uma tarefa coletiva de
reconstrução nacional.
O aprendizado deve ser compartilhado de maneira que ocorra a mudança
primeiramente na pessoa do ACS, em seu sistema de crenças e de conhecimentos,
e, a partir daí, compartilhando novas perspectivas de perceber e agir na realidade
com a comunidade e, assim, juntos aprendendo e desenvolvendo uma dinâmica
transformadora.
Esta mudança deve priorizar, desde o início, a valorização da articulação
entre o ACS e a comunidade, começando pela identificação dos problemas
presentes nessa, valorizando também a participação do conselho de saúde (formado
118
por profissionais de saúde e comunidade) e do ACS nesse conselho, em especial,
ao participar das discussões para a resolução dos problemas identificados.
Cria-se,
assim,
para
todos os participantes,
o
contexto de
uma
aprendizagem, no qual todos assumem um poder de discernimento, ganhando
margem de participação e decisão nas questões que envolvem a comunidade. Isso
significa envolver-se com os problemas e planos de solução, como participante ativo
e reflexivo, assumindo responsabilidades.
Este grupo de aprendizagem ativa, assim formado, passa por uma reflexão
de interesses, discutem os problemas e informações a respeito dos novos
conhecimentos, elaboram possíveis soluções juntos, originando, dessa forma,
inúmeras formas participativas de conhecer o mundo ao seu redor. Criando, nesse
sentido, possibilidades de mudança pela participação e pela troca de conhecimento,
possibilitando a transformação da realidade da periferia e seus estigmas.
Isto, através desta proposta de metodologia em grupo, por uma
aprendizagem que proporciona relações afetivas e efetivas entre os sujeitos, cada
qual com suas perspectivas culturais, motivações, habilidades, crenças.
Um dos momentos mais marcantes em favorecer com os ACS o
reconhecimento das semioses próprias e da comunidade e saber trabalhá-las e
interpretá-las foi uma atividade educativa em grupo que aconteceu numa Escola de
Ensino Fundamental. O objetivo era conversar com os adolescentes da 7ª Série,
atualmente chamada de 8º Ano, porém, mais do que falar pretendia-se ouvi-los,
trocar informações e sensibilizar aquela população a refletir sobre o uso de drogas.
Após a explanação do tema foi solicitado que cada aluno falasse seu nome e
dissesse se conhecia alguém que utilizava drogas. Cerca de 80% da sala respondeu
afirmativamente, foram então distribuídos pincéis, cartolinas, revistas e tesouras
para que eles cortassem figuras e palavras, ou mesmo para que desenhassem o
que esse tema representava para eles. Após uma hora, as apresentações foram
iniciadas. Cada equipe mostrou seu cartaz explicando o que representava cada
palavra ou figuras selecionadas.
Esse foi um momento crítico, pois algumas opiniões guardadas há tanto
tempo emergiam como “bombas” dentro da sala. Os ACS ficavam “arrepiados” a
cada novo cartaz apresentado. O público-alvo ansiava por conhecimento e queria
ouvir, uns aos outros, saber um pouco mais sobre o assunto e entender porque se
fala tanto sobre esse tema, desconhecido para alguns; todos participaram de forma
119
interessada e curiosa, fazendo questionamentos e relatando experiências de suas
vidas.
Qualquer coisa que esteja presente à mente tem a natureza de um
signo. Signo é aquilo que dá corpo ao pensamento, as emoções,
reações etc. Por isso mesmo, pensamentos, emoções e reações
podem ser externalizados. (SANTAELLA, 2002, p. 10).
No desenvolvimento das atividades grupais as ideias, locais de realização,
assuntos e dinâmicas ficaram a cargo do Profissional enfermeiro e dos ACS, com
base nas informações sobre as necessidades do momento. Aliando o conhecimento
científico ao conhecimento popular foi possível sensibilizar muitas pessoas da
comunidade a refletir acerca de importantes assuntos relacionados à saúde, mas
não somente a essa. Pontua-se aqui o apoio de toda a equipe para que as
atividades educativas acontecessem; em todos os momentos de ida e vinda os ACS
estavam presentes, participando com todos os profissionais envolvidos, médicos,
enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, farmacêuticos, fisioterapeutas, educadores
físicos, favorecendo e alicerceando a ideia de interdisciplinaridade, que torna o
trabalho mais efetivo e completo, uma vez que há compartilhamento de
conhecimentos e de experiências.
Podemos aqui ver o papel da Atenção Básica de Saúde como um conjunto
de ações de saúde individual e coletiva abrangendo a promoção, proteção de saúde,
prevenção, de agravos, diagnóstico, tratamento, reabilitação e manutenção da
saúde, através das atividades realizadas democrática e participativamente, trabalho
em equipe junto à comunidade, abrangendo os princípios da universalidade,
acessibilidade, coordenação do cuidado, estabelecimento de vínculo e continuidade
da integralidade da responsabilização, da humanização da equidade e da
participação social (BRASIL, 2012).
Entendemos, assim, que o ACS é uma pessoa trabalhada e orientada,
especialmente como aqui proposto, que está capacitada para exercer o processo
educativo em saúde, reconhecendo a importância do seu vinculo cultural junto à
comunidade, mantendo um elo efetivo vinculado aos serviços-profissionais de saúde
e melhoria da qualidade de vida.
Descrevo a seguir, através da experiência vivenciada no trabalho dos
grupos, algumas impressões, positivas, no trabalho dos ACS para a realização da
120
educação em saúde. Observo que esse é um trabalho que continua em andamento,
um processo gradual de preparação e de sensibilização dos ACS: alguns, depois
dos grupos, demostram apresentar menos receio na abordagem e comunicação com
o cliente, em especial com algumas clientelas antes discriminadas, como usuários
de drogas, profissionais do sexo, moradores de rua alcoolizados, maridos agressivos
com casos de abuso na família e portadores de deficiência ou doença mental (surtos
psicóticos/agressivos). Identifico essas dificuldades como (des) valorizações da
situação cultural, interpretações de mundo e representações sociais, bem como
(des) humanização. Visivelmente presencio cotidianamente o nascimento de um
novo profissional, com menos receio e medo durante a realização de abordagens,
tentando reconhecer a real situação, com interesse e motivação na busca por
alcançar esses clientes, concretizando também a busca da educação em saúde e
melhoria da qualidade de vida da população de seu bairro.
“Quero, de alguma maneira, poder ajudar essas pessoas e melhorar a
qualidade de vida de seus familiares que sofrem com essa situação toda”. (fala de
um dos ACS).
Outro fator a ser evidenciado junto à equipe no desenvolvimento da
educação em saúde, e que ficou evidente durante as visitas foi a tentativa dos
clientes em burlar a dominação das prescrições médicas. Essas, após serem
identificadas e analisadas em suas motivações, passaram a ser trabalhadas,
visando melhorar o vínculo com o cliente, garantindo outras formas de comunicação,
orientação e convencimento ao tratamento, baseadas na mediação de posições,
conseguindo assim garantir uma mudança de comportamento e até mesmo
reforçando a capacidade de todos em lidar e compreender o outro.
Consequentemente, os efeitos interpretativos que os signos
provocam em um receptor também não precisam ter
necessariamente a natureza de um pensamento bem-formulado e
comunicável, mas podem ser uma simples reação física ou podem
ainda ser um mero sentimento ou compósito vago de sentimentos.
(SANTAELLA, 2002, p. 14).
A perspectiva deste trabalho é mostrar a necessidade do ACS em decifrar a
interpretação da saúde/doença e quebrar o modelo de cuidado biomédico, orientado
pela racionalidade clínica e seus padrões de normalidade, que tem reduzido os
seres humanos a corpos biológicos, descontextualizados socioculturalmente, em
121
que os sujeitos sociais são desconsiderados em suas dimensões afetivas, espirituais
e gerando sua própria desvalorização dentro da comunidade.
É necessário propiciar novos horizontes de cuidados, voltados para a
atenção principal dos sujeitos, valorizando suas queixas, seus sinais e sintomas,
vendo-os individualmente, conforme suas diferentes necessidades, fortalecendo-os
tanto no individual como no coletivo.
Desse modo, a teoria semiótica nos permite penetrar no próprio
movimento interno das mensagens, no modo como elas são
engendradas, nos procedimentos e recursos nelas utilizados.
Permite-nos também captar seus vetores de referencialidade não
apenas a um contexto mais imediato, como também a um contexto
estendido, pois em todo o processo de signos ficam marcas deixadas
pela historia, pelo nível de desenvolvimento das forças produtivas
econômicas, pela técnica e pelo sujeito que a produz. Frente a este
potencial, não há nada mais natural, portanto, do que buscar, nas
definições e classificações abstrata de signos, os princípios-guias
para um método de analise a ser aplicado a processos existentes de
signos e as mensagens que eles transmitem, tais como aparecem
em poemas, musicas, pinturas, fotos, filmes, matérias de jornal,
dança, peças publicitárias, em qualquer meio em que essas peças
possam aparecer: impresso, foto, cine, videográfico. (SANTAELLA;
NÖTH, 2005, p. 5).
Exemplifico aqui essas afirmações por um fato ocorrido durante a realização
da pesquisa, em que o ACS pode, através da orientação recebida, valorizar a cultura
dos sujeitos em suas várias dimensões, entendendo-os como seres sociais. O caso
se deu quando o enfermeiro da UBS orientou uma cliente a realizar tratamento de
leucorreia com uso de pomada específica, no período noturno e banhos de assento
com água e vinagre. O ACS responsável pelo acompanhamento do caso, durante
uma visita domiciliar, encontrou a cliente realizando o procedimento do banho de
assento na mesma bacia usada para a alimentação da família: amassar o pão,
colocar alimentos e saladas e até mesmo usada para armazenar a louça depois de
limpa. Vendo a mesma bacia ser utilizada também para a realização do tratamento
vaginal, o ACS, dentro do seu papel de orientador e promotor da educação em
saúde, precisou compreender a leitura feita pela cliente das suas necessidades e
concepções acerca do que significava o tratamento. A partir desta perspectiva é que
o ACS reorientou a cliente quanto ao procedimento ser realizado num recipiente
adequado e de maneira adequada. Ao invés de culpabilizar a cliente pelo uso da
bacia comum e observe-se a importância de compreender o porquê dessa família ter
122
apenas uma única bacia para todos os usos da casa, haja vista que uma bacia de
plástico não é, atualmente, um item expansivo, muito ao contrário valoriza-se a
adesão ao tratamento e assegura-se que esse será acompanhado até o final. O
ACS também tem um papel de orientar os outros profissionais da saúde
(Enfermeiros, Médicos, e outros) quanto à orientação ser passada de maneira
adequada à comunidade, fornecendo dados riquíssimos de como vivem as famílias,
suas condições sociais e como interpretam as orientações.
Pensando nesse exemplo concordo com Santaella quando pontua que a
semiótica está alicerçada na fenomenologia. Por isso, os signos não precisam ter a
natureza plena de uma linguagem (palavras, desenhos, diagramas, fotos etc.), mas
podem ser uma mera ação ou reação (por exemplo, correr para pegar um ônibus ou
abrir uma janela, ou o uso de uma bacia, etc.). O signo pode ainda ser uma mera
emoção ou qualquer sentimento ainda mais indefinido do que uma emoção como,
por exemplo, a qualidade vaga de sentir ternura, desejo, raiva etc. Qualquer coisa
que esteja presente à mente tem a natureza de um signo. Signo é aquilo que dá
corpo ao pensamento, às emoções e reações. Essas ligações são tão intimas que
causam efeitos interpretativos, que provocam o interpretante a reconhecer a
realidade da natureza com a formação de um pensamento bem formulado e
comunicável. (SANTAELLA, 1998, p. 31).
Durante a realização das visitas domiciliares e prestação dos cuidados foi
observado um crescente envolvimento e sensibilidade daquele que cuida (ACS), e
do outro que recebe o cuidado (Comunidade), numa relação de troca constante,
pessoas em sintonia, numa permuta de conhecimentos, na compreensão do ser
humano como um todo. Vejo esta relação constituída numa dimensão essencial e
complexa de troca de experiências e cuidados vividos, tanto pela parte dos
cuidadores como dos seres a serem cuidados.
Toda a equipe se envolve com os hábitos sociais da comunidade, seu meio
cultural, pois cada cultura tem suas maneiras próprias de definir, compreender,
expressar e explicar a saúde e a doença. Na comunidade encontramos diferentes
estilos de vida, portanto, cada ser deve ser tratado individualmente e este trabalho
de interpretação, de compreensão, das representações sociais que vigoram nessas
interações, nada mais é que um cuidado, porque o cuidado é um fenômeno
culturalmente construído pelo PSF, em especial pelo ACS, que permite esta ponte.
Para tal compreensão e realização deste trabalho o ACS deve ser muito bem
123
orientado e capacitado para compreender esta importante batalha para a mudança
da qualidade de vida, através da busca do cuidado com as famílias, visualizando a
realidade da qual fazem parte, na perspectiva de compreender os fatores que os
envolvem e que afetam a saúde, como as condições socioeconômicas, culturais e
biológicas.
Concordo, portanto, que a proposta oferecida pelo PSF condensa cuidados
por meio de uma equipe multiprofissional, que permanece ligada diretamente com as
famílias e a comunidade, através do ACS, num processo de trabalho em longo
prazo, que favorece a inter-relação e elevação do autopotencial entre quem cuida e
quem deve ser cuidado. (SILVA, 1998, p. 49).
O intérprete tem um lugar no processo interpretativo, mas este
processo está aquém e vai além do intérprete. Logo, o primeiro nível
do interpretante é chamado de interpretante imediato. É um
interpretante interno ao signo. Assim como o signo tem um objeto
imediato, que lhe é interno, também tem um interpretante interno.
Trata-se do potencial interpretativo do signo, quer dizer, de sua
interpretabilidade ainda no nível abstrato, antes de o signo encontrar
um intérprete qualquer em que esse potencial se efetive.
(SANTAELLA, 2002, p. 22).
O conhecimento não se estende do que se julga sabedor até aqueles
que se julga não saberem; o conhecimento se constitui nas relações
homem-mundo relações de transformação, e se aperfeiçoa na
problematização crítica destas relações. (FREIRE, 2001, p. 42).
Para atingir a mudança da tão sonhada qualidade de vida da população a
equipe deve ter uma abordagem multidisciplinar, baseada nos processos de
“decifragem” dos diagnósticos levados pelos ACS, que detém a realidade dos
acontecimentos, planejando, a partir daí, as ações e organização do trabalho a ser
desenvolvido.
Este modelo deve ser baseado na identificação dos fatos levantados,
valorizando os cuidados humanísticos, mesmo diante de algumas limitações físicas,
sociais ou culturais; na otimização da assistência de cuidados mediando o trabalho
do ACS, cultivando cada dia mais a segurança e confiança dessa relação do
binômio profissional/cliente baseada em cuidados amplos, voltados aos aspectos
biofísicos, espirituais e mentais, promovendo uma assistência promotora de
crescimento individual para o ser cuidado e para o cuidador, capacitando o
124
autocontrole, autocuidado, autopotencial e autoconhecimento do cuidador e do ser
cuidado.
O ACS evidencia a importância do Cuidado Humanizado em prestar um
atendimento digno: a proposta é cuidar da comunidade conhecendo e entendendo o
lugar onde se vive e as pessoas que estão ao seu redor, evidenciando também a
importância da responsabilidade em ter que cuidar do outro, fazendo o possível para
compreendê-lo, valorizando seu estilo de vida, singularidades e particularidades.
O signo é múltiplo, variável e modifica-se de acordo com o olhar do
observador que, na semiose analítica, na sua posição de
interpretante dinâmico, também é signo em diálogo com o signo que
está sendo interpretado. Mas é preciso lembrar que o signo tem uma
autonomia relativa em relação ao seu intérprete. Seu poder
evocativo, indicativo e significativo não depende inteiramente do
intérprete. Este apenas atualiza alguns níveis de um poder que já
está no signo. É por isso que analisar semioticamente significa
empreender um diálogo de signos, no qual nós mesmos somos
signos que respondem a signos. (SANTAELLA, 2002, p.31).
Todo ato de pensar exige um sujeito que pensa, um objeto pensado,
que mediatiza o primeiro sujeito do segundo sujeito, e a comunicação
entre ambos, que se dá através dos signos linguísticos. O mundo é,
desta forma um mundo de comunicação, é então indispensável ao
ato comunicativo, para que este seja eficiente, o acordo entre os
sujeitos, reciprocamente comunicantes, isto é a expressão verbal de
um dos sujeitos tem que ser percebida dentro de um quadro
significativo comum ao outro sujeito. (FREIRE, 2001, p. 46).
Esta compreensão favorece o cuidado afetivo e humano, melhora o vínculo
afetivo, traz uma relação empática dando oportunidade de ouvir o paciente
aceitando e compreendendo
seus sentimentos e seus problemas. Nesta
compreensão o cuidar é a essência do ser humano, pois, impulsiona a sensibilidade,
o envolvimento entre quem cuida e quem recebe os cuidados; contribui, igualmente,
para que os envolvidos no cuidado tenham uma visão ampliada de mundo e
habilidades de pensamento crítico para que possam promover autonomia, liberdade,
melhores condições de vida e de trabalho.
Não há possibilidade de uma reação comunicativa entre sujeitos
interlocutores se não se estabelece a compreensão em torno da
significação do signo. Ou o signo tem o mesmo significado para os
sujeitos que se comunicam, ou a comunicação se torna inviável entre
ambos por falta da compreensão indispensável. (FREIRE, 2001, p.
48).
125
Traz-se outra exemplificação a partir de um fato ocorrido dentro da
comunidade investigada, argumentando quanto à relevância do ACS que ouve,
interpreta e valoriza as queixas do cliente, compreende seus sentimentos e seus
problemas, realizando o que for necessário para a boa adequação do tratamento e
reabilitação. O fato evidenciado aqui ocorreu durante a pesquisa, no relato de caso
de dona G.A.S, acamada de 87 anos, debilitada, desidratada com herpes zoster fase
ativa, ICC (Insuficiência Cardíaca Congestiva), EAP (Edema Agudo de Pulmão), IRC
(Insuficiência Renal Crônica), uso de hemodiálise 3 vezes na semana, evolução ruim
do quadro patológico, estando em fase terminal. O ACS visita-a diariamente,
acompanha toda a evolução do quadro e solicita a ajuda de outros profissionais,
neste caso a presença médica (visita domiciliar com consulta) para melhor adesão
aos cuidados complexos necessários e conforto da família; que neste momento está
abalada e sensível.
Porém, até o profissional comparecer às visitas o ACS não abandona o
caso, continua com visitas diárias frequentes, fortalecendo a família e os
Profissionais do ESF, garantindo informações importantes, valorizando a educação
em saúde e a ligação da comunidade com os profissionais.
Pode-se identificar aqui a representação do papel do ACS frente à
comunidade, a sua importância na ligação da equipe e da comunidade e no repasse
dos problemas. Afirmo aqui que o sentimento identificado por parte do ACS, no caso
relatado, é de responsabilidade pelos problemas de saúde/doença do cliente, de
interesse, esperança frente à melhora de saúde e recuperação e conforto por parte
da família. São interpretados esses momentos difíceis e sua atuação se torna
humanizada e acolhedora; são presenciados sentimentos de incapacidade pelas
limitações em não poder solucionar os problemas sozinhos, mas, em contrapartida,
também são observados sentimentos de ser útil, motivação, comprometimento,
valorização do seu papel do trabalho em grupo, valorizado pelo seu trabalho,
reconhecimento e gratidão por parte da família. Enfim, cultivando cada dia mais a
segurança e confiança dessa relação profissional/cliente,
garantindo um TAO
diferenciado na melhoria da qualidade de vida para a comunidade, favorecendo o
respeito de ter um atendimento, um tratamento, um acompanhamento e uma morte
digna.
126
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No casulo em que se fecha a borboleta algo mágico tende a acontecer!
A transformação é dolorosa, é difícil
Mas ela sabe que quando suas asas ficarem prontas
Elas a conduzirão para o alto
De onde poderá vislumbrar as mais belas coisas desse mundo.
Michele Bertoletti
127
Nas considerações finais desta dissertação busco um novo olhar
educacional, a ser centrado dentro da comunidade; a valorização da educação e da
saúde, trabalhando de mãos dadas, procurando soluções para os problemas sociais.
O homem é um corpo consciente, sua consciência é intencionada ao mundo.
O homem está em constante evolução e relação com o mundo. Pela tomada de
consciência o homem age, trabalha e aprende junto, trocando informações vividas;
por isso valorizo toda essa mudança baseada nos trabalhos em grupo.
Concretizo que o Agente Comunitário de Saúde tem a capacidade de buscar
um novo caminho dentro da saúde pública, por meio da valorização do seu papel de
educador dentro da comunidade, fortalecendo vínculos e criando elos. Mostro aqui
possibilidades educacionais e meios de aprendizado, com base nas teorias da
semiótica, focando sua importância na interpretação de suas compreensões,
significações, na linguagem e nos sinais, pela educação Sociocomunitaria dos
trabalhos em grupo com a comunidade; o ACS é capaz de construir uma nova forma
de cuidar da saúde, tendo a família e seu espaço social como núcleo básico de
atenção, de forma integral, contínua, em diferentes níveis, na prevenção, promoção,
cura e reabilitação, o que requer uma compreensão ampliada do processo saúdedoença.
Os grupos de usuários reconhecem a Saúde da Família como uma
estratégia de mudança do modelo de atenção, no que se refere a um atendimento
mais acolhedor e com criação de vínculo, encontrando-se no universo consensual
das representações, conseguindo garantir um atendimento mais ético e humanizado
centrado no ser humano e não apenas na sua doença. Sendo assim, compreendo
que o verdadeiro papel do ACS dentro do PSF é o de um conhecedor e interpretador
dos problemas a serem levados para a equipe de saúde, favorecendo a proposta de
melhoria da qualidade de vida da comunidade, através de seu conhecimento prévio,
da compreensão dos sinais e sintomas apresentados por essa. Daí a importância da
interpretação semiótica, dos conceitos da antropologia médica, do trabalho em
grupo, do conhecimento das representações sociais, desmistificando regras,
discutindo culturas, ideologias, religiosidades, interpretando gestos, sinais, palavras
e significados, desenvolvendo um trabalho humanizador de mudança nas
concepções de
saúde/doença dentro
do
PSF.
Isto deve ser feito com
responsabilidade e sensibilização, procurando sempre melhor qualidade de vida
128
para o usuário, buscando compreender o contexto em que a comunidade está
inserida.
Foi um extremo prazer poder participar deste projeto e contribuir para este
caminho
de
educação/saúde,
valorizando
a
importância
da
educação
sociocomunitaria. Reconheço e valorizo o modelo de saúde existente no Brasil, ESF
e os agentes comunitários de saúde que contribuem para a promoção da qualidade
de vida, de forma digna à comunidade, atuando na promoção, prevenção,
recuperação e na manutenção da saúde da população, com as ações em grupo,
valorizando a culturação, interpretando as semioses, se fundamentando numa
educação constante baseada no próprio conhecimento e no linguajar da
comunidade, garantindo vínculo afetivo e credibilidade, concretizando seu
verdadeiro papel junto à comunidade, uma vez que suas raízes não são
modificadas, mas sim valorizadas,
pois, pertencem à cultura e valorizam a sua
própria representação social promovendo, assim, uma atenção integral à saúde.
129
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135
Salvador Dali
Foi com enorme prazer e orgulho que escrevi este trabalho. Termino aqui
com o voo da borboleta. Demorei até começar a escrever este final, não que eu não
tenha o que dizer em relação ao seu significado, mas sim, como vou passar para as
palavras esse sentimento tão forte, tão indescritível, todas estas emoções que ela
me representa e que construí durante a realização deste trabalho.
A principal mensagem simbólica da BORBOLETA é criar, transformar, mudar
e ter coragem de aceitar as mudanças e a vida é feita de casulos que forçosamente
temos que deixar. Eu encontrei uma frase para este acontecimento “ou você se
move na vida... ou a vida faz você se mover”.....me inspiro na borboleta.
A borboleta é considerada o símbolo da alma, da mesma forma que
abandona a crisálida para voar, o espírito se liberta do corpo físico, para ganhar o
espaço infinito, ela representa o renascimento e a imortalidade, devido à
metamorfose do seu ovo, para lagarta, desta para crisálida e desta para borboleta.
Indicando as etapas por que passa nossa alma até atingir a iluminação,
assim como elas, nos também estamos em algum destes estágios...
Primeiro estágio: é quando a ideia nasce é o estágio do “ovo” é o ponto de
iniciarmos o caminho...
Segundo estágio: é quando tomamos a decisão de entrar no caminho e
colocar o pé no primeiro degrau... é o estagio da “larva”...
136
Terceiro estágio: escolhido o caminho desejado é preciso realizar o projeto;
este é o estágio do “casulo”...
Último estágio: é a transformação; é deixar o “casulo” e “voar”; é a
realização....
Todos são como borboletas, cedo ou tarde tomaremos consciência e
sairemos do casulo e abriremos nossas asas. (Sociedade Magjistare, 2011).
Sinto que é hora de voar e como uma borboleta estou me desprendendo do
meu casulo, me preparo para voar...mudei e me transformei.....Aqui inicio meu voo.
137
APÊNDICE − MEMORIAL
A vida é cheia de obstáculos, e tropeços, por isso temos
que observar cada um dos passos que damos rumo à
caminhada que teremos que alcançar.
Cada passo tem que ser analisado, compreendido e
avaliado para que durante todo o nosso trajeto venham os
obstáculos e não fiquem sequelas de um caminho mau
traçado e dos pés feridos durante a caminhada.
Vamos então nos conscientizar de que o tropeço
aparecerá e faz parte do caminho que teremos que
percorrer o importante é podermos passar por ele
vencedores vendo-o como uma forma de aprendemos a
sobreviver e superar todos os perigos e obstáculos, que
ele possa trazer.
Não existe caminho sem obstáculo, ou tropeços, a cada
queda buscar a dignidade e a vontade de se erguer
novamente e seguir a caminhada até a reta final a vitória
tão sonhada a ser alcançada. Portanto nos cabe
atravessar todo obstáculo e tropeço com esperança
animo vontade, alegria, compaixão, amor e guardar toda a
trajetória percorrida como uma linda experiência de vida e
sucesso.
Fabiula Antonello
MEU MEMORIAL
Só sei que nada sei, e o fato de saber isso,
me coloca em vantagem sobre aqueles
que acham que sabem alguma coisa
Sócrates
É grande minha satisfação de poder estar aqui e contar-lhes um pouco dos
muitos caminhos que percorri; como foi minha trajetória nesta minha carreira desde
o inicio da minha infância ate a época atual.
Nasci no Paraná, na cidade de Paranavaí, interior do Estado,
aproximadamente a 450 km da capital Curitiba. Aos 5 anos de idade nos mudamos
para uma cidade chamada Ivinhema, no Estado do Mato Grosso do Sul, e lá cresci e
138
fui pela primeira vez à escola, porem em todas as minhas férias escolares ia para o
Paraná. Escola da qual até hoje tenho lembranças memoráveis e se chama Escola
Estadual Reynaldo Massi; também foi lá que passei toda minha adolescência, fica
perto do rio Ivinhema, que deságua no grande rio Paraná. Cresci no meio de muita
gente, muita água e muita natureza. Brincava com as formigas, gostava de pegar as
lagartas no pé de maracujá, brincava com boizinhos feitos de bucha e bonecas que
tinham cabelo de milho, brincava sobre as árvores frondosas e em baixo da
bananeira, onde fazia as casinhas com latas de óleo e as comidinhas nas panelas
improvisadas; pulava amarelinha e elástico; jogava queimada com bola de meia e
“betes” na rua; andava de bicicleta e brincava na areia na esquina da minha casa, de
forninho junto com várias colegas e netas da minha avó, que eram menores.
A minha casa era grande, mas o quintal maior ainda dividia cerca com a
casa da minha avó e era fabuloso poder brincar junto às arvores, especialmente do
pé de goiaba, que ficava próximo á janela da cozinha, e os passeios na horta,
quando apanhava cebolinha e salsinha para o almoço a pedido de minha avó.
Esperava ansiosa para ver os caramujos e esperava as visitas dos lagartos e sapos,
adorava também ouvir a galinha cacarejar para pegar o ovo ainda quentinho, pois
muitas vezes, ganhava gemada feita pela minha avó. Quando o ovo tinha a casca
azul, era uma eterna briga, pois não queria quebrá-lo, pois na minha cabecinha de
criança, achava que o pintinho ao invés de sair amarelo, poderia nascer todo azul.
Mas isso nunca aconteceu e, só depois de muito tempo, fiquei sabendo que todos
nasceriam amarelinhos mesmo. Vivia subindo em árvores para comer a fruta da
época, tinha de tudo que meus pais, na medida do possível, podiam me
proporcionar. Mas meu eterno sonho era poder ganhar uma bicicleta nova, que fui
conseguir depois de muito tempo, há mais ou menos uns três anos atrás.
Nas férias, de junho e dezembro voltava novamente para o Paraná, estado
no qual me orgulho de ter nascido, mas, especificamente, numa cidadezinha
interiorana chamada Guairaçá. Lá realizava inúmeras traquinagens de criança... ah,
como era bom encontrar com minhas primas (Ana Paula e Fabiana) na casa de
minha avó materna, adorávamos soltar o cachorro para “cavoucar” o quintal, que era
enorme, roubava uvas na parreira de minha avó e brincava incansavelmente em
baixo do sótão da casa, com minhas primas; era um momento mágico, indescritível,
cheio de ideias, sonhos elaborados no mundo da imaginação de uma criança.
Melhor que isso, só o banho! A casa tinha só um banheiro, e a água das torneiras
passava rápido e em jatos, trancávamos os ralos e imaginávamos banheiras
transbordando água pela casa toda... e isso ocorreu inúmeras vezes, quando davam
conta que demorávamos muito no banho o alagamento já tinha acontecido e muitas
vezes pagávamos pelo fato ocorrido e até rolava algumas chineladas, foram
inúmeras travessuras.
Tínhamos uma hóspede diferente, um fantasma coletivo, que dizíamos
morar dentro do capô velho, que era utilizado antigamente no carro, e ficava na
garagem. A velha garagem, que ficava trancada na corrente, mas todo mundo via o
fantasma de vez em quando. Tínhamos a oportunidade de entrar ou de ver pelo
buraco da madeira, onde se encontrava a corrente: era um momento único e de pura
139
imaginação. Ah, e ainda tinha um “passo preto” da minha avó, e meu maior sonho
era poder soltá-lo; foram varias tentativas, até que um belo dia deu certo.
Infelizmente, ele não foi muito longe da gaiola, tinha a asa cortada, e para minha
decepção minha avó colocou-o novamente na gaiola. Não entendia como ele não
queria ser livre e sair voando pelo céu.
Dentre meus momentos de diversão tinha uma que eu adorava; o contato
com a Fofinha, a cachorra do meu tio; aliás, meu pai nunca me deixava ter um
cachorro só pra mim, então, adotei aquele do meu tio. Ela, que se arrastava com o
rabo, me esperava ansiosa da chegada da escola e as tardes eram grandes e
intermináveis na sua presença. Ela era minha maior cúmplice de travessuras e
brincadeiras. Me recordo de muitas vezes, depois de levarmos uma boa bronca e
até umas palmadas da minha avó, por nos esfregarmos no chão da área, que era de
vermelhão, encerado com escovão todo dia, que minha avó teimava em deixar
sempre limpo.
Na minha infância nunca brinquei com meus irmãos, pois nesta época eles
ainda não eram nascidos, e sentia muita vontade de poder dividir meus momentos
com alguém. Minha irmã só “apareceu” quando eu tinha 10 anos de idade, minha
mãe tinha problemas em não poder ter filhos, foram alguns abortos espontâneos que
me marcaram, sentia muito medo de perdê-la.
Eu era uma criança feliz e saudável, aos domingos meu pai nos levava para
tomar banho de rio e íamos todos na carroceria do caminhão, era um Mercedes1113 azul. Às vezes, nas nascentes do rio Piraveve, outras vezes, nas nascentes do
rio Vitória; depois da farra voltávamos para casa cansados e com muita fome.
Comíamos o que sobrava do macarrão do almoço... aliás, domingo sem macarrão,
em casa, não era domingo. Com direito ainda de assistir aos “Trapalhões”. Na
maioria das vezes dormia no sofá, antes de ir pra cama e, só depois de muita
insistência da minha mãe, ia escovar os dentes e cair na cama. Na maioria das
vezes voltava novamente para o sofá e meu pai me carregava para a cama.
Minha mãe, além de professora e dona de casa, também costurava, pois
nosso dinheiro não dava para comprar roupas novas. A maioria das minhas roupas
era feita por ela, especialmente as de casamento ou a roupa do domingo, de ir para
missa, e quando não serviam mais em mim eram passadas para minhas primas, até
virar pano de chão.
Quando era criança me lembro de ter muitos problemas de afta. Realmente
não sei por que, mas não importa, elas melhoravam com violeta de gentamicina,
ficava com os dentes todos azuis e era uma festa de brincadeiras. Adorava também
me esconder atrás da cortina do quarto da minha mãe e comer seus batons, minha
mãe falava que tinha lombriga, ficava com medo delas, achava que o barulho que
minha barriga fazia era quando elas estavam brincando.
Meu pai trabalhava com meu avô e depois de sua morte continuou como
pequeno produtor rural da região. Vivíamos numa cidadezinha pequena, voltada
para a área rural. Minha mãe lecionava, mas nunca me deu aula, fui alfabetizada por
ela e quando entrei na escola, aos 5 anos, já sabia ler e escrever. Na escola, aliás,
140
umas das poucas que tinha na cidade, todas as crianças estudavam juntas, aquelas
com e aquelas sem dinheiro.
No meu primeiro dia de aula tive muito medo, mas fiquei encantada. Minha
mãe me acompanhou até dentro da sala de aula e eu quis ir embora, mas minha
primeira professora, D. Lucinei Franco, me segurou no braço e disse que ia me
ensinar tudo. Não sai até hoje! Ela foi uma coparticipante da minha educação e ali
foi onde aprendi a ser sociável. Adorava minha cartilha “Caminho Suave”, passava
horas viajando nos desenhos.
Na quarta série minha professora, D. Juraci, me deu um trabalho para fazer,
foi através deste trabalho realizado, que me despertou a vontade pela educação. O
trabalho foi realizado com uma colega que se chamava Ragna Crivelaro, e nos
empenhamos muito. Foram inúmeros temas com sucesso, me lembro de que um
deles foi sobre as plantas venenosas: nosso tema foi a “saia branca”, o outro tema
foi sobre os peixes. As apresentações do conteúdo eram ilustradas com fatos reais,
que levávamos para dentro da sala de aula. Foi um sucesso, nossa nota foi a
melhor em questão!
Dos 13 para os 14 anos comecei a jogar vôlei, sempre gostava muito, a
escola tinha uma quadra aberta, chão de cimento, que me causou inúmeros ralados
e marcas que existem até hoje. O sol era escaldante e, mesmo assim, todos
disputavam um espaço... Existia apenas uma única bola, que era disputada e
cobiçada por todos... Depois de algum tempo já estava jogando no time da cidade,
os jogos de vôlei me rendaram inúmeros momentos felizes.
Carregava a bandeira no dia da proclamação da República, nos 7 de
setembro, cantei na missa aos domingos pela manhã, fiz catequese e crisma como
qualquer pré-adolescente da minha idade. Tinha que ir no sábado à tarde e depois
nos divertíamos andando de bicicleta até chegar em casa. Eram voltas
intermináveis... a cidade, nesta época, parecia imensa.
Um dos momentos mais marcantes foi o da época da faculdade, quando me
mudei para a cidade de Dourados. Uma turma composta de 50 alunos, com muitos
sorrisos, aqueles que demonstravam coragem e determinação, olhar que refletiam
os sonhos, a vontade de vencer e de alcançar um novo ideal. Mas, como em toda
trajetória, foram surgindo as dificuldades e muitos desses sonhos compartilhados
foram se ausentando e a cada despedida surgia uma tristeza, que me invadia,
deixando-me por muitas vezes ansiosa, insegura e por muitas vezes desanimada.
Em todos esses anos experimentei inúmeras sensações e sentimentos, que por
vezes eram contraditórios: a vontade de ficar e ao mesmo tempo de ir embora,
desistir, medo de ir embora e ao mesmo tempo medo de prosseguir... Assim
surgiram sentimento de raiva, frustração, alegria e tristeza; tive que aprender a lidar
com minhas emoções, não somente em relação à vida, como também lidar com os
sentimentos de morte, o que sei ser um processo natural, mas que sempre gera
sofrimentos. Porém, com paciência e perseverança, e muita fé, fui superando as
perdas e passei a lutar cada vez mais pelos meus objetivos. Mergulhei a cara nos
livros por muitas e muitas madrugadas, deixando de lado diversões, passeios, e até
141
mesmo a companhia de pessoas que amamos- pais, irmãos, amigos, família. Hoje
agradeço a Deus o apoio que todos me deram, a dedicação e a compreensão.
Morei com inúmeras pessoas nas repúblicas e quase todos os dias eram
marcados por “mijovinha”, uma mistura de miojo, cebola e ovo, mais conhecida
como “bafocity”.
Uma vez, fui para o xilindró, durante um protesto para conseguir passe livre
para os estudantes, porque abraçamos um ônibus no centro, em protesto contra os
valores exorbitantes para alunos de universidade, pois o campus da faculdade ficava
30 km longe da cidade. Na época, eu participava do movimento LUTA, LUTA
JOVEM, com nosso líder Prof. Marcos Renovatto. Rendemos inúmeras brigas e
conquistas, cantamos o hino do Mato Grosso do Sul... Quando se é moço tudo que
se tem sai do próprio esforço, para ser alguém, superando crises sempre que elas
vêm... e aí vai... mas conseguimos no final...
Mudei inúmeras vezes, aliás, nem sei quantas vezes... Só sei que foram
muitas: de quitinetes para repúblicas e etc... Foram cinco anos incansáveis, sem
paradeiro determinado, mas a convivência com outras pessoas me ensinou muito,
em especial respeitar os direitos de cada um e do valor do seu próprio espaço, pois
a faculdade era “puxada”: aula o dia todo e à noite estudar pra provas fazer
trabalhos; e quando os estágios chegaram ficou ainda mais difícil ter que levantar de
madrugada para pegar o “busão” e ir até o hospital. Às 6 horas tínhamos que estar
prontas pra entrar, nos dias de frio, quanta vontade dava de permanecer na cama...
Mas a obrigação e a vontade de vencer eram mais fortes... Mais um dia, mais uma
batalha.
Fui morar num apartamento que tinha uma população fixa, eu e Jane;
também tinha uma população flutuante, todo mundo que não tinha onde ficar
passava uns tempos conosco. Quando saía à noite, descalça eu descia a Av.
Marcelino Pires e quando chegava na Av. Fernando Miller lavava o pé no posto BR,
bem na esquina, botava a sandália de salto e zoava com a galera da faculdade;
algumas vezes saíamos com o fusca azul da Jane e na maioria das vezes tínhamos
que empurrar, pois a gasolina era cara e na muita das vezes era luxo sair com ele.
Aos fins de semana tocávamos violão até o dia amanhecer, nas repúblicas da galera
da sala, isso quando não tínhamos que levantar cedo pra fazer trabalhos e escalas
do hospital. Nesta época, os professores não davam uma trégua.
No segundo ano de aulas houve greve, mas nós ficamos na escola, ninguém
voltou pra casa, mesmo sem entender nada e até ajudamos no “enterro” do diretor
da época. Queria participar de tudo e fazia parte do DCE e nesta época tudo valia a
pena... quando a alma não é pequena
Desde que me lembro, mesmo criança, sempre tive a vontade de ser
enfermeira, estudava muito, passei num vestibular concorrido, estudando numa
biblioteca pública da cidade e valeu...valeu... muito a pena No terceiro ano, durante
as aulas de clínica médica, já sabíamos com qual especialidade tínhamos mais
afinidade e, como hoje, digo que tenho afinidade com tudo, pois me identifico com
todas as áreas relacionadas è enfermagem. Eu ficava muito próxima do cliente; o
doente precisa ser visto de perto, e muitas vezes me envolvia sentimentalmente,
142
sofria muito com a dor deles... Foram inúmeras às vezes em que chorei e sofri com a
família, quando a pessoa perdia a luta com a morte, aprendi a conviver com ela, mas
o sentimento de perda e vazio permanecia por dias.
Os doentes crônicos em fase terminal nos ajudavam muito, pois tínhamos
aulas práticas e provas durante o estágio e eles, muitas vezes, nos contavam seu
diagnóstico e mostravam como examiná-los, imitávamos nossos professores e
várias vezes, depois, voltava à noite, aos seus quartos, para agradecer e comemorar
com eles a nota que havia conseguido. Quando fomos para a pediatria tudo mudou,
os sentimentos e os cuidados, ai pude ver como tão complexa era esta área em
cuidados, humanização e compreensão que tínhamos que ter frente às mães e às
crianças. Algumas, que permaneciam por tempo indeterminado no hospital, aos fins
de semana passeavam conosco ou realizávamos bonecos de fantoche para a
distração delas e para amenizar o sofrimento. Muitas vezes, levávamos escondidas
algumas balas para distribuir entre elas; eu inventava de tudo, minhas estórias
ficaram famosas e corriam por todos os quartos. Era fabuloso viajar com a
criançada; fazia uma história para todo mundo que me solicitava. Minha professora
Margarete sabia, e muitas vezes fingia que não sabia, que eu ia aos fins de semana
e levava guloseimas, acho até que ela gostava, porém, nunca tocou no assunto e
eu, por minha vez, fazia de conta que ela não sabia.
Uma grande figura daquele tempo foi o tio “Seu Zé da Unha”, dono de um
boteco ao lado do hospital, o apelido ficou, pois, depois de fazer o lanche na chapa,
ele limpava as unhas com a mesma espátula, e todo mundo ia lá comer lanche
quentinho... Nem nos importávamos com isso, era o melhor lanche da praça,
ficávamos depois dos plantões horas esperando sair um lanche da chapa, algumas
vezes perdíamos a hora tocando violão, e jogando conversa fora com “tio da unha”;
ele muitas vezes “pendurava” os lanches, acho que ele sabia da nossa pindaíba
quando chegava o fim do mês, daí ele “esquecia” de cobrar, fazíamos uma grande
vaquinha e pagávamos tudo.
Quando a cantoria entrava pela madrugada, “Dona Maria da Unha”, a
esposa, fazia escaldado ou mocotó e nos chamava para fazer uma boquinha.
Quando eu ia para casa trazia, na volta, tudo que minha mãe mandava;
muitas vezes foi até comida dentro do ônibus, parecia uma farofeira de primeira, e
quando chegava sempre tinha uma boa alma me esperando na rodoviária.
Aprendi a ser enfermeira assim, com muita alegria, lembro-me das aulas da
professora Roselaine, apaixonada pela obstetrícia e ginecologia, sabia tudo da
clínica e adorava ensinar, nas suas aulas viajávamos pela anatomia, fisiologia e
patologia, depois ela juntava tudo, eram experiências inesquecíveis.
No terceiro ano, pela primeira vez no hospital, nas discussões clínicas, eu
entrei em pânico, achei que não ia dar conta de conseguir ir até o final e ser
enfermeira, descobrir o diagnóstico e cuidar bem; parecia muito difícil. Foi quando a
professora me disse, faça tudo como se fosse para si própria, pense que o doente
hoje pode ser seu pai, sua mãe e faça o que você faria por eles... e o que você
gostaria que seus colegas fizessem por você.
143
No estágio era assim, todo procedimento novo que alguém ia fazer,
chamava os outros para ficar junto, toda alta era uma vitória e comemoração,
mesmo em casa, fora do ambiente hospitalar, não falávamos em outra coisa:
vivíamos a medicina dia após dia.
Lembro-me, muitas vezes, dos momentos e acontecimentos da faculdade,
dos professores inesquecíveis; ainda hoje me lembro do aperto de morar em
república, do dinheiro contado para comer, pagar as contas e tirar xerox. Minha
visão de vida mudou, acredito que tudo que aprendi e passei na faculdade não foi
nada jogado fora, mas sim bem aproveitado. Hoje me orgulho pelas muitas vezes
que reclamei de ter que estudar e fazer certos procedimentos, como dar banho,
fazer medicação mesmo no 4º ano... Ainda hoje continuo a fazê-los e orientar o
procedimento de como realizá-los, mas muito mais que isso, me sacrifico até hoje, é
certo, mas com certeza ainda está valendo a pena, pois cresci e continuo em
crescimento. A universidade foi apenas o primeiro degrau e meu alicerce, pelo qual
construo meus objetivos. Cresci como pessoa, como profissional, aperfeiçoei meu
espiritual, por acreditar por todo sempre que corpo e alma fazem um todo, descobri
a importância de lidar com as divergências entre sentimentos e opiniões, entre razão
e emoção. Por diversas vezes tive que deixar meus sentimentos de lado, a fim de
assim poder tomar decisões e atitudes corretas frente às situações com as quais
tenho me deparado, aos poucos estou adquirindo a segurança e tranquilidade de ser
ENFERMEIRA.
O último ano da faculdade foi esquisito, no último dia de aula, na aula de
despedida, eu não queria sair da escola, chorava nas festas de despedida, parecia
que ainda não estava preparada para cortar o cordão umbilical com os professores.
Lembro-me do primeiro dia de trabalho, achava-me insegura, mesmo
sabendo a teoria e o conhecimento, sabia que a experiência viria com a prática, foi
complicado lidar com tantos sentimentos. Estou orgulhosa de mim por ter aprendido
a lidar com meus medos e de ter aprendido a respeitar o sofrimento e os
sentimentos alheios, por ter sido forte o suficiente, e ainda tenho tentado ser para
conseguir superar os obstáculos que ainda vem pela frente, por inúmeras vezes ter
desenvolvido a capacidade de compreender e tolerar críticas, por adquirir a
competência necessária para apoiar e orientar a equipe, os pacientes e seus
familiares, cuidando sempre do seu conforto físico e emocional, mostrando assim a
importância de ser diferente, humanizando o cuidado, ofertando uma palavra amiga,
um sorriso, ou um gesto carinhoso, que além de ser essencial ao bom atendimento,
se é realizado com amor, nos dá um imenso prazer...
Foi difícil estar sozinha no primeiro emprego, ter que tomar atitudes sozinha,
resolver problemas... era frustrante e cansativo e eu ligava para minha grande
professora Roselaine que, por muitas vezes, me ajudou e orientou por um longo
período de tempo, com muita ternura. Logo no inicio de 2003 comecei a dar aulas e
foi pra mim imensamente prazeroso, pois nunca me via presa numa sala de aula
com alunos, foi minha grande paixão desde então, encontrei prazer em lecionar,
desde então.
144
Minha caminhada profissional começou indo bem, nesta época já era
coordenadora de dois PSF na cidade de Ivinhema, no Mato Grosso do Sul, e foi um
grande aprendizado. No mesmo ano me aventurei em abrir a primeira UTI neonatal
e pediátrica da Santa Casa de Cuiabá, outro grande sonho da minha vida, poder
estar perto das crianças doentes, foram anos inesquecíveis conheci inúmeras
pessoas que me marcaram e inúmeras crianças que me deram alegria, pois a
recuperação era rápida e a cada alta era uma conquista.
Um dia, após buscar de transporte aéreo (helicóptero) um indígena recémnascido, prematuro, dentro da aldeia na região de Sinop, me encantei pela maneira
de vida deles: a antropologia me fascinava, foi aí que consegui, através de uma
prova em Brasília, ser consultora indígena. Pude percorrer todo estado do Mato
Grosso e também Brasília e Manaus; tive contato com 65 etnias diferentes;
permanecia 20 dias em cada aldeia e aprendi muito, como pessoa e como
profissional a respeitar outras culturas, que nunca antes tinha visto, bem como,
aprender a aceitar e entender certas atitudes. Foi meio difícil, mas compreendi que
aquele mundo não era o meu e sim o deles e eu tinha que respeitá-lo. Foram
momentos inesquecíveis; 5 anos de troca de experiências e muito aprendizado.
Sinto saudades até hoje... neste tempo ingressei na UFMT (Universidade Federal do
Mato Grosso) onde lecionava como professora contratado na cadeira de Saúde
Indígena, no curso de graduação de Enfermagem.
Foi então, que no ano de 2007 vim morar no Estado de São Paulo, mais
precisamente na cidade de Americana; foi difícil no inicio a adaptação, tudo era
diferente da realidade vivida. Acho que foi mais sofrido do que permanecer com a
realidade de vida dos índios, continuei sempre estudando, lecionando e trabalhando,
trabalhei em inúmeros hospitais da região: Piracicaba, Campinas, Americana. Após
ingressar na área acadêmica como professora da Graduação e Pós Graduação do
curso de Enfermagem resolvi concretizar mais um de meus sonhos me tornar
mestre. Foi aí que apareceu o Prof. Renato, que me acolheu com muito carinho,
esclarecendo todas as dúvidas necessárias para o ingresso no Programa de
Mestrado do UNISAL.
Foram dias de muita angústia até esperar o resultado da aprovação e nesta
época eu e o David, um colega de profissão; já estávamos desacreditados de
conseguir. Até que, após a segunda apresentação do projeto, enfim iniciamos como
alunos regulares do mestrado. Foi inacreditável o conhecimento adquirido, nada
comparado com a graduação, pois encontrei algo mais concreto e embasado, pude,
com as aulas da querida Profa. Malu e do Prof. Severino, fazer uma viagem, ficar
perto da poesia, alimentar a alma de conhecimento e cuidar dos sonhos. O mundo
foi visto, desde então, de maneira diferente, com mais vigor e interpretações nas
pequenas coisas antes não valorizadas, as aulas foram prazerosas e realmente
estava aberta a novos conhecimentos antes não vistos; cada dia de aula era uma
experiência nova, diferente de tudo já experimentado; o que recebi ali procurei
passar também aos meus alunos, minha perspectiva de vida mudou muito em
relação ao papel do educador como formador de opiniões.
145
Neste período de Mestrado, já como aluna regular, elaborei um capítulo de
livro para publicação conjunta com os docentes e alunos da UFS, relacionados à
Educação Sociocomunitária e à Educação em Saúde, participei de congressos
realizados na UNISAL, apresentando trabalhos na Semana Educador em Ação
(Primeiros Socorros na Escola, out. 2011), no Seminário Nacional de Educação
Sociocomunitária de 2011, e no I Seminário de Extensão (2012), que me deram uma
visão bem diferenciada do papel da formação educacional como um todo. Realizei
apresentação de Banner e, nossa, como foi difícil a primeira tentativa: angústia,
desespero, ansiedade estavam juntos, porém depois da apresentação veio a
recompensa, alegria do bem realizado, sensação de prazer cumprido, felicidade e
satisfação tudo junto, foram momentos inesquecíveis junto aos colegas de mestrado
e nossa adorável Profa. Malu.
Após este trabalho de realização de artigos e trabalhos acadêmicos, hoje
como professora do curso de Pós-Graduação, estou desenvolvendo um trabalho
diferenciado com meus alunos, estamos elaborando artigos de conclusão do curso e
procuramos assim a publicação; foi da mesma maneira que aprendi dentro do
mestrado, em valorizar as publicações, a educação tem que ser comunicada para
todos e não ficar apenas arquivada em cadernos e na memória; estamos com afinco
valorizando o conhecimento.
Durante a segunda participação em encontros acadêmicos, no I Simpósio de
Extensão do UNISAL (agosto de 2012) já me senti tranquila e confiante, pois tinha
passado pela primeira experiência e tudo transcorreu muito bem. Neste encontro
abordei parte do trabalho realizado como tema de minha dissertação, juntamente
com meu trabalho desenvolvido dentro do PSF. Atualmente sou gerente de duas
unidades de ESF e uma UBS dentro de uma das maiores periferias da cidade de
Americana, na qual existem inúmeros problemas sociais. Toda a nova perspectiva
aprendida nas aulas foi, aos poucos, sendo colocada em prática dentro do meu
trabalho, foram inúmeras modificações tanto na estrutura física como na estrutura de
implantação e desenvolvimento de trabalho e atividades, pude compreender o ACS
e a comunidade como foco alvo de minhas experiências para a mudança e busca da
melhoria da qualidade de vida dessa população, e foram surgindo inúmeros
trabalhos, grupos que, graças a Deus, estão dando tão certo, que já tivemos
convites e propostas para estar implantando este trabalho em outras UBS
(comunidades). E em horário noturno, pois a comunidade que trabalha o dia todo
também quer participar dos grupos, eles são cooperativos e participantes, os ACS,
hoje, também têm uma visão diferente no acolhimento e na perspectiva de entender
o cliente; foi trabalhado e valorizado muito o seu papel, a valorização do seu
conhecimento e a interpretação do que realmente a comunidade quer dizer.
Sem esquecer as festas que realizamos nessa periferia: festas de
aniversário, festa junina, festa fim de ano, tudo é motivo pra comemoração, regada a
muitas guloseimas, (aprendi isso com a Malu, pois em toda sua aula tínhamos a
pausa para o café comunitário: com direito a todas as muitas degustações e pratos
diferenciados, graças aos nossos colegas de outros estados, que traziam “coisas
nunca antes vistas” e que eram maravilhosas, como o bolo de fubá assado dentro da
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palha da bananeira). Tudo isso, sem esquecer da festa de aniversário que fizemos
para o Prof. Severino e para a Prof. Malu. Nossa, como nos divertimos nestes dias,
saíamos para almoçar juntos e era uma bomba de problemas, cada um queria falar
de suas dificuldades dentro da sala de aula. Neste clima foi muito bom, pois percebi
que as angústias que tinha não eram só minhas; outros colegas compartilhavam do
mesmos sentimento e das mesmas ambições em busca de uma excelente qualidade
de ensino.
As batalhas nesta época foram surgindo e sendo solucionadas com mais
facilidade, sendo vencidas uma por uma a cada dia. Durante este caminho passei
por algumas mudanças, escolhas e amadurecimento profissional. A batalha da
minha vida continua, mas hoje vejo que são necessárias para o crescimento, pois
ainda vão vir outras inúmeras e estou preparada para enfrentá-las, e como antes,
desde a época da faculdade, ainda continuo sentindo hoje alegria, frustração,
desesperança esperança, sofrimento com o lidar com a perda, em ter que saber
administrar um setor, lidar com a equipe e com os clientes, deixo ainda muitas
coisas pra trás, como diversão, lazer, desfrutar da família, dos amigos, pois ainda
continuo estudando e por muitas vezes ainda passo as madrugadas em alerta,
aprofundando o que foi aprendido nesses anos com meus mestres. Em troca ganho
experiência e conhecimento, desfruto inúmeros momentos de crises e de
determinação, pois a diferença é que agora eu sou o professor responsável pela
educação de muitos.
Concretizo aqui ainda teria muito mais o que falar, mas o que se torna mais
essencial é a luta e a tentativa de sempre prosseguir, pois quanto maior for o
problema e as dificuldades que enfrentamos; quanto mais dura, longa e cansativa for
nossa jornada, melhor será o gosto da vitória. Aprendi que, muitas vezes, as quedas
se fazem necessárias para que possamos levantar, lutar e continuar a seguir o alvo
- nossos ideais, e que o grande segredo do sucesso é colocar amor em tudo que
possamos fazer, e que cada etapa vencida da minha vida não seja o término, mas
sim o início de uma linda e longa caminhada de conhecimentos, de sentimentos de
experiência e sucesso, que Deus seja sempre meu guia e mestre, tomando sempre
a direção de todos os meus passos...
O PERSISTIR TEM QUE SER SEMPRE, DESISTIR NUNCA, POIS OS
OBSTÁCULOS SÃO MUITOS, MAS A VONTADE É SEMPRE MAIOR.
Agradeço ao meu querido Deus e Pai por todas as coisas boas que vivi, e
por tudo o que tens feito para me livrar de tantos males, também sei que o bem
apenas dele é que vem. O que vivi de ruim em minha vida foi por ignorância,
estupidez e escolha minha, apenas minha.
Mas minhas felicidades eu só devo ao Pai!
Agradeço a todas as pessoas que sempre me quiseram bem, com elas
aprendi a perdoar, amar e a precaver-me contra as intempéries do mundo - eu
simplesmente agradeço!
E dizer que: "O sol sempre nascerá para mim, mas um dia, eu não nascerei
mais para ele, essa é a lei da vida. "
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Oração da Enfermeira
Logo ao amanhecer, começam a se movimentar, na luta contra a dor para a
vida de o seu semelhante salvar. Chamadas a todos os cantos, a todos atende com
muito amor, às vezes mal compreendidas, sem o semelhante reconhecer seu valor.
Às vezes até nem é culpada, de demorar a atender, esquecemos que esteve
ocupada, com outro caso grave para resolver. Com suas fardas brancas e lindas,
estão atentas à toda hora, para trazer o bálsamo que cura, como um anjo mandado
por Deus. Todos os doentes curados, saem alegres, por voltarem ao lar, A elas
devemos tributar, grande parte da nossa gratidão, pois contribuíram como puderam,
para nossa recuperação.
148
ANEXOS
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