FABIULA COSTA ANTONELLO O TAO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE: A PARTICIPAÇÃO DOS AGENTES COMUNITARIOS DE SAÚDE NA BUSCA PELA QUALIDADE DE VIDA UNISAL Americana - 2013 FABIULA COSTA ANTONELLO O TAO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE: A PARTICIPAÇÃO DOS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE NA BUSCA PELA QUALIDADE DE VIDA Dissertação apresentada ao Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL, como requisito parcial para obtenção do titulo de Mestre em Educação. Área de Concentração: Educação Sociocomunitaria. Linha de Pesquisa: A intervenção educativa sociocomunitaria: linguagem, intersubjetividade e práxis, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Luisa Amorin Costa Bissoto. UNISAL Americana - 2013 A639t Antonello, Fabiula Costa O Tao da Educação e da Saúde: A participação dos agentes comunitários de saúde na busca pela qualidade de vida / Fabiula Costa Antonello. Americana: UNISAL, 2013. 277 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL – SP Orientador: Profa. Dra. Maria Luisa Amorin Costa Bissoto. Inclui Bibliografia. 1. Educação Sociocomunitaria. 2. Agente Comunitário de Saúde. 3. Semiótica. I. Título. II. Autor CDD – 370.115 Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB 104/2012 UNISAL: Unidade de Ensino de Americana FABIULA COSTA ANTONELLO O TAO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE: A PARTICIPAÇÃO DOS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE NA BUSCA PELA QUALIDADE DE VIDA Dissertação apresentada ao Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL, como requisito parcial para obtenção do titulo de Mestre em Educação. Área de Concentração: Educação Sociocomunitaria. Linha de Pesquisa: A intervenção educativa sociocomunitaria: linguagem, intersubjetividade e práxis, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Luisa Amorin Costa Bissoto. Dissertação defendida e aprovada em 13 de março de 2013, pela banca examinadora composta por: BANCA EXAMINADORA Profa. Dra. Maria Luisa Amorin Costa Bissoto − UNISAL (Orientadora). Prof. Dr. Severino Antonio Moreira Barbosa − UNISAL Prof. Dr. Mauro Hilkner Silva − USP UNISAL Americana - 2013 DEDICATÓRIA/AGRADECIMENTOS À Deus, por ter me dado tantas oportunidades na vida e pelo seu eterno cuidado por mim, meu eterno amor. Ao meu pai Antonio Adilor Antonello e minha mãezinha querida Aparecida Costa Antonello, por terem me dado a vida, a minha educação e a formação de meu caráter. Ao meu esposo Rafael Henrique Alves Pereira, meu eterno companheiro nos momentos difíceis e nos momentos de alegria, por me permitir minha imersão no conhecimento e por tolerar minhas ausências, tolhendo-lhe o tempo de estar comigo, mas sempre apoiando este passo na minha vida, para minha realização profissional. Ao meu querido amigo David Luquezzi, por estar comigo nesta caminhada, por sua torcida, por me ouvir e acreditar em meus delírios. RESUMO Procura-se entender e aperfeiçoar, num sentido de maior humanização, o processo de educação para a saúde de um grupo de agentes comunitários da ESF (Saúde da Família) e sua prática junto à população. Afirma-se a importância do Agente Comunitário de Saúde (ACS) frente à sociedade, em especial às comunidades da periferia, na busca pela melhoria da qualidade de vida. A hipótese da investigação, decorrente da experiência profissional da pesquisadora, contudo, é a de que a educação em saúde e a ação do ACS reproduzem as relações de poder existentes entre “médico-paciente”, numa negação das representações de doença e das práticas de manter/recuperar a saúde da população. Essa negação é especificamente importante nas populações das periferias, nas quais se encontram concepções de saúde e doença mais aproximadas dos saberes populares, mas afastadas do cientificismo médico. Argumenta-se, verificando-se essa hipótese, que o papel do ACS somente terá efeitos positivos na melhoria da qualidade de vida se respeitar e discutir as concepções de saúde/doença dos grupos sociais aos quais se destinam, intercambiando transformações em todos os envolvidos no processo: população, agentes comunitários de saúde e os demais profissionais da área da saúde. Metodologicamente trata-se de uma pesquisa qualitativa, na modalidade estudo etnográfico. Como referenciais teóricos faz-se uso de estudos da semiótica, da Teoria das Representações Sociais e da Educação Crítica e Sociocomunitaria. Espera-se, como resultados mostrar que o processo de educação dos ACS e a promoção da saúde da população serão tanto mais efetivos quanto mais pautaremse nos princípios de uma educação que se configure como sociocomunitaria, ou seja, que integre os saberes de uma comunidade, respeitando-os e entre eles promovendo o diálogo. Um possível Tao para pensar o binômio saúde/educação. Palavras chaves: Educação Sociocomunitaria – Agente Comunitário de Saúde – Semiótica. ABSTRACT It seeks to understand and improve, a greater sense of humanization, the process of health education of a group of community FHS (Family Health), and its practice among the population. Affirms the importance of the Community Health Agent (CHA) before society, especially to communities on the periphery, in the quest to improve the quality of life. The hypothesis of the research, due to the experience of the researcher, however, is that health education and action ACS reproduce the power relations between "doctor-patient", a denial of illness representations and practices to maintain/regain health. This denial is especially important in populations of the suburbs, which are the concepts of health and disease are as close of popular knowledge, but away from medical scientism. It is argued, verifying this hypothesis, the role of the ACS only have positive effects on improving the quality of life they meet and discuss the concepts of health / illness of the social groups to which they are addressed, exchanging transformations at all involved in process: population, community health agent and other health professionals. Methodologically this is a qualitative research method in ethnographic study. As a theoretical framework makes use of semiotic studies, the Social Representation Theory and Criticism of Socio Education. It is expected, as results show that the process of education of community health agent and health promotion of the population will be much more effective as longer abide by the principles of an socio education set, ie, integrating the knowledge of a community, respecting them and promoting dialogue between them. A possible Tao to think the health/ education. Keywords: Socio Education – Community Health Agent – Semiotics. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AB ABRASCO ACS AIDS APS CA CEBES CNS CONASP DM DST EAP ESF FIOCRUZ HAS HIPERDIA HIV IAPAS ICC INAMPS INPS INSS IRA IRC IVB MS NASF NOAS OMS ONU PACS PND PSF SIAB SINPAS SSVV SUS UBS Atenção Básica. Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. Agente Comunitário de Saúde. Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. Atenção Primária à Saúde. Câncer. Centro Brasileiro de Estudos em Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Conselho Nacional de Administração de Saúde Previdenciária. Diabete. Doença Sexualmente Transmissível. Edema Agudo de Pulmão. Estratégia de Saúde da Família. Fundação Oswaldo Cruz. Hipertensão Arterial Sistêmica. Programa de Hipertensos e Programa de Diabetes. Vírus da Imunodeficiência Humana. Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social. Insuficiência Cardíaca Congestiva. Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social. Instituto Nacional de Previdência Social. Instituto Nacional do Seguro Social. Insuficiência Respiratória Aguda. Insuficiência Renal Crônica. Instituto Vital Brasil. Ministério da Saúde. Núcleos de Apoio à Saúde da Família. Norma Operacional da Assistência à Saúde. Organização Mundial de Saúde. Organização das Nações Unidas. Programa de Agentes Comunitários de Saúde. Plano Nacional de Desenvolvimento. Programa de Saúde da Família. Sistema de Informação da Atenção Básica. Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social. Sinais Vitais. Sistema Único de Saúde. Unidade Básica de Saúde. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.................................................................................................... 9 CAPITULO I − O TAO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE: O ELO COMUNIDADE, O PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA E OS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE........................................................................... 1.1. Meus Caminhos e Implicações com o Tema............................................ 1.2. O Sistema Único de Saúde (SUS): o primeiro caminho, a passos longos................................................................................................................ 1.3. O Caminho que o Programa de Saúde da Família percorreu desde seu surgimento até os dias atuais............................................................................ 1.3.1. Características e Composição da Equipe de Saúde da Família........ 1.4. O Tao do Agente Comunitário da Saúde.................................................. 1.5. O Agente Comunitário de Saúde e a Territorialização.............................. 1.6. O Agente Comunitário de Saúde e a Família na esfera da Antropologia e da Educação Sociocomunitaria...................................................................... 1.7. Agente Comunitário de Saúde: reforçando laços através das Visitas Domiciliares....................................................................................................... 1.8. A Importância da Participação da Comunidade para o Tao da Saúde e da Educação Sociocomunitaria......................................................................... 1.9. As Representações Sociais frente à Educação Sociocomunitaria............ 14 CAPITULO II − O TAO DO MEIO: SAÚDE, PARADIGMA INDICIÁRIO E DOENÇA FRENTE Á EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITARIA........................... 2.1. Meu Caminho Traçado……………………………………………………….. 2.2. Significado e Definição de Semiótica......................................................... 2.2.1. Os Signos frente à Aprendizagem e à Educação Sociocomunitaria. 2.2.2. Os Problemas Sociais vistos como Signo.......................................... 2.3. A Antropologia Médica e o Tao da Saúde e Educação Sociocomunitaria frente às Interpretações Sociais....................................................................... 51 CAPÍTULO III − A CONSTRUÇÃO DO TAO DA SAÚDE E DA EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITARIA: UM QUE-FAZER COLETIVO................................... 3.1. Conceitos de Saúde e Doença................................................................... 3.2. A Construção do Tao da Saúde e da Educação Sociocomunitaria: o Trabalho em Grupo............................................................................................ 3.3. O Cuidado dos ACS dentro da Comunidade: Interpretando as Necessidades Educacionais do Cuidar para Garantia da Qualidade de vida... 3.4. Visão da Saúde/Doença: a Diferença entre Adoecer e o Doentizar da Comunidade na Educação Sociocomunitaria..............................……………… 68 15 17 23 26 31 35 38 40 45 46 52 53 55 62 63 69 74 79 82 CAPITULO IV − O TAO E SUA TRAVESSIA ENTRE A SAÚDE E A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITARIA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA......... 4.1. Educação Sociocomunitaria, Cuidado e Saúde: o Tao Possível ……….... 4.2. O TAO, sua Travessia na Educação Sociocomunitaria: um Relato de Experiência …………………………................................................................... 4.2.1. Estrutura Física da Unidade……………………………………………… 4.2.2. Recursos Humanos………………………………………………………. 4.2.3. Serviços Oferecidos………………………………………………………. 4.2.4. Trabalho na Unidade …………………………………………………….. 4.2.5. Os Grupos…………………………………………………………………. 4.3. Na Busca do Caminho: o TAO da Comunidade Participante e a Educação Sociocomunitaria.............................................................................. 88 104 107 107 108 108 109 109 111 CONSIDERAÇÕES FINAIS………………………………………………………... 126 REFERÊNCIAS…………………………………………………………………….. 129 APÊNDICE – MEMORIAL……………………………………………………….... 137 ANEXOS……………………………………………………………………………… 148 9 INTRODUÇÃO A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida. Vinícius de Moraes 10 Os seres humanos buscam significar e compreender a situação de sua existência através do seu cotidiano e, assim, interpretar o mundo em que estão inseridos. Em decorrência disso estabelecem relações sociais, que ganham importância frente às situações de saúde e de doença, pois nessas situações se estabelecem fortes vínculos culturais da existência humana. Na compreensão e apropriação desses vínculos as pessoas elaboram seus conceitos e suas representações em relação ao binômio saúde-doença, tendo em mente uma definição de como vivem e como descobrem o mundo ao seu redor. Cada sociedade tem uma representação diferente desses vínculos, dependendo de sua história, que decorre em tempos e espaços determinados. Como enfermeira e pesquisadora participante deste trabalho de investigação, busco mostrar uma forma possível de compreensão e promoção de educação sociocomunitária em relação à saúde, valorizando e reconhecendo a subjetividade do indivíduo, em seus valores e hábitos, quanto ao processo de saúdedoença. Mais especificamente, a problemática posta à investigação consiste em entender o universo de concepções e práticas de saúde-doença no contexto existente entre os Agentes Comunitários de Saúde (ACS, doravante) e os sujeitos por esses atendidos, procurando compreender como esses sujeitos vivenciam a saúde e as doenças em seu cotidiano e que interpretações fazem das explicações, orientações e propostas para os cuidados com a saúde trazidos pelos ACS e, ao mesmo tempo, investigando como esses últimos interpretam e lidam com as concepções de saúde-doença da população atendida? O objetivo da investigação é mostrar uma forma possível de compreensão da educação sociocomunitaria em relação à saúde baseado no reconhecimento das semioses e valorização das culturas em relação à concepção de saúde-doença, existentes numa coletividade, promovendo novos conhecimentos, buscando desenvolver habilidades sociais de ação crítica, ética e humanizada e impulsionando o envolvimento da educação em saúde pública. A ideia de se investigar as possibilidades de um TAO, para a educação e a saúde − com a participação dos ACS que atuam como uma ponte de ligação entre a comunidade e os profissionais de saúde na busca pela qualidade de vida da comunidade − surgiu do interesse despertado pela palavra Tao, que é traduzida da palavra chinesa como “o caminho”. Foi pensando neste contexto de caminho, uma 11 vez que este representa uma passagem que sempre nos leva a algum lugar, e que nos serve de elo de um lugar ao outro, que procurei traçar um caminho entre a educação e a saúde, juntamente com o papel que o agente comunitário de saúde poderia ter nesse caminhar. O ACS, como definido pelo Ministério da Saúde (MS), é um “fortalecedor” educativo da comunidade, estando agregado e ligado diretamente a essa, com um papel participativo na formação de perspectivas para a compreensão e o enfrentamento de questões relacionadas à saúde-doença. São questões, então, que norteiam a investigação realizada, se o ACS vem sendo, de fato, uma figura capaz de contribuir e favorecer a ótica dos sinais, levando o processo educativo para a comunidade, influenciando na melhoria da qualidade de vida das populações atendidas. Para a concretização deste trabalho foram abordados, como referenciais teóricos, a educação de Paulo Freire, a semiótica, como desenvolvida nos estudos de Santaella, a antropologia médica, que discute a importância de compreender a influência das culturas e contextos sociais na maneira como os indivíduos percebem os problemas e estabelecem relações com os diversos temas referentes à saúde, e também a teoria das representações sociais, como proposta por Moscovici, em que se atribui valor aos significados construídos socialmente pelos sujeitos quanto a sua subjetividade, às diferenças culturais e aos modos de vida dos sujeitos em sociedade. Acredita-se que desses referenciais possa emergir uma compreensão do conhecimento popular quanto à saúde-doença, ampliando nossos conceitos e nos aproximando da realidade da temática aqui estudada. Com fundamento nesses vieses teóricos procuramos mostrar que o enunciador, ou o autor do discurso, no caso os ACS, devem ter, na maioria das vezes, um diálogo rico em informações e conhecimentos provenientes de um olhar a um só tempo científico e humanizador, baseado numa relação de significação sociocultural quanto aos fenômenos de saúde e doença expressos pela população atendida. Assim, melhor poderão exercer e julgar seu trabalho de agentes de educação. Este projeto nasceu pela angústia desta pesquisadora em compartilhar a necessidade da educação social dentro da assistência à saúde pública valorizando a importância do reconhecimento da cultura da comunidade, bem como, saber decifrar e interpretar as ações e representações sociais, contribuindo desta maneira para a melhoria da qualidade de vida. O trabalho foi realizado em um bairro marginalizado na periferia da cidade de Americana. 12 Procura-se, portanto, investigar o estabelecimento de laços entre a comunidade e os ACS, por meio do desenvolvimento educacional desses, trabalhando sua influência junto à comunidade, seus valores culturais, seu nível de compreensão da cultura dos sujeitos atendidos, pelo uso da semiótica envolvendo o reconhecimento da linguagem, signos, sinais, sintomas e significados, identificando e compreendendo suas atitudes frente à comunidade. Espera-se, dessa forma, contribuir para a melhoria da qualidade de vida desta população, em relação à saúde-doença, favorecendo a mudança do contexto atual. Pretende-se, também, mostrar a importância da apropriação de fundamentos teóricos e modelos de análise da semiótica e da antropologia médica pela equipe de saúde, focando por primazia o ACS, aprimorando seu papel na comunidade, conscientizando-o da sua importância na construção e promoção de novos ideais de vida para a comunidade. A metodologia utilizada na elaboração desta dissertação está baseada em diferentes bibliografias, integrada à pesquisa qualitativa e quantitativa, focado num estudo de caso etnográfico, explorando a dinâmica de funcionamento e as concepções de um determinado grupo, atendido pela Estratégia de Saúde da Família (ESF) situada no bairro Jardim Brasil, porém aborda mais 16 bairros ao redor, estando todos localizados na periferia da cidade de Americana, Estado de São Paulo. Dentre as dificuldades locais deparamos com grande fluxo de entrada e saída de pessoas provenientes de outras cidades e outros estados do Brasil (residência flutuante), bairros de invasão e povoação em fase ainda de estruturação; portanto, com má condição de moradia, sem asfalto, saneamento, água potável, coleta de lixo que fica localizado no Bairro Asta I, II e II, com alguns pontos de venda de drogas e prostituição, doenças crônicas, degenerativas, doenças mentais (hospitais psiquiátricos, casa de tratamento para dependência de álcool e drogas ilícitas, casa para tratamento aos portadores de HIV e DST), que fazem uso frequente da unidade, dificuldade por parte de alguns clientes à aderência ao tratamento, a não aceitação das orientações dos profissionais pela sua herança cultural e crenças pessoais, dificuldade com o analfabetismo, na compreensão quanto às orientações para o tratamento e prevenção, dentre outras. A construção dos dados empregou coletas de discursos e observação participante da convivência dos ACS com a comunidade, a avaliação dos trabalhos 13 educacionais cotidianamente desenvolvidos junto à população, visitas à comunidade, levantamento das dificuldades e dos problemas enfrentados na relação entre os ACS, às práticas de cuidado com a saúde e a população. A organização dos dados foi baseada nos modelos teóricos já citados, dentro da categoria de consciência em relação às interpretações simbólicas e culturais que tanto os ACS como a população fazem, na ação interpretativa frente ao binômio saúde/doença e o fortalecimento das possibilidades de transformação da comunidade em relação às práticas de cuidado com a saúde/bem estar. Considero, como enfermeira e pesquisadora, que a investigação realizada é relevante por possibilitar traçar um novo caminho para melhorar a qualidade de vida da comunidade estudada. Espera-se que os leitores possam atribuir importância ao elo entre a educação e a saúde, ambas devem sempre estar entrelaçadas, reconhecer a importância do modelo de saúde pública, que atualmente vem sendo instaurado no Brasil e valorizando o trabalho educacional desenvolvido pelos ACS nos diálogos diários, nas visitas, nas campanhas de prevenção e outros meios utilizados em campo aberto, correlacionando as representações sociais e a compreensão das semioses da comunidade, ou seja, os seus processos de significação, bem como os sinais que se nos oferecem à interpretação. 14 CAPITULO I − O TAO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE: O ELO COMUNIDADE, O PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA E OS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE “Menina na Janela” Salvador Dali O QUE SERÁ (A FLOR DA TERRA) (...) O que será que será? O que não tem certeza Nem nunca terá! O que não tem concerto Nem nunca terá! O que não tem tamanho... Chico Buarque e Milton Nascimento 15 1.1. Meus Caminhos e Implicações com o Tema Esta pesquisa, vinda do campo da saúde, agora percorre o caminho dentro da Academia se propondo a fazer a interpretação da educação em saúde, por meio da teoria semiótica, querendo investigar este trabalho frente aos sinais, cultura, religião, enfim, os comportamentos de um grupo de Agentes Comunitários de Saúde (ACS) frente à sua ação na comunidade, podendo produzir o bem comum na saúde e na sociedade. Há evidência crescente de que a intervenção na saúde tem múltiplos componentes positivos dentro do foco da educação em saúde com o envolvimento de toda a comunidade. O norte dessas intervenções está em ajudar profissionais da saúde (ACS) e toda a comunidade a adotar uma qualidade de vida segura e saudável, mas compartilhada, em sua compreensão. Fabiula Antonello O que me move a fazer esta pesquisa é o meu envolvimento com a saúde pública, uma vez que percebo que a educação influencia grandemente todo o processo de construção do ser humano; e, um dos objetos centrais deste trabalho é o de valorizar a educação sociocomunitaria para esta conquista. Como a “Menina na Janela”, de Salvador Dali, eu contemplava externamente o mar vasto da educação até que, em 2003, obtive meu primeiro contato com a área acadêmica na Universidade Federal do Mato Grosso; fui contratada como professora especial para exercer a cadeira de saúde indígena. Entrei confusa no barquinho da Educação e sem saber ao certo para onde iria, pois remar nesse barquinho não era meu interesse inicial. Lembro-me que queria atuar na Educação, mas tinha muita insegurança, a pequena diferença de escolaridade e experiência vivida que eu tinha em relação aos demais candidatos levou-me a adentrar no barquinho da educação. Acabei aceitando a cadeira pela influência financeira que esta representava, já que era muito significativa. E naveguei... e gostei, me realizei... Minha atuação seria um todo, o início de minha eterna trajetória de educadora... Eu sempre tive isto comigo, eu sempre gostei de ensinar (muita emoção nesta fala). Quando eu fiz a Faculdade, eu fiz a Licenciatura junto com o quarto ano, mas nunca me imaginei me tornar professor de profissão, depois dessa nova experiência por este caminho minha 16 vontade e intenção se tornou lecionar. É uma coisa minha mesmo, que eu sempre tive isto comigo. Fabiula Antonello O caminho da saúde pública no Brasil tem se mostrado tortuoso e cheio de espinhos. O Brasil é um país em desenvolvimento que, ao longo de séculos, vem buscando a estruturação de seus sistemas econômico, educacional e de saúde, num desafio de estruturar e se organizar para melhor utilização de seus recursos, com vistas a traçar metas de qualidade de vida e adquirir o status de país desenvolvido. Analisando hoje, em âmbito geral, a atual situação do campo da saúde, encontramos um desencontro nestes caminhos na busca da melhoria da qualidade de vida. Um país que ainda não “dá conta” de solucionar os problemas e que poderiam ser resolvidos na atenção básica preventiva, mesmo com as iniciativas e a valorização do Programa de Saúde da Família (PSF) e seus parceiros os Agentes Comunitários de Saúde (ACS). Fica a eterna pergunta, então, de como elaborar um caminho que proporcione, de fato, condições dignas de acesso à qualidade de saúde, especialmente para a população mais carente economicamente, entendendo a saúde é direito de todos e dever do estado? Primeiramente, quero frisar que Saúde é um direito de todos e dever do Estado, conforme consta nas informações do Ministério da Saúde (BRASIL, 2006) e firmado pela Constituição de 1988. A saúde, nesse âmbito legal, é definida como “a situação de bem estar físico, mental e social da população, afastando-se do conceito de saúde como ausência de doença”. Para se promover saúde devemos pensar em condições adequadas de moradia, trabalho, educação, lazer, alimentação, estrutura e fornecimento de serviços de saúde, preservação dos recursos naturais e do meio ambiente, bem como a valorização das culturas locais, juntamente com a participação popular, engajando-a em iniciativas de assumir a saúde como bem comum (BRASIL, 2009). Assim, vejo que a saúde um bem a que todos têm direito, que está embasado nos termos do art. 196 da Constituição Federal de 1988 pressupõe que o Estado deva garantir não apenas serviços públicos de educação, promoção, proteção e recuperação da saúde, mas adotar políticas econômicas e sociais, que melhorem as condições de vida da população. Pensando nesta melhoria é que foi 17 aberto pelo Estado brasileiro, juntamente com a promulgação da Constituição acima referida, um novo caminho na busca da promoção da saúde: a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Dentre as várias ações preconizadas pelo SUS, que seguem descritas, enfatizo aqui o Programa de Saúde da Família, implantado no ano de 1998, que veio para reestruturar o modelo médico de atenção à saúde, até então vigente, substituindo-o por uma perspectiva mais orgânica e sistêmica, comunitária. Partindo-se deste fato resgato um pouco da história da Saúde Pública no Brasil e o papel do Programa de Saúde da Família e do Agente Comunitário de Saúde dentro dessa. Nesta mesma perspectiva entendemos que a educação a cultura e suas interpretações fazem parte da ação ativa do homem para a qualidade de vida, fortalecendo uma prática de educação popular, dimensionando transformações sociais e naturais. Utiliza-se o processo educativo para que os sujeitos sintam-se também produtores de conhecimento, apropriando-se dos bens culturais, contribuindo para a promoção de sua saúde. Paulo Freire (2002), em uma de suas falas menciona dois direitos que considerou fundamental: “o direito de se conhecer melhor o que já se conhece e o direito de conhecer o que ainda não se conhece”. Essas prerrogativas se relacionam com o direito de cultura, ou seja, a viabilidade que deve existir para que todos tenham acesso à participação universal. Defendo o esforço de Freire, no sentido de mostrar a necessidade de superação do trabalho intelectual e manual; nesta dissertação, portanto, abordo o desenvolvimento pela educação em grupos. Estes integrantes da comunidade apresentam-se como sujeitos coletivos conscientes de sua classe, valorizando sua cultura de homens e mulheres, apostando numa renovação mental, interpretando as classes sociais existentes, seus problemas, lutando pelo acesso a uma educação de qualidade frente à realidade, na busca da sua própria qualidade de vida. 1.2. O Sistema Único da Saúde (SUS): o primeiro caminho, a passos longos. Este texto está embasado em documentos oficiais, conforme indicado pelas referências apostas, que regulam a origem do Sistema Único de Saúde (SUS). 18 Esse foi criado pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado pelas Leis n.º 8080/90 (Lei Orgânica da Saúde) e nº 8.142/90, com a finalidade de alterar a situação de desigualdade na assistência à Saúde da população, tornando obrigatório o atendimento público a qualquer cidadão, sendo proibidas cobranças de dinheiro sob qualquer pretexto (SAÚDE BRASIL, 2012). Do Sistema Único de Saúde fazem parte “os centros e postos de saúde, hospitais incluindo os universitários, laboratórios, hemocentros (bancos de sangue), além de fundações e institutos de pesquisa”, como a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e o Instituto Vital Brasil (IVB) (OHARA; SAITO, 2010 p. 47). Através do Sistema Único de Saúde todos os cidadãos têm o direito a consultas, exames, internações e tratamentos nas Unidades de Saúde vinculadas a esse sistema, sejam públicas (das esferas municipal, estadual e federal) ou privadas, contratadas pelo gestor público de saúde. O SUS é destinado a todos os cidadãos e é financiado com recursos arrecadados por impostos e contribuições sociais, pagos pela população e que compõem os recursos do governo federal, estadual e municipal. O Sistema Único de Saúde tem como meta tornar-se “um importante mecanismo de promoção da equidade no atendimento das necessidades de saúde da população, ofertando serviços com qualidade adequados às necessidades, independente do poder aquisitivo do cidadão.” (PORTAL DA SAÚDE SUS, 2012). Propõe-se a promover a saúde, priorizando as ações preventivas, democratizando as informações relevantes para que a população conheça seus direitos e os riscos à sua saúde: O controle da ocorrência de doenças, seu aumento e propagação (Vigilância Epidemiológica) são algumas das responsabilidades de atenção do SUS, assim como o controle da qualidade de remédios, de exames, de alimentos, higiene e adequação de instalações que atendem ao público, onde atua a Vigilância Sanitária. O setor privado participa do SUS de forma complementar, por meio de contratos e convênios de prestação de serviço ao Estado quando as unidades públicas de assistência à saúde não são suficientes para garantir o atendimento a toda população de uma determinada região. (OHARA; SAITO, 2010, p. 69). Relembro aqui o inicio deste caminho, em que, como já dito, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado pela Constituição Federal de 1988, para que toda a 19 população brasileira tivesse acesso ao atendimento público de saúde. Para atingir esse objetivo a saúde tem sido pauta de imensos debates e movimentos constantes, que visam assegurar a garantia de acesso, a saúde. (BRASIL, 2006). Até a criação do SUS o “poder” de se obter atendimento médico ficava a cargo dos beneficiários de “carteiras assinadas”, ou seja, a assistência médica só era acessível a quem podia pagar por ela. Ficando assim restrito o atendimento para as pessoas que contribuíssem com o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS); as demais pessoas eram dadas como indigentes e a oferta de atendimento de saúde a elas ficava a cargo dos serviços filantrópicos. Cabe aqui também ressaltar que a Constituição Brasileira de 1988, ainda vigente, se preocupou com a consolidação de atendimentos individuais, cobrando obrigações do Estado frente à democracia, surgindo, assim, grandes mudanças que proporcionaram o exercício da cidadania pelo povo brasileiro e se caracterizou como a chamada “Constituição Cidadã”. Foi uma ampla participação popular, que teve por finalidade construir as condições políticas, econômicas, sociais e culturais que assegurassem a concretização e efetividade dos direitos humanos, num regime de justiça social atendendo diretamente os direitos sociais de saúde, educação, trabalho, lazer e aprendizado (BRASIL, 2009). No próprio texto da Constituição Federal de 1988, o Art. 196 estabelece que: 1. A saúde é direito de todos. 2. O direito à saúde deve ser garantido pelo Estado. 3. Esse direito deve ser garantido mediante políticas sociais e econômicas com acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação e para reduzir o risco de doença e de outros agravos. (BRASIL, 1988, p. 8). Um dos maiores marcos da saúde se deu em dezembro de 1990, após a elaboração do artigo 198 da Constituição Federal, quando foi regulamentada a Lei nº 8.080, que é conhecida como Lei Orgânica de Saúde ou Lei do Sistema Único de Saúde (SUS) vigente até os dias atuais. Essa lei estabelece como deve funcionar o sistema de saúde em todo o território nacional, define as competências, responsabilidades e o papel do gestor em cada esfera de governo, juntamente com a participação popular detalhada pela Lei nº 8.142, de dezembro de 1990. Apesar dos serviços do sistema universalizado de saúde, SUS, estar caminhando na busca de melhorias, e tentando traçar caminhos mais precisos para solucionar os problemas de saúde atuais, os desafios são grandes e devem ser 20 enfrentados para a concretização dos seus princípios e diretrizes. Vivemos uma realidade nacional que ainda caminha para o processo de construção, organização e reorganização do modelo de atenção à saúde, que possa, de fato, garantir uma melhor qualidade de vida para todos os cidadãos brasileiros. Como definido em documentos oficiais do Ministério da Saúde (BRASIL, 2009, p.10): “Ao SUS cabe a tarefa de promover e proteger a saúde, como direito de todos e dever do Estado, garantindo atenção contínua e com qualidade aos indivíduos e às coletividades”. Com intuito de permanecer na busca de melhores meios de qualidade de vida o Ministério da Saúde criou, em 1986, a Atenção Primária à Saúde (APS), na qual a Estratégia Saúde da Família (ESF) é incorporada. Um caminho que garante um conjunto de ações de promoção, proteção, prevenção de agravos, diagnóstico, tratamento, reabilitação e manutenção da saúde à população. Essas ações, por sua vez, são desenvolvidas por uma equipe de saúde, que presta atendimento exclusivo a cada pessoa, às famílias e à coletividade, de um determinado território, tendo como objetivo resolver os problemas de saúde mais comuns e frequentes da população, reduzir os danos ou sofrimentos e contribuir para uma melhor qualidade de vida das pessoas acompanhadas. Isto, buscando garantir a acessibilidade de mais pessoas aos serviços de saúde, dando continuidade aos cuidados prestados, garantindo a longitudinalidade dos mesmos, responsabilização, humanização, participação social, coordenação do cuidado e possibilitando uma relação de longa duração entre a equipe de saúde os usuários e a comunidade em geral, passando a conhecerem-se melhor e fortalecendo vínculos. É também esse estreitamento de contato que faz com que ocorram problemas nas interações pessoais entre as equipes de saúde e os usuários; contudo, esses problemas permitem, quando bem encaminhados, o crescimento e a satisfação de todos os envolvidos. Para que este vínculo seja fortalecido e para que haja uma maior aceitação desse novo caminho proposto na saúde pública, o Agente Comunitário de Saúde (ACS) tem um papel importante, pois, no traçar deste caminho se faz necessária a garantia do acolhimento e a construção de vinculações de confiança; o ACS é um membro da equipe que faz parte da própria comunidade, ajuda a criar essa confiança, facilitando o contato direto com a equipe de saúde, promovendo a mediação com a população. Nessa perspectiva, o Ministério da Saúde assim conceitua a perspectiva de promoção da saúde, que busca substituir àquela 21 curativa, que entende, reducionista e anacronicamente, a saúde como apenas a ausência de doença: Ações de promoção à saúde são aquelas que vão contribuir para proporcionar autonomia ao indivíduo e à família, com informações que os tornem capazes de escolher comportamentos que vão favorecer a sua saúde, relacionadas ao modo de viver, condições de trabalho, educação, lazer e cultura. Reabilitação e ações que contribuem para a redução de incapacidades e deficiências com o objetivo de melhorar a qualidade de vida. (BRASIL, 2009, p.16). O Ministério da Saúde (BRASIL, 2006) em sua publicação “A construção do SUS: histórias da Reforma Sanitária e do Processo Participativo” apresenta a Cronologia do SUS, a partir da década de 1960. 1960 - Forma-se o sistema previdenciário: os institutos de previdência foram centralizados pelo INPS – Instituto Nacional de Previdência Social. 1967 - Há incorporação, para efeito de assistência médica, de todos os trabalhadores com carteira de trabalho assinada, além dos autônomos que desejassem contribuir para a previdência social. 1970 - Criação do Ministério da Previdência e Assistência Social, do Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS), do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), e do Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS). Na esfera das políticas de saúde, o referencial da medicina comunitária se materializava em programas de extensão da cobertura de ações básicas, direcionados para a população excluída do sistema previdenciário. Controle social na área da saúde, dentro de um processo de mudança da relação Estado-sociedade no Brasil. Essa mudança resultou no Sistema Único de Saúde (SUS) como um sistema participativo, com controle social sobre as políticas e ações na esfera da saúde. 1976 - As práticas se revelaram difíceis, limitando-se uma atenção primária seletiva para as populações marginalizadas de regiões marginalizadas, pela falta de recursos, pessoal qualificado e tecnologias mais sofisticadas; ocorre a criação de instituições como o Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES). 1977 - Acontece a 6ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), de 1 a 5 de Agosto, com o tema “Redes de Saúde”: 22 A discussão que tivemos naquele momento era se queríamos ter uma única rede de saúde no país ou uma rede dupla. No documento que o Ministério da Saúde apresenta o único avanço que se consegue, dadas às circunstâncias do momento, é propor uma dupla rede uma rede chamada médico-sanitária, de grande extensão de cobertura e de baixa complexidade tecnológica e uma rede chamada médico-hospitalar, de pequena extensão de cobertura. Esta seria comandada pela Previdência e a outra pelo Ministério da Saúde, ligada aos estados. Esse documento não foi aceito pelo plenário que queria uma única rede, mas o momento não permitia. A saída do Ministério da Saúde foi dizer que a decisão final seria tomada quando os estados contribuíssem para a discussão. [...] naquele momento, nós já nos considerávamos Partido Sanitário (GUEDES, 2006, p. 65). 1979 - Surge a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO). 1980 - Criação do PREV-SAÚDE como um plano nacional alternativo de saúde, baseado em recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e o II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) com as necessidades políticas sociais mais contundentes; surge também o “Movimento Sanitário”: participação social como princípio e prática política para a saúde. 1981 - Criação do Conselho Nacional de Administração de Saúde Previdenciária (CONASP), para a racionalização dos recursos previdenciários destinados à assistência (INAMPS). 1985 - “Redemocratização e Saúde”: a unificação do setor saúde já era apontada, especialmente com a passagem do INAMPS para o Ministério da Saúde. 1986 - 8ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), ponto culminante do movimento sanitário, mobilizado e articulado, com um acúmulo histórico de alguns anos de lutas e um repertório de propostas convergentes para um projeto alternativo ao modelo médico-assistencial. A 8ª Conferência faz com que esta questão transborde, faz com que a questão da saúde tenha que ser assumida pela sociedade como um todo. Ela é assumida como uma questão central, como uma questão seu objetivo, que deveria, então, ser transformada, e conquistada, em um objetivo de governo, e não mais em um objetivo de um, dois ou três Ministérios ou de um determinado grupamento social representado pelos profissionais de Saúde. [...] Me parece que esse é o grande salto que se dá a grande chance, a grande potencialidade que o Movimento ganha [...] Nesse sentido, a 8ª Conferência propõe já não mais a questão do Sistema Único de Saúde como uma exclusividade, mas propõe a Reforma Sanitária. E passa a ser um movimento da sociedade, ou pretende ser um movimento da sociedade (ALVES SOBRINHO, 2006, p. 47). 23 Esse movimento que vinha “ganhando corações e mentes”, na verdade, consolidava-se como movimento sanitarista, com forte conotação de democracia participativa, resistência contra o arbítrio e luta pela redemocratização, aglutinando num projeto comum, as diversas vertentes que lhe deram origem e norteavam suas iniciativas (NORONHA, 2006, p. 59). 1988 - Formulação estratégica para a complementação da lei do SUS; a Constituição Federal configura-se como liberal, democrática e universalista. A Assembleia Nacional Constituinte e a Plenária Nacional de Saúde (1987/1988) Saúde é direito de todos e dever do Estado, a velha, e para alguns, anacrônica, mas, para mim, atualíssima frase da saúde impressa no texto constitucional, naquele momento, com a mudança de concepção para a de Estado mínimo, passou a ser a bandeira de luta da saúde na resistência pela manutenção do texto (FEGHALI, 2006, p. 111). 1990 - Forte crise institucional e financeira do setor de saúde no Brasil, trazendo queda da qualidade e da cobertura do sistema público. O SUS passa a ser, na prática, um sistema de saúde para os mais pobres, enfraquecendo seu caráter de universalização do atendimento. A história do SUS continua sendo apresentada, agora voltada aos anos de 2000. Sem conhecer a história de um sistema de signos e do contexto sociocultural em que ele se situa, não se pode detectar as marcas que o contexto deixa na mensagem. (SANTAELLA, 2002, p. 6). 1.3. O Caminho que o Programa de Saúde da Família percorreu desde seu surgimento até os dias atuais A Estratégia Saúde da Família no Brasil apresenta-se, como explicitado, fundamentada em um novo modelo, procurando deixar de lado o atual sistema de prestação de serviços excludente, adotando um modelo assistencial mais voltado ao benefício de toda a população, atendendo desde seus problemas mais simples até o encaminhamento dos mais complexos. 24 Em 1998, o Ministério da Saúde (MS) oficializou o Programa de Saúde da Família (PSF), por meio da Lei nº 2177, de 30 de dezembro de 1998 e do Decreto nº 2043, de 23 de fevereiro de 1999, que estabelecem as gestões do programa. A filosofia do PSF baseia-se na doutrina do Sistema Único de Saúde (SUS), com o intuito de buscar a reorganização da prática assistencial em novas bases e critérios, tendo como objetivo o atendimento ao indivíduo no seu contexto familiar. (BRASIL, 2001, p.14). A proposta do PSF propicia o desenvolvimento de um cuidado holístico, tentando afirmar o princípio da integralidade preconizado pelo SUS. Para isso, o indivíduo deixa de ser visto como um objeto de atenção isolado e passa a ser compreendido no seu núcleo familiar. Este conceito abrange a família em seu aspecto biológico, afetivo, em domicílio comum, crença religiosa, cultural, e toda a convivência com pessoas significativas. Assim, o Ministério da Saúde pretende, a partir do PSF, reconfigurar a atenção básica à saúde, promovendo mudanças no atual modelo assistencial, dando prioridade à prevenção, promoção e recuperação da saúde das pessoas de forma integral e contínua, levando-a para mais perto das famílias. (BRASIL, 2007; BRASIL, 2002). Retornando à questão, a profissão do ACS foi regulamentada pela Lei nº 10507, de 10 de Julho de 2002 que previu como pré-requisito para o exercício profissional, dentre outras exigências, que o agente comunitário frequente um curso de qualificação básica para a formação, cabendo ao Ministério da Saúde estabelecer o conteúdo programático do mesmo ou utilizar centro de formadores. A Lei nº 10507, de 10 de Julho de 2002 foi revogada pela Lei nº 11350, de 05 de Outubro de 2006. É justamente esta formação que estamos discutindo, baseados na pedagogia de Paulo Freire, modelo esse que vem sendo extensamente revisto e estudado desde a década de 70; o mesmo nos mostra que muitas das educações em saúde realizadas, embora aconteçam, são isoladas, não se constituindo numa politica pública eficaz se considerado o alcance nacional, havendo uma diferença no plano discursivo, conceitual de intenções e ações, conforme preconiza o MS; assim estes níveis de ação estão inexistentes em qualquer proposta freireana, para qualquer área do conhecimento que se aplique. Desta forma, a família passa a ser o objeto de atenção e entendida a partir do ambiente em que vive. O “estabelecimento de vínculos e a criação de laços de 25 compromisso e corresponsabilidade entre os profissionais de saúde e a população”, possibilitarão uma melhor compreensão deste vínculo pelos profissionais (ACS, Enfermeiro, Médico), uma vez que as pessoas terão condições de confiar na equipe e procurá-la sempre que necessário (BRASIL, 2007). A origem da Estratégia Saúde da Família (ESF) remonta à criação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), em 1991, como parte do programa de reforma do setor de saúde, criado pelo Ministério da Saúde em parceria com as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde. Esse programa teve como objetivo inicial diminuir a mortalidade materna e infantil no Norte e Nordeste. O agente comunitário de saúde (ACS) se torna o novo autor na estrutura e rede de serviços de saúde; um educador da comunidade e deve ser o elo entre a equipe e a comunidade, pois, ao incorporar-se à equipe diminui as barreiras no processo de comunicação respeitando as diferenças culturais e hábitos da população. Definição da Saúde da Família como estratégia prioritária para a organização e fortalecimento da Atenção Básica de Saúde no País. Por meio dessa estratégia, a atenção à saúde é feita por uma equipe composta por profissionais de diferentes categorias (multidisciplinar) trabalhando de forma articulada (interdisciplinar), que considera as pessoas como um todo, levando em conta suas condições de trabalho, de moradia, suas relações com a família e com a comunidade (BRASIL, 2009, p. 20). Essas mudanças passam a princípio, pela educação que, segundo Rodrigues (2001, p. 13) pode ser compreendida como “comportamento, ação ou programa de criar e desenvolver condições para que indivíduos e grupos se apropriem do patrimônio cultural de uma civilização, tornando-se capazes de enriquecê-la e aperfeiçoa-la”. Conforme o autor, educar possibilita a aquisição cultural na qual o indivíduo está inserido e, evidentemente, este processo deve ser ampliado através do diálogo com outras culturas, partindo do local para o universal. (RODRIGUES, 2001). A cultura é o processo pela qual o homem, em relação ativa com o mundo e com os outros homens transforma a natureza e se transforma a si mesmo, construindo um mundo qualitativamente novo de significações valores e obras humanas e realizando-se como homem neste mundo humano. (FREIRE, 2002, p. 16). Uma língua é um código mais uma história. A transmissão da informação dentro de uma ‘estrutura sem memória’ garante 26 realmente o grau de identidade. Se nos representamos o emissor e o destinatário como dotados de códigos iguais e totalmente privados de memória, então a compreensão entre eles será perfeita, mas o valo da informação transmitida será mínimo e a informação mesma rigorosamente limitada. (SANTAELLA, 1998, p. 138). Assim, a educação, a valorização da cultura, a interpretação dos sinais presentes, potencializam as transformações sociais e naturais dando margens para que elementos culturais, dentre esses a educação, sejam utilizados como meios de conscientização e politização. Portanto, a estratégia da saúde da família visa a revisão do modelo assistencial de saúde, predominando um atendimento primordial, que passa a ser o foco principal da atenção; um trabalho realizado no ambiente em que essa vive, permitindo uma compreensão ampliada do processo saúde/doença e das bases culturais dessas famílias, ampliando o conhecimento da compreensão que fazem/têm dos processos de doença e de manutenção da saúde. O programa reorganizou os serviços de saúde e foi ao encontro de debates e análises referentes ao processo de mudança do paradigma que orienta o modelo de atenção à saúde vigente há 14 anos, que vem sendo enfrentado desde a década de 1970. Valorização das ações de promoção e proteção à saúde, prevenção às doenças e atenção integral às famílias são iniciativas tidas como capazes de produzir um impacto positivo rumo a um novo modelo de fazer saúde. Com a expansão da ESF, que se consolidou como estratégia prioritária para a reorganização da Atenção Básica à Saúde no Brasil, o governo emitiu a Portaria nº. 648, de 28 de março de 2006, estabelecendo o acesso universal e contínuo a serviços de qualidade, reafirmando os princípios básicos do SUS, mediante o cadastramento e vinculação dos usuários nas suas áreas de origem. 1.3.1. Características e Composição da Equipe de Saúde da Família Como já mencionado, a ESF reorienta o modelo de atenção à saúde, com a implantação de equipes multiprofissionais nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), responsáveis pelo acompanhamento, atendimento, promoção, prevenção, recuperação e reabilitação de doenças e agravos mais frequentes. Assim como, na 27 manutenção da saúde de um número definido de famílias, localizadas numa área geográfica delimitada. Segundo o Ministério da Saúde: Cada equipe é composta, minimamente, por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem ou técnico de enfermagem e ACS, cujo total não deve ultrapassar a 12, essa equipe pode ser ampliada com a incorporação de profissionais de Odontologia, e cabendo ao gestor municipal a decisão de inclusão de outros profissionais às equipes. (BRASIL, 2009, p. 21). Conforme o Ministério da Saúde (BRASIL, 1997) é recomendável que a equipe de uma unidade seja composta, no mínimo, por um médico de família ou generalista, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e Agentes Comunitários de Saúde; outros profissionais de saúde poderão ser incorporados a estas unidades básicas de saúde, de acordo com as demandas e características das organizações da organização dos serviços de saúde locais, devendo estar identificados com uma proposta de trabalho que exija criatividade e iniciativa para trabalhos comunitários e em grupos. Os profissionais das equipes de saúde serão responsáveis pela população adscrita, devendo residir no município onde atuam, trabalhando em regime de dedicação integral. Para garantir a identidade cultural com as famílias sob sua responsabilidade, os Agentes Comunitários de saúde devem, igualmente, residir nas suas respectivas áreas de atuação. Com o objetivo de ampliar a abrangência das ações da APS, e sua capacidade de resolução dos problemas de saúde, foram criados em 2008 os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), compostos por profissionais de diversas áreas do conhecimento, (nutricionista, psicólogo, farmacêutico, assistente social, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, médico acupunturista, médico ginecologista, médico homeopata, médico pediatra e médico psiquiatra) que devem atuar em parceria com os profissionais do PSF. (BRASIL, 2009, p. 35). O Ministério da Saúde não estipula um número máximo de pessoas diferenciado para o ACS, mas 750 pessoas por agente, o que representa até 6 agentes por equipe (4 mil pessoas), e a política fala em até 1 ACS por equipe; isso é um reconhecimento de que em varias situações, não é possível ter muitas pessoas por agente. Uma população de 3 mil pessoas, dividida por 12 agentes de saúde, dá 28 250 pessoas por agente, e a política não estipula um número mínimo de pessoas atendidas por cada equipe de saúde da Família. O ministério da saúde preconiza a existência de equipe multiprofissional responsável por, no máximo, 4.000 habitantes, sendo a média recomendada de 3.000 habitantes, com jornada de trabalho de 40 horas semanais para todos os seus integrantes e composta por, no mínimo, médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem ou técnico de enfermagem e Agentes Comunitários de Saúde; número de ACS suficiente para cobrir 100% da população cadastrada, com um máximo de 750 pessoas por ACS e de 12 ACS por equipe de Saúde da Família; [...] (BRASIL, 2009, p. 39). As atribuições das equipes, conforme o Ministério da Saúde (BRASIL, 1997) devem ser desenvolvidas de forma dinâmica, com avaliação permanente através do acompanhamento dos indicadores de saúde de cada área de atuação. Assim, as equipes de Saúde da Família devem estar preparadas para: Conhecer a realidade das famílias pelas quais são responsáveis, com ênfase nas suas características sociais, demográficas e epidemiológicas. Identificar problemas de saúde prevalentes e situações de risco aos quais a população está exposta. Elaborar, com a participação da comunidade, um plano local para o enfrentamento dos determinantes do processo saúde/doença. Prestar assistência integral, respondendo de forma contínua e racionalizada a demanda organizada ou espontânea, com ênfase nas ações de promoção a saúde. Resolver, através da adequada utilização do sistema de referência e contrarreferência, os principais problemas detectados. Desenvolver processos educativos para a saúde, voltados à melhoria do autocuidado dos indivíduos. identificados. Promover ações intersetoriais para o enfrentamento dos problemas 29 De acordo com o Guia Prático do Programa Saúde da Família (BRASIL, 2001), As atividades desenvolvidas na unidade básica de saúde são diversificadas, dentre elas classificam-se como: Ações Programadas: são denominadas programas e se traduzem no acompanhamento periódico e contínuo realizado através da organização de grupos com retorno previamente agendados. Faz parte dos programas normatizados à clientela que pertencer à área de abrangência da UBS com número de cadastro (cartão SUS), dentro da faixa etária e critérios específicos para inscrição dos mesmos. São exemplos: - Programa Saúde da Mulher, Pré-Natal, Profilaxia de CA, (Câncer de mama e Câncer de útero), Aleitamento Materno, Exames em Creches, Cuidado com as Gestantes, Palestras Educativas em Escolas, Saúde do Adolescente, entre outros. - Programa de Imunizações. - Programa de Hipertensos e Programa de Diabetes HIPERDIA. - Programa de Idosos. - Programa de Hanseníase. - Programa de Tuberculose. - Programa DST/AIDS (Doenças Sexualmente Transmissíveis e Síndrome da Imunodeficiência Adquirida). - Controle de raiva. Ações Não Programadas: são atividades desenvolvidas ou oferecidas à população da área de abrangência ou fora da área, que procuram os serviços da UBS. São elas: - Consultas médicas eventuais. - Atendimento de enfermagem eventual. - Imunizações. - Fornecimento de medicação. - Marcação de exames. - Coleta de material. - Encaminhamento a consultas especializadas. - Reuniões. - Visitas domiciliares. 30 - Suplementação alimentar. Pré-consulta: precede a consulta médica e enfermagem, que consiste em: - Preenchimento de dados da ficha clínica. - Anotações de sinais, sintomas e queixas do paciente. - Verificação de SSVV (Sinais Vitais) e dados antropométricos. Consulta médica: Atividade prestada pelo médico que consta de anamnese, exame físico, diagnóstico, prescrição de tratamento, orientações e encaminhamentos. Consulta do enfermeiro: Atividade prestada pelo enfermeiro da UBS e consta de: anamnese, exame físico, diagnóstico de enfermagem, prescrição de acordo com o protocolo estabelecido pela instituição ou pelo Ministério da Saúde adotado pela instituição, prescrição de tratamentos e orientações e possíveis encaminhamentos como, por exemplo: escabiose, pediculose, diarreia não infecciosa, dermatite amonial, higiene neonatal e outras. Pós consulta: parte integrante da consulta médica e atendimento de enfermagem que consiste em: reforço das orientações de enfermagem, explicações de dietas, orientação sobre utilização da medicação e entrega dos mesmos se necessário, marcação e anotação de exames complementares e encaminhamentos. Visita domiciliar: é a visita que qualquer um dos membros da equipe de saúde faz no domicílio de moradores da área de abrangência. As visitas domiciliares podem ser para pacientes dos programas ou não. Ex. visitas para crianças faltosas no programa de vacina, para acompanhamento clínico a pedido do médico ou da enfermeira, para faltosos de outros programas da UBS. Reuniões: de educação em saúde, com a população para discutir questões ligadas ao funcionamento da UBS, reuniões com a equipe de saúde para discussões de problemas, planejamento, organização, funcionamento e avaliação das atividades. 31 Dados epidemiológicos: é o levantamento da situação da saúde da população e dos fatores que interferem nesta, realizadas diariamente. As mudanças também apontam para a necessidade de definir prioridades de saúde que permitam equacionar os grandes problemas da população, ao lado da implantação de sistemas de informação que tornem mais transparentes os resultados obtidos e os gastos necessários para alcançá-los. O Ministério da Saúde e o Governo Federal, em parceria com os Estados e Municípios estão em permanente busca de novas definições que permitam, ao sistema de saúde brasileiro, ganhar mais eficiência e alcançar os objetivos de cobertura e equidade. O principal desafio é administrar adequadamente os escassos recursos disponíveis para que possam suprir necessidades e carências, especialmente dos segmentos mais pobres da população. (OHARA; SAITO, 2010). 1.4. O TAO do Agente Comunitário da Saúde O ACS é, atualmente, o personagem principal na continuação da história da saúde pública no Brasil; um construtor a trilhar este caminho em busca da implementação do Sistema Único de Saúde. Sua atuação nessa história passa, necessariamente, pelo fortalecimento da integração entre os serviços da Atenção Primária à Saúde e a comunidade. A trajetória do ACS teve início na criação do PACS, em 1991, como explicitado anteriormente, e é um profissional capacitado para reunir informações de saúde sobre a comunidade, pois está vinculado às raízes culturais da própria comunidade, para a qual são fundamentais as suas próprias concepções de saúde/doença. Ele adentra ao serviço público por meio de um processo seletivo, tendo como principais características a maioridade, a residência na área geográfica do bairro ou região onde a UBS está implantada; ter bom relacionamento com os vizinhos, bem como condições de dedicar-se 8 horas diárias ao trabalho. Orientado pelo supervisor o enfermeiro da família, locado na unidade de saúde, realiza visitas domiciliares, na área de sua abrangência, produzindo informações capazes de dimensionar os principais problemas de saúde de sua comunidade. 32 Uma língua é um código, uma história, a transmissão da informação dentro de uma estrutura; o efeito da autocomunicação é uma transformação do eu, uma reconstrução da própria personalidade, visto que a essência da personalidade pode ser pensada como um conjunto individual de códigos socialmente significantes, que muda durante o ato de comunicação. (SANTAELLA, 2002, p. 142). Para isso a gramática especulativa trabalha com os conceitos abstratos capazes de determinar as condições gerais que fazem com que certos processos, quando exibem comportamentos que se enquadram nas mesmas possam ser considerados signos. Por isso ela é uma ciência geral dos signos. Seus conceitos são gerais, mas devem conter no nível abstrato, os elementos que nos permitem analisar e avaliar todo e qualquer processo existente de signos verbais, não verbais: fala, escrita, gestos, sons, comunicações com animais, imagens fixas e em movimentos, audiovisuais, hipermídia. (SANTAELLA, 2002, p. 4). O ACS mora na comunidade e está vinculado à ESF e deve ser capaz de se comunicar com pessoas pela liderança natural que exerce, funcionando como um elo entre o programa e à comunidade, pois está em contato permanente com as famílias, facilitando o trabalho de vigilância e promoção a saúde. Realiza, igualmente, um elo cultural, que dá mais força ao trabalho educativo, ao unir dois universos culturais distintos, aquele do saber científico e o do saber popular. Daí a importância de se conhecer as representações sociais que o ACS faz de seus grupos de relacionamento (profissionais da saúde, que incorporam o pensamento científico e a população da comunidade, que incorpora, muitas das vezes, os saberes populares próprios ao senso comum) e desvelar suas semioses, para um desenvolvimento adequado deste seu importante trabalho. As diversas facetas que a analise semiótica apresenta podem assim nos levar a compreender qual é a natureza e quais são os poderes de referencia dos signos, que informação transmitem, como eles se estruturam em sistemas, como funcionam, como são emitidos, produzidos, utilizados e que tipos de efeito são capazes de provocar no receptor. (SANTAELLLA, 2002, p. 4) Concordo com Santaella (1994) quando afirma que os processos sígnicos estão por toda parte, atravessando áreas que pertencem as mais diversas ciências das humanidades e também sociais. A semiótica está na própria natureza, colocando em questão a própria compreensão do mundo. Os processos semióticos se imbricam à comunicação, o que relaciono com o ACS, pois no processo de captura, interpretação e transmissão das mensagens colhidas e repassadas para a 33 equipe de saúde, o ACS fornece um apoio direto ao enfermeiro e ao médico da família, com responsabilidade direta em fornecer dados daquela determinada população, identificando os signos representativos de problemas mais comuns, interpretando situações de risco; a partir dessas significações novas demandas surgem ou se especificam continuamente. No Brasil, atualmente, mais de 200 mil agentes comunitários de saúde estão em atuação, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida das pessoas, com ações de promoção e vigilância em saúde. Seu processo de qualificação é permanente, com capacitações mensais realizadas pelos enfermeiros dentro da unidade e por outros profissionais da área da saúde (psicólogos, médicos, fisioterapeutas, nutricionistas), sendo que o enfoque fica a cargo da higiene, cuidados alimentares, patologias e as ocorrências de maior prevalência do município ou da sua área de atuação. Conforme depoimento de uma ACS: Ser ACS é, antes de tudo, ser alguém que se identifica em todos os sentidos com a sua própria comunidade, principalmente na cultura, linguagem e costumes. Precisa gostar do trabalho. Gostar principalmente de aprender e repassar as informações, entender que ninguém nasce com o destino de morrer ainda criança (TERESA RAMOS - ACS, BRASIL, 2001, p.43). Importante destacar aqui o trabalho do ACS, que é considerado um dos braços estendidos nos serviços de saúde dentro das comunidades. Ele é um membro da comunidade que auxilia a criar o vínculo, pelo seu próprio envolvimento pessoal e cultural com a comunidade, pois tem a possibilidade de levantar os problemas que mais afetam a comunidade, pela forma, facilidade e capacidade de se comunicar com as pessoas em seu meio favorece a chegada das informações e das necessidades para os demais profissionais de saúde do ESF. Por esta razão valorizo a grande importância da interpretação dos símbolos existentes nas falas e nos modos de agir que essas famílias demonstram e das representações sociais envolvidas nesta troca de informações. A logica é a ciência das leis necessárias do pensamento e das condições para se atingir a verdade, Muito cedo Pierce deu-se conta de que não há pensamento que possa se desenvolver apenas através dos símbolos. Nem mesmo o raciocínio puramente matemático pode dispensar outras espécies de signos. Vem dessa descoberta a extensão da concepção peirceana da lógica, também chamada de semiótica, trata não apenas das leis do pensamento e 34 da sua evolução, deve se debruçar-se antes, sobre as condições gerais dos signos. (SANTAELLA, 2002, p. 3). Um dos meios de garantir informações e vínculo é o acompanhamento diário, por meio das visitas domiciliares, uma das ferramentas mais utilizadas pelos ACS. Nessas visitas o ACS pode reconhecer a realidade do seu cliente, ter uma visão bem diferenciada do cliente atendido dentro da unidade de atendimento, sendo que nesse terreno da vida podem enxergar as dificuldades, problemas e a situação econômica, psicológica e social na qual se encontram. Durante as visitas são desenvolvidas atividades de educação em saúde, prevenção, troca de informações segurança e credibilidade de ambos. Todas essas ações que estão voltadas para a qualidade de vida das famílias necessitam de posturas empreendedoras por parte do ACS que, na maioria das vezes, exerce a função de estimular e organizar as reivindicações da comunidade. ‘A atuação do ACS valoriza questões culturais da comunidade, integrando o saber popular e o conhecimento técnico’. (BRASIL, 2009, p.46). Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 1994) são inúmeras as ações atribuídas ao ACS, dentre elas destacamos: Estimular continuamente a organização comunitária. Participar da vida da comunidade principalmente através das organizações estimulando discussões das questões relativas à melhoria de vida da população. Fortalecer a ligação entre a comunidade e os serviços de saúde. Informar os demais membros da equipe de saúde a disponibilidade necessidades e dinâmica social da comunidade. Registrar nascimentos, doenças de notificação compulsória e de vigilância epidemiológica e óbitos ocorridos. Cadastrar todas as famílias da sua área de abrangência. Realizar o mapeamento de sua área. Cadastrar as famílias e atualizar permanente estes cadastros. 35 Identificar e registrar todas as gestantes e crianças de 0 a 6 anos de sua área de abrangência. Atuar integrando as instituições governamentais grupos da comunidade (clube de mães, parteiras, paróquia, creches etc...). Executar dentro do seu nível de competência ações e atividades básicas de saúde. Identificar os indivíduos e famílias expostos à situação de risco. Identificar áreas de risco. Orientar a comunidade para utilização adequada dos serviços de saúde, encaminhando–as e até agendando consultas e exames quando necessários. Realizar visitas domiciliares acompanhamento mensal de todas as famílias cadastradas. Estar bem informado e informar aos demais membros da equipe sobre a situação das famílias acompanhadas, particularmente aquelas em situação de risco. Desenvolver educação e vigilância em saúde promoção prevenção educação e mobilização das ações coletivas de saneamentos, melhoria saúde e meio ambiente entre outras. 1.5. O Agente Comunitário de Saúde e a Territorialização. Um território pode representar e materializar a história das relações sociais e econômicas, processos de trabalho, as diversidades socioeconômicas de uma comunidade, bem como mostrar a maneira como as pessoas se relacionam, se expressam e atuam com os problemas relacionados à saúde/doença dessa comunidade. Os ACS tem como responsabilidade definir o território de sua atuação através desses pressupostos, delimitando claramente onde serão feitas as aplicações de suas ações. Este trabalho é realizado junto com a comunidade local: “um território bem definido e bem mapeado instrumentaliza para a organização das ações de 36 saúde e se estabelece como a base de informações sobre o perfil do território” (OHARA; SAITO, 2010, p. 49). As características do território devem ser de conhecimento e domínio de toda equipe, valorizando assim toda importância da cultura agregada e das relações semióticas aí transcorridas. Dentro deste território o ACS avalia, então, as atividades econômicas, a distância do centro da cidade, a divisa com outros municípios e bairros, a quantidade de habitantes e ciclos de vida, a localização da unidade de saúde, a história e cultura da fundação do bairro, a origem do nome, a procedência dos habitantes e todo o processo de desenvolvimento do território, os recursos materiais e humanos, os costumes socioculturais, o analfabetismo, as crenças populares, os tabus religiosos e morais, as práticas de medicalização, o clientelismo politico, a exclusão social e nível socioeconômico, a presença de escolas, creches, farmácias, área de lazer, posto policial, farmácia, unidades de atendimentos, hospitais, instituições públicas e privadas, transporte e meios de comunicação. O mapeamento do território deve ser realizado para subsidiar o trabalho da equipe e principalmente do ACS, o mapa possibilita a visualização e ajuda a explicar e entender o território e a área de abrangência no qual o ACS vai atuar. Ele deve construir o mapa de sala da área de atuação, destacar além de suas casas, igrejas, creches, escolas, fábricas, as microáreas de risco, e os pontos que são considerados de risco (lixão, áreas de enchentes, esgotos a céu aberto, insetos e animais...). Para a realização deste mapa o ACS não precisa ter habilidades especiais, pois um desenho simples pode ser realizado com a ajuda de toda a equipe, utilizando símbolos para facilitar as áreas de risco; o importante é que o mapa deve representar a realidade local. (BRASIL, 2009). O mapa ajuda o ACS a planejar suas visitas domiciliárias, auxilia a circular melhor na área e separar as informações de mais utilidade. No mapa podem ser identificadas as pessoas com doenças infecto-contagiosas e as áreas que necessitam de modificação e intervenção da equipe para assegurar a saúde para a comunidade. A construção do mapa representa a realização do diagnóstico da comunidade, avalia a comunidade como um todo, o perfil socioeconômico, as condições de moradia, hábitos, costumes, estilos de vida, atividades econômicas, renda, escolaridade, crenças religiosas, meios de comunicação, transporte, lazer, participação em grupos sociais e saneamento básico. 37 Segundo Ohara e Saito (2010) o processo para a apropriação do território não deve ser baseado em procedimentos rígidos; seu objetivo deve ser a apropriação do território pelos distintos atores sociais, podendo o objeto escolhido variar da dependência de cada realidade local. Nesse sentido, a definição de um território deve ter por bases e objetivos a construção de espaços de cidadania e de construção coletiva, no qual os diferentes sujeitos possam interagir para modificar uma realidade local, por meio do desenvolvimento de capacidade que visa a justiça ao direito a saúde. Dependendo tanto de destacar a objetividade dos recursos materiais do bairro como de registrar os aspectos interpretativos das problemáticas que cercam essa comunidade, o mapa territorial da ação dos ACS se constitui num importante elemento de síntese semiótica da territorialização. A experiência vivenciada no processo de territorialização possibilita uma aprendizagem significativa, na medida em que propicia a integração entre a prática e a teoria, sensibilizando os ACS e a equipe de saúde para as demandas da necessidade local, estabelecendo uma rede social solidária, que resulta na promoção da educação e na melhoria da qualidade de vida da comunidade. Segundo Freire (2002, p.69): “A raiz mais profunda da politicidade da educação se acha na educabilidade mesma do ser humano, que se funda na sua natureza inacabada e da qual se tornou consciente”. Após demarcar adequadamente a área de trabalho os ACS, por meio da ficha A (vide anexo), realizam o cadastro das famílias, bem como coletam uma série de informações, que torna possível a identificação da realidade na qual as famílias se encontram (doenças crônicas, hipertensão arterial sistêmica (HAS), Diabete (DM), criança com menos de um ano de vida, gravidez, saneamento, escolaridade, moradia, nível socioeconômico). Todo o reconhecimento das fichas cadastrais possibilita e auxilia o diagnóstico demográfico e socioeconômico, além de reconhecer as microáreas de risco, apontando as urgências, definindo as tarefas a serem abordadas. Os cadastros devem ser mantidos atualizados para se obter uma prática contínua e responsável. 38 1.6. O Agente Comunitário de Saúde e a Família na esfera da Antropologia e da Educação Sociocomunitaria Apesar de o termo família ser comum, definir família não é fácil, assim como também entender sua representação na sociedade. Podemos ver que durante toda história do mundo e nos dias atuais a sua definição ainda gera muita controvérsia. O objeto família passa a ser reflexivo e pesquisado, uma vez que nos mostra a cultura, herança, patrimônio, tradição, os poderes econômicos financeiros e familiares envolvidos, definindo toda a vida do Homem. Por meio do estudo da família os ACS e os profissionais de saúde definem traços importantes a serem elaborados para a melhoria da qualidade de vida. As famílias podem ser classificadas de acordo com sua organização, estrutura de seus membros familiares, variáveis de tempo e de espaço. Assim podemos ter, de acordo com Ariès (1981): Família elementar ou nuclear: é uma unidade formada por homem, por sua esposa e seus filhos, que vivem juntos em uma união reconhecida pelos membros de uma sociedade. Família extensa: é uma unidade formada de duas ou mais famílias nucleares, ligadas por laços consanguíneos, por um dos lados (esposa ou conjugue) ou ambos, e ainda duas ou mais gerações. Neste tipo de família, além do grau de parentesco dos laços consanguíneos, existem deveres e direitos mútuos reconhecidos, que fortalecem a união. A família extensa pode ser formada por avós, tios, sobrinhos. Família composta: também conhecida como família complexa ou conjunta, formada por três ou mais conjugues e seus filhos. A família complexa é formada por um núcleo de famílias separadas, mas ligadas pela relação com um pai comum. Família conjugada fraterna: é uma família formada de dois ou mais irmãos, suas respectivas esposas e filhos. Família fantasma: é formada por uma mulher casada e seus filhos e o fantasma, neste tipo de família o pai não desempenha a função de pai, mas apenas de genitor sendo a função do pai desenvolvida pelo irmão mais velho ou pela mulher. 39 A família é o foco principal na atenção a saúde dos ACS e está sempre em mudança, é complexa e assegura a continuidade da existência humana. Apesar de passar por várias mudanças durante os séculos, as relações familiares guardam significados emocionais para quase todos os membros e através desses laços é possível observar os valores dessas pessoas, seu método de vida, suas características socioculturais. A família cria direitos, deveres, mitos, tabus, culturas, inerentes aos seus status e categoria de pai, filho e avô. Assim, muitas vezes são punidos ou gratificados por cumprirem com suas obrigações, com a família ou grupos particulares vinculados; dessa forma, se afirmam com a continuidade biológica pela qual está inserida dentro dos padrões culturais transmitidos. A importância da antropologia para a compreensão do papel da família e suas maneiras como se cristaliza e simboliza suas maneiras de existência dentro da sociedade vivenciando seus potenciais e limites, faz a construção dos valores culturais, com seus valores atitudes, e hábitos intocados. (MINAYO, 1991, p. 234). Os ACS, devidamente instrumentalizados pelo saber formal, desenvolvido através de conhecimentos técnicos e teóricos junto à equipe de saúde passam a incorporar e disseminar as atividades do sistema; adentram as casas da comunidade, que abre suas portas, sua intimidade, seus costumes, seus modos de cuidar, suas dores, suas alegrias, e crenças realizando um elo com o sistema de saúde, construindo relações, interações e referenciais. ‘Não são os signos do zodíaco, mas signo, linguagem. A Semiótica é a ciência geral de todas as linguagens’. Mas, assim, ao invés de melhorar, as coisas só pioram, pois que, então, o interlocutor, desta vez com olhar de cumplicidade − segredo desvendado − replica: ‘Ah! Agora compreendi. Não se estuda só o português, mas todas as línguas’. Nesse momento, nós nos damos conta desse primordial, enorme equívoco que, de saída, já ronda a Semiótica: a confusão entre língua e linguagem. E para deslindá-la, sabemos que temos de começar as coisas de seus começos, agarrá-las pela raiz, caso contrário, tornamo-nos presas de uma rede em cuja tessitura não nos enredamos e, por não nos termos enredado, não saberemos lê-la, traduzi-la. (SANTAELLA, 2003, p. 2). Esta modalidade complexa e desafiadora do programa de saúde da família e do papel a ser desempenhado pelo ACS deve ser implementada como um novo olhar do Tao, voltado ao conhecimento teórico e prático, baseado na semiologia, ciência, saúde/doença, corpo e terapêutica, devendo incluir um universo amplo de 40 reconhecimento familiar, social, cultural crenças, das representações dos mitos, orientando novos modos de ação, possibilitando novos olhares sobre o indivíduo e sobre a família, seu contexto de vida, seu papel para o individuo, sua fragilidade, sua força, reconhecendo a família e respeitando sua autonomia na resolução dos seus problemas. Concordo com Santaella (2001), quando além da língua materna que falamos e escrevemos, utilizamo-nos de vários elementos comunicacionais para passarmos mensagens: criamos, produzimos, transformamos e consumimos formas, volumes, massas, interação de forças, movimentos, cores, sons, instrumentos musicais, dança, gesto, cheiro, tato, olhar, sentir, apalpar: tudo é ser da linguagem e objeto de estudo da semiótica. Para se trabalhar com as famílias é necessário que o ACS conheça o seu universo, seus significados, seus valores e saberes socioculturais, reconhecendo-a como uma unidade de saúde, o sujeito do cuidado. A medida que a conversa coletiva progride, a elocução regulariza-se, as expressões ganham em precisão, as atitudes ordenam-se, os valores tomam seus lugares, a sociedade começa a ser habitada por novas frases e visões... As representações fazem com que o mundo seja oque pensamos que ele é ou deve ser mostram-nos que a todo instante, alguma coisa ausente se lhe adiciona e alguma coisa presente se modifique. (MOSCOVICI, 1978, p. 68 apud DURAN, 2012, p.234). 1.7. O Agente Comunitário de Saúde: reforçando laços através das Visitas Domiciliares Conforme definido pelo Ministério da Saúde a visita domiciliar é a atividade mais importante do processo de trabalho do agente comunitário de saúde. O propósito ao entrar na casa de uma família está em reconhecer não somente um espaço físico, mas tudo o que esse espaço representa. Nessa casa vive uma família, com seus ideais de sobrevivência, suas crenças, sua cultura e sua própria história. A sensibilidade/capacidade de compreender o momento certo e a maneira adequada de se aproximar e estabelecer uma relação de confiança é uma das habilidades mais importantes do ACS. Isso lhe ajudará a construir o vínculo 41 necessário ao desenvolvimento das ações de promoção, prevenção, controle, cura e recuperação, da população, pela qual ele é corresponsável. O Ministério da Saúde (BRASIL, 2009) recomenda que o ACS estabeleça um bom vínculo com a família, mas que saiba dissociar a sua relação pessoal do seu papel como agente comunitário de saúde, pois cada família tem uma dinâmica de vida própria e, com as modificações na estrutura familiar, que vêm ocorrendo nos últimos tempos, fica cada vez mais difícil classificá-la num modelo único. Essas particularidades ou características próprias fazem com que determinada conduta ou ação por parte dos agentes e equipe de saúde tenha efeitos diferentes ou atinjam resultados de modo distinto, com maior ou menor intensidade, as diversas famílias assistidas. Portanto, reforço novamente aqui, que na sua função de orientar, monitorar, esclarecer e ouvir, o ACS passa a exercer também o papel de educador. E é fundamental que essa essência de suas funções seja compreendida pelo ACS, dadas às implicações que isso representa. Para tanto, é necessário que o ACS aprenda a “ler” o contexto familiar e aquele de sua própria atuação, com sensibilidade e abertura de compreensão e de perspectivas de ação. Busco, portanto, correlacionar seu trabalho frente à compreensão das semioses. Mulheres e homens, somos os únicos seres social e historicamente, nos tornamos capazes de aprender. Por isso, somos os únicos em que aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nos é construir, reconstruir, constatar para mudar, o oque não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espirito. (FREIRE, 2001, p. 41). A semiótica foi definida por Pierce como ‘a doutrina da natureza essencial e fundamental de todas as variedades de possíveis semioses’, isso é, de qualquer forma concebível de semiose, de suas condições de possibilidades e de suas possíveis variação. Seu objeto de investigação é, portanto, de grande generalidade. Em outras palavras a semiótica descreve e analisa a estrutura de processos semióticos sem se importar na base de que suporte material tais processos podem acontecer, ou em que escala podem ser observados, no interior de células (citosemiose), entre plantas (fitosemiose), no mundo físico (fisiosemiose), em comunicação animal (zoosemiose), ou em atividades consideradas como tipicamente humanas (produção de notações, metarepresentações, modelos, etc.). É desse tipo de investigação que resulta a natureza ‘quase-necessária’ dessa ciência que, como a matemática, é concebida por Pierce como ciência formal. (SANTAELLA, 2001, p. 54). 42 Afirmo aqui que para a visita domiciliar ser bem feita, além dos conhecimentos prévios do ACS, esta deve ser planejada e ter seu roteiro definido, sabendo-se que o profissional vai naquele dia estabelecer a rota e informar ao restante da equipe (médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem, técnico de enfermagem) o motivo e a importância da visita. Deve-se também respeitar a relação com o tempo das pessoas visitadas, sua realidade naquele momento, garantir respeito, atenção e dedicação, chamar as pessoas sempre pelo nome, demonstrar interesse, nunca fazer pré-julgamentos quanto à cultura, crenças religiosas, situação socioeconômica, etnia, orientação sexual, deficiências e hábitos. Igualmente, adotar uma postura de escuta, tolerância aos princípios e às distintas crenças e valores que não sejam os seus próprios, além de atitudes imparciais. Após a realização da visita deve-se verificar se o objetivo foi alcançado e se foram dadas e coletadas às informações necessárias, devendo-se avaliar e corrigir possíveis falhas. Este é um passo importante que possibilitará o planejamento das próximas visitas. Da mesma forma, deve-se partilhar com o restante da equipe essa avaliação, expondo as eventuais dúvidas, os anseios, as dificuldades sentidas e os êxitos, conforme planejamento da equipe, pautado na identificação das necessidades de cada família. Pode ser que na visita seja identificada uma situação de risco e isso demandará a realização de outras visitas, com maior frequência. Conforme o Ministério da Saúde (BRASIL, 2009), por meio da visita é possível: Identificar os moradores, por faixa etária, sexo e raça, ressaltando situações como gravidez, desnutrição, pessoas com deficiência etc. Conhecer as condições de moradia e de seu entorno, de trabalho, os hábitos, as crenças e os costumes. Conhecer os principais problemas de saúde dos moradores da comunidade. Perceber quais as orientações que as pessoas mais precisam ter para cuidar melhor da sua saúde e melhorar sua qualidade de vida. Ajudar as pessoas a refletir sobre os hábitos prejudiciais à saúde. 43 Identificar as famílias que necessitam de acompanhamento mais frequente ou especial. Divulgar e explicar o funcionamento do serviço de saúde e quais as atividades disponíveis. Desenvolver ações que busquem a integração entre a equipe de saúde e a população do território de abrangência da unidade de saúde. Ensinar medidas de prevenção de doenças e promoção à saúde, como os cuidados de higiene com o corpo, no preparo dos alimentos, com a água de beber e com a casa, incluindo o seu entorno. Orientar a população quanto ao uso correto dos medicamentos e a verificação da validade deles. Alertar quanto aos cuidados especiais com puérperas, recém-nascidos, idosos, acamados e pessoas portadoras de deficiências. Registrar adequadamente as atividades realizadas, assim como outros dados relevantes, para os sistemas nacionais de informação disponíveis para o âmbito da Atenção Primária à Saúde. (BRASIL, 2009). Evidencio que as ações educativas fazem parte do dia a dia do ACS e têm como objetivo final contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população. O desenvolvimento de ações educativas em saúde começa pelas visitas domiciliares e pode abranger inúmeros temas e diversas atividades. Estão entre os exercícios diários que o ACS tem que realizar: o diálogo e o saber ouvir. Concordo com o educador Paulo Freire (1996, p. 50) quando afirma que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção”. Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural, uma das tarefas mais importantes da pratica educativa é propiciar condições em que os educandos em relação uns com os outros e todos com o professor, ensaiam a experiência profunda de assumirse. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformados, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de se reconhecer como objeto. (FREIRE, 2002, p 23). 44 A questão da identidade cultural, de que fazem parte a dimensão individual e a de classe de educandos cujo respeito é absolutamente fundamental na prática educativa, a experiência histórica, politica, cultural e social dos homens e das mulheres jamais podem dar conflito entre as forças que obstaculizam. (FREIRE, 2002, p.24). Enfoco aqui que o processo educativo é, portanto, um dos elementos fundamentais para se garantir a qualidade da atenção prestada na saúde. Como entendido, educar é um processo de construção permanente, mas precisa ser abordado de maneira adequada. Na formação do ACS esse processo inicia-se primeiramente em como realizar esta abordagem diferenciada da população: conhecer suas culturas, representações e meios de comunicação. É uma questão delicada, pois, ao mesmo tempo em que é preciso inculcar uma mentalidade técnico-científica no ACS, também se deve ter o cuidado de que, ao apropriar-se dessa mentalidade, o ACS não se distancie dos valores culturais de sua cultura/comunidade. Uma abordagem para que esta educação seja focada de maneira correta, não confundindo e/ou persuadindo o ACS a perder sua identidade, sua representação de quem é, e se distanciar da comunidade na qual está inserido, é valorizar os níveis culturais da comunidade, promover ações educativas individuais e em grupos, dento da unidade de saúde ou outros espaços sociais dentro da comunidade. Como afirma Freire: “Atividades educativas são momentos de encontro e nesses encontros não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens que, em comunhão, buscam saber mais.” (FREIRE et al., 1995, p. 165). Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo. (FREIRE, 2005, p.39) Desta maneira o educador já não é apenas o que educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os ‘argumentos da autoridade’ já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de ‘estar sendo com’ as liberdades e não ‘contra elas’. (FREIRE, 2005, p.68). Descrevo aqui outro ponto importante para a realização da educação do ACS, que é a linguagem, que deve ser sempre acessível, simples e precisa. O ACS deve considerar o conhecimento e experiência dos participantes/usuários permitindo a troca de ideias, valorizar suas representações socioculturais, estimular a participação da pessoa e contribuir para que esses se sintam importantes. Do 45 mesmo modo, tem o papel de estimular o autoconhecimento e o autocuidado, fortalecer a autoestima, a autonomia e também os vínculos de solidariedade comunitária. 1.8. A Importância da Participação da Comunidade para o Tao da Saúde e da Educação Sociocomunitaria Defino aqui que participação significa tomar parte, partilhar, trocar, ter influência nas decisões e ações, mostrando que a comunidade tem o dever e a obrigação de partilhar os seus interesses da saúde e da educação, envolvendo-se, uma vez que, nenhum caminho se constrói sozinho, assim como a equipe de saúde não é a única responsável pelas ações de saúde. A presença e participação da comunidade são primordiais para o desenvolvimento das ações de saúde e educação. Toda a prática educativa demanda a existência de sujeitos, um que ensinando, aprende, outro que, aprendendo, ensina, daí o seu cunho gnosiológico; a existência de objetos, conteúdos a serem ensinados e aprendidos; envolve o uso de métodos, de técnicas, de materiais; implica em função de seu caráter diretivo, objetivos, sonhos, utopias, ideais. (FREIRE, 2001, p. 41). Destaco a importância de cada pessoa da comunidade saber fazer alguma coisa e saber dizer alguma coisa diferente, pois, cada qual tem um conhecimento primário, através de suas representações sociais, que devem ser identificadas e trabalhadas. A partir daí interpretam-se esses saberes, fazeres e dizeres da comunidade, representativos da família, amigos e grupos sociais, materializados na troca de conhecimentos. Portanto, quando a comunidade participa, mostra e troca informações e diferentes conhecimentos, entre todos, cada membro pode aprender e contribuir do seu jeito e toda contribuição deve ser considerada e valorizada. A semiótica contribui neste papel de ajuda para decifrar o que a comunidade está tentando transmitir, pois é considerada como um conjunto de meios que tornam possível o conhecimento de uma grandeza manifesta qualquer, que se propõe conhecer, “tal qual aparece durante e depois de sua descrição” (GREIMAS; COURTÉS, 1989, p. 87). 46 Concordo com Santos (2011) quando afirma que a participação social na saúde tem que começar dentro da nossa Constituição, fazer com que as leis e seus valores sejam colocados em prática, através do incentivo, garantindo à população duas formas de participação: a) a cada quatro anos avaliar a saúde e propor diretrizes em âmbito local, estadual e nacional, mediante conferências de saúde, encampadas pelos entes municipais, estaduais e federal; b) atuar nas estratégias e definição das políticas de saúde, bem como no acompanhamento de sua execução, mediante participação nos conselhos de saúde. A participação do cidadão é um dever e um direito, cabendo-lhe intervir nas decisões do Governo que vão afetar a sua vida pessoal e coletiva, sendo um espaço de fomento a autorresponsabilidade social, de cuidado com a saúde do outro e a própria, de solidariedade cidadã e de garantia de que programas e projetos públicos serão apropriados ao atendimento das necessidades sanitárias da comunidade. (SANTOS, 2011, p. 2). Tanto quanto a importância da semiose a ser aprofundada no trabalho, valorizamos as representações sociais, que tanto caracterizam nossas ações, concepções e relacionamentos interpessoais. Analisar as representações sociais nas funções desenvolvidas pelo ACS é, no entender dessa investigação, essencial para melhor compreender o modo como esse profissional se coloca em suas ações cotidianas, bem como meio para traçar possibilidades de aprimorar essas ações e a qualificação profissional do ACS. 1.9. As Representações Sociocomunitaria Sociais frente à Educação Para Moscovici (1978), a teoria das representações sociais se apresenta como rede de ideias, metáforas e imagens, o que lhe confere um caráter dinâmico. As representações mentais dos fenômenos e fatos existem na sociedade, na medida em que são necessárias para a compreensão e comunicação de ideias, sentimentos e significações, circulam e tomam diferentes formas na memória, na percepção dos indivíduos, ficando depois “cristalizadas” e reconhecidas como autênticas. 47 As representações sociais são entidades quase tangíveis. Elas circulam e se cristalizam incessantemente através de uma fala, um gesto, um encontro, em nosso universo cotidiano. (MOSCOVICI, 1978, p. 38 apud DURAN, 2012, p.240). Minayo entende as representações sociais como um termo filosófico, que significa a reprodução de percepção anterior do conteúdo do pensamento, como categorias de pensamento, de ação e de sentimentos, e que constituem a realidade. (ALVES; MINAYO, 1994). Nos próximos capítulos relata-se o trabalho investigativo de observação participante junto à atuação de campo dos ACS da ESF/UBS do Jardim Brasil, na cidade de Americana-SP, e as práticas de formações profissionais desenvolvidas junto a esses, dentro das proposições anteriormente expostas. Intenciona-se compreender o que é a saúde dentro de uma comunidade, primeiramente entendendo que a saúde é um estado vital, que exige ações de promoção, proteção recuperação e reabilitação, como objetivo da equipe ESF nesse contexto. Conhecer as representações sociais dos envolvidos é essencial para se efetivar a compreensão das práticas de saúde na comunidade, por permitir analisar a fundo os fenômenos do cotidiano dos grupos sociais, suas raízes, seus conceitos, sua cultura, seus métodos de comunicação, suas práticas sociais, atitudes e seus julgamentos, que são individuais e coletivos, obtendo um olhar sobre a manifestação da realidade dessa estrutura social, seus sentidos, na busca da promoção da saúde e contribuição para a promoção e melhoria da qualidade de vida. Assim, os ACS e toda a equipe de saúde buscam, através do conhecimento das representações sociais, formar um conjunto de explicações referentes às crenças e ideias em relação à vida, presentes naquela comunidade, ao mesmo tempo conscientizando-se das suas próprias, permitindo avaliar com delicadeza o conhecimento, o que é essencial para intervir num determinado acontecimento, resultando também numa melhor interação social. Concordo com Moscovici (1978) quando compreende que os traços, tanto sociais como intelectuais de representações formadas em sociedade, onde a ciência, a técnica e a filosofia estão presentes sofram a influência e se constituam em seu prolongamento, e em oposição a elas; dentre os traços encontramos a identificação dos mitos, as metáforas, as aproximações falaciosas e a forma de compreender a realidade. 48 O objetivo das representações sociais é conscientizar da importância da equipe de saúde em respeitar esses fenômenos, próprios aos seres humanos, sua simbologia, suas trocas simbólicas, desenvolvidas dentro da ambiente social. Isso manifestado nas relações interpessoais, na influência do conhecimento passado de geração a geração, na construção e compartilhamento da cultura, a partir de uma perspectiva coletiva, sem perder de vista a individualidade, contribuindo para a mudança da qualidade de vida da comunidade. Desta maneira, ao atuar junto a esses fenômenos de conhecimento das representações sociais, se cria um elo de humanização; torna-se familiar algo não familiar, possibilitando a compreensão e a emersão de novas ideias, valores e teorias. Toda representação social é sempre a representação de um objeto por um sujeito, não existe, portanto, representação sem objeto. Desta forma, uma representação social não pode ser compreendida enquanto processo individual, já que é produzida num intercâmbio das relações e comunicações sociais. A representação social descreve as interconexões entre o sujeito e o sistema; o sujeito e o objeto. Um não existe sem o outro, porém, cada um possui suas próprias especificidades (MOSCOVICI, 1978). Concordo com Moscovici (1978) quando afirma que as representações sociais podem ser entendidas através de processos de objetivação e ancoragem. A ancoragem se refere a denominar e classificar fenômenos desconhecidos, compreender fenômenos novos a partir do conhecimento preexistente, atribuindo significados ao objeto. Esse processo se revela quando o ACS realiza a visita domiciliar na comunidade da periferia, verificando a incorporação social do saber das práticas médicas (científicas) indicadas pela equipe de saúde e sua apropriação pelo saber senso comum da população. Já a objetivação se mostra com a constituição formal deste conhecimento: o ACS, por exemplo, transforma, durante seu processo de formação profissional, o seu conhecimento senso comum sobre a saúde num saber científico, que é representado socialmente, descobrindo e reconhecendo a importância e os significados que essa nova “roupagem” do saber apresenta para a comunidade. Sendo assim, através da visita domiciliar, conseguese a incorporação do estranho ou do novo, a interpretação da realidade enfrentada e a realização de orientações mais efetivas. 49 Permitindo uma integração mais verdadeira com a realidade social, possibilita um novo sentido de entender o mundo da população da periferia; no caso desta pesquisa, seus significados, símbolos e culturas existentes, facilitando a comunicação entre os dois mundos, aquele científico e aquele dos saberes populares, à promoção do entendimento do conhecimento científico necessário para a mudança da qualidade de vida. Deste modo, qualquer coisa que esteja presente na mente tem a natureza de um signo. Signo é aquilo que dá corpo ao pensamento, às emoções, reações etc. Por isso mesmo, pensamentos, emoções e reações podem ser externizados. [...] Os efeitos interpretativos que os signos provocam em um receptor também não precisam ter necessariamente a natureza de um pensamento bem-formulado e comunicável, mas podem ser uma simples reação física (receber um carta e jogá-la fora) ou podem ainda ser um mero sentimento ou compositório vago de sentimentos (SANTAELLA, 2002, p.11). A teoria das representações sociais nos permite analisar as questões sígnicas que nos envolvem, englobando os fenômenos do dia a dia e do cotidiano dos grupos sociais, tendo suas raízes nas condutas elaboradas pelo senso comum, nas interações contínuas das vivências, bem como na objetivação idealizada de cada grupo social. As representações sociais estão presentes na cultura, na comunicação, nas opiniões expressas, nas atitudes tomadas, mostrando a realidade social, fundamentando as perspectivas de vida do individuo e do grupo. Os pontos de vista dos indivíduos e grupo são encarados, em seguida, tanto pelo seu caráter de comunicação quanto pelo seu caráter de expressão. Com efeito, as imagens, as opiniões, são comumente apresentadas, estudadas, e pensadas tão-somente na medida em que traduzem a posição e a escala de valores de um indivíduo ou de uma coletividade. Com efeito, trata-se apenas de uma fatia retirada a substancia simbólica longamente elaborada pelos indivíduos e coletividades que, ao modificarem seu modo de ver, tendem a influenciar-se e a modelar-se reciprocamente. Os preconceitos raciais e sociais, por exemplo, jamais estão manifestamente isolados; eles assentam num fundo de sistemas, de raciocínio de linguagem, no tocante a natureza biológica e social do homem, suas relações com o mundo. (MOSCOVICI, 1978, p. 49). Para a busca da transformação da saúde dentro da comunidade o ACS tem um papel fundamental na interpretação destas representações, pois, fazendo parte desta comunidade consegue estabelecer e juntar fatos para ter um parecer social estabelecido, com conceitos formados, favorecendo a mudança, afastando-se das 50 representações alienadas, das meias verdades do “eu finjo que fiz e você finge que faz”. É através destes elementos simbólicos que os seres humanos se expressam, mediante o uso de palavras e gestos, que se tornam indispensáveis para o profissional da saúde compreender a comunidade; é indispensável conhecer as condições de contexto em que os indivíduos estão inseridos, os vínculos dos diferentes grupos socioeconômicos, culturais e étnicos e as representações sociais aí existentes, se se procura fazer um trabalho efetivo em saúde pública. “Ensinar não é transferir conhecimento, ensinar é criar possibilidades para sua própria produção ou construção”. (FREIRE, 2002, p. 38). O capítulo que segue aborda o Tao do meio entre saúde e doença. 51 CAPITULO II − O TAO DO MEIO: SAÚDE, PARADIGMA INDICIÁRIO E DOENÇA FRENTE À EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITARIA O Caminho da Vida O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódios... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido. O Último Discurso Filme: O Grande Ditador Charles Chaplin 52 2.1. Meu Caminho Traçado... Não é o caminho que importa, e sim o movimento. Luis Fuganti (Reflexões) Como descrito no memorial, em Apêndice nesta dissertação, minha vida sempre foi um caminho constante de conhecimento e experiências... numa estrada entre a saúde e a inovação da educação, formam-se inúmeros encontros e descobertas fascinantes que me levaram a uma nova visão da saúde voltada para a educação. Ao escrever meu Projeto de Mestrado escolhi como local de estudo a cidade de Americana, onde me enraizei e na qual ocupo a posição circunstancial de gerente, numa unidade de saúde onde foi realizado todo o trabalho e também como educadora em uma Universidade, desde 2007. Meu desafio em demostrar a importância da semiótica e as diversas formas de aprendizado na saúde foram além do esperado, me permitindo um olhar diferenciado sobre o objeto da educação sociocomunitária; um desafio que não foi fácil, pois vivenciava uma experiência tradicional de certo e errado dentro da minha formação tradicional como enfermeira, porém, após integrar no mestrado, me permiti um olhar ampliado. Meu caminho foi cheio de conhecimentos novos e aprendi a decifrá-los a cada dia que prosseguia a pesquisa, reconhecendo o valor da interpretação e seus significados. Dentro dos princípios éticos e políticos, os quais defendo e que orientaram este trabalho, busco explicitar as opções teóricas, metodológicas para continuar a produzir um caminho a ser percorrido. Se vivo torto nessa tortura que vivo, é para sentir a falta de mim mesmo, quando sinto que não me tenho por certo, abro a janela do choro para o vento entrar, assim não me sinto só, e deixo o vento me acompanhar. Se aprendo novas palavras sem sentido, reparto com os outros o que não sei dizer, bem no fundo sinto arrepios destorcidos, e tenho mais vontade de viver, abro minha alma para melhor se arrepiar, assim me sinto bem e sem medo deixo meu sangue esquentar. Se encontro obstáculos pelo caminho que sigo, não ligo para eles e continuo a caminhar, encontro forças e somente sigo, encaro tudo sem ao menos pestanejar, e sem medo dos 53 problemas sigo em frente, na chuva, no sol ou na tempestade, a questão é bem simples, o que não posso é desistir, então sigo minha vida, enfrento meu caminho sem medo de cair. (COSTA, 2010) Neste capítulo, dada à importância que a “leitura” e interpretação dos signos têm para a compreensão dos sentidos de mundo que estão dispersos num contexto social; a relevância dessa leitura interpretativa para um profissional que precisa lidar e entender esses sentidos, colaborando para outros reentendimentos e transformações, como é o caso do Agente Comunitário de Saúde (ACS), trata-se, então, da questão da semiótica, principalmente embasada nos estudos de Santaella. 2.2. Significado e Definição de Semiótica Conforme Nöth (1995, p. 15), a Semiótica é uma ciência ainda recente, embora o projeto de construir uma "ciência dos signos" existisse há muito, podendose afirmar que o aparecimento efetivo dessa ciência se verifica apenas nos meados do século XX. A semiótica enquanto campo de conhecimento surge, sugestiva e simultaneamente, em três contextos diferentes: Rússia, Suíça e Estados Unidos, entre a segunda metade do século XIX e início do século XX. Não há apenas uma escola semiótica, há pelo menos três: a semiótica do norte americano Charles Sanders Peirce, a do suíço Ferdinand Saussure (mais tarde relido por Hjelmslev e por Derrida) e a dos teóricos russos, que inspirarão do cineasta Eisenstein a Vigotski e Bakhtin, este, explorando os signos em sua relação com a vida social. Tal sincronicidade no surgimento da semiótica mostra que esse saber estava pronto historicamente para nascer, não é fruto de uma genialidade isolada (NÖTH, 1995, 121). Conforme Santaella (2003, p. 3), a semiótica é a mais jovem ciência a despontar no horizonte das chamadas ciências humanas, surgindo na realidade de três origens, lançadas quase que simultaneamente no tempo, mas distintas nos espaço e na paternidade: uma ocorreu nos Estados Unidos, outra na antiga União Soviética e a terceira na Europa Ocidental. A importância da Semiologia dentro desta pesquisa é a de entender a relação do ACS frente à comunidade, sua participação na compreensão e 54 interpretação da linguagem e na compreensão de sentidos em relação aos fenômenos saúde/doença. Por meio desta ligação com a semiótica, este trabalho de pesquisa em educação sociocomunitaria, busca a interpretação da linguagem como um meio de ajudar na inserção dialógica da população no mundo das práticas de saúde, para que sendo vistos como seres de valor, os sujeitos, em especial aqueles das periferias, possam contribuir para a melhoria da sua qualidade de vida, espiritual, social e física, investindo em suas comunidades, principalmente aquelas marginalizadas. Isso requer a valorização da cultura da comunidade, favorecendo suas linguagens e produção de sentidos. Para Santaella (2002, p. 89) assim se apresenta a classificação da semiótica: - Sinais: qualquer estimulo emitido pelos objetos do mundo. - Signos ou Linguagens: são produtos da consciência; é a representação de algo, é um complexo de relações. - Intérprete: aquele que faz a representação do signo em sua mente. - Interpretante: é o processo racional criado na mente do intérprete Neste sentido, considera-se linguagem, desde as linguagens binárias do computador até a linguagem das flores, do vento, dos ruídos, dos sinais de energia vital emitidos pelo corpo, o sonho, o silêncio... A Semiótica investiga todas as linguagens possíveis, examina a constituição de todo e qualquer fenômeno como fenômeno de produção, de significação e sentido. Sendo assim, sem informação não há mensagem. A Semiótica tem por função classificar e descrever todos os tipos de signos logicamente possíveis. São três os métodos de estudo: - Contemplar: abrir janelas do espirito e ver o que está diante dos olhos. - Distinguir: discriminar diferenças no que se observa. - Generalizar: encaixar o que se observa em classes ou categorias, qualidade, relação, representação. 55 Conforme Santaella (2003, p. 7), a palavra semiótica vem do grego semiotiké e é traduzida como doutrina geral dos signos. De forma geral, a semiótica trata de tudo aquilo que representa, significa alguma coisa: A Semiologia aparece definida por Saussure, no Curso de Linguística Geral (editado pela primeira vez em 1915), da seguinte forma: ‘Pode, portanto conceber-se uma Ciência que estuda a vida dos signos no seio da vida social; ela constituiria uma parte da psicologia social e, por conseguinte, da psicologia geral; nós chamá-la-emos semiologia’ (do grego semeion, signo). Ela ensinar-nos-ia em que consistem os signos, que leis os regem. (...) A linguística não é senão uma parte desta ciência geral (SANTAELLA, 2003, p. 45). Neste estudo se procura valorizar e interpretar o entendimento e o reconhecimento dos ACS, através da interpretação de gestos, sinais, cultura, vivências, crenças, hábitos, e linguagens, bem como seus mecanismos para tratar esse conhecimento. Todos estes estão presentes na produção de saberes em relação à saúde que o profissional faz, para com a população. 2.2.1. Os Signos frente à Aprendizagem e à Educação Sociocomunitaria O “paradigma indiciário” foi, na verdade, uma proposta de método investigativo centrado nos pormenores, nos resíduos, nos rastros mais tímidos, considerados reveladores das concepções de mundo dos sujeitos. Ginzburg (1989) via antecedentes desse método em certos críticos de arte. Todos os fenômenos intelectuais artísticos, por mais diversos que fossem, possuíam em comum a característica de se aterem a sinais. (GINZBURG, 1989, p. 147). Dependendo do ângulo que se olha, Ginzburg (1989) afirma que ao se construir um paradigma indiciário, se enquadram valores da cultura popular, da tradição, pois se procura por pistas, detalhes e sinais, que representam uma “verdade” sobre o objeto pesquisado. E, através desses o autor acredita que a “verdade” sobre determinado objeto ou fenômeno pode ser desvelada, caracterizada como um ponto de partida, tendo raízes muito antigas, que remontariam à própria evolução da humanidade. 56 Por milênios o homem foi caçador... Aprendeu a farejar, registrar, interpretar e classificar pistas infinitesimais como fios de barba. Aprendeu a fazer operações mentais complexas com rapidez fulminante, no interior de um denso bosque ou numa clareira cheia de ciladas. Gerações e gerações de caçadores enriqueceram e transmitiram esse patrimônio cognoscitivo. (GINZBURG, 1989, p. 146). Concordo com Ginzburg (1989) quando relata que para se entender com profundidade os sentidos que fazemos do mundo, partimos dos sinais e através deles conseguimos nos apropriar do real. Considera-se, portanto, que os sinais são signos e possuem significados dentro das categorias em que se está trabalhando, podendo, então, serem vinculados à cultura. O paradigma indiciário se traduz em "um saber de tipo venatório", caracterizado pela capacidade de, a partir de dados aparentemente irrelevantes, descrever uma realidade complexa, que não seria cientificamente experimentável/explicável. Ginzburg (1989) atribui características e algumas metáforas para explicar o método: O estudo indiciário são os fios que compõem um tapete com uma trama densa e homogênea. O tapete é o paradigma e o cientista o tecelão. Os elementos históricos, contextuais são as pistas que dão ao caçador instrumentos para chegar ao seu objetivo. Não é rigoroso, porque este tipo de rigor não é só inatingível, mas também indesejável para as formas de saber mais ligado a experiência cotidiana. É utilizado em todas as situações em que a unicidade e o caráter insubstituível dos dados são, aos olhos das pessoas envolvidas, decisivos. É flexível e as formas de saber como faro, golpe de vista, intuição revelam um tipo de conhecimento em que entram em jogo elementos imponderáveis. O paradigma indiciário, no fundo, parece querer reproduzir o gesto “talvez mais antigo da história intelectual do gênero humano: o do caçador agachado na lama, que escruta as pistas da presa”. Se os pré-históricos perseguiam sua comida, o alimento do historiador moderno seria a verdade ou, ao menos, a “verdade possível”; aquela demonstrável por sinais. Os sinais admitem a dúvida, problematizam temas, informam caminhos abandonados: “Se a realidade é opaca, 57 existem zonas privilegiadas, sinais, indícios que permitem decifrá-la” (GINZBURG, 1989, p. 186). Correlacionando o paradigma indiciário com a questão do papel do ACS frente à comunidade, tem-se a importância desta atitude investigativa dos sinais dispersos nas falas, gestos e modos de ser da população, na resolução dos problemas levantados junto a essa comunidade, interpretando os seus significados, compreendendo os meios de propiciar informações adequadas para a mudança da sua qualidade da vida interferindo, de forma menos impositiva possível, na sua estrutura cultural e social. As relações entre o ACS e a comunidade representam um momento importante de traçar diálogos sociáveis e laços, frente às trocas de experiências, sentimentos e emoções, transmissão de informações e aprendizado mútuo; neste momento promove-se o fortalecimento da autonomia das pessoas da comunidade, sua organização e possibilidade de emancipação. O homem como um ser inconcluso, consciente de sua inconclusão, e o seu permanente movimento de busca do ser mais. Na verdade diferente dos outros animais, que são apenas inacabados, mas não são históricos, os homens se sabem inacabados. Tem a consciência de sua inclusão. Ai se encontram as raízes da educação mesma, como manifestação exclusivamente humana, isto é na inconclusão dos homens e na consciência que dela tem. Dai que seja a educação um fazer permanente, permanente na razão da inconclusão dos homens e do devenir da realidade. (FREIRE, 2001, p. 68). A dialogicidade, essência da educação como prática para a liberdade. Esta busca nos leva a surpreender, nela, duas dimensões: ação e reflexão, de tal forma solidária, em uma interação tão radical que, sacrificada, em parte, uma delas, se ressente, imediatamente, e a outra. Não há palavra verdadeira que não seja práxis. (FREIRE, 2001, p. 77). Concordo com Freire (2002), que o diálogo não é possível entre os que querem a pronúncia do mundo e os que não querem; entre os que negam aos demais o direito de dizer a palavra e os que se acham negados desse direito. “É preciso que os que assim se encontram negados no direito primordial de dizer a palavra reconquistem esse direito, proibindo que esse assalto desumanizante continue”. (FREIRE, 2002, p.53). Frente à narração dos acontecimentos no dia a dia, o ACS consegue identificar as peculiaridades da linguagem falada, os sinais e sentidos presentes 58 nessa, e desenvolvem as capacidades humanas de interpretar saúde/doença, refletir e discutir sobre os meios de prevenção e recuperação, através do raciocínio lógico, percepção, intuição e imaginação. Pela visita domiciliar exercita-se a troca dialógica; compreensão e atenção tornam-se vitais para compreender as interpretações que emergem dessa troca. A investigação indiciária está presente em todas as atividades humanas, quer relacionadas à alimentação, proteção, invenção, religião, guerras, entre outras. (COELHO, 2006, p. 5). Segundo Hipócrates: O estudo das doenças devia ser fundamentado no quanto existe de comum e de individual na natureza humana: na doença, no doente, na dieta e em quem prescreve...; na constituição geral e específica dos fenômenos celestiais e de cada região, nos costumes do povo, no regime, nas profissões, na idade de cada um; na fala, nas maneiras de ser, no silêncio, no pensamento, no sono e na insônia, nos sonhos..., nos gestos involuntários...; nos paroxismos, nas fezes, na urina, nas secreções, no vômito, na ligação entre as doenças...; nos abscessos..., no suor, nos calafrios, no frio, na tosse, no espirro, no soluço, na respiração, nos arrotos, na flatulência..., nas hemorragias, nas hemorroidas. Com base em tudo isso, estenda-se a investigação até onde se consiga. (HIPÓCRATES apud PORTO, 1997, p. 9). Para Hipócrates, o sintoma deve sempre ser analisado em relação aos elementos básicos como o ar, a água e o lugar. Ao ser interpretado pelo médico como um indício, o sintoma adquire um valor de signo. No modo como a Estratégia de Saúde da Família (ESF) está organizada, os ACS são os primeiros a realizar a análise dos indícios, baseada na observação e descrição dos sintomas, no destaque que darão às falas e produção de sentido dos sujeitos. A procura por sentidos é constante, por exemplo, nas visitas domiciliares, pois examinam todo contexto cotidiano familiar, registrando com minúcia todas as características levantadas durante a visita, diagnosticando/interpretando os problemas através dos sintomas que lhe são apresentados, numa observação direta e interativa de conhecimento e semiótica. Observando e avaliando a realidade consegue levantar pistas sobre o problema, sobre “o visto” e o “não visto”, sobre “o dito” e o “não dito”, encaminhando suas apreciações para a equipe de saúde. Concordo com Ginzburg (1989, p. 154-155) quando relata que numa atitude orientada para análise de casos individuais, reconstruíveis somente através de pistas, sintomas e indícios, o paradigma dirige as formas do saber na decifração dos 59 signos, do corpo da linguagem e da história dos homens; numa investigação sem preconceitos. Fato evidenciado pelo papel dos ACS da ESF aqui analisada, pois sensibilizados para a importância de empregar o paradigma indiciário na sua atuação estes observam atentamente e registram as histórias dos sujeitos, pois, respeitam cada vez mais as diversidades das culturas e tentam compreender a realidade implícita, através do desvelamento dos significados epistemológicos levantados. Essa ideia, que constitui o ponto essencial do paradigma indiciário ou semiótico, penetrou-nos mais variados âmbitos cognoscitivos, modelando profundamente as ciências humanas. Minúsculas particularidades paleográficas forma empregadas como pistas que permitiam reconstruir trocas e transformações culturais (GINZBURG, 1989, p. 177). Uma das características importantes deste trabalho é a de conscientizar os ACS de que o entendimento da saúde/doença pode ser interpretado de inúmeras maneiras, pela codificação de sinais, vozes, gestos, olhares, sutilezas, choros, alegrias. Conforme Santaella (2003, p.23), todo aprendizado ocorre por meio de signos. O processo comunicativo é fundamental à cognição. A primazia lógica é do signo, mas a primazia real é do objeto. O objeto é determinante, mas só nos aparece pela mediação do signo. Somos seres mentais, o signo é um primeiro porque aquilo que realmente produz vem imediatamente na frente. [...] Porém, aquilo que está representado no signo não corresponde ao todo do objeto, mas apenas a uma parte ou aspecto dele. O signo é sempre incompleto em relação ao objeto (SANTAELLA, 2003, p. 44-45). Concordo com a autora, pois aprendemos desde cedo, quando nascemos, a nos comunicar. O primeiro elo é o da comunicação pelo choro que, inicialmente, comunica os estados fisiológicos, mas que depois, conforme somos inseridos na cultura, vamos aprendendo os outros significados do choro e passamos a fazer uso deles, comunicando outros sentidos. Assim, comunicamo-nos por meio da linguagem corporal, gestos, sinais. Mesmo sem querer, estamos aprendendo todas as vezes que participamos de uma cadeia significativa. Como seres humanos, estamos no mundo nos comunicando e aprendendo, e mesmo os nossos receptores internos, biológicos, produzem diálogo sempre; estamos em processamento 60 constante de signos e das mudanças interpretativas que esses geram em nossa visão de mundo. Procuro estabelecer, junto aos ACS, a importância de desvendar/ compreender os fenômenos comunicativos, essenciais à vida humana, através da observação sígnica dos elementos do entorno e das experiências vividas realizadas durante o acompanhamento nas visitas domiciliares na comunidade, abordando os modos de vida, a cultura, as representações sociais da comunidade, em seu cotidiano. A proposta de um método interpretativo centrado sobre resíduos, sobre os dados marginais, considerados reveladores. Desse modo, pormenores normalmente considerados sem importância, ou até triviais, ‘baixos’ que forneciam a chave para acender a produtos mais elevados do ser humano. (GINZBURG, 2003, p. 150). Conforme Santaella (2002), o universo dos signos abrange as inumeráveis "coisas representativas de outras coisas": estímulos e inúmeros saberes, que nos chegam via percepção e que passamos a conhecer e, sobretudo, reconhecer e relacionar através da memória e dos raciocínios associativos. Sem signos não há um saber consciente de coisa alguma. Isso se justapõe ao que Santaella (1998) afirma sobre o pensador da semiótica; que o próprio homem é um signo, pois somente tem consciência de si mesmo quando se reconhece como tal, pela simples experiência de ser e saber que é homem, implicando este fato em discernir o "não ser" planta, pedra ou outro animal. É na dimensão da consciência e do pensamento reflexivo que o homem se reconhece como homem. Reafirma-se, assim, a hipótese deste trabalho, que é a importância de se conduzir uma consciência reflexiva sobre essa essencialidade humana, que é a produção e a interpretação simbólica para o ACS e para a comunidade. Esse reconhecimento é fundamental para assumir-se uma postura de não exclusão dos saberes da cultura popular, tão marginalizada, em especial em se tratando de questões relativas à saúde, pois se valoriza o conhecimento técnico científico. Tratase de uma forma de reintegrar a população mais marginalizada socialmente, dentro das inúmeras diversidades sociais encontradas. Os fenômenos são trabalhados na busca do reconhecimento, compreensão e percepção dos signos. 61 Em uma definição mais detalhada, o signo é qualquer coisa de qualquer espécie (uma palavra, um livro, uma biblioteca, um grito, uma pintura, um museu, uma pessoa, uma mancha de tinta, um vídeo etc.) que representa outra coisa, chamada de objeto do signo, e que produz um efeito interpretativo em uma mente real ou potencial, efeito este que é chamado de interpretante do signo (SANTAELLA, 2003, p. 8). “Nascem os signos de associações provocadas por experiências repetidas, espontâneas ou voluntárias. As experiências são contatos e reações. Os signos são os representantes do conhecimento resultante de contatos e reações” (SANTAELLA, 1998, p. 31). Acompanhando o pensamento de Santaella, no contato direto entre os ACS com a comunidade, cria-se um estímulo tanto para a produção simbólica como para a sensação-percepção-interpretação dessa produção. Argumenta-se que tal produção é o campo no qual a ação profissional dos ACS transcorre, e esse deve ter uma reação compatível − ou seja, de acolhimento e diálogo, − conforme os impactos dessa produção são levantados, percebidos e reconhecidos. Santaella (2003) relata que reação é o ato ou pensamento decorrente do impacto percebido num contexto comunicativo. O signo é o representante do conhecimento assim adquirido. Partindo de associações, reconhecemos objetos, as coisas e também os indícios de coisas. “As representações, continuamente usadas na linguagem e no entendimento pessoal, tornam-se convenções símbolos e assim temos as três modalidades de signo que os estudiosos distinguem: ícones, índices e símbolos” (SANTAELLA, 1998, p. 32). Ainda segundo a autora: Diante de qualquer fenômeno isto, é para reconhecer e compreender qualquer coisa, a consciência produz um signo, ou seja, um pensamento como mediação irrecusável entre nós e os fenômenos. A consciência inerte em diferença sofre estímulo de contato, esse é o momento instanciam, de tomada de consciência, que Pierce denomina Primeiridade, categoria que dá experiência, originalidade, processa, registra, compara, recorda... a segunda instância é a da consciência, a Secundidade, aquilo que dá à experiência seu caráter factual, de luta e confronto, a terceira instância é a Terceiridade, primeira manifestação que podemos considerar como um signo e é através dele que agarramos o conhecimento e dele tomamos posse e tomar posse de um signo é algo como tomar posse da realidade, é um possuir pelo saber, onde representamos e interpretamos o mundo. (SANTAELLA, 2003, p.12). 62 2.2.2. Os Problemas Sociais vistos como Signo “A promoção de saúde, assim entendida, tem a ver com o que vem sendo chamado classicamente, no jargão da Saúde Coletiva, de determinação social do processo saúde-doença e que há pouco entre nós ganhou o status de política pública” (COMISSÃO DOS DETERMINANTES, 2007, grifo meu). Nessa linha proposta, considera-se a busca dessa determinação como uma tarefa eminentemente semiótica, uma vez que implica ler, pesquisar e interpretar os problemas sociais e suas causas básicas como signos; e, na estruturação atual do sistema de saúde brasileiro será necessário começar pelo ponto inicial, ou seja, pelas bases, na ação dos ACS e seu papel dentro da comunidade. Almeja-se a conquista da melhoria da qualidade de vida, saúde/doença na adequada abordagem da semiose e respeito nas representações sociais, garantindo meios educacionais que proponham o enfrentando de prevenção de doenças, melhoria dos hábitos de vida, dentre outros. Abordo aqui, portanto, que estes problemas vêm da natureza dos signos, pois resultam da produção de sentidos comunicativos camuflados, oriundo das disputas de poder entre os grupos que compõem uma sociedade e que fazem com que certos grupos dominem (validando seus discursos e concepções de mundo), enquanto outros são negados ou ignorados, em uma espécie de conflito “destrutivo”. Os problemas sociais enfrentados pela comunidade estão ligados, não só aos organismos humanos diretamente relacionados à saúde, mas também ligados ao social, ao econômico e ao espiritual, às condições de habitação, de saneamento, de violência e segurança, de falta de emprego ou de oportunidades de ingressar no mercado de trabalho, de escolas. Ou, ainda, aos pontos de venda de drogas, pontos de prostituição, aliciamento de menores para atos infracionais, entre outros. A ação e a preparação profissional dos ACS relacionados à semiose, focando suas compreensões, significações e sinais daquilo que vivenciam, dos seus saberes e daqueles da comunidade, podem conferir importante diferencial para os trabalhos, tornando-os “ações significadas”, produzindo respostas positivas − de aceitação da diversidade cultural e de diálogo − frente à comunidade. 63 2.3. A Antropologia Médica e o Tao da Saúde e Educação Sociocomunitaria frente às Interpretações Sociais Dentro dessa investigação − e coerentemente a tudo anteriormente exposto − observamos a grande importância e necessidade de fazer-se uso de referenciais da antropologia para conhecer e compreender a cultura e a maneira como os indivíduos percebem-se na sociedade, como estabelecem suas relações com a equipe de saúde, com outros participantes da comunidade e como buscam a saúde para si e para sua família. Com o desenvolvimento da antropologia, surge uma nova concepção para se observar a relação do indivíduo e a cultura, tornando-se possível uma abordagem cultural dos problemas sociais e de saúde. Geertz, que se situa na origem desta corrente de pensamento, concebe a cultura como “um universo de símbolos e significados e que permite aos indivíduos de um grupo interpretar a experiência e seguir suas ações”. (GEERTZ, 1973, p.68). Segundo o referido autor, a cultura nos fornece modelos “de” e “para” a construção das realidades sociais e psicológicas, a cultura é o contexto no qual diferentes eventos se tornam inteligíveis. Ele estabelece ligação entre as formas de pensar e de agir dos indivíduos e de um grupo, ressalta a importância da cultura para a vida humana, na própria construção do fenômeno humano. Considera-se, portanto, que as percepções, as interpretações e as ações dos sujeitos, inclusive no campo da saúde, são culturalmente construídas. A perspectiva de compreensão cultural dos fenômenos nos serve para questionar uma série de temas relacionados à saúde pública, como o Sistema Único de Saúde, a cidadania, a democratização dos serviços de saúde, o papel do ACS dentro da comunidade e a forma de interação desses como os usuários e vice versa. O primeiro ponto a ser destacado aqui é aquele referente à necessidade de ampliarmos os conceitos médicos construídos sobre a visão da comunidade, nossa atividade clinica de julgamento e entendimento na interpretação de saúde/doença, refletindo sobre aspectos e problemas sociais, políticos, econômicos e culturais envolvidos nesse binômio. Como enfermeira, vejo a importância de reconduzirmos o centro das relações e do entendimento entre os profissionais de saúde do ESF o ACS e a 64 comunidade, superando a visão de superioridade “científica”, que leva facilmente ao desentendimento dos discursos e práticas culturais da população e da equipe, desvalorizando-as relações. Isso é possível partindo-se de um relacionamento efetivo entre sujeitos, valorizando o relacionamento afetivo-compreensivo e, ao mesmo tempo, compartilhador de elaborações do real, que podem ser modificadas, melhorando a qualidade de vida. Não significa anular a identidade do ACS, mas, sim, valorizar a figura desse profissional, enfatizar que será sempre ele, dentre todos os outros profissionais da equipe de saúde, que melhor conhecerá esta população. E esta, por sua vez, irá respeitá-lo e permitir adaptações na prática da vida cotidiana e diária em relação às mudanças de estilo de vida, pois o objetivo final é de fornecer educação e mudanças, conforme a forma que este relacionamento será concretizado. O papel do ACS frente à comunidade é de extrema importância, uma vez que ele irá abordar inúmeras pessoas, de diferentes níveis sociais e culturais, num confronto de interpretações simbólicas, que ocorre em todas as dimensões do convívio social. Sobretudo, na área da saúde e do cuidado, na qual as percepções das diferentes concepções de saúde influenciam no cuidado, na recuperação, na adesão ao tratamento e na erradicação das doenças. São pontos cruciais a serem trabalhados para se obter um resultado favorável. A esteira deste fenômeno da antropologia médica vem ganhando notoriedade e propostas de serviços de saúde que sejam culturalmente sensíveis, no sentido de qualificar profissionais de saúde e instituições a entender e satisfazer as necessidades próprias de saúde dos pacientes em locais em que essa diversidade cultural é mais pronunciada. Isto é, os serviços preparam-se para melhor acolher os pacientes que apresentam demandas de saúde bem especificas. (GEERTZ, 1973, p. 46). O indivíduo, dentro da sociedade, estabelece diferentes meios de percepções do mundo ao seu redor; percebe sintomas, sinais, sensações, emoções e sentimentos, por meio de formas próprias de comportamento, de atitudes e por vivências já estabelecidas ou presenciadas por outras pessoas. Assim, ele se defende e procura ajuda e se mostra frente à sociedade, atribuindo um significado para tudo o que ele percebe/interpreta dentro dessa sociedade, ou seja, dentro do campo simbólico em que vive. 65 Nestas teorias sociais, considera-se como fundamental compreender qual é o sentido que os próprios indivíduos como personalidades e agentes sociais dão aos seus comportamentos, símbolos, valores e inter-relações sociais. (GROPPO, 2011, p. 361). Observamos que as diversidades culturais em nosso país representam algo concreto e existem por todos os lados; há culturas brasileiras e regionais bem definidas e estabelecidas, que podemos reconhecer no dia a dia, durante os serviços de saúde. Assim, o intuito é fazer com que o ACS assuma uma postura importante em saber reconhecer essas diferenças e aceitá-las como modo de ser do indivíduo, como parte indissociável do ser, sem preconceitos, contribuindo para fornecer uma melhor educação em saúde, fortalecer o elo com a comunidade, bem como garantir a cidadania na direção da consolidação efetiva do Sistema Único de Saúde. Vale refletir que embora o ACS seja obrigatoriamente integrante da comunidade, o próprio processo de formação técnico-científica do ACS pode colaborar para que ele se afaste de suas raízes, passando a “estranhar” práticas culturais do senso comum e da cultura popular praticadas na comunidade, tratandoas como “erradas” ou menos válidas. Faz-se necessário, então, como defendido nesta investigação, demonstrar ao ACS a contribuição que ele pode dar à sociedade, no sentido de oferecer atenção à saúde de alta qualidade, em estar capacitado para ouvir o cliente, perceber essas diferenças culturais, adaptando o diálogo, as negociações de sentidos e de práticas, e promovendo mudanças de vida. Assim, este grupo de profissionais será capacitado a conviver com a diversidade cultural, com desafios crescentes de conhecimento e de entendimento, garantindo competência no desenvolvimento de sua pratica técnica. Eles devem ser igualmente competentes e capacitados para reconhecer as diferenças internas de cada grupo ou subgrupos que compõem uma comunidade, valorizando a integralidade e humanização no cuidado. Por meio do estudo da Antropologia pode-se mostrar que cada ser humano é diferente e que temos que nos dar conta dessas diferenças, conscientizando-nos de que estas pessoas de populações marginalizadas estão envolvidas por sua cultura, permanecem conectadas a ela, principalmente frente a conhecimentos “novos”, como aqueles científicos, relacionados às práticas de saúde. Como nós, 66 profissionais da saúde, podemos estar fortemente ligados ao conhecimento científico e a nossa própria cultura, “tecnicizada, individualizando (restringindo) a formação do nosso próprio interesse cultural”? O trabalho etnográfico presta-se muito bem para isso, ao tentar ler oque ocorre a sua frente, decifrando não apenas o que está explícito a superfície, mas também os comportamentos aparentes, incoerentes e deslocados, que, em última análise tem respaldo na realidade simbólica, que permitiria ao individuo atribuir significados a partir de sua experiência individual e segundo as normas sociais e culturais na sua origem, estrutura, função e significado. (GEERTZ, 1973 p. 38). Liberar o entendimento do ACS frente às diferenças culturais, favorecendo a valorização dessas por meio de encontros socioculturais é ótimo recurso para o trabalho nas comunidades, que devem ser momentos ricos, contínuos e dinâmicos, aflorados de compreensão para traçar um caminho de educação e mudança na qualidade de vida. Este trabalho não começa e termina durante uma visita do ACS, mas, se prolonga por todo ou qualquer encontro deste profissional junto à comunidade. Uma das atribuições principais do Enfermeiro é a de capacitar os ACS a traduzir discursos, sinais e sintomas dos indivíduos atendidos, favorecendo uma orientação educativa adequada, para determinado problema, pensando-se não somente naquela doença ou problema específico, mas na integralidade do sujeito. Quando os indivíduos têm um problema social ou doença dentro da comunidade eles expressam/manifestam tal problema por meio de “sintomas”, atribuindo sinais, algum significado que para eles são importantes, ou seja, aspectos desses problemas ou doenças. Os profissionais da saúde têm que interpretar essas diversas significações e, assim, quando uma pessoa procura ajuda do profissional de saúde ele deve lançar mão de muita sensibilidade e conhecimento, superando os obstáculos comunicativos/interpretativos. A importância do ACS neste papel interpretativo, por ser um participante da comunidade, é de ter linguajar, modos de ser e atitudes eticamente corretas para abordar a clientela. Seu comportamento deve ser pautado em interpretar a comunicação estabelecida, pois a produção de significados de ambos os lados significa a realidade, na qual a cultura de cada um, Usuário e ACS, permanecerão igualmente presentes, embora transmutadas. 67 Tanto as crenças quanto os padrões de comportamento dos indivíduos fazem parte de um sistema, em grande parte derivado de regras culturais, uma teia de significados com importância de analisamos enquanto ação e como sistemas simbólicos, como ação a forma de expressão da cultura é pública, pressupondo, no discurso social, a existência de protagonistas e assistentes que se comunicam entre si a partir de interpretação de códigos socialmente estabelecidos de modo prévio. (GEERTZ, 1973 p. 53). O capítulo que segue aborda a construção do Tao da Saúde e da Educação evidenciando a importância do trabalho coletivo. 68 CAPITULO III − A CONSTRUÇÃO DO TAO DA SAÚDE E DA EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITARIA: UM QUE-FAZER COLETIVO Lagarta e Borboleta De corpo mole, como quem não quer nada, devagar, ando muito; sem me sentir tão cansada, em minha casa descanso sempre, à sombra por preferência. Viajo, conheço o mundo de carona sem custar nada, meu medo é ser descoberta, por alguém ser amassada, interrompendo minha volta, ao lugar de querência. Com aparência rica em variedade, vivo feliz tanto na roça como na cidade, a preferência, é estar no alto, se possível nas Palmeiras. Sou presa fácil dos pássaros, minha grande adversidade, não corro, não grito, não tenho grande mobilidade, podendo, me escondo entre as folhas, fechando suas beiras. Muito feia, por vezes cabeluda, arrepiante, tenho instinto de bondade, modifico o que fui antes, na intenção de ser aceita, quem sabe, amada. Me aprisiono em um casulo, mastigo um calmante, sozinha, isolada, irradio bons pensamentos dardejantes. Sonho com a vontade, de ser aguardada. Cansada, faminta, alegre, transformada, deixo o esconderijo, pelo mundo quero ser adorada, agora, não mais como lagarta, ganhei minhas asas, mudei. No salão de beleza do Céu, ganhei cores, estou maquiada, sou branca, com listras escuras, ao fundo estou azulada, fui dormir Lagarta, como Borboleta, acordei. Cesar Alvarenga (2011) 69 3.1. Conceitos de Saúde e Doença Neste capitulo trabalhamos sobre a discussão educação/saúde, a valorização das concepções da população sobre a saúde/doença, o trabalho em grupo e a educação social. Os conceitos de saúde/doença são analisados em todo o decorrer da evolução histórica, pois, está agregado no contexto histórico cultural, social, politico, econômico dentro da experiência humana de cada um, ou seja, a saúde/doença não representa a mesma coisa para cada pessoa, depende dos valores individuais, das concepções científicas, filosóficas, culturais e religiosas. Real ou imaginária, a doença transmissível, é uma antiga acompanhante da espécie humana, como o revelam pesquisas paleontológicas. Assim, múmias egípcias apresentaram sinais de doença (exemplo: a varíola do faraó Ramsés V). Não é de admirar que, desde muito cedo, a Humanidade se tenha empenhado em enfrentar essa ameaça, de várias formas, baseadas em diferentes conceitos do que vem a ser a doença (e a saúde). Assim, a concepção mágico-religiosa partia, e parte, do princípio de que a doença resulta da ação de forças alheias ao organismo que neste se introduzem por causa do pecado ou de alguma maldição (SCLIAR, 2007, p. 29). Para os antigos hebreus, a doença não era necessariamente devida à ação de demônios, ou de maus espíritos, mas representava, de qualquer modo, um sinal da cólera divina, diante dos pecados humanos. Deus é também o Grande Médico: “Eu sou o Senhor, e é saúde que te trago” (Êxodo 15, 26); “De Deus vem toda a cura” (Eclesiastes, 38, 1-9); a doença era vista como desobediência do mandamento divino, a enfermidade proclamava o pecado quase sempre de forma visível. A doença é tanto um fato clinico quanto um fenômeno sociológico. Ela exprime hoje e sempre um acontecimento biológico e individual e também uma angustia que pervaga o corpo social confrontando com as turbulências do homem enquanto ser social. A medida que se cristaliza e simboliza as maneiras como a sociedade vivencia coletivamente seu medo da morte e seus limites frente ao mal, a doença importa tanto por seus efeitos imaginários: ambos são reais do ponto de vista antropológico. A doença é uma realidade construída e o doente é um personagem social. (MINAYO, 1991, p. 233). 70 A medicina grega representa uma importante inflexão na maneira de encarar a doença. É verdade que, na mitologia grega, várias divindades estavam vinculadas à saúde cultuavam divindades da medicina e sua crença basicamente era voltada para mágica/religiosa nota-se que a cura, para os gregos, era obtida também pelo uso de plantas e de métodos naturais, e não apenas por procedimentos ritualísticos (SCLIAR, 2007, p.31). Em outros relatos da história entra em cena um importante personagem: o pai da Medicina, Hipócrates de Cós (460-377 a.C.). Tais relatos traduzem uma visão racional da medicina, bem diferente da concepção mágico-religiosa antes descrita e afirmada: “A doença chamada sagrada não é, em minha opinião, mais divina ou mais sagrada que qualquer outra doença; tem uma causa natural e sua origem supostamente divina reflete a ignorância humana”. (HIPOCRATES, 1971). Hipócrates postulou a existência de quatro fluidos (humores) principais no corpo: bile amarela, bile negra, fleuma e sangue e, desta forma, a saúde era baseada no equilíbrio desses elementos; ele via o homem como uma unidade organizada e entendia a doença como uma desorganização desse estado. Galeno − após revisar a teoria humoral − ressaltou a importância dos quatro temperamentos no estado de saúde e entendeu a causa da doença como endógena; ela estaria dentro do próprio homem, em sua constituição física ou em hábitos de vida que levassem ao desequilíbrio. (SCLIAR, 2007, p. 34). Em outras culturas o Xamã, o feiticeiro tribal, é quem se encarrega de expulsar a doença mediante rituais que espantam os maus espíritos que se apoderam da pessoa, causando doença; vemos isso entre os índios Bororos que residem na região do Mato Grosso; o conceito de doença e morte para eles é baseado em maldição de um inimigo ou conduta imprudente da pessoa ao comer um animal considerado tabu, pois entendem que o espirito do animal se apodera da pessoa levando-a à doença e à morte. A tarefa do Xamã é, por meio dos rituais, erradicar este mal. Para tanto, passa dias se preparando longe de tudo e de todos, faz prolongada abstinência sexual e de alimentos, utiliza por noites rituais xamanísticos com utilização de plantas alucinógenas que são chamarizes para que os espíritos possam deixar o corpo da pessoa em paz e combater a doença; o objetivo é reintegrar o doente ao universo ao qual ele faz parte. Frente a tantas evoluções durante a história e para se definir o conceito saúde universal do que é saúde foi necessário um consenso entre todas as nações. A liga das nações surgiu após o término da Primeira Guerra Mundial, porém, não 71 conseguiu se definir. Foi só na Segunda Guerra Mundial que houve a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial de Saúde (OMS). Este conceito da OMS foi divulgado na carta de princípios, de sete de abril de 1948 (desde então comemorado o Dia Mundial da Saúde), implicando o reconhecimento do direito à saúde e da obrigação do Estado na promoção e proteção da saúde. A Organização Mundial da Saúde (1978) define Saúde como “o estado do mais completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade”. Dentre todos os relatos da história até os dias atuais está a definição que descreve um objetivo utópico, impossível de ser alcançado, porém, possui o mérito de reconhecer, no seu sentido mais amplo, que a saúde não depende somente de profissionais e casas de saúde, mas depende de toda uma estrutura de natureza social, envolvendo o tipo e nível de vida de cada pessoa. Trata-se de um conjunto de equilíbrio orgânico que resulta no bem estar do organismo, no sentido da manutenção e luta positiva contra forças biológicas, físicoquímicas, mentais e sociais, que tendem a romper este equilíbrio. Portanto, muitos estudiosos ainda buscam uma definição para saúde. Uma delas, escrita pelo Ministério da Saúde, em 1986, que diz: A saúde é resultante de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse de terra e acesso aos serviços de saúde. É assim o resultado das formas de organização social e da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida, doença, portanto, é uma alteração de um desvio do estado de equilíbrio de um indivíduo com o meio (BRASIL, 1986, p. 35). Por causa disso, nossa Constituição Federal de 1988, artigo 196, evita discutir o conceito de saúde, mas diz que: ‘A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação’. Este é o princípio que norteia o SUS, Sistema Único de Saúde. E é o princípio que está colaborando para desenvolver a dignidade aos brasileiros, como cidadãos e como seres humanos (SCLIAR, 2007, p. 41). Concretizo aqui que a doença ocorre quando há perturbação funcional dos processos fisiológicos em nível celular, ou seja, quando a pessoa fica exposta a condições ambientais desfavoráveis, a agentes e/ou a fatores genéticos que levam a 72 alterações dos processos fisiológicos do corpo, causando manifestações denominadas de sintomas e/ou sinais de doença. Para a garantia da saúde faz-se necessário estabelecer integrações entre os mais diversos setores, como, também, garantir condições econômicas, socioculturais e políticas incluindo educação em saúde, nutrição adequada, saneamento básico, cuidados materno-infantis, planejamento familiar, imunizações, prevenção e controle de doenças endêmicas, provisão de medicamentos, dentre outros agravos a saúde. Esta definição descreve um objetivo muitas vezes poético e impossível de ser alcançado, porém, ao longo dos anos, na busca deste conceito, o Brasil procura reconhecer o seu sentido mais amplo, um enfoque de que a saúde não depende somente de profissionais, hospitais, casas de saúde para se propagar a saúde, mas, que o problema é bem mais amplo, de natureza social decorrente do nível de vida dos indivíduos; é um equilíbrio orgânico da qualidade de vida e resultante de um ajustamento do organismo do individuo na busca de uma adequada metamorfose e manutenção deste estado de satisfação e bem estar para um balanço positivo contra forças biológicas, físico-químicas, mentais e sociais que tendem a romper este equilíbrio. Portanto, inúmeros conceitos já abordados antigamente se encontram em desuso e muitos outros tentam se estabelecer na busca desta definição para a saúde. É preciso entender bem qual é a ideia de Saúde da Família. Esse conceito prevê a participação de toda a comunidade em parceria com a ESF na identificação das causas dos problemas de saúde/doença, na definição de prioridades, na promoção para educação em saúde e melhoria da qualidade de vida da comunidade, no acompanhamento, participação e avaliação de todo trabalho realizado, sendo todas as pessoas tratadas igualmente, sem privilégio, sem discriminação, valorizando as interpretações culturais. Um erro é pensar que as ESF são responsáveis apenas pelas visitas domiciliares e atividades coletivas ou individuais de prevenção às doenças, enfermidades, patologias em geral, enquanto a assistência curativa continua sob a responsabilidade de outros profissionais do modelo anterior, tradicional. Essa é uma grave distorção do ESF, pois, sua função básica é a Integralidade e a Resolutividade em todos os territórios onde são implantados, sendo responsáveis por toda atenção básica. Cabe ressaltar que o ESF faz parte de um contexto muito maior, que é o SUS, no qual os profissionais não têm a pretensão de solucionar todos os problemas 73 de saúde, mas, devem estar conscientes de promover o conhecimento e o domínio para que a comunidade tenha ciência sobre saúde/doença favorecendo a busca pela qualidade de vida; uma atenção básica de qualidade é parte fundamental desse objetivo, de acordo com as responsabilidades definidas na Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS), estabelecida pela Portaria nº 95, de 26 de janeiro de 2001. A interpretação de saúde/doença deve servir de referência na prática de assistência junto às atividades educativas desenvolvidas pelos ACS, conscientizando e organizando a comunidade no cotidiano da prática assistencial e educativa, através da interpretação e reconhecimento deste conhecimento, possibilitando a transformação de um sujeito “sujeitado” para um “sujeito autônomo”, ocorrendo uma reestruturação da qualidade de vida como um todo. Concordo com Laplantine (2004) quando discute que a saúde não é a ausência de doença; a saúde é a força de viver com alguns desses danos. Saúde, portanto, é acolher amar a vida, assim como ela se apresenta, ou seja, alegre trabalhosa, saudável, doentia, limitada e aberta ao que virá além da morte. Portanto, no momento da doença o corpo necessita de cuidados e esse cuidado deve ser vital para sua sobrevivência; o melhor, então, é garantir que a doença não se aproxime, oferecendo a educação e a prevenção das doenças. Quando o doente hipertenso ou diabético, por exemplo, procura a unidade de saúde deve receber − além de atenção, respeito e orientações quanto a sua doença e quanto às mudanças de hábito de vida para mais conforto e controle dos sintomas − a orientação dietética adequada, fornecida por um profissional capacitado, assim como exames complementares para estadiamento da doença e do planejamento e percurso terapêutico mais adequado àquela pessoa, valorizando sua individualidade e reconhecendo as características farmacológicas dos medicamentes a serem usados. Atitude esta que não inviabiliza a possibilidade do diálogo com as outras formas de saber que validam o existir das pessoas, como o uso de plantas medicinais, as benzeduras, as simpatias e outras tantas crenças que nos construíram; crenças aqui entendidas em seu sentido etimológico como um tipo de saber arcaico que sobrevive do passado e do presente dentro da comunidade. A atitude de acolhimento do ACS e da equipe de saúde, na procura pela unidade, deve ser acolhedora, responsável, competente e amorosa incluindo neste encontro o respeito pela sua cultura, significados, mitos e sinais; deve se incluir 74 nesse encontro os meios adequados de orientação, além do diagnóstico correto da etiologia da doença, bem como a terapêutica adequada, independente da classe social e das misticidades que a comunidade carrega consigo. 3.2. A Construção do Tao da Saúde Sociocomunitaria: o Trabalho em Grupo e da Educação Reafirma-se, neste tópico, o caráter coletivo do trabalho desenvolvido no PSF, pois, através dos grupos firmam-se as relações interpessoais e a capacidade de enfrentamento da realidade. Isso não se dá ao acaso, mas necessita ser construído com e pelos ACS. O ser humano é um ser social e faz parte do seu cotidiano viver uma vida social ativa, com dependência e decisão e com o envolvimento de outras pessoas. A sociedade, desde os nossos primórdios, se organiza de formas distintas pelas suas diferenças. Desta maneira, se articula para sobreviver e ajustar as diferenças, as qualidades e as características de personalidades, gênero, estereótipos, agrupando relações interpessoais, formando grupos distintos, “tribos” com membros com papéis estruturados e definidos. Conforme Lewin (1975) os grupos se dividem em tipos, sendo possível classificá-los em: Grupos Primários: São relativamente pequenos, pessoalmente significativos e altamente unidos. Os membros são bastante envolvidos com o grupo, sentem-se parte de algo maior que si próprio. Como os membros interagem frequentemente, com relação face-face, conhecem-se muito bem. Grupos Sociais: São pequenos, duração, interação e permeabilidade moderadas, frequentemente focados em determinadas situações. Grupos Coletivos: São agregados por indivíduos, que se formam de maneira espontânea, mantendo-se por breves períodos de tempo e com bastante permeabilidade de suas fronteiras. Categorias: São agregados por indivíduos similares uns aos outros de varias maneiras, tais como gênero, etnia, religião. 75 Frente a tal definição é possível observar na pesquisa inúmeros momentos de variabilidade de grupos dentro da ESF, diante das situações encontradas, estilo de liderança, enculturação, emoção, submissão, afinações sociais, personalidade, dificuldades de relacionamento, entre outros fatores relacionados ao envolvimento do grupo. Turner e Tajfel conceituam o grupo como sendo: Uma coleção de indivíduos que percebem a si mesmos como membros de uma mesma categoria, compartilham algum envolvimento emocional, esta definição comum de si mesmos, e alcançam algum grau de consenso social sobre a avaliação de seu grupo e de sua associação com ele. (TURNER; TAJFEL, 1985, p.15). Baseados nesse conceito de grupo, Turner e Tajfel definem o comportamento grupal como: ‘Qualquer comportamento apresentado por um ou mais atores em relação ao outro ou aos outros, baseado no reconhecimento dos próprios atores e dos outros como pertencentes a diferentes categorias sociais’. Nessa perspectiva, as categorizações sociais são ferramentas cognitivas, que classificam e ordenam o ambiente social, permitindo ao indivíduo diferentes formas de ação social. As categorias sociais, além de sistematizar o mundo social, também ‘fornecem um sistema de orientação e auto-referência definindo o lugar do indivíduo na sociedade’. (TURNER; TAJFEL, 1985, p.16). Da mesma maneira os ACS se organizam de forma a estruturar relações interpessoais, articulando características emocionais comuns, deixando uma marca na sociedade, por meio de suas ações, processos e reações. Concordo com Lewin (1975) quando descreve que a dinâmica em grupo é um conjunto de fenômenos, que se dá na formação dos grupos e pode se ampliar, direcionando as ações desses grupos como um todo, diferenciando-se daquelas individuais. Dentro deste contexto os ACS se organizam em dinâmicas de grupos, pois, apresentam laços comuns que os ligam entre si, com trabalhos voltados para a promoção, a prevenção e a recuperação da saúde. Os grupos formados pelos ACS formam-se na interdependência, pois o trabalho se organiza de maneira que um depende do outro para o desenvolvimento das ações, num compartilhamento de pensamentos, sentimentos e experiências recíprocas. Um influencia o outro e, neste caso, o enfermeiro apresenta-se como o maior influenciador dos serviços oferecidos, favorecendo − ou não − a mudança e o 76 replanejamento das atitudes e orientação dos ACS para a promoção da orientação na comunidade. É um trabalho árduo e contínuo e deve ser bem discutido e evidenciado, conforme o nível cultural de suas representações sociais e interpretações de sinais, favorecendo-se assim uma troca de influências e conhecimentos. Dessa forma, o grupo da unidade de saúde, junto com os ACS e a comunidade, pode emergir num compartilhamento de saberes e práticas de educação em saúde. A pesquisadora evidencia aqui o trabalho de grupo mensal, denominado de “Colméia 14”, realizado dentro da ESF Jardim Brasil, em que se trabalha com a definição de “colmeia”, como a organização das abelhas num trabalho em conjunto e incansável para a fabricação do “mel”; que representa, aqui, a luta em busca da qualidade de vida da comunidade. Este trabalho em grupo tem como objetivo desenvolver as ações em equipe, proporcionando a criação de esforços coletivos para resolver/discutir um problema, ou um determinado trabalho conjunto, o que possibilita a troca de conhecimentos, a agilidade no cumprimento de metas e os objetivos compartilhados. E, igualmente importante, a discussão das várias interpretações ou significações que podem ser feitas a respeito dos fenômenos, casos e fatos vivenciados. Dentro da ESF, o trabalho em equipe é muito importante, pois cada um precisa da ajuda do outro, trabalhando igualmente, con/discordando uns com os outros, mas sem perder o foco nos objetivos comuns. Esta atividade deve ser entendida como resultado de um esforço conjunto, com vitórias e fracassos, de responsabilidade de todos os membros. Nesta colmeia, cada membro sabe o que os outros estão fazendo e reconhecem sua importância para o sucesso da tarefa, uma vez que os objetivos são comuns e as metas coletivas são desenvolvidas para irem além daquilo que foi predeterminado, facilitando a efetividade no trabalho e a satisfação do grupo. São trabalhadas as dificuldades levantadas, os conflitos de ideias diferentes, o respeito das diversas opiniões, compreensão e interpretação das diferenças, a sinceridade e objetivação durante o diálogo, preservação da harmonia do grupo, entendimento de qual a sua função no grupo e sua importância nessa, o respeito aos conflitos de personalidade, à liderança positiva, ao compromisso, à força e vontade de mudar. 77 A cada encontro é construída uma parte da colmeia simbólica, que vai crescendo a cada dia; nesta construção são expostos os problemas, as soluções, as conquistas para o reconhecimento do grupo, aprendendo a ouvir, lidando com as diferenças, criando vínculos afetivos, adquirindo confiança mútua na equipe e, assim, como numa colmeia, o trabalho é árduo e contínuo, construído passo a passo, numa transformação e mudança coletiva de comportamento, atitudes, compreensão, comprometimento, para a resolução das prementes questões da comunidade e dos sujeitos dessa, na qual a UBS está imersa. Faço minhas as afirmações do psicólogo alemão Lewin (1975), de que as variações individuais do comportamento humano com relação à norma são condicionadas pela tensão entre as percepções que o indivíduo tem de si mesmo e pelo ambiente psicológico em que se insere, o seu espaço vital, que também é aquele do grupo no qual está inserido. Os ACS, uma vez não entendendo esta demanda pelo trabalho grupal, muitas vezes, se frustram, se desmotivam e não conseguem realizar uma ação mútua em equipe; com isso, não ocorre a troca de informações, nem o feedback desse compartilhamento e nem tampouco a mudança de perfil da comunidade. Portanto, para transformar essa equipe de ACS num grupo holístico e unificado é preciso constituir-se, de fato, um grupo: as forças pessoais devem estar diretamente ligadas, formando uma “entidade”, em que cada qual se sinta interdependente do outro, na busca do mesmo objetivo comum. Para Turner e Tajfel (1985) um conjunto de pessoas só é um grupo quando agregados em torno de um mesmo objetivo, compartilhando esse sentimento de interdependência, ou seja, quando se sentem parte deste grupo, gerando o bem estar para os membros e atratividade para adquirir novos membros; mostrando segurança frente às suas crenças e a si próprio. A estrutura dos ACS é a de um grupo social pequeno, de formação “artificial”, por ser resultante de um processo seletivo, de interação moderada, pois ocorrem discordâncias frequentemente, forçando determinadas situações não aceitas por alguns do grupo. Enquadra-se também na categoria de grupos formados por indivíduos similares, pelo fato de pertencerem a uma mesma comunidade, embora haja diferenças de gênero, étnicas que condividem a cultura dessa comunidade, os princípios religiosos semelhantes (cristãos, em sua maioria) e o interesse por “cuidar” do próximo, dentre outros. 78 Observamos até aqui, portanto, que o papel do grupo é de fazer a sinergia dos trabalhos e não de competir uns com os outros, porém, em alguns momentos, ao longo da investigação, foram evidenciadas reações emergentes de competitividade. Alguns exemplos são: a busca pela melhor área de trabalho devido à falta de segurança existente no bairro, nas áreas de conflito desse e dificuldades de relacionamento com algumas famílias; o número de famílias cadastradas a mais que o preconizado gerando sobrecarga de trabalho; a facilidade de comunicação e participação durante as reuniões de equipe; o número de visitas realizadas, enfim, inúmeras atividades e situações que geram entre a equipe conflitos e discórdias, facilitando a rivalidade e as justificativas pelo não cumprimento do previsto, durante a entrega da produção e da qualidade do trabalho realizado em grupo. Destaco aqui um exemplo rotineiro, que acontece durante o fechamento do SIAB (Sistema de Informação da Atenção Básica). Neste caso, se um dos ACS não consegue cumprir a meta de visita mensal, o mesmo é “julgado” e excluído do grupo, pelos demais ACS. Fica sendo visto de modo marginalizado, discriminado pelos demais, que conseguiram a produtividade adequada e garantiram o mesmo valor salarial. Portanto, é vista como um não merecedor de participação no grupo. Por este e outros motivos citados surgiu o trabalho da Colmeia, como meio de integração de capacitação e compreensão dos problemas individuais, sociais, culturais, socioeconômicos dos próprios ACS, considerando-se que grupos operativos não se formam sozinhos, mas, necessitam ser fomentados. Quando o ACS se insere na equipe ele passa por processos dinâmicos de modificações em seu modo de ver o mundo, por influência dos integrantes da equipe de saúde. Passa por treinamentos específicos e cria, frente à comunidade, uma sensação de nova identidade, pois até então era parte comum da comunidade, e agora passa a ser um “técnico”. Todo esse trabalho de adaptação é realizado por meio de capacitações frequentes, nas quais o ACS adquire um conhecimento diferenciado dos demais sujeitos da comunidade. Cabe ao enfermeiro capacitador e ao médico trabalharem esta arena de novos conhecimentos e interesses, evitando a perda da sua agregação (identidade) com a comunidade, com sua realidade, prevenindo, na medida do possível, conflitos interpessoais entre os ACS e os membros da comunidade, bem como, as situações de competição ou de negação dos valores dessa. 79 É notório, também, que com o passar do tempo o ACS começa a adquirir conhecimentos e experiências no campo da saúde por ele mesmo, pois, ele se modifica por si próprio, adquirindo outras características e perdendo suas raízes culturais individuais. Essa mudança fica a cargo da própria pessoa, em seu contato com outros profissionais. O grupo de ACS tem que compartilhar, frequentemente, dos mesmos ideais e da troca de informação com a equipe médica, estabelecendo relações pessoais mais próximas, em direção a uma intimidade, para a qual é fundamental que não se sintam rejeitados, mas, contrariamente, que se sintam fazendo parte de um grupo de amizades, de camaradagem, de reciprocidade e ajuda mútua. Sem esquecer que cada um é parte integrante de dois grupos distintos: aquele dos profissionais da saúde e aquele de membro de uma comunidade, na maior parte das vezes socioeconomicamente desfavorecida e marginalizada. 3.3. O Cuidado dos ACS dentro da Comunidade: Interpretando as Necessidades Educacionais do Cuidar para Garantia da Qualidade de Vida A educação em saúde também pode ser compreendida como um processo de humanização da assistência médico-sanitarista, pois, por esse processo se reconhece “as pessoas” por trás dos pacientes, que buscam nos serviços de saúde a resolução de seus problemas, tantas vezes não somente vinculados à doença em si, mas de várias ordens. Vejo que essa humanização pede sujeitos participativos, assim a equipe, em especial o ACS, deve acompanhar diariamente a comunidade, observando cada pessoa e cada família em sua singularidade, em suas necessidades específicas, com sua história particular, com seus valores, crenças e desejos. (SOUZA, 1999). Através do convívio do ACS com a comunidade e os profissionais de saúde, esta ligação dupla favorece a implantação de programas educacionais e tem um significado muito importante para uma abertura a outros profissionais que possam participar desse processo de formação como: assistente social, nutricionista, fisioterapeuta, pedagogo, educador físico e demais categorias que podem ser incorporadas às equipes, além de contribuir para a promoção da qualidade de vida 80 para a comunidade; constitui-se em um espaço privilegiado de absorção de troca de informação, conhecimento, promoção de saúde e educação continuada. De acordo com a teoria de Watson (2001), a cura da doença é de domínio da área médica, porém, um sistema humanístico de valores sustenta a construção da Ciência do Cuidado. Dentro desse enfoque, trabalhar com o aprofundamento teórico dos paradigmas que envolvem o cuidar, faz com que tecnologias mais subjetivas e mais completas, sejam acrescidas à rotina terapêutica e curativa exigida para qualquer profissional de saúde em contato com o indivíduo, família ou comunidade (SILVA, 1998). De forma evidente observamos que a proposta do ESF visa trabalhar o cuidado com a família e a comunidade numa perspectiva cultural, transferindo informações e ações do cuidado humano de maneira mais humanista. Esses cuidados são de extrema importância e necessidade para a natureza humana; eles ocorrem naturalmente no cotidiano das pessoas, durante o ambiente familiar e durante o trabalho do ACS, que realiza no dia a dia um trabalho especifico de saúde e ensino continuado. O ato de cuidar compreende uma dinâmica de atividade mútua entre o cuidador e a pessoa a ser cuidada; é a essência da vida humana. Considero que o cuidado é um suporte primordial na vida do indivíduo e a sua sobrevivência, pois necessitamos do cuidado desde que nascemos, somos totalmente dependentes; o ser humano ao nascer não sobrevive sem os cuidados adequados prestados pela mãe, e que prossegue do seu nascimento, crescimento, manutenção da vida até sua morte. Durante este trabalho desenvolvido vejo uma relação de afeto no ato de cuidar; observo inúmeras características visíveis frente à compreensão e à troca de experiências do ACS e a Comunidade, pois este relacionamento varia muito, dependendo da compreensão e interpretação do ACS e da conduta a ser tomada, pois é avaliada a história de vida de cada um, as experiências prévias das pessoas envolvidas no cuidado, a situação do momento, o nível sociocultural, o contexto do dia a dia, o âmbito cultural, religioso e social dos envolvidos. De acordo com Watson (2001), a ciência do cuidado tem seu foco na promoção da saúde e não diretamente na cura da doença. De acordo com Boff (1999), o cuidado é algo essencial, não podendo ser suprimido e nem descartado. 81 A Teoria Humanística de Watson assegura que a ciência do cuidado está construída sobre fatores relacionados à formação de um sistema de valores humanos e altruístas, à estimulação da fé e da esperança no processo curativo, o cultivo da sensibilidade para si mesmo e para os outros, que acompanha o desenvolvimento de ajuda-confiança entre o cuidador e o ser cuidado, a promoção dos processos de aceitação dos sentimentos (positivos e negativos) relacionados aos processos vitais, o uso sistemático do método científico de solução de problemas para que sejam tomadas as decisões cabíveis, a provisão de um ambiente mental, físico, sociocultural e espiritual, sustentador, protetor, baseados em forças existenciais e fenomenológicas (WATSON, 2001). Esta relação e conduta do cuidado do ACS e da comunidade garante um relacionamento de proximidade, confiança e aceitação, além de envolver crescimento, esperança e amor, favorecendo a recuperação daqueles que recebem cuidado num tratamento terapêutico ou restaurador, tanto para os ACS (cuidadores) como para a comunidade (os seres cuidados). Uma relação de ajuda, no envolvimento de ambos, que se efetiva através das visitas domiciliares e do contato diário. A relação do cuidado do ACS pode variar de maneira superficial até aquela mais profunda onde se estabelece vínculos numa ligação de intimidade e de reciprocidade, numa intimidade que pode levar a pensar muitas vezes pelo conhecimento do ACS que de fato o cuidador conhece a pessoa que recebe o cuidado. (BRASIL, 2001, p 76). A partir desta relação de confiança é que o ACS consegue garantir a qualidade do cuidado e do envolvimento, pois, ambos fazem parte do processo de cuidar e este relacionamento deve ter uma aceitação mútua, tanto do cuidador como do ser a ser cuidado; através deste vínculo ocorrerá a receptividade durante as visitas, um melhor entendimento dos sentimentos, a criação de vínculos e, acima de tudo, da confiança. Ambos garantem a mudança da qualidade e do estilo de vida, quebrando mitos, regras, preconceitos, medos. O processo de cuidar envolve não apenas a cura das doenças já instaladas, mas a transformação, prevenção, atenção integral e todo cuidado holístico, que segundo Watson (2001) “não engloba apenas a esfera física, mas estendem-se também as mais altas manifestações do espírito humano”, pois o cuidar é uma 82 expressão da nossa humanidade, sendo essencial para o nosso desenvolvimento e realização como seres humanos. (SOUZA, 1999). Isto nos traz de volta à compreensão semiótica da vida: Como se pode ver, os níveis do interpretante incorporam não só elementos lógicos, racionais, como também emotivos, sensórios, ativos e reativos como parte do processo interpretativo. Este se constitui em um compósito de habilidades mentais e sensórias que se integram em um todo coeso. São essas habilidades que precisamos desenvolver (SANTAELLA, 2002, p. 23). Durante a elaboração da pesquisa junto aos ACS foi evidenciado que este cuidado envolve muita criatividade e inteligência; por vezes os ACS necessitam aprimorar, inventar e improvisar meios de prestar este cuidado pelas más condições de vida da comunidade, ou pela falta de materiais e equipamentos disponíveis nas unidades de saúde. Trata-se de um grande desafio para adequar o cuidado e prezar pela qualidade de vida da comunidade, pois sem cuidados adequados a vida perde o sentido, não há desenvolvimento e garantia de qualidade surgindo assim às doenças e as dificuldades de manutenção fisiológica e cura, além do impacto que isso tem na própria perspectiva de vida dos sujeitos. Por meio dos cuidados garantimos a vida, “recuamos” a morte, não só preservando a saúde, mas abrindo horizontes de possibilidades para a vida. 3.4. Visão da Saúde/Doença: a Diferença entre Adoecer e o Doentizar da Comunidade na Educação Sociocomunitaria Durante o tempo que permaneci junto à comunidade, nos trabalhos em grupo, concretizo que para se promover e realizar ações em saúde se deve, portanto, acolher e religar os diversos saberes que contribuem à vida humana respeitando sua diferença sem, contudo, desprezar o que consideramos de cientifico na profissão. Precisamos, antes de criticar um modelo de vida oferecer outro que atenda as necessidades de saúde integral do ser humano. Chamo a atenção aqui pela forma de doentização do sentimento da comunidade, pois muitos se apresentam invadidos por sentimentos indefinidos, manipulados pela vida excludente atual da periferia, problemas sociocomunitarios do mercado globalizado excludente. 83 Observei homens e mulheres perdidos de sua identidade de sujeitos históricos, perambulando por consultórios médicos de várias unidades de saúde em busca da autoajuda, dependentes de psicotrópicos; inúmeros indivíduos se alimentando do seu problema atual, ou seja, a doença do sentimento, a falta de compreensão, sem diálogo honesto sobre suas desordens, apresentando incontáveis problemas sociais, orgânicos, culturais ambientais, sentimentais que contribuem para o seu mal estar. Observo uma procura de tratamento rápido, de forma imediatista, tratando apenas o físico, na procura de um medicamento e de terapias milagrosas que, muitas vezes, iludem ou atrasam o encontro inevitável com a verdade real de cada um. Ao mesmo tempo em que os sentimentos são doentizados, perde-se um tempo precioso para o diagnóstico precoce das patologias orgânicas embasados no raciocínio medico-cientifico, promovendo o tratamento da cura das doenças, se esquecendo do tratamento da alma, de tratar a depressão, o cansaço físico, o estresse, a ansiedade frente às mudanças do dia a dia, as dificuldades financeiras, a falta do autoconhecimento, as dores e o medo da vida em cada momento. Presencio inúmeros olhares perdidos da sua realidade sem identidades e na procura de novas paisagens; muitos adoecidos em caminhos enganosos, adormecidos de lutar, acomodados com a falta de esperança, de oportunidade, sobrevivendo após se reinventar como ser humano, numa relação mútua de compaixão por si mesmo. Percebo que muitos têm a necessidade de calar este sentimento aprisionando-o na doença, tratando-o de modelo terapêutico e químico, só fazendo retardar o encontro consigo mesmo. Não afirmo que, contudo, não existam doenças físicas, mas que devam ser avaliadas como um todo no ser humano em seu intimo; doenças que devem ser acompanhadas e tratadas adequadamente, tanto no arsenal psíquico, no resgate cultural como físico. Gostaria aqui de introduzir a reflexão sobre como a educação se caracteriza como uma proposta de possibilidade de cuidado do humano em sua inteireza, quando falo em inteiro me refiro a tudo completando a expectativas de saber cuidar a educação media a saúde e medicina como um farol a nortear os caminhos a serem percorridos. ‘A leitura do mundo antecede a leitura da palavra’ (FREIRE, 2003, p.81). 84 Neste panorama vemos profissionais incapacitados para educar e lidar com o encontro humano vivendo junto à comunidade numa relação efêmera, sem vínculo afetivo, amoroso, dominando e empobrecendo a cada dia a relação de amizade e reconhecimento do ser humano. Exilados da própria saúde, os membros da comunidade tornam-se prisioneiros da doença, cárcere dessa relação, diminuindo a perspectiva e qualidade de vida e pagando com lágrimas de sangue; assim, o homem se torna escravo da doença e, em contrapartida, a sociedade não consegue enxergar esta perspectiva de olhar o ser humano como um todo − mente e corpo – e, pela voracidade do lucro fácil que faz com que a doença se apresente como uma fonte inesgotável de giro de capital se torna necessário alimentar esta máscara. Outra situação que vem contribuindo com toda esta situação é a prática da automedicalização na busca da solução para os problemas, por meio da ilusoriamente defendida por muitos como natural e isenta de riscos, mas que sucumbe aos limites éticos. A superação e não a ruptura se dá na medida em que a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade, pelo contrário, continuando a ser curiosidade, se criticiza. Ao criticizar-se, tornando-se então, permito-me repetir curiosidade epistemiológica, metodicamente rigorizando-se na sua aproximação do objeto conota seus achados de maior exatidão (FREIRE, 2003, p. 31). A saúde não pode ser mercadoria, que se troca em balcões, nem tampouco a educação; atender as solicitações para o consumo de medicamentos na procura da solução dos problemas não é uma estratégia de promoção de saúde é mais uma forma de reduzir o sujeito a um mero consumidor que, no momento de sua dor, não mede as consequências dos recursos que utiliza para a cura do mal que o aflige, ainda que este não esteja no corpo, mas sim nas suas relações pessoais e sociais, bem como nos símbolos que elegemos para manter nossa integridade enquanto seres racionais. Dessa forma, cresce o consumo de antidepressivos, anorexígenos, medicamentos para dormir, como resposta à procura do próprio eu, na busca da cura da depressão, da ansiedade, da angústia, do sentimento de insegurança, das inter-relações sociais desequilibradas. Como proposta de educação, neste contexto, concordo com a pedagogia freireana que valoriza o conhecimento como produção cultural e afirma que só tem 85 sentido se possibilita aos seres humanos viverem com dignidade se estiverem a serviço da vida, contra qualquer tipo de opressão; conhecimento esse que acontece na dimensão do encontro humano, que supõe escolhas, preferências, opções, rupturas e conflitos. Para tal pesquisa foram realizados a formação e o trabalho em grupo junto à comunidade, como terapias, discussões, palestras, diálogos e troca de informações. Nesse sentido, o papel do ACS foi de muito valia, pois, foram os mesmos que formaram os grupos, conforme avaliação e necessidade do momento; foi o método que encontramos para a valorização da semiótica observando os ACS neste trabalho participativo de observações, interpretações das necessidades e da valorização das representações sociais, bem como, igualmente, a valorização da educação sociocomunitaria, contribuindo para a transformação das pessoas do grupo em membros bem adaptados dentro da comunidade, satisfazendo suas necessidades, reintegrando-as socialmente, valorizando a autoestima, promovendo a educação, a prevenção da saúde e a qualidade de vida. Semiose e comunicação não só se distinguem pela presença ou ausência do comunicador, mas também pela intenção de comunicar. A comunicação humana é o sistema que estabelece correlação entre os signos e significados. Os significados de um signo se baseiam num dialogo ‘é um fenômeno de cultura descrito pelo sistema de relação que a comunicação define como aceito por determinada grupo em determinada época’. (SANTAELLA, 2002, p. 151). A satisfação maior foi da pesquisadora que pode contribuir com esta incrível descoberta do potencial dos ACS e dos seres humanos na sua capacidade de superação; os encontros foram satisfazendo suas necessidades de diálogos com o grupo de terapia, através do CUCA LEGAL (em Anexo), que no seu início era realizado de 15 em 15 dias e que, após solicitação dos participantes, passaram a ser realizados semanalmente, permitindo a palavra e os acontecimentos como parte da experiência de vida de cada um transformando a vida oprimida em oportunidade criticas de transformações. Isto fazendo a comunidade interagir e tratar mentalmente seus estímulos de superação das dificuldades, proporcionando um novo significado frente à doentização, buscando um sentido na vida equivalendo que a doença só traz doença e os profissionais podendo interpretar e descobrir a verdadeira semiose. 86 Além do CUCA LEGAL foram trabalhados e implantados outros grupos (descritos no Quadro 1), conforme a necessidade da sociedade, promovendo, por meio dos grupos, ações em saúde religando os diversos saberes que contribuem para a vida humana, respeitando suas diferenças, cultura, mitos, insegurança, medos, sem desprezar o exercício profissional, entendendo as dificuldades crescentes da desigualdade social, as políticas públicas, de educação junto com a ética e a competência. Concordo com Paulo Freire (2003, p. 66) quando redimensiona as relações, pois, somente os seres humanos podem refletir sobre sua própria limitação e são capazes de se libertar desde, porém, que sua reflexão não se perca numa vaguidade descomprometida, mas se dê no exercício da ação transformadora da realidade condicionante. “O futuro não nos faz. Nós é que refazemos na luta para fazê-lo” (FREIRE, 2003, p. 56). No capítulo que segue essas discussões continuam a ser tratadas na exposição e análise dos dados coletados durante a investigação, uma vez que são abordadas as práticas cuidadoras na educação e na saúde e as situações limitantes que no nosso cotidiano dificultam − quando não impedem − a realização do que consideramos a prática do cuidar, do que propomos discutir para a melhoria da assistência à saúde, do que acreditamos na formação do ACS que passa a ser um fator importante e decisivo para a mudança do paradigma meramente clinico assistencialista e biomédico para um modelo que amplie com autonomia e responsabilidade a discussão sobre o adoecer, suas causas, condições, significados e ações culturais e públicas propostas. Propomos que a educação sociocomunitaria, através dos grupos, investigue a articulação entre a comunidade, envolvendo seu caráter emancipatório, instrumentalizando e se expressando por meio das intervenções educativas para a consecução de transformações sociais. Como já mencionado nos capítulos anteriores entendemos que a medicina é somente um dos pilares da saúde, assim, para cuidar da educação e promoção em saúde torna-se necessário ir além do conhecimento do modelo biomédico, focado nas queixas clínicas do indivíduo, orientando os diagnósticos e tratamento sem analisar o contexto em que as mesmas acontecem, assim como seus fatores 87 associados ao trabalho, ambiente, educação, determinantes da doença como vemos nos relatos de Laplatine (2004). Laplatine (2004), apontando para a cultura como responsável pelo modelo de apresentação da doença, nos permite analisar, neste tempo de descartáveis relações virtuais, quais os símbolos e significados que a vida humana precisa reconstruir para ter sentido sua existência histórica. Esse inacabado consciente de si mesmo é o que nos vai permitir perceber o não-eu. O mundo é o primeiro não-eu. Você por exemplo, é um não-eu de mim. É a presença do mundo natural como não-eu que vai atuar como um estímulo para desenvolver o eu. E nesse sentido, é a consciência do mundo que cria minha consciência. Conheço a diferente de mim e nesse ato me reconheço (FREIRE, 2008, p. 28). Valorizo aqui a educação para a libertação, em oposição à domestificação; é a que possibilita formar indivíduos autônomos, em contraposição a analfabetos políticos; por analfabetos políticos entendemos a condição apontada por Freire: Se do ponto de vista linguístico, o analfabeto é aquele ou aquela que não sabem ler e escrever, o ‘analfabeto politico’ não importa se sabe ler e escrever, ou não, é aquele e aquela que tem por percepção ingênua dos seres humanos em suas relações com o mundo, uma percepção ingênua da realidade social, para ele ou ela, é um fato dado algo que é e não que esta sendo (FREIRE, 2001, p. 105-106). Dessa forma, pensamos que os saberes necessários para a formação dos agentes comunitários de saúde devam ser reorganizados, junto aos formadores e a comunidade, a fim de reintegrar os saberes técnicos do ambiente acadêmico, aos saberes do cotidiano, abstendo-se de levar o modelo assistencialista dominante, que se baseia na escuta e satisfação das queixas clínicas do indivíduo que procura as unidades de saúde, ou durante as visitas domiciliares, desenvolvendo um modelo baseado na valorização cultural e na representação social. 88 CAPÍTULO IV − O TAO E SUA TRAVESSIA ENTRE A SAÚDE E A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITARIA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA No meio do caminho No meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho tinha, uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra. Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida, de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que, no meio do caminho, tinha uma pedra tinha uma pedra, no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra. Carlos Drummond de Andrade A vida é um caminho de sombras e luzes. O importante é que se saiba vitalizar as sombras e aproveitar as luzes. Henri Bergson 89 Neste capitulo refletimos sobre a formação de educadores em saúde, os ACS, de modo que esses se constituam em medicadores entre o conhecimento científico sobre as práticas em saúde e as comunidades, dialogando com as ciências da educação e da saúde, interligando os saberes, na educação sociocomunitaria. Estes profissionais, com suas linguagens características, partilhantes da reconstrução e ressignificação do cotidiano das pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade no contexto sócio-econômico-cultural, são de extrema importância na implantação de outros modelos possíveis de saúde pública. Propomos a sua formação como educadores e intérpretes junto às suas comunidades, a partir do caminho das interpretações, reconstruindo e questionando métodos até agora utilizados, promovendo um modo de vida saudável. Conforme Gohn (1999) não obstante o desenvolvimento diferenciado entre a relação práxis comunitária e práxis social, é preciso reconhecer que os que se ocupam da práxis comunitária impactam a presente realidade econômica, social, política e cultural com suas ações teórico-práticas. E fazem isso a partir de diferentes iniciativas, muitas das quais relacionadas à educação, que se torna uma das mais destacadas formas de atuação. O espaço educativo ocupado pela práxis comunitária não é o da educação formal, mas, preponderadamente o da denominada educação não-formal. O diálogo é o sentimento do amor tornado ação. As trocas entre o homem e a natureza são originalmente regidas pelo diálogo. (FREIRE, 2003, p. 47). A compreensão de um objeto nos conduz a um discurso, porém, sabemos que a educação é um discurso dotado de finalidade prática e, embora possamos disputar se essa prática é uma arte, se é uma ciência, se é uma práxis ou se é todas essas formas de agir e mais algo que nos escapa, o fato é que, reduções lógico-didáticas não podem preceder, nesse caso, a prática, mas sim serem construídas a partir dela. (GOMES, 2008, p. 44). Em síntese, o que propomos é a necessidade da formação dos ACS por meio de uma metodologia que contemple o conhecimento e os significados de sua cultura, valorizando seu conhecimento cientifico social para a mudança necessária na educação/saúde e promoção para a qualidade de vida. Gostaria desde já de manifestar minha recusa a certo tipo de crítica científica que insinua faltar rigor no modo como discuto os problemas e na linguagem demasiado afetiva que uso. A paixão com que 90 conheço, falo ou escrevo não diminuem o compromisso com que denuncio ou anuncio. Sou uma inteireza e não uma dicotomia. Não tenho uma parte esquemática, meticulosa, racionalista e outra desarticulada, imprecisa, querendo simplesmente bem ao mundo. Conheço meu corpo todo, sentimentos, paixão. Razão também. (FREIRE, 2003, p. 18). Por razões experimentais e instrumentais entendemos que a visão da ciência e da educação na saúde afirma que os profissionais se consideram detentores da razão e do saber, devido ao seu controle lógico e tecnológico dos processos de “cura” e de compreensão da doença, não valorizando o poder das relações sociais e da cultura popular. Encontramos um alento em Paulo Freire, o educador para além de todo o tempo, uma reflexão precursora, fundante de sua pedagogia, que para ele o conhecimento é como produção cultural: só tem sentido se possibilita aos seres humanos viverem com dignidade se estiverem a serviço da vida e sua totalidade, contra qualquer tipo de opressão, uma pedagogia de cidadania. (FREIRE, 2002). Enfatizo que para que realmente ocorra a consolidação do PSF como solicita o Ministério da Saúde, necessitamos de uma adequada educação em saúde, continuada e incansável, fortalecendo a existência dos profissionais embasados nos conhecimentos da cultura, da semiose, das representações sociais, da semiologia de saúde/doença, nas atitudes e habilidades adequadas, preparados e capacitados para assumir um perfil adequado ao tipo de trabalho proposto, garantindo uma nova visão de trabalho em saúde pública. A educação em saúde configurou-se através dos tempos como uma das principais estratégias para garantir o desenvolvimento de ações de controle e prevenção de doenças, particularmente junto aos setores marginalizados da população. Esse tipo de iniciativa surgiu no Brasil, no início do século XX, quando o país encontrava-se assolado por epidemias e graves problemas sociais, decorrentes da intensa urbanização. Nesta época, a educação em saúde assumiu uma grande valorização, através das determinações de normas de condutas sociais e de higiene, capazes de modificar hábitos e de adaptar os indivíduos às suas condições de vida garantindo um maior atendimento à saúde, uma vez que a visão desses agravos aumentavam os índices de mortalidade (LARROSA, 2002). 91 Compreendo a educação como atividade social, fundamentada no respeito e na construção coletiva do saber, segundo uma perspectiva crítica e progressista da problemática da saúde e de seus determinantes socioeconômicos, políticos e culturais. (LARROSA, 2002a, p. 76). A educação sociocomunitária é dotada de intenção de estabelecer a identidade de um grupo dentro da comunidade científica, ou seja, se refere muito mais ao aspecto cultural e político da comunidade científica, em suas disputas por verbas, reputação e poder, do que ao aspecto lógico-metodológico que muitas vezes as divisões se propõem enfatizar. (GOMES, 2008, p. 45). O que proponho é que a educação sociocomunitária seja vista neste trabalho como um processo de fazer sentido de mundo a partir de uma práxis educativa, fundada na busca pela autonomia dos sujeitos, sem se opor às demais áreas da educação, vista simetricamente sob a perspectiva do sujeito que a praticou ou dos valores desse sujeito, construindo um modo de ser e fazer educação junto à comunidade. É preciso, portanto, compreender que ao se propor o estudo da Educação sociocomunitaria, a proposta não é feita como hipótese de resolução de todos os problemas sociais e educativos, mas como problematização das possibilidades de emancipação de comunidades e pessoas em constituir articulações politicas, expressas em ações educativas, que provoquem transformações sociais intencionadas. (GOMES, 2008, p. 49). Concordo com o modelo educacional de Paulo Freire (2003), no qual a educação levanta ferramentas necessárias para o desprendimento e despertamento, para uma ação e reflexão dos homens sobre o mundo, para transformá-los. Atravessar as encruzilhadas dos saberes científicos, históricos e populares e refundar o caminho que liga o conhecimento da academia às comunidade carentes. Caminho esse, reconstruído por meio do estudo sistemático dos candentes problemas humanos, embasado na vasta literatura médica e das ciências humanas, contrapondo da visão reducionista que evoca tão somente a boa vontade, o saber incauto sem lucidez que perpetua as relações de dominação e exploração. (FREIRE, 2003, p.51). Frente à pesquisa pude perceber que a formação de educadores-intérpretes junto às suas comunidades, no dia a dia, cria um caminho reflexivo na construção de relações dialógicas, relações de questionamentos na doença-saúde, tanto para a 92 comunidade quanto para o ACS, favorecendo uma melhor qualidade de vida, colocando a doença não como finalidade das práticas e o ser doente como um mero espectador da doença, nem reduzindo a doença à situação miserável. O modelo de educação aqui proposto incentiva e trabalha em grupo e concentra ferramentas necessárias para o despertamento e reflexão sobre a saúde e a qualidade de vida, pois, evoca a boa vontade de participar e aprender voltados apenas para uma troca de conhecimento e educação, sem relações de domínio e exploração. As práticas educativas dentro dos grupos são consideradas propostas de melhoria e boa aceitação para a mudança. A educação se refaz permanentemente na práxis, no estar-sendo, no mundo, na comunidade dos sujeitos, na reconstrução de seus significados e no reconhecimento de sua importância no mundo. A conscientização dessas possibilidades, por parte dos sujeitos envolvidos na proposta aqui apresentada, é um dos pilares dessa educação e passa a ser uma atitude frente à realidade cultural de sujeitos que se encontram diariamente nos grupos, mediando suas vidas, reconhecendo e compartilhando outras informações e saberes, bem como se reconhecendo como parte integrante de uma comunidade. “Educar é substantivamente afirmar. Divinizar ou diabolizar a tecnologia ou a ciência é uma forma altamente negativa e perigosa de pensar errado”. (FREIRE, 2003, p. 33). Junto à comunidade, a educação se realiza através da linguagem e da troca dialógica: esta linguagem não apenas veicula o saber sem juízo moral de superioridade ou inferioridade, mas é a própria tessitura de saberes que reintegram o humano, homens e mulheres, em sua dimensão cósmica. Nesta perspectiva os ACS são pontes entre os saberes populares e os saberes acadêmicos, vinculando a realidade social de cada um, sem abrir mão de suas características culturais, reunindo saberes comuns. Com suas histórias vividas na mesma comunidade na qual trabalham, a sua linguagem e seus saberes peculiares são, por excelência, os mediadores desse encontro de saberes com os membros da comunidade, possibilitando a ligação e o reconhecimento de um modo de cuidar que valorize todas as características da comunidade trabalhando a educação nos seguintes pontos: 93 Valorizando a alimentação como fonte de vida. Valorizando os cuidados de higiene e saúde. Cuidando do meio ambiente, água, lixo, terra; valorizando o lugar de pertencimento e não de dominação. Valorizando o corpo, o seu reencontro com a atividade física, dança, ginastica, canto, caminhada. Religando os saberes populares e a cultura através das rodas de viola. Valorizando os saberes populares frente à cura, com uso de plantas medicinais, como mais uma forma de tratamento. Acolhendo as práticas religiosas, rezas, benzeduras, que nos religam ao sagrado, ao encontro do eu e o tu, junto ao tratamento proposto pela medicina. Conhecendo criticamente as políticas públicas de saúde e propostas para as práticas integrativas que se referem aos saberes da comunidade como sua cultura. Cuidando e proporcionando a boniteza da vida através dos grupos de pintura, artesanato, crochê, bordado, valorizando o aprendizado e aumentando a renda familiar. Proporcionando bem estar, integração da equipe e comunidade nas festas comemorativas. Valorizando a vida através do canto. Reintegrando o ser humano, sua autoestima e independência na escola de alfabetização de adultos. Promovendo uma viagem linda, conhecendo novos mundos, valorizando a imaginação através da leitura na biblioteca pública. Dialogando com os grupos terapêuticos “CUCA LEGAL E PENSANDO JUNTO”, reintegrando a pessoa na comunidade, proporcionando qualidade de vida. Promovendo grupos relacionados aos programas do Ministério da Saúde, com diferentes faixas etárias − adolescente, gestante, homem, criança, idoso − sobre os problemas atuais, dentre eles doenças, promiscuidade, prostituição, doença mental, drogatização, gravidez na adolescência, alcoolismo, planejamento familiar, DST/HIV, acidentes domésticos, entre outros. Conhecendo e decifrando as práticas educacionais e os saberes populares culturais para a promoção da qualidade de vida; valorizar a semiose. 94 Dialogando e trocando informações críticas sobre as doenças, meios de prevenção junto aos grupos do HIPERDIA, favorecendo o conhecimento a respeito de sua patologia, do diagnóstico ao tratamento, conhecendo os direitos e deveres da comunidade na participação e responsabilidade de sua doença e da promoção da saúde publica. Articulando e participando dos grupos comunitários e sociais em benefício da saúde e da qualidade de vida da população nos centros comunitários do bairro, creches, escolas. Segundo Larrosa (2002) a educação deve constituir-se em uma prática que produz e transforma a experiência que as pessoas têm de si mesmas, com a primazia da visão conservadora voltada a reforçar o controle social. Este modelo de atenção à saúde está em construção, sendo fundamental para sua concretização a participação conjunta da clientela e dos profissionais de saúde. A experiência relatada evidenciou o vínculo que deve ser formado entre as duas unidades citadas, para o reconhecimento cultural das interpretações, sendo necessário entender o processo saúde/doença e nele interferir positivamente. A educação sociocomunitária é uma divisão na Ciência da Educação que, como as demais, envolve seus interesses e riscos. Proposta sua investigação, a partir de evidências históricas de sua ocorrência prática, necessita ser investigada tanto sob a perspectiva histórica como sob a perspectiva crítica de sua prática, notadamente, como enfatizamos, em suas categorias de comunidade e intervenção educativa. (GOMES, 2008, p. 60). A experiência vivida durante a realização desta pesquisa, além de ter sido prazerosa, contribuiu para uma nova visão da pesquisadora em reconhecer o quão importante é o mundo da semiose e das interpretações, a valorização do conhecimento alheio, a importância das representações sociais e da educação sociocomunitaria. Revelo aqui a importância do compartilhamento de saberes/práticas, bem como a construção de novas formas de lidar com a saúde/doença como objeto de discussão trazido para a roda, ou atividades educativas. Os ACS foram trabalhados para focar suas ações numa prática interpretativa, respeitosa e dialógica e, com isso, pude perceber o mesmo entusiasmo e a mesma mudança ocorrida em mim. Em todo momento participaram ativamente nas decisões que competiam também a eles, sabendo ter uma 95 responsabilidade social em relação a sua profissão, a sua atuação para com a comunidade na promoção da qualidade de vida. “A educação sociocomunitaria parte para um tipo de processo educacional marcado por intervenções educativas que articulam a comunidade para transformações sociais”. (GOMES, 2008, p. 46). O ACS, por meio das práticas efetivadas nos vários grupos de sujeitos que passaram a frequentar a unidade de saúde aqui referida, aprendeu a interpretar o ser humano de forma ampla, passou a entender as possíveis causas de suas doenças, não vendo o indivíduo de forma isolada, mas conforme as condições sociocomunitarias, a precariedade das situações de moradia, emprego, cultura e política. A população, por sua vez, colaborou e vem colaborando, cobrando, denunciando possíveis falhas na administração, participando efetivamente com depoimentos de vida que trazem à tona uma realidade que é vista por todos, porém, enxergada por poucos. São situações de pobreza, de violência e de injustiça, que dificultam o viver de muitas famílias. É muito importante lembrar que, em todo ato de análise semiótica, sempre ocupamos a posição lógica do interpretante dinâmico, pois analisar também significa interpretar. Uma semiose só pode ser estudada a partir do ponto de vista do analista. Esse ponto de vista corresponde, na semiose, ao lugar do interpretante dinâmico. A diferença que vai entre uma interpretação analítica e uma intuitiva, muito embora a primeira não exclua a segunda, está na utilização que a análise faz das ferramentas conceituais que permitem examinar como e por que a sugestão, a referência e a significação são produzidas. Saber que estamos na posição do interpretante dinâmico, ou seja, de uma interpretação singular é um indicador de um certo teor de humildade que deve sempre nos acompanhar, pois interpretações singulares são sempre incompletas e falíveis. Mas, é a consciência mesma da fatalidade que deve nos munir de energia e empenho para que a análise seja tão cuidadosa e escrupulosa quanto possível, o que implica um conhecimento seguro dos conceitos e de sua operacionalização analítica. (SANTAELLA, 2002, p. 39). As atividades em grupo, que seguem relatadas, demonstraram a ampliação dos territórios de ação do ACS e do Enfermeiro, na prática de inter-relacionar saberes (saberes populares e de saúde coletiva), de exercer a profissão enquanto trabalhadores e aprendizes de trabalhadores em saúde, com o destaque para a inclusão da população no processo de construção do sistema de saúde vigente, tomando-a como sujeitos de suas próprias ações. 96 Em seu texto “Tecnologias do Eu e Educação”, Larrosa (2002a, p.80) considera os dispositivos pedagógicos como tecnologias do eu que “constroem e medeiam a experiência de si, como um conjunto de operações de relações orientadas à construção de um duplo e como um conjunto de operações de relação orientadas à captura desse eu duplicado”. Trata‐se, portanto, de uma série de mecanismos visuais-discursivos, que estabelecem critérios e finalidades aos ACS em relação ao sujeito, em como ele se vê, se expressa, narra e julga a si mesmo. Esta prática diária garante uma adequada interpretação da identidade, personalidade e/ou essência do indivíduo; o ACS, dessa maneira, garante uma educação mais atrativa, mais aceita e, com estes mecanismos, igualmente garante ensinar ao Sujeito a ser sujeito, a (re) conhecer em si mesmo os seus valores e seus cuidados com saúde/doença Os acontecimentos da atualidade, convertidos em notícias fragmentadas e aceleradamente obsoletas, não nos afetam no fundo de nós mesmos. Vemos o mundo passar diante de nossos olhos e permanecemos exteriores, alheios, impassíveis. (LARROSA, 2002b, p. 136). Segundo Larrosa (2002a), é interessante comprovarmos que à medida que as notícias nos chegam rapidamente, na mesma proporção elas se tornam, “aceleradamente obsoletas”. Para tal observação e interpretação que o ACS faz do cliente, da comunidade e das diferentes culturas agregadas e das interpretações da saúde/doença ele deve relacionar a educação aprendida, pois, requer correlacionar o conhecimento teórico/prático vivenciado no dia a dia e do mundo. Assim, Larrosa (2002b, p.136) afirma que “consumimos livros e obras de arte, mas sempre como espectadores ou para conseguir uma satisfação intranscendente e instantânea. Sabemos muitas coisas, mas, nós mesmos não mudamos com o que sabemos”. Na escuta alguém está disposto a ouvir o que não sabe, o que não quer, o que não precisa. Alguém está disposto a perder o pé e a deixar-se tombar e arrastar por aquilo que procura. Está disposto a transformar-se numa direção desconhecida. (LARROSA, 2002b, p. 138). 97 O ACS recebe orientação e é responsável por “repassá-la” para toda a comunidade cadastrada, seja no domicílio, na comunidade ou na unidade de saúde da família, relembrando que para que esta educação em saúde realmente aconteça e mude a qualidade da vida da comunidade, ela tem que ser contínua. O ACS tem que saber decifrar o indivíduo, valorizar sua cultura e realizar uma atividade educativa continuada, fazer e refazer o processo de capacitação dos indivíduos e dos grupos envolvidos a assumirem a solução dos problemas de saúde/doença. Concordo com Gomes (2008), de que se faz necessária uma consideração crítica e uma enorme cautela ao se substituir termos que designam coletivos localizados, tais como grupos ou movimentos pelo termo comunidade, pois este último é tomado por uma bondade ideológica quase tão imensa quanto os termos família, no discurso social, ou vida, no discurso ético. A comunidade, como local e prática do cotidiano é também o local onde se reiteram as tradições, onde se fixam os preconceitos, onde se praticam, de forma transparente, as exclusões menos perceptíveis, sob a égide serena dos hábitos e costumes; pode ainda ser o refúgio e o lugar da resistência a mudanças, da ruptura possível e concreta em relação à comunidade A educação sociocomunitaria é, assim, numa primeira visão, o estudo de uma tática pela qual a comunidade intencionalmente busca mudar algo na sociedade por meio de processos educativos. [...] ao buscar essa tática, a comunidade concretiza sua autonomia. Buscar mudar a sociedade significa romper com heteronomia, com ser comunidade perenemente determinada pela sociedade. (GOMES, 2008, p. 54). Particularmente no ESF, em que o paciente se mantém cadastrado e vinculado, ocorre diariamente a educação em saúde, garantindo uma relação educativa acentuada cliente/ACS/Profissionais de Saúde, na qual o cliente se torna um importante promotor de seu conhecimento, consegue discernir sobre seu estado de saúde e da relação desta com o seu modo de vida e trabalho. Na realização da educação em saúde o paciente deverá adquirir conhecimentos suficientes sobre seus problemas e suas enfermidades para que modifique suas atitudes e práticas. Este método de trabalho tem a intenção de ajudar os indivíduos a remover certos hábitos de seu comportamento e auxiliar na prática educativa em saúde, dando poder aos indivíduos sobre o controle de suas vidas. Assim, a educação em saúde também ajuda as pessoas a examinarem as 98 bases sociais de suas vidas, enquanto situações adversas à saúde em suas comunidades (CORRÊA et al, 2007). Concordo com Corrêa et al. (2007) quando ressaltam que propor mudanças de condições de vida e de valores é importante, pois produz novos comportamentos nas pessoas e essas características não podem ser consideradas fora de um contexto sócio histórico individual e coletivo, construído ao longo de anos. O trabalho de educação em grupo é formado por um conjunto de pessoas que possuem objetivos em comum e, para atingi-los, reúnem-se em um espaço de tempo e lugar determinado, para expor conhecimentos, afetivos, aflitivos, dúvidas, troca de experiências, portanto, estão sempre ali a espera de conhecimento e respostas às suas expectativas. Este tipo de educação deve ser permanente elaborada e direcionada a qualificar a equipe de saúde da família em atividades correspondentes ao nível primário de atenção à saúde. Mecanismo este que garante o desenvolvimento da equipe a partir do momento que proporciona qualificação profissional. Nesta são abordados diversos temas, como o conceito de família, o trabalho em equipe, a prática da visita domiciliária, a educação em saúde, a importância da educação permanente, a relação do profissional com a comunidade, o preparo do ACS para atuar no PSF, atuação em grupo, diversas patologias, prevenções em geral, vacinas, alimentação, entre outros. A educação sociocomunitaria oferece a possibilidade de propor uma educação “que ocorre fora da escola, ou seja, no ‘por ai’ da sociedade, sob forma institucional ou não”. (GOMES, 2008, p. 48). A partir da educação comunitária em saúde o ACS compreende e assiste o indivíduo no ambiente onde vive, possibilitando uma melhor percepção das relações interpessoais, bem como as condições socioeconômicas e culturais existentes no núcleo familiar, compreendendo o indivíduo de forma integral e articulada entre si e com os demais subsistemas sociais, para que o cuidado holístico possa se estabelecer. Não há nenhum critério apriorístico que possa infalivelmente decidir como uma dada semiose funciona, pois tudo depende do contexto de sua atualização e do aspecto pelo qual ela é observada e analisada. Enfim, não há receitas prontas para a análise semiótica. A necessidade de uma heurística por parte de quem analisa e, sobretudo, da paciência do conceito e da disponibilidade para 99 auscultar os signos e para ouvir o que eles têm para dizer. Quando analisamos semioticamente, estamos sempre na posição de interprete dinâmicos, singular e, por isso mesmo, falível. Isso só aumenta nossa responsabilidade, pois toda semiose tem uma objetividade semiótica que deve ser respeitada. (SANTAELLA, 2002, p. 43). Por meio das visitas domiciliárias e do conhecimento educacional se estabelece uma ponte para garantir formas de intervenção, pois, tais visitas permitem conhecer as condições de vida e saúde da população e, a partir deste conhecimento da realidade elabora-se a educação em saúde, como uma prática de muito valor para melhorar os hábitos de vida da população. As informações sobre o processo saúde/doença são trabalhadas com as famílias como forma de despertar a consciência para uma vida mais saudável; esta por sua vez é realizada em qualquer contato da população com o ACS. Tais ações educativas são consideradas um instrumento de transformação social, que poderá propiciar a reformulação de hábitos, a aceitação de novos valores e mudanças de comportamento. Gomes propõe que a educação sociocomunitaria seja: Um tema ou área pertinente à educação social, na medida em que seu problema ultrapassa tanto a questão do ‘lugar institucional, como da finalidade em relação ao educando’, para situar-se no modo de articulação da comunidade e no alcance do processo educacional consequente a essa articulação em relação às transformações sociais. (GOMES, 2008, p. 49). Um fator importante a ser trabalhado na educação em saúde são as condições sociais, a maneira como o indivíduo enfrenta seus problemas e como as informações são apresentadas e resgatadas pelo ACS. Dessa forma, podemos relacionar os grupos sociais e seu processo de conhecimento de saúde/doença. Outro fator que considero primordial é o relacionamento profissional entre o ACS e a comunidade, neste deve haver um elo, de conquista e confiança, de entrosamento com a comunidade em geral e em particular com cada indivíduo. Tal relacionamento acontece pela comunicação: daí a necessidade de saber abordar e ajustar este diálogo conforme as diferentes pessoas, com seus níveis culturais, classe social e opções religiosas, sendo necessário, portanto, estabelecer uma atitude ética, sem preconceitos, mistificações, prejulgamentos estabelecidos, fornecendo uma comunicação acessível e igualitária a todos os indivíduos envolvidos neste processo educacional. 100 A grande tarefa do sujeito que pensa certo não é transferir, depositar, oferecer, doar ao outro, tomando como paciente de seu pensar, a inteligibilidade das coisas, dos fatos dos conceitos. A tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser humano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quem se comunica, a quem comunica, produzir sua compreensão do que vem sendo comunicado. Não há inteligibilidade que não seja comunicação e intercomunicação e que não se funde na dialogicidade. O pensar certo por isso é dialógico e não polêmico. (FREIRE, 2002, p. 21). Outro fator a ser evidenciado junto à equipe no desenvolvimento da educação em saúde, e que ficaram evidentes durante as visitas, foram as tentativas dos clientes em “burlar” a dominação do fazer médico-curativo. Quando percebidas tais práticas o cliente, geralmente, é rotulado de rebelde, não-cooperativo, difícil de se lidar, pois a não aceitação das orientações e do tratamento proposto é percebida como “ignorância”, “falta de vontade”, “produto da miséria social”. No entanto, como aqui considerado, essas tentativas, na maioria das vezes, ocorrem porque as relações pessoais, o respeito à cultura, o compartilhamento de poder sobre o corpo, a vida, não são evidenciadas. O vínculo não está concretizado: ou porque o ACS não foi convincente a ponto de conseguir garantir uma mudança, ou até mesmo porque ele não concorda culturalmente com o que está orientando, ou nem ele adere ao tipo de informação envolvida nas orientações médicas, de qualquer forma porque as posições dos sujeitos não foram reconhecidas. Foi trabalhado junto aos ACS o porquê dessa “rebeldia”; discutiu-se sobre: como tentar decifrar a não aceitação, ainda mais quando continuada, do cuidado? Relato aqui um dos casos que mais me marcou nesse processo. Foi aquele de uma senhora de 58 anos, com uma ferida crônica na perna devido a problemas vasculares, “encostada” − conforme expressão da mesma − pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Mesmo com toda orientação e com todo cuidado da equipe médica para com essa senhora, continuadamente, na época da perícia, ela se descuidava da ferida e todo o tratamento retrocedia... Após investigação mais atenta do caso, o que só foi possível mediante uma aproximação bastante dialógica no sentido de serem estabelecidos vínculos de confiança, soube-se que a mesma tinha inúmeros problemas de ordem de vulnerabilidade social e necessitava daquele dinheiro do INSS para alimentar a família. Após entender a situação da cliente a mesma pode confessar que sempre, antes da perícia médica que manteria ou não o 101 auxílio-doença, ela passava uma “buchinha “ na ferida para aumentar as bordas, fazer sangrar, edemaciar e aparentar uma piora local. A semiose, de acordo com Peirce, é um processo ininterrupto, que regride infinitamente em direção ao objeto dinâmico e progride infinitamente em direção ao interpretante final. Quando realizamos uma análise semiótica, precisamos estabelecer alguns cortes arbritários, sob o ponto de vista externo, mas internamente necessários: como e onde colocar um limite no objeto dinâmico. O que, afinal, queremos revelar com a análise? Que objetivos ela visa atingir? É essa pergunta que deve sempre estar norteando até onde se vai na pesquisa do objeto dinâmico e onde se deve parar o processo interpretativo. O signo é múltiplo, variável e modifica de acordo com o olhar do observador que, na semiose analítica, na sua posição de interprete dinâmico, também é signo em diálogo com o signo que esta sendo interpretado. É por isso que analisar semioticamente significa empreender um diálogo de signos, no qual nós mesmos somos signos que respondem signos. (SANTAELLA, 2002, p. 43). Devemos, portanto, entender que rejeições ou resistências são ações propositais que precisam ser muito bem entendidas, a partir daí as ações sociais e educativas devem ser identificadas e ditadas por inúmeros motivos. Podem vir a acontecer por motivos como: desinteresse, medo, ansiedade, falta de convencimento, clareza, dificuldade na compreensão das informações, falta de cooperação por diversas razões, abordagem ríspida, imposição de fatos sem dar importância ao potencial da comunidade, não valorizando os moldes educativos tradicionais e culturais preestabelecidos da comunidade, impondo moldes já prontos e vinculados ao PSF... Sugiro que se parta do princípio de trabalhar o próprio conhecimento da comunidade e, aos poucos, transformar o que há de inadequado na realização da prática em saúde e na qualidade de vida, mostrando algo novo, evidente, curioso, diferente, que proporcione uma melhor qualidade de vida a todos. Destaco a importância dessas afirmações, pois as resistências e incompreensões dos tratamentos ou práticas preventivas propostas são entraves importantes para atingirse essa qualidade de vida. A busca das interpretações acompanha as ações educativas, proporcionando conhecimento da realidade, valorizando e desenvolvendo uma atitude coerente, com responsabilidade frente às mais diversas manifestações do paciente. De maneira, que possa ser desenvolvida para sanar dúvidas e auxiliar em 102 qualquer situação corriqueira do dia a dia, atendendo às suas necessidades que, muitas vezes, são singulares a determinada situação. É só na relação com o interpretante que o signo completa sua ação como signo. É apenas nesse ponto que ele age efetivamente como signo. Entretanto, quando o signo é interpretado, esse ato embute os outros dois aspectos do signo: o de seu fundamento e o da sua relação com o objeto. Ao analisarmos os signos, temos de tornar essa relação explicita. É por isso que a análise dos interpretantes deve estar alicerçada na leitura cuidadosa, tanto nos aspectos envolvidos no fundamento do signo como nos aspectos envolvidos nas relações do signo com seu objeto, tais cuidados são importantes para que não fiquemos presos nas armadilhas dos estereótipos. (SANTAELLA, 2002, p.37). Considero que o papel da educação em saúde deve existir dentro da comunidade como parte integrante do dia a dia, em todas as atitudes de promoção, prevenção, recuperação e garantia da qualidade de vida, colocando em prática todo o referencial teórico, cuidados assistenciais, atividades em saúde. Infelizmente, essas concepções se apresentam presas nos papéis, nos discursos educacionais e se perdem frente às práticas baseadas no cuidado à saúde como exercício de poder e controle. Como profissional, pesquisadora e enfermeira atuante no setor ESF, valorizo aqui o papel do ACS e a importância do mesmo em ser conscientizado e capacitado para desenvolver um trabalho de extrema importância, baseado nas interpretações, reconhecimento das semioses, valorização cultural e das representações sociais, como já dito, possibilitando a transformação de um “sujeito sujeitado” para um “sujeito autônomo”. Portanto, não basta ter uma equipe de ACS apenas reprodutora de práticas discursivas: esta equipe deve ser trabalhada para a realização de uma mudança real dentro de si mesma, com formações de ideais e conhecimentos, reforçando a inclusão da cultura daquela sociedade frente às suas interpretações de mundo, aos direitos de cidadania, integrando o conceito de saúde ao contexto econômicocultural da educação em saúde. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão critica, tem de ser tal modo concreto que quase se confunde com a prática. (FREIRE, 2002, p. 22). 103 A educação em saúde deve ser concebida como propriedade libertadora, democratizadora em todos os âmbitos da assistência à saúde da comunidade, e ser vista, portanto, como uma emancipação através do saber. E, desse modo, alcançando resultados desejados, no sentido da “mudança de hábitos” e reforçando os lugares sociais e as posições dos sujeitos de saber/poder de saúde/doença. Com o advento do Programa Saúde da Família (PSF), as atividades educativas desenvolvidas pelos ACS têm sido reconhecidas como parte do plano terapêutico, uma vez que se constituem num instrumento de intervenção da ciência no cotidiano das famílias e da sociedade. A partir dessa fundamentação foi proposto dentro da comunidade um trabalho educativo de grupos, uma forma organizada de educação para saúde, envolvendo, profissionais da saúde, ACS e os membros da comunidade sujeitos desse processo; igualmente importantes para a implantação realização e manutenção desse processo educativo. Sabemos que existem esforços e projetos de educação popular em Saúde, principalmente a partir da década de 1970, que, segundo Corrêa et al. (2007), infelizmente não se tornaram políticas públicas continuadas e eficazes. Ou seja, não atingem as comunidades carentes em suas necessidades, concentrando-se em alguns polos de atuação e, além de não contextualizar as ações de saúde nos problemas principais da comunidade, não se relacionam territorialmente ou culturalmente aos mesmos. Estes esforços e projetos, bem como os já propostos, são experiências relevantes na discussão e no papel de tentar as soluções dos problemas de saúde pública e de formação dos ACS. Contudo, não foram suficientes, ou não tiveram em seu fundamento a proposta de abordar adequadamente uma educação em saúde que deve ser voltada para um resgate da cultura e da interpretação dos sinais, aplicando práticas educacionais cuidadoras na saúde voltadas para a situação limitante e através do cotidiano, elaboradas para a prática da educação do cuidar. É justamente nesta formação da elaboração da educação em saúde e da formação dos ACS que discuto aqui a importância desta ser reavaliada pelo Ministério da Saúde, e não apenas estabelecer um conteúdo programático para todos os demais centros formadores do Brasil. O que argumento aqui é que devem ser elaborados modelos e práticas baseados nas experiências da comunidade, nas dificuldades encontradas em cada comunidade, valorizando sua cultura e modo de vida, sua territorialização e as diferenças das maneiras de vida de cada comunidade, 104 além de valorizar os princípios do SUS − integralidade, universalidade, equidade − e quebrar de uma vez com paradigmas enraizados em sistema de saúde assistencialista e curativo, ampliando a autonomia, a responsabilidade, a discussão sobre o adoecer, suas causas, condições perpetuadoras e ações de educação pública propostas para a prevenção e mudança da qualidade de vida. 4.1. Educação Sociocomunitaria, Cuidado e Saúde: o Tao Possível Começo com a seguinte reflexão pedagógica freireana: “Ninguém liberta ninguém. Ninguém se liberta sozinho. Os homens se libertam em comunhão”. (FREIRE, 2003, p. 52). Dessa forma, enfoco aqui que a educação se refaz permanentemente na práxis, no mundo, ao redor do ser humano; os sujeitos vão se construindo e reconstruindo reconhecendo seu valor no mundo, se descobrindo na vastidão do mundo que o cerca. Quando temos conscientização desse aprendizado se torna mais fácil a aceitação das diversas formas de aprendizado, por meio da semiótica, na interpretação dos sinais e representações sociais; a atitude concientizadora frente à realidade cultural medeia a educação no mundo. A vocação de saber o mundo para Paulo Freire se realiza através da linguagem, que não apenas veicula o saber, sem juízo moral de superioridade ou inferioridade, mas que é a própria tessitura de saberes que ‘re-integram’ o humano, homens e mulheres, em sua dimensão cósmica. (AZEVEDO, 2009, p.55). Pois eu digo: Para o Terceiro mundo, assim como para o Primeiro, o saber fundamental continua a ser a capacidade de desvelar a razão de ser no mundo e esse é um saber que não é superior nem inferior aos outros saberes, mas é um saber que elucida, é um saber que desoculta ao lado da formação tecnológica. (FREIRE, 2001a, p.214). Entre a sustentação pedagógica freireana destacamos os termos “boniteza, fraternura, autonomia, coletivismo, diálogo, respeito às diferenças, valorização do saber popular, democracia, ética e construção de um caminho possível para 105 alcançar o conhecimento”1. Frente a estes aspectos de postura amorosa e ética as propostas pedagógicas são primordiais de serem trabalhadas dentro da unidade ESF junto aos ACS e à comunidade. Tendo sempre em mente que a proposta freireana é a de libertar a pessoa e a sociedade como uma possibilidade histórica de cuidado nas relações de educação em saúde. Parto do ponto de que o diálogo, dos diferentes com suas diferenças, no encontro tem possibilidade de desmitificar as barreiras do conhecimento e favorecer a troca de saberes, de modo que os sujeitos envolvidos se relacionam mutuamente e deixam de estar em posição de sujeição de acordo com sua classe social, sua cultura, título acadêmico (especialmente quando esse traduz numa “licença” aos profissionais de saúde de serem os detentores do poder e do conhecimento sobre o corpo/vida do Outro) e passam a se reconhecer no olhar do outro, “ressignificando” suas práticas, trabalho este diário dentro do ESF. Tenho o direito de ter raiva, de manifestá-la, de tê-la como motivação para minha briga tal qual tenho o direito de amar, de expressar meu amor ao mundo, de tê-lo como motivação de minha briga porque, histórico, vivo a Historia como tempo de possibilidade não de determinação. Se a realidade fosse assim porque estivesse dito que assim teria de ser não haveria sequer porque ter raiva. Meu direito à raiva pressupõe que, na experiência histórica da qual participo, o amanhã não é algo pré-dado, mas um desafio, um problema. A minha raiva, minha justa ira, se funda na minha revolta em face de negação do direito de ‘ser-mais’ inscrito na natureza dos seres humanos. Não posso, por isso, cruzar os braços fatalisticamente diante da miséria, esvaziando, desta maneira, minha responsabilidade no discurso cínico e ‘morno’, que fala da impossibilidade de mudar porque a realidade é mesmo assim. (FREIRE, 2000, p. 78-79). Nesta visão vislumbramos a formação de educadores comunitários em saúde, sendo que cabe aos ACS realizarem a ponte entre o saber popular e o saber acadêmico. O saber acadêmico pode ser contextualizado na realidade social de cada localidade, sem abrir mão de sua característica universal, reunindo saberes comuns, regionais, relacionados à anatomia, fisiologia, patologia e história natural da doença. Ao mesmo tempo em que os ACS, com sua história vivida no local, sua 1 Frequentemente Paulo Freire usa termos tais como boniteza e fraternura, que também utilizamos neste trabalho, tanto como reinvenção de palavras como referência a palavras utilizadas nos diversos lugares do Brasil, pois aprendemos nossa língua ouvindo os que a falam. Ana Maria Freire explica esse processo de aprendizagem da língua e seu aproveitamento na escrita no capítulo “A sua compreensão do ato de ler/escrever e o modo como escrevia”, na obra “Paulo Freire uma história de vida”, publicada em 2006. (AZEVEDO, 2009, p.56). 106 linguagem e saberes populares peculiares, seriam os mediadores do encontro desses saberes e destes com outro membros da comunidade, possibilitando a ‘religação’ e ‘re-conhecimento’ de um modo de cuidar que valorize todas as características dos homens e mulheres. Neste contexto torna-se possível então desenvolver o cuidado na saúde. “Re-insisto em não ser possível anúncio sem denúncia e ambos sem o ensaio de uma certa posição em face do que esta ou vem sendo o ser humano”. (FREIRE, 2000, p. 119). Tomando-nos capazes de inteligir o mundo, de comunicar o inteligido, de observar, de comparar, de decidir, de romper, de escolher, de valorar, nos fizemos seres éticos. Por isso, também, capazes de transgredir a ética. [...] É por isso que uma das nossas brigas fundamentais é de preservação da ética, é a de sua defesa contra a possibilidade de sua transgressão. (FREIRE, 2003, p. 122). Cada profissional que desenvolve seu trabalho junto à comunidade, educando, deve ser capacitado para desenvolver e aplicar o seu saber com zelo, para que sua prática não se torne nefasta, não se achando superior à comunidade. Para tanto necessitamos aperfeiçoar continuadamente a formação profissional, considerando sempre que a nossa população brasileira, em sua maioria, mal tem olhos para o prato de comida vazio, não consegue saber seus direitos em nenhum campo, ficando a cargo das “esmolas” de serviços públicos oferecidos, que muitas vezes atuam desrespeitando suas opiniões, cultura, desvalorizando e desagregando suas representações sociais. Estratégia de Saúde da Família têm como meta a reorganização da atenção à saúde e propõe uma assistência diferenciada, que vê o indivíduo como um todo e prioriza as ações de promoção da saúde, contribuindo para que passe a existir entre a comunidade e os profissionais de saúde uma nova relação de confiança, de atenção e de respeito. Esta relação fortalece o vínculo e o envolvimento entre profissionais e usuários, favorecendo o ato de cuidar, e a melhoria da qualidade de vida da comunidade, especialmente daquela excluída (BRASIL, 2002, p.67). Paulo Freire re-dimensiona essa relação: Somente os seres que podem refletir sobre sua própria limitação são capazes de libertar-se desde, porém, que sua reflexão não se perca 107 numa vaguidade descomprometida, mas se dê no exercício da ação transformadora da realidade condicionante (FREIRE, 2001, p.66). São reflexões que os promotores de saúde devem concretizar na vida da comunidade, entendendo métodos de educação, reconhecendo os sinais, decifrando linguagens, valorizando as representações e desmistificando que apenas o conhecimento médico deve ser valorizado, promovendo um cuidado baseado no conhecimento médico/paciente, clínico e cultural. “O futuro não nos faz. Nós é que nos refazemos na luta para fazê-lo” (FREIRE, 2001, p. 56). 4.2. O TAO, sua Travessia na Educação Sociocomunitaria: um Relato de Experiência 4.2.1. Estrutura Física da Unidade A estrutura física da unidade onde a pesquisa foi desenvolvida não está comportando o volume de pessoas à procura de atendimento, porém, é bem distribuída, com 4 consultórios dentre eles um específico para o atendimento de ginecologia e obstetrícia, 1 sala de vacina, 1 sala de inalação, 1 sala de procedimentos (curativos, injeções, verificação de SSVV, antropometria...), 1 sala de esterilização, expurgo, farmácia, almoxarifado, consultório do dentista, banheiros para clientes feminino e masculino, banheiro para funcionários, cozinha, despensa, e um amplo salão com mesas e cadeiras, onde é possível acomodar 300 pessoas. Nesse espaço são realizadas as atividades de grupo, “escolares”, biblioteca, costura, dança e todas as demais oficinas, festas, etc... O ambiente externo é amplo e, muitas vezes, quando o salão está ocupado ou há necessidade de atividade ao ar livre, os grupos são feitos do lado de fora, embaixo das grandes árvores frondosas, em especial os grupos trabalhados com a parte psicológica. 108 4.2.2. Recursos Humanos Dentre os recursos humanos estão enfermeiras, agentes comunitários de saúde, auxiliares de enfermagem, técnicos de enfermagem, médicos, dentistas, auxiliar de dentista, recepcionistas, guarda, auxiliares de limpeza, farmacêutica, vigilância epidemiológica e estagiários de nível superior (enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, educadores físicos, fisioterapeutas, farmacêuticos, pedagogos). 4.2.3. Serviços Oferecidos Os serviços oferecidos à comunidade são: atendimento à demanda espontânea e àquela programada, sendo que a última envolve os seguintes programas: puericultura, saúde da mulher, saúde do idoso, saúde mental, saúde do adolescente, consultas clínicas, consultas de enfermagem, coleta de exames, (prevenção do câncer de colo uterino e mamas, atenção a puérperas, pré-natal, planejamento familiar), atendimento a hipertensos e diabéticos − HIPERDIA e visitas domiciliárias. É importante ressaltar, porém, que entre as consultas programadas acontecem também àquelas provenientes da demanda espontânea. Para as visitas domiciliares a unidade dispõem do carro 2 vezes na semana, nas terças há coleta de exames domiciliares nos clientes acamados e nas quintasfeiras quando os profissionais necessitam realizar atividades extramuros, como visitas domiciliárias, “exame do olhinho”, campanhas de vacinação e atividades educativas em escolas ou igrejas junto à comunidade. Os procedimentos realizados são: verificação de SSVV, antropometria, coleta de exames laboratoriais, gasometria arterial quando necessária, coleta de exame de colpocitologia oncótica, coleta de strepto B, curativos, inalações, injeções, visitas domiciliares, administração de medicamentos EV (endovenosos), passagem de SVD (sonda vesical de demora), retirada de corpo estranho, aferição de glicemia capilar (DEXTRO). 109 4.2.4. Trabalho na Unidade O trabalho na unidade é realizado da seguinte forma: consultas médicas e de enfermagem todos os dias. Nas segundas-feiras: pela manhã ocorre coleta de exames, consulta dos hipertensos e diabéticos – HIPERDIA; a tarde consultas de puericultura, pré-natal, pós-parto, tratamento de leucorreia. Nas terças-feiras: pela manhã ocorre coleta de exames domiciliares, realização de eletrocardiograma, consultas de puericultura, consultas de pré-natal pós-parto, prevenção de CA de mama e colpocitologia oncótica; a tarde consulta a adolescentes, prevenção de DST, gravidez na adolescência. Nas quartas-feiras: pela manhã ocorre coleta de exames laboratoriais, consultas dos hipertensos e diabéticos, puericultura; a tarde atendimento a adolescentes, consultas de pré-natal, pós-parto, prevenção de CA mama e de colo do útero, tratamento de leucorreia e no fim da tarde reunião com a equipe. Nas quintas-feiras: pela manhã ocorre consultas HIPERDIA e saúde mental, puericultura; a tarde visitas domiciliares, consultas de pré-natal, pós-parto, prevenção de CA mama e de colo do útero, tratamento de leucorreia, consulta a adolescentes. Nas sextas-feiras: pela manhã e tarde acontecem as consultas HIPERDIA e saúde mental, puericultura e a adolescentes. 4.2.5. Os Grupos A realização das atividades dos grupos se dá conforme mostra o Quadro 1. 110 Quadro 1 - Realização de Atividades dos Grupos Segunda-feira Terça-feira Quarta-feira Quinta-feira Sexta-feira Grupo de ginástica Centro Comunitário Grupo letras alfabetização + biblioteca Grupo de fisioterapia Grupo letras alfabetização + biblioteca Grupo crochê Grupo de adolescentes Grupo dança Grupo de Grupo nutrição (Escola unidade caminhada Estadual Ana Maria) Grupo de puericultura Grupo de Grupo Cuca Grupo de Grupo nutrição (Creche gestantes Legal gestantes Municipal Jaraguá) Projeto Olhar Grupo Bom Grupo de Brasil Pastor capacitação (exames Grupo nutrição (dependentes dos ACS de oftalmológicos químicos) 15 em 15 dias na Creche) 1 X ano Oficina do Grupo coral + cuidador 1 X roda viola ano. Grupo de pintura tecido Grupo de ginástica Igreja Sta Luzia Fonte: Elaborado pela Pesquisadora Obs: São também realizados anualmente, em datas comemorativas, festa junina, bingo solidário, feira de artesanato, visita ao rio Tietê no Barco Escola, gincana INTER-ESF (interação com todos os ACS e toda a comunidade dos Bairros), campanhas vacinais conforme o calendário do Ministério da Saúde, campanhas de Amamentação, campanhas de Doação de células-tronco, campanhas de prevenção de CA colo útero, mama, DST, HIV, campanha do bem viver idoso, campanha de Tuberculose, campanha contra fumo, campanha de prevenção de gravidez na adolescência, campanha de Hanseníase, campanha do HIPERDIA (diabete, hipertensão), campanha de Diarreia. 111 4.3. Na Busca do Caminho: o TAO da Comunidade Participante e a Educação Sociocomunitaria A quantidade de usuários na unidade à espera de atendimento é grande, dentre eles crianças, mulheres, homens, adolescentes e idosos, que se perfilam nos corredores em frente aos consultórios, esperando, com ânsia, a sua vez. Alguns chegam com problemas de saúde de longo curso clínico, como diabetes ou hipertensão, outros, porém, trazem problemas que preocupam pela sua gravidade, como casos sugestivos de tuberculose, pneumonia, febre maculosa, varicela ou mesmo hanseníase. No período em que a pesquisa foi desenvolvida, entre dezembro de 2011 e dezembro de 2012, o vínculo formado entre os usuários e esta pesquisadora saltava aos olhos: em alguns momentos a clientela vinha em busca de soluções para seus problemas de saúde, mas também para conversar, trazer notícias do mais novo membro da família ou fotos, desabafar, pedir ajuda, dar um abraço, ou somente para se sentir valorizada em algum momento do dia. Clientela de vida tão sofrida e pouco generosa, sendo muitos idosos abandonados pela família com doenças crônicas, outros idosos com problemas crônicos sérios de feridas, amputações e que necessitam de curativo diário; há uma demanda muito grande também dos pacientes diabéticos, que se deslocam cedo em jejum para aferição da PA, realização da glicemia capilar e para realização da insulina diária. Esta sociedade carece de assistência, mas os recursos para sanar as deficiências são concedidos aos poucos; pela quantidade da demanda se arrastam os encaminhamentos de especialistas, exames mais sofisticados, pequenos procedimentos e cirurgias. A riqueza de sentimentos presente em cada atendimento, no qual as vivências individuais eram valorizadas, tornavam a consulta envolvente e estabelecia-se um relacionamento adequado entre profissional de saúde e cliente, favorecendo a humanização à assistência à saúde. A ligação da comunidade junto ao ACS é nítida: ocorre uma troca baseada na mútua confiança, credibilidade reciproca. Os ACS são como um “jornal”, com informações dos bairros atendidos: a todo momento que chegam das visitas trazem consigo as histórias, os problemas, as angústias, as dificuldades, as dores, as alegrias, as ansiedades, as conquistas, as vitórias... enfim, um emaranhado de sentimentos e emoções. O envolvimento é 112 notório e, muitas vezes, pude observar em seus olhos os mesmos sentimentos já vistos antes nos olhos dos clientes, este envolvimento é espontâneo e a troca de sentimentos é partilhada e envolvente, por tanta vontade de ajudar e ao mesmo tempo ser ajudado. Depois de caminhar pelas interpretações e reconhecer as dificuldades e os conflitos que dificultam a prática no trabalho do ACS junto à comunidade, reforço que a educação sociocomunitaria, os meios de capacitação e o trabalho em grupo são as pontes para se chegar aos caminhos que devemos trilhar. Partilho esta experiência vivida junto aos ACS e à comunidade, valorizando que é possível oferecer uma melhor qualidade de vida para essa comunidade, através de pensar-se na saúde pública e na capacitação dos ACS pelos vieses da Educação Sociocomunitaria e da pedagogia freireana. Esta busca foi para nós um momento singular de re-descoberta e resignificação, sendo que a concepção de TAO, no campo dos símbolos, que nos completam os caminhos, tornou-se uma possibilidade real do encontro do saber acadêmico e científico com o saber cotidiano, entrelaçados aos educadores comunitários em saúde, resultando em inúmeras travessias e descobertas, valorizando a importância de cada um, em educar dentro do seu conhecimento cultural, reorganizando o processo de conhecimento e do cuidar, tendo como a disciplina principal o respeito pelo ser humano, a responsabilidade e a vontade de promover uma mudança significativa na qualidade de vida desta comunidade. Em sua obra “Pedagogia do Oprimido”, Paulo Freire ao tratar do tema, nos alerta para a violência e a dominação que uma ordem social injusta como a que vivemos, gera, nutrindo-se de miséria e sofrimento daqueles excluídos, que os poderosos do mundo exploram, oprimem e violentam cotidianamente, atitudes mascaradas, muitas vezes, por um marketing social. “Os opressores, falsamente generosos, têm necessidade, para que sua “generosidade” continue tendo oportunidade de realizar-se, da permanência da injustiça” (FREIRE, 2003, p. 31). Comovida com as palavras do autor em propor a mudança, que se dá a partir da libertação das condições opressoras/oprimidas, reconhecendo os limites dessa situação de opressão para a transformação de uma práxis libertadora, e na importância que a semiótica tem nesse processo, pensamos em construir um trabalho junto aos ACS, uma forma organizadora de educação para a saúde, 113 envolvendo a comunidade e seus membros na implantação desse processo educativo. O estudo constituiu-se num relato de experiência acerca de inúmeras atividades desenvolvidas em grupo numa Unidade Básica de Saúde da Família, na Região de Americana, interior de São Paulo cidade da qual está distante 126 Km, no período de Dezembro de 2011 a Fevereiro de 2013. Observou-se a participação efetiva e espontânea da clientela com relatos de vida, importantes para uma reflexão acerca dos personagens e dos momentos que tornam rica a vivência no PSF, e consolida-se como estratégia para viabilização do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo a educação em saúde entendida como um processo que engaja o ACS com a comunidade podendo-se, assim, observar a efetivação da práxis na busca da construção de um sujeito/cidadão. Ao fazer parte da equipe do PSF o ACS deve preparar-se para atuar prestando uma assistência preventiva, em detrimento da curativa e coletiva, em detrimento da individual; para isso, é preciso que se conheça como operacionalizar esses objetivos, suas atividades, colaborando com a formação de um profissional crítico, reconhecedor de sinais e interpretações e consciente de seu compromisso social. As oficinas apresentadas no Quadro 1 têm adesão espontânea e organizada; a participação da comunidade é grande, de até 60 pessoas; possui realização semanal e a participação do ACS é essencial, pois, cada qual realiza uma atividade de grupo/oficina, tendo uma escala diária, juntamente com as visitas domiciliares. Durante toda a realização dos grupos evidencia-se o grande envolvimento do ACS com a comunidade: sempre são solicitados, cumprimentados, há uma harmonia na relação, uma troca de amizade e gratidão de ambos os lados. São abordados diferentes temas e atividades educativas e esta construção de conhecimento é feita gradativamente, fortalecendo a importância da educação sociocomunitaria: os reflexos dessas mudanças são vistos a cada dia através de atitudes, depoimentos e melhoria da qualidade de vida. Para a realização deste trabalho são utilizados inúmeros recursos, favorecendo cada dia mais o envolvimento e a participação da comunidade. (ver como exemplo o anexo com o Roteiro do CUCA LEGAL). 114 Os materiais disponíveis e empregados são: retroprojetor, colchonetes, cartolinas, pincéis, tintas, tecidos, sistema de som, encartes ilustrativos do Ministério da Saúde (MS) material explicativo-ilustrativo, próteses, folders, encartes, material para crochê, agulhas, lápis, caderno, lápis de cor, giz de cera, lousa branca etc... A educação sociocomunitaria ainda não existe; o que acontece nos dias atuais é um processo de aprofundamento da crise da ‘práxis social’ e uma valorização da ‘práxis comunitária’ e da educação dela resultante, a ‘educação comunitária’ em suas mais variadas formas de manifestação. Portanto, a educação sociocomunitaria é um processo a ser construído pelos que lutam para edificar uma outra realidade sócio-histórica, a partir da própria realidade vivida e mediante a ‘práxis sociocomunitaria’. (MARTINS; ARANHA, 2005, p. 31). Dentre os processos de trabalho dos ACS e a equipe, cada profissional realiza seu trabalho em conjunto discutindo as necessidades e as divisões de trabalho. De acordo com a fala dos ACS: Na segunda-feira tem a consulta médica, na terça [...]. Na quarta, o atendimento às gestantes. O trabalho é organizado conforme o programa; observa-se prioridade e, dependendo do caso, vai para o auxiliar, enfermeiro, médico. Tem outro momento em que nós temos a participação de todo mundo junto. Nas palestras onde toda a equipe participa sobre temas específicos. O palestrante é o agente de saúde, mas todos participam. À medida que os problemas surgem, a gente tenta discutir. Às vezes depende de uma atitude individual ou de todos nós. Toda vez que temos um problema em nossa área, conversamos com todos, chegamos a um consenso. Encontramos um problema na visita, trazemos para o grupo e voltamos com a solução. Foram evidenciados nos trabalhos em grupo e nos momentos de formação dos ACS as dificuldades, as rejeições e resistências, frente às ações educativas a serem elaboradas pelos ACS e a comunidade, discutindo-se que estas podem ser ditadas por inúmeros motivos que foram anteriormente enunciados. A pesquisadora sugere que se parta do princípio de trabalhar o próprio conhecimento da comunidade e, aos poucos, transformar o que há de inadequado na realização da prática em saúde e na qualidade de vida, mostrando algo novo, evidente, curioso, diferente, que proporcione uma melhor qualidade de vida a todos. 115 A busca deste trabalho está em valorizar as ações educativas e o desenvolvimento da educação sociocomunitaria, por meio de uma atitude coerente, com responsabilidade, frente às mais diversas manifestações do paciente, que possam ser desenvolvidas para sanar dúvidas e auxiliar em qualquer situação corriqueira, em determinada situação. O trabalho empírico com a realidade, com os problemas dos indivíduos e grupos das classes subalternas é o primeiro elemento que neste momento gostaríamos de destacar como sendo proveniente da ‘práxis comunitária’ e que pode ser articulado pela ‘práxis social’ tendo em vista a superação da realidade presente. A proximidade concreta da realidade vivida pelo povo é um procedimento da ‘práxis comunitária’. (MARTINS; ARANHA, 2005, p. 28). O PSF tem se constituído como campo para elaboração e construção de novas práticas de saúde, ampliando o universo no que se refere ao pensar-fazer na atenção primária, quebrando o modelo médico até então firmado na figura do médico e na saúde curativa, que seria superior em relação à atenção primária. É preciso pensar na formação de ACS questionadores, decifradores e participativos, que saibam utilizar os conhecimentos apreendidos em prol do bemestar da população, capazes de estabelecer diálogos entre a diversidade de saberes que se encontram no cotidiano de vida das pessoas, tendo como consequência um cuidado emancipatório e contínuo, requerendo um ACS atuante, com poder de decisão e autonomia, sabendo conhecer a realidade da comunidade que assiste e desenvolver com ela ações para a promoção da saúde, estimulando a participação dos indivíduos na luta política pela saúde e compreender as relações entre as condições de vida e de trabalho, saúde/doença, do ponto de vista da ação social. Concordo com Santaella (2002) quando relata a teoria de Pierce na qual nos adverte que: O exercício da fenomenologia exige de nós tão só e apenas abrir as portas do espírito e olhar para os fenômenos. O primeiro olhar que devemos dirigir a eles é o olhar contemplativo. Contemplar significa tornar-se disponível para o que está diante de nossos sentidos, auscultar os fenômenos e dar chance de se mostrarem, deixa-los falar. Temos de aprender a desenvolver quando nos colocamos diante de processos de signos que pretendemos ler semioticamente, dar aos signos o tempo que eles precisam para se mostrarem. O segundo olhar deve ser dirigido para os fenômenos é o olhar observacional, nesse nível, é a nossa capacidade perceptiva que 116 deve entrar em ação. Estar alerta para a existência singular do fenômeno, saber discriminar os limites que o diferenciam do contexto do qual pertence, conseguir distinguir partes e todo. (SANTAELLA, 2002, p. 31). A importância da formação de ACS competentes para atuar no PSF é reafirmada quando se discute que o modelo de atenção à saúde que estão ajudando a construir necessita de profissionais que permanentemente ampliem seus conhecimentos, apropriando-se das novas teorias e práticas; estes devem estar sempre abertos para enfrentar novas experiências, identificar novos problemas críticos de sua realidade de trabalho, refletir sobre tais problemas e buscar, de forma interdisciplinar, soluções apropriadas para eles. Enfim, eles devem estar continuamente disponíveis para o processo de ensino-aprendizagem. Quando o doente busca uma orientação de sua doença dentro da ESF este deve receber, além de atenção e respeito, orientações quanto a sua doença, mudanças de hábitos de vida visando mais conforto, comodidade e controle dos sintomas; para isso precisa de uma equipe preparada e coesa, rica em informações. A busca pela educação em saúde deixa claro que ainda está em formação e que para este processo funcionar depende da participação conjunta da clientela e dos profissionais de saúde; fica evidente o vínculo que deve ser formado entre os envolvidos, garantindo humanização e troca de saberes e a prática social do processo saúde/doença, com construção de novas formas de lidar com o objeto de discussão trazido para a roda ou para a atividade educativa. Gosto de ser gente porque, inacabado sei que sou um ser condicionado, mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além. Gosto de ser gente porque, como tal, percebo afinal que a construção de minha presença no mundo, que não se faz no isolamento, isenta da influência das forças sociais, cultural e historicamente, tem muito a ver comigo mesmo. Gosto de ser gente porque, mesmo sabendo que as condições materiais, econômicas, sociais e políticas, culturais e ideológicas em que nos achamos geram quase sempre barreiras de difícil superação para o cumprimento de nossa tarefa histórica de mudar o mundo, sei também que os obstáculos não se eternizam. (FREIRE, 2002, p. 31). Os ACS participam ativamente nas decisões de educação em saúde nas políticas administrativas e assistenciais para exercê-las, porém, são necessários esforços, muito estudo, consciência da responsabilidade social de sua profissão, ver o ser humano de forma ampla, entender que as causas de suas possíveis doenças 117 não se encontram no indivíduo de forma isolada, mas, podem ser o reflexo de precárias situações de moradia, emprego, cultura e política. A população, por sua vez, colabora cobrando, denunciando possíveis falhas, muitas vezes na ouvidoria e enriquecendo o processo com depoimentos de vida. São situações de pobreza, de violência e de injustiça que dificultam o viver de muitas famílias. Todas as atividades de educação em saúde relatadas e interpretadas durante a realização dos grupos e nas visitas domiciliares demonstram a importância da ação do ACS na prática de inter-relacionar saberes (saberes populares e de saúde coletiva), de exercer a profissão enquanto trabalhadores e aprendizes de trabalhadores em saúde, com o destaque para a inclusão da população no processo de construção do sistema de saúde vigente, tomando-a como sujeitos de suas próprias ações, interpretações de saúde/doença e garantia da qualidade de vida. Para se assegurar uma adequada mudança da qualidade de vida dentro das periferias o ACS deve desenvolver um trabalho em grupo dinâmico e contínuo, para enfrentar a tarefa de transformar uma comunidade até então cheia de estigmas e descrenças enraizadas, naquilo que se faz necessário para atingir uma melhor qualidade de vida. “Quanto mais me torno capaz de me afirmar como sujeito que pode conhecer, tanto melhor desempenho minha aptidão para fazê-lo”. (FREIRE, 2002, p. 78). Concordo com a visão de educação que Paulo Freire vislumbra, não apenas política e utilitária e que não objetiva somente criar novos quadros para um novo tipo de sociedade. Busca uma educação transformadora, politicamente mais humana, capaz de criar com o poder do saber do homem libertado, um homem novo, um homem livre. O método visa à preparação de pessoas para uma tarefa coletiva de reconstrução nacional. O aprendizado deve ser compartilhado de maneira que ocorra a mudança primeiramente na pessoa do ACS, em seu sistema de crenças e de conhecimentos, e, a partir daí, compartilhando novas perspectivas de perceber e agir na realidade com a comunidade e, assim, juntos aprendendo e desenvolvendo uma dinâmica transformadora. Esta mudança deve priorizar, desde o início, a valorização da articulação entre o ACS e a comunidade, começando pela identificação dos problemas presentes nessa, valorizando também a participação do conselho de saúde (formado 118 por profissionais de saúde e comunidade) e do ACS nesse conselho, em especial, ao participar das discussões para a resolução dos problemas identificados. Cria-se, assim, para todos os participantes, o contexto de uma aprendizagem, no qual todos assumem um poder de discernimento, ganhando margem de participação e decisão nas questões que envolvem a comunidade. Isso significa envolver-se com os problemas e planos de solução, como participante ativo e reflexivo, assumindo responsabilidades. Este grupo de aprendizagem ativa, assim formado, passa por uma reflexão de interesses, discutem os problemas e informações a respeito dos novos conhecimentos, elaboram possíveis soluções juntos, originando, dessa forma, inúmeras formas participativas de conhecer o mundo ao seu redor. Criando, nesse sentido, possibilidades de mudança pela participação e pela troca de conhecimento, possibilitando a transformação da realidade da periferia e seus estigmas. Isto, através desta proposta de metodologia em grupo, por uma aprendizagem que proporciona relações afetivas e efetivas entre os sujeitos, cada qual com suas perspectivas culturais, motivações, habilidades, crenças. Um dos momentos mais marcantes em favorecer com os ACS o reconhecimento das semioses próprias e da comunidade e saber trabalhá-las e interpretá-las foi uma atividade educativa em grupo que aconteceu numa Escola de Ensino Fundamental. O objetivo era conversar com os adolescentes da 7ª Série, atualmente chamada de 8º Ano, porém, mais do que falar pretendia-se ouvi-los, trocar informações e sensibilizar aquela população a refletir sobre o uso de drogas. Após a explanação do tema foi solicitado que cada aluno falasse seu nome e dissesse se conhecia alguém que utilizava drogas. Cerca de 80% da sala respondeu afirmativamente, foram então distribuídos pincéis, cartolinas, revistas e tesouras para que eles cortassem figuras e palavras, ou mesmo para que desenhassem o que esse tema representava para eles. Após uma hora, as apresentações foram iniciadas. Cada equipe mostrou seu cartaz explicando o que representava cada palavra ou figuras selecionadas. Esse foi um momento crítico, pois algumas opiniões guardadas há tanto tempo emergiam como “bombas” dentro da sala. Os ACS ficavam “arrepiados” a cada novo cartaz apresentado. O público-alvo ansiava por conhecimento e queria ouvir, uns aos outros, saber um pouco mais sobre o assunto e entender porque se fala tanto sobre esse tema, desconhecido para alguns; todos participaram de forma 119 interessada e curiosa, fazendo questionamentos e relatando experiências de suas vidas. Qualquer coisa que esteja presente à mente tem a natureza de um signo. Signo é aquilo que dá corpo ao pensamento, as emoções, reações etc. Por isso mesmo, pensamentos, emoções e reações podem ser externalizados. (SANTAELLA, 2002, p. 10). No desenvolvimento das atividades grupais as ideias, locais de realização, assuntos e dinâmicas ficaram a cargo do Profissional enfermeiro e dos ACS, com base nas informações sobre as necessidades do momento. Aliando o conhecimento científico ao conhecimento popular foi possível sensibilizar muitas pessoas da comunidade a refletir acerca de importantes assuntos relacionados à saúde, mas não somente a essa. Pontua-se aqui o apoio de toda a equipe para que as atividades educativas acontecessem; em todos os momentos de ida e vinda os ACS estavam presentes, participando com todos os profissionais envolvidos, médicos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, farmacêuticos, fisioterapeutas, educadores físicos, favorecendo e alicerceando a ideia de interdisciplinaridade, que torna o trabalho mais efetivo e completo, uma vez que há compartilhamento de conhecimentos e de experiências. Podemos aqui ver o papel da Atenção Básica de Saúde como um conjunto de ações de saúde individual e coletiva abrangendo a promoção, proteção de saúde, prevenção, de agravos, diagnóstico, tratamento, reabilitação e manutenção da saúde, através das atividades realizadas democrática e participativamente, trabalho em equipe junto à comunidade, abrangendo os princípios da universalidade, acessibilidade, coordenação do cuidado, estabelecimento de vínculo e continuidade da integralidade da responsabilização, da humanização da equidade e da participação social (BRASIL, 2012). Entendemos, assim, que o ACS é uma pessoa trabalhada e orientada, especialmente como aqui proposto, que está capacitada para exercer o processo educativo em saúde, reconhecendo a importância do seu vinculo cultural junto à comunidade, mantendo um elo efetivo vinculado aos serviços-profissionais de saúde e melhoria da qualidade de vida. Descrevo a seguir, através da experiência vivenciada no trabalho dos grupos, algumas impressões, positivas, no trabalho dos ACS para a realização da 120 educação em saúde. Observo que esse é um trabalho que continua em andamento, um processo gradual de preparação e de sensibilização dos ACS: alguns, depois dos grupos, demostram apresentar menos receio na abordagem e comunicação com o cliente, em especial com algumas clientelas antes discriminadas, como usuários de drogas, profissionais do sexo, moradores de rua alcoolizados, maridos agressivos com casos de abuso na família e portadores de deficiência ou doença mental (surtos psicóticos/agressivos). Identifico essas dificuldades como (des) valorizações da situação cultural, interpretações de mundo e representações sociais, bem como (des) humanização. Visivelmente presencio cotidianamente o nascimento de um novo profissional, com menos receio e medo durante a realização de abordagens, tentando reconhecer a real situação, com interesse e motivação na busca por alcançar esses clientes, concretizando também a busca da educação em saúde e melhoria da qualidade de vida da população de seu bairro. “Quero, de alguma maneira, poder ajudar essas pessoas e melhorar a qualidade de vida de seus familiares que sofrem com essa situação toda”. (fala de um dos ACS). Outro fator a ser evidenciado junto à equipe no desenvolvimento da educação em saúde, e que ficou evidente durante as visitas foi a tentativa dos clientes em burlar a dominação das prescrições médicas. Essas, após serem identificadas e analisadas em suas motivações, passaram a ser trabalhadas, visando melhorar o vínculo com o cliente, garantindo outras formas de comunicação, orientação e convencimento ao tratamento, baseadas na mediação de posições, conseguindo assim garantir uma mudança de comportamento e até mesmo reforçando a capacidade de todos em lidar e compreender o outro. Consequentemente, os efeitos interpretativos que os signos provocam em um receptor também não precisam ter necessariamente a natureza de um pensamento bem-formulado e comunicável, mas podem ser uma simples reação física ou podem ainda ser um mero sentimento ou compósito vago de sentimentos. (SANTAELLA, 2002, p. 14). A perspectiva deste trabalho é mostrar a necessidade do ACS em decifrar a interpretação da saúde/doença e quebrar o modelo de cuidado biomédico, orientado pela racionalidade clínica e seus padrões de normalidade, que tem reduzido os seres humanos a corpos biológicos, descontextualizados socioculturalmente, em 121 que os sujeitos sociais são desconsiderados em suas dimensões afetivas, espirituais e gerando sua própria desvalorização dentro da comunidade. É necessário propiciar novos horizontes de cuidados, voltados para a atenção principal dos sujeitos, valorizando suas queixas, seus sinais e sintomas, vendo-os individualmente, conforme suas diferentes necessidades, fortalecendo-os tanto no individual como no coletivo. Desse modo, a teoria semiótica nos permite penetrar no próprio movimento interno das mensagens, no modo como elas são engendradas, nos procedimentos e recursos nelas utilizados. Permite-nos também captar seus vetores de referencialidade não apenas a um contexto mais imediato, como também a um contexto estendido, pois em todo o processo de signos ficam marcas deixadas pela historia, pelo nível de desenvolvimento das forças produtivas econômicas, pela técnica e pelo sujeito que a produz. Frente a este potencial, não há nada mais natural, portanto, do que buscar, nas definições e classificações abstrata de signos, os princípios-guias para um método de analise a ser aplicado a processos existentes de signos e as mensagens que eles transmitem, tais como aparecem em poemas, musicas, pinturas, fotos, filmes, matérias de jornal, dança, peças publicitárias, em qualquer meio em que essas peças possam aparecer: impresso, foto, cine, videográfico. (SANTAELLA; NÖTH, 2005, p. 5). Exemplifico aqui essas afirmações por um fato ocorrido durante a realização da pesquisa, em que o ACS pode, através da orientação recebida, valorizar a cultura dos sujeitos em suas várias dimensões, entendendo-os como seres sociais. O caso se deu quando o enfermeiro da UBS orientou uma cliente a realizar tratamento de leucorreia com uso de pomada específica, no período noturno e banhos de assento com água e vinagre. O ACS responsável pelo acompanhamento do caso, durante uma visita domiciliar, encontrou a cliente realizando o procedimento do banho de assento na mesma bacia usada para a alimentação da família: amassar o pão, colocar alimentos e saladas e até mesmo usada para armazenar a louça depois de limpa. Vendo a mesma bacia ser utilizada também para a realização do tratamento vaginal, o ACS, dentro do seu papel de orientador e promotor da educação em saúde, precisou compreender a leitura feita pela cliente das suas necessidades e concepções acerca do que significava o tratamento. A partir desta perspectiva é que o ACS reorientou a cliente quanto ao procedimento ser realizado num recipiente adequado e de maneira adequada. Ao invés de culpabilizar a cliente pelo uso da bacia comum e observe-se a importância de compreender o porquê dessa família ter 122 apenas uma única bacia para todos os usos da casa, haja vista que uma bacia de plástico não é, atualmente, um item expansivo, muito ao contrário valoriza-se a adesão ao tratamento e assegura-se que esse será acompanhado até o final. O ACS também tem um papel de orientar os outros profissionais da saúde (Enfermeiros, Médicos, e outros) quanto à orientação ser passada de maneira adequada à comunidade, fornecendo dados riquíssimos de como vivem as famílias, suas condições sociais e como interpretam as orientações. Pensando nesse exemplo concordo com Santaella quando pontua que a semiótica está alicerçada na fenomenologia. Por isso, os signos não precisam ter a natureza plena de uma linguagem (palavras, desenhos, diagramas, fotos etc.), mas podem ser uma mera ação ou reação (por exemplo, correr para pegar um ônibus ou abrir uma janela, ou o uso de uma bacia, etc.). O signo pode ainda ser uma mera emoção ou qualquer sentimento ainda mais indefinido do que uma emoção como, por exemplo, a qualidade vaga de sentir ternura, desejo, raiva etc. Qualquer coisa que esteja presente à mente tem a natureza de um signo. Signo é aquilo que dá corpo ao pensamento, às emoções e reações. Essas ligações são tão intimas que causam efeitos interpretativos, que provocam o interpretante a reconhecer a realidade da natureza com a formação de um pensamento bem formulado e comunicável. (SANTAELLA, 1998, p. 31). Durante a realização das visitas domiciliares e prestação dos cuidados foi observado um crescente envolvimento e sensibilidade daquele que cuida (ACS), e do outro que recebe o cuidado (Comunidade), numa relação de troca constante, pessoas em sintonia, numa permuta de conhecimentos, na compreensão do ser humano como um todo. Vejo esta relação constituída numa dimensão essencial e complexa de troca de experiências e cuidados vividos, tanto pela parte dos cuidadores como dos seres a serem cuidados. Toda a equipe se envolve com os hábitos sociais da comunidade, seu meio cultural, pois cada cultura tem suas maneiras próprias de definir, compreender, expressar e explicar a saúde e a doença. Na comunidade encontramos diferentes estilos de vida, portanto, cada ser deve ser tratado individualmente e este trabalho de interpretação, de compreensão, das representações sociais que vigoram nessas interações, nada mais é que um cuidado, porque o cuidado é um fenômeno culturalmente construído pelo PSF, em especial pelo ACS, que permite esta ponte. Para tal compreensão e realização deste trabalho o ACS deve ser muito bem 123 orientado e capacitado para compreender esta importante batalha para a mudança da qualidade de vida, através da busca do cuidado com as famílias, visualizando a realidade da qual fazem parte, na perspectiva de compreender os fatores que os envolvem e que afetam a saúde, como as condições socioeconômicas, culturais e biológicas. Concordo, portanto, que a proposta oferecida pelo PSF condensa cuidados por meio de uma equipe multiprofissional, que permanece ligada diretamente com as famílias e a comunidade, através do ACS, num processo de trabalho em longo prazo, que favorece a inter-relação e elevação do autopotencial entre quem cuida e quem deve ser cuidado. (SILVA, 1998, p. 49). O intérprete tem um lugar no processo interpretativo, mas este processo está aquém e vai além do intérprete. Logo, o primeiro nível do interpretante é chamado de interpretante imediato. É um interpretante interno ao signo. Assim como o signo tem um objeto imediato, que lhe é interno, também tem um interpretante interno. Trata-se do potencial interpretativo do signo, quer dizer, de sua interpretabilidade ainda no nível abstrato, antes de o signo encontrar um intérprete qualquer em que esse potencial se efetive. (SANTAELLA, 2002, p. 22). O conhecimento não se estende do que se julga sabedor até aqueles que se julga não saberem; o conhecimento se constitui nas relações homem-mundo relações de transformação, e se aperfeiçoa na problematização crítica destas relações. (FREIRE, 2001, p. 42). Para atingir a mudança da tão sonhada qualidade de vida da população a equipe deve ter uma abordagem multidisciplinar, baseada nos processos de “decifragem” dos diagnósticos levados pelos ACS, que detém a realidade dos acontecimentos, planejando, a partir daí, as ações e organização do trabalho a ser desenvolvido. Este modelo deve ser baseado na identificação dos fatos levantados, valorizando os cuidados humanísticos, mesmo diante de algumas limitações físicas, sociais ou culturais; na otimização da assistência de cuidados mediando o trabalho do ACS, cultivando cada dia mais a segurança e confiança dessa relação do binômio profissional/cliente baseada em cuidados amplos, voltados aos aspectos biofísicos, espirituais e mentais, promovendo uma assistência promotora de crescimento individual para o ser cuidado e para o cuidador, capacitando o 124 autocontrole, autocuidado, autopotencial e autoconhecimento do cuidador e do ser cuidado. O ACS evidencia a importância do Cuidado Humanizado em prestar um atendimento digno: a proposta é cuidar da comunidade conhecendo e entendendo o lugar onde se vive e as pessoas que estão ao seu redor, evidenciando também a importância da responsabilidade em ter que cuidar do outro, fazendo o possível para compreendê-lo, valorizando seu estilo de vida, singularidades e particularidades. O signo é múltiplo, variável e modifica-se de acordo com o olhar do observador que, na semiose analítica, na sua posição de interpretante dinâmico, também é signo em diálogo com o signo que está sendo interpretado. Mas é preciso lembrar que o signo tem uma autonomia relativa em relação ao seu intérprete. Seu poder evocativo, indicativo e significativo não depende inteiramente do intérprete. Este apenas atualiza alguns níveis de um poder que já está no signo. É por isso que analisar semioticamente significa empreender um diálogo de signos, no qual nós mesmos somos signos que respondem a signos. (SANTAELLA, 2002, p.31). Todo ato de pensar exige um sujeito que pensa, um objeto pensado, que mediatiza o primeiro sujeito do segundo sujeito, e a comunicação entre ambos, que se dá através dos signos linguísticos. O mundo é, desta forma um mundo de comunicação, é então indispensável ao ato comunicativo, para que este seja eficiente, o acordo entre os sujeitos, reciprocamente comunicantes, isto é a expressão verbal de um dos sujeitos tem que ser percebida dentro de um quadro significativo comum ao outro sujeito. (FREIRE, 2001, p. 46). Esta compreensão favorece o cuidado afetivo e humano, melhora o vínculo afetivo, traz uma relação empática dando oportunidade de ouvir o paciente aceitando e compreendendo seus sentimentos e seus problemas. Nesta compreensão o cuidar é a essência do ser humano, pois, impulsiona a sensibilidade, o envolvimento entre quem cuida e quem recebe os cuidados; contribui, igualmente, para que os envolvidos no cuidado tenham uma visão ampliada de mundo e habilidades de pensamento crítico para que possam promover autonomia, liberdade, melhores condições de vida e de trabalho. Não há possibilidade de uma reação comunicativa entre sujeitos interlocutores se não se estabelece a compreensão em torno da significação do signo. Ou o signo tem o mesmo significado para os sujeitos que se comunicam, ou a comunicação se torna inviável entre ambos por falta da compreensão indispensável. (FREIRE, 2001, p. 48). 125 Traz-se outra exemplificação a partir de um fato ocorrido dentro da comunidade investigada, argumentando quanto à relevância do ACS que ouve, interpreta e valoriza as queixas do cliente, compreende seus sentimentos e seus problemas, realizando o que for necessário para a boa adequação do tratamento e reabilitação. O fato evidenciado aqui ocorreu durante a pesquisa, no relato de caso de dona G.A.S, acamada de 87 anos, debilitada, desidratada com herpes zoster fase ativa, ICC (Insuficiência Cardíaca Congestiva), EAP (Edema Agudo de Pulmão), IRC (Insuficiência Renal Crônica), uso de hemodiálise 3 vezes na semana, evolução ruim do quadro patológico, estando em fase terminal. O ACS visita-a diariamente, acompanha toda a evolução do quadro e solicita a ajuda de outros profissionais, neste caso a presença médica (visita domiciliar com consulta) para melhor adesão aos cuidados complexos necessários e conforto da família; que neste momento está abalada e sensível. Porém, até o profissional comparecer às visitas o ACS não abandona o caso, continua com visitas diárias frequentes, fortalecendo a família e os Profissionais do ESF, garantindo informações importantes, valorizando a educação em saúde e a ligação da comunidade com os profissionais. Pode-se identificar aqui a representação do papel do ACS frente à comunidade, a sua importância na ligação da equipe e da comunidade e no repasse dos problemas. Afirmo aqui que o sentimento identificado por parte do ACS, no caso relatado, é de responsabilidade pelos problemas de saúde/doença do cliente, de interesse, esperança frente à melhora de saúde e recuperação e conforto por parte da família. São interpretados esses momentos difíceis e sua atuação se torna humanizada e acolhedora; são presenciados sentimentos de incapacidade pelas limitações em não poder solucionar os problemas sozinhos, mas, em contrapartida, também são observados sentimentos de ser útil, motivação, comprometimento, valorização do seu papel do trabalho em grupo, valorizado pelo seu trabalho, reconhecimento e gratidão por parte da família. Enfim, cultivando cada dia mais a segurança e confiança dessa relação profissional/cliente, garantindo um TAO diferenciado na melhoria da qualidade de vida para a comunidade, favorecendo o respeito de ter um atendimento, um tratamento, um acompanhamento e uma morte digna. 126 CONSIDERAÇÕES FINAIS No casulo em que se fecha a borboleta algo mágico tende a acontecer! A transformação é dolorosa, é difícil Mas ela sabe que quando suas asas ficarem prontas Elas a conduzirão para o alto De onde poderá vislumbrar as mais belas coisas desse mundo. Michele Bertoletti 127 Nas considerações finais desta dissertação busco um novo olhar educacional, a ser centrado dentro da comunidade; a valorização da educação e da saúde, trabalhando de mãos dadas, procurando soluções para os problemas sociais. O homem é um corpo consciente, sua consciência é intencionada ao mundo. O homem está em constante evolução e relação com o mundo. Pela tomada de consciência o homem age, trabalha e aprende junto, trocando informações vividas; por isso valorizo toda essa mudança baseada nos trabalhos em grupo. Concretizo que o Agente Comunitário de Saúde tem a capacidade de buscar um novo caminho dentro da saúde pública, por meio da valorização do seu papel de educador dentro da comunidade, fortalecendo vínculos e criando elos. Mostro aqui possibilidades educacionais e meios de aprendizado, com base nas teorias da semiótica, focando sua importância na interpretação de suas compreensões, significações, na linguagem e nos sinais, pela educação Sociocomunitaria dos trabalhos em grupo com a comunidade; o ACS é capaz de construir uma nova forma de cuidar da saúde, tendo a família e seu espaço social como núcleo básico de atenção, de forma integral, contínua, em diferentes níveis, na prevenção, promoção, cura e reabilitação, o que requer uma compreensão ampliada do processo saúdedoença. Os grupos de usuários reconhecem a Saúde da Família como uma estratégia de mudança do modelo de atenção, no que se refere a um atendimento mais acolhedor e com criação de vínculo, encontrando-se no universo consensual das representações, conseguindo garantir um atendimento mais ético e humanizado centrado no ser humano e não apenas na sua doença. Sendo assim, compreendo que o verdadeiro papel do ACS dentro do PSF é o de um conhecedor e interpretador dos problemas a serem levados para a equipe de saúde, favorecendo a proposta de melhoria da qualidade de vida da comunidade, através de seu conhecimento prévio, da compreensão dos sinais e sintomas apresentados por essa. Daí a importância da interpretação semiótica, dos conceitos da antropologia médica, do trabalho em grupo, do conhecimento das representações sociais, desmistificando regras, discutindo culturas, ideologias, religiosidades, interpretando gestos, sinais, palavras e significados, desenvolvendo um trabalho humanizador de mudança nas concepções de saúde/doença dentro do PSF. Isto deve ser feito com responsabilidade e sensibilização, procurando sempre melhor qualidade de vida 128 para o usuário, buscando compreender o contexto em que a comunidade está inserida. Foi um extremo prazer poder participar deste projeto e contribuir para este caminho de educação/saúde, valorizando a importância da educação sociocomunitaria. Reconheço e valorizo o modelo de saúde existente no Brasil, ESF e os agentes comunitários de saúde que contribuem para a promoção da qualidade de vida, de forma digna à comunidade, atuando na promoção, prevenção, recuperação e na manutenção da saúde da população, com as ações em grupo, valorizando a culturação, interpretando as semioses, se fundamentando numa educação constante baseada no próprio conhecimento e no linguajar da comunidade, garantindo vínculo afetivo e credibilidade, concretizando seu verdadeiro papel junto à comunidade, uma vez que suas raízes não são modificadas, mas sim valorizadas, pois, pertencem à cultura e valorizam a sua própria representação social promovendo, assim, uma atenção integral à saúde. 129 REFERÊNCIAS ALVES, Paulo C.; MINAYO, Maria C. de S. (org) Saúde e doença: um olhar antropológico. 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A borboleta é considerada o símbolo da alma, da mesma forma que abandona a crisálida para voar, o espírito se liberta do corpo físico, para ganhar o espaço infinito, ela representa o renascimento e a imortalidade, devido à metamorfose do seu ovo, para lagarta, desta para crisálida e desta para borboleta. Indicando as etapas por que passa nossa alma até atingir a iluminação, assim como elas, nos também estamos em algum destes estágios... Primeiro estágio: é quando a ideia nasce é o estágio do “ovo” é o ponto de iniciarmos o caminho... Segundo estágio: é quando tomamos a decisão de entrar no caminho e colocar o pé no primeiro degrau... é o estagio da “larva”... 136 Terceiro estágio: escolhido o caminho desejado é preciso realizar o projeto; este é o estágio do “casulo”... Último estágio: é a transformação; é deixar o “casulo” e “voar”; é a realização.... Todos são como borboletas, cedo ou tarde tomaremos consciência e sairemos do casulo e abriremos nossas asas. (Sociedade Magjistare, 2011). Sinto que é hora de voar e como uma borboleta estou me desprendendo do meu casulo, me preparo para voar...mudei e me transformei.....Aqui inicio meu voo. 137 APÊNDICE − MEMORIAL A vida é cheia de obstáculos, e tropeços, por isso temos que observar cada um dos passos que damos rumo à caminhada que teremos que alcançar. Cada passo tem que ser analisado, compreendido e avaliado para que durante todo o nosso trajeto venham os obstáculos e não fiquem sequelas de um caminho mau traçado e dos pés feridos durante a caminhada. Vamos então nos conscientizar de que o tropeço aparecerá e faz parte do caminho que teremos que percorrer o importante é podermos passar por ele vencedores vendo-o como uma forma de aprendemos a sobreviver e superar todos os perigos e obstáculos, que ele possa trazer. Não existe caminho sem obstáculo, ou tropeços, a cada queda buscar a dignidade e a vontade de se erguer novamente e seguir a caminhada até a reta final a vitória tão sonhada a ser alcançada. Portanto nos cabe atravessar todo obstáculo e tropeço com esperança animo vontade, alegria, compaixão, amor e guardar toda a trajetória percorrida como uma linda experiência de vida e sucesso. Fabiula Antonello MEU MEMORIAL Só sei que nada sei, e o fato de saber isso, me coloca em vantagem sobre aqueles que acham que sabem alguma coisa Sócrates É grande minha satisfação de poder estar aqui e contar-lhes um pouco dos muitos caminhos que percorri; como foi minha trajetória nesta minha carreira desde o inicio da minha infância ate a época atual. Nasci no Paraná, na cidade de Paranavaí, interior do Estado, aproximadamente a 450 km da capital Curitiba. Aos 5 anos de idade nos mudamos para uma cidade chamada Ivinhema, no Estado do Mato Grosso do Sul, e lá cresci e 138 fui pela primeira vez à escola, porem em todas as minhas férias escolares ia para o Paraná. Escola da qual até hoje tenho lembranças memoráveis e se chama Escola Estadual Reynaldo Massi; também foi lá que passei toda minha adolescência, fica perto do rio Ivinhema, que deságua no grande rio Paraná. Cresci no meio de muita gente, muita água e muita natureza. Brincava com as formigas, gostava de pegar as lagartas no pé de maracujá, brincava com boizinhos feitos de bucha e bonecas que tinham cabelo de milho, brincava sobre as árvores frondosas e em baixo da bananeira, onde fazia as casinhas com latas de óleo e as comidinhas nas panelas improvisadas; pulava amarelinha e elástico; jogava queimada com bola de meia e “betes” na rua; andava de bicicleta e brincava na areia na esquina da minha casa, de forninho junto com várias colegas e netas da minha avó, que eram menores. A minha casa era grande, mas o quintal maior ainda dividia cerca com a casa da minha avó e era fabuloso poder brincar junto às arvores, especialmente do pé de goiaba, que ficava próximo á janela da cozinha, e os passeios na horta, quando apanhava cebolinha e salsinha para o almoço a pedido de minha avó. Esperava ansiosa para ver os caramujos e esperava as visitas dos lagartos e sapos, adorava também ouvir a galinha cacarejar para pegar o ovo ainda quentinho, pois muitas vezes, ganhava gemada feita pela minha avó. Quando o ovo tinha a casca azul, era uma eterna briga, pois não queria quebrá-lo, pois na minha cabecinha de criança, achava que o pintinho ao invés de sair amarelo, poderia nascer todo azul. Mas isso nunca aconteceu e, só depois de muito tempo, fiquei sabendo que todos nasceriam amarelinhos mesmo. Vivia subindo em árvores para comer a fruta da época, tinha de tudo que meus pais, na medida do possível, podiam me proporcionar. Mas meu eterno sonho era poder ganhar uma bicicleta nova, que fui conseguir depois de muito tempo, há mais ou menos uns três anos atrás. Nas férias, de junho e dezembro voltava novamente para o Paraná, estado no qual me orgulho de ter nascido, mas, especificamente, numa cidadezinha interiorana chamada Guairaçá. Lá realizava inúmeras traquinagens de criança... ah, como era bom encontrar com minhas primas (Ana Paula e Fabiana) na casa de minha avó materna, adorávamos soltar o cachorro para “cavoucar” o quintal, que era enorme, roubava uvas na parreira de minha avó e brincava incansavelmente em baixo do sótão da casa, com minhas primas; era um momento mágico, indescritível, cheio de ideias, sonhos elaborados no mundo da imaginação de uma criança. Melhor que isso, só o banho! A casa tinha só um banheiro, e a água das torneiras passava rápido e em jatos, trancávamos os ralos e imaginávamos banheiras transbordando água pela casa toda... e isso ocorreu inúmeras vezes, quando davam conta que demorávamos muito no banho o alagamento já tinha acontecido e muitas vezes pagávamos pelo fato ocorrido e até rolava algumas chineladas, foram inúmeras travessuras. Tínhamos uma hóspede diferente, um fantasma coletivo, que dizíamos morar dentro do capô velho, que era utilizado antigamente no carro, e ficava na garagem. A velha garagem, que ficava trancada na corrente, mas todo mundo via o fantasma de vez em quando. Tínhamos a oportunidade de entrar ou de ver pelo buraco da madeira, onde se encontrava a corrente: era um momento único e de pura 139 imaginação. Ah, e ainda tinha um “passo preto” da minha avó, e meu maior sonho era poder soltá-lo; foram varias tentativas, até que um belo dia deu certo. Infelizmente, ele não foi muito longe da gaiola, tinha a asa cortada, e para minha decepção minha avó colocou-o novamente na gaiola. Não entendia como ele não queria ser livre e sair voando pelo céu. Dentre meus momentos de diversão tinha uma que eu adorava; o contato com a Fofinha, a cachorra do meu tio; aliás, meu pai nunca me deixava ter um cachorro só pra mim, então, adotei aquele do meu tio. Ela, que se arrastava com o rabo, me esperava ansiosa da chegada da escola e as tardes eram grandes e intermináveis na sua presença. Ela era minha maior cúmplice de travessuras e brincadeiras. Me recordo de muitas vezes, depois de levarmos uma boa bronca e até umas palmadas da minha avó, por nos esfregarmos no chão da área, que era de vermelhão, encerado com escovão todo dia, que minha avó teimava em deixar sempre limpo. Na minha infância nunca brinquei com meus irmãos, pois nesta época eles ainda não eram nascidos, e sentia muita vontade de poder dividir meus momentos com alguém. Minha irmã só “apareceu” quando eu tinha 10 anos de idade, minha mãe tinha problemas em não poder ter filhos, foram alguns abortos espontâneos que me marcaram, sentia muito medo de perdê-la. Eu era uma criança feliz e saudável, aos domingos meu pai nos levava para tomar banho de rio e íamos todos na carroceria do caminhão, era um Mercedes1113 azul. Às vezes, nas nascentes do rio Piraveve, outras vezes, nas nascentes do rio Vitória; depois da farra voltávamos para casa cansados e com muita fome. Comíamos o que sobrava do macarrão do almoço... aliás, domingo sem macarrão, em casa, não era domingo. Com direito ainda de assistir aos “Trapalhões”. Na maioria das vezes dormia no sofá, antes de ir pra cama e, só depois de muita insistência da minha mãe, ia escovar os dentes e cair na cama. Na maioria das vezes voltava novamente para o sofá e meu pai me carregava para a cama. Minha mãe, além de professora e dona de casa, também costurava, pois nosso dinheiro não dava para comprar roupas novas. A maioria das minhas roupas era feita por ela, especialmente as de casamento ou a roupa do domingo, de ir para missa, e quando não serviam mais em mim eram passadas para minhas primas, até virar pano de chão. Quando era criança me lembro de ter muitos problemas de afta. Realmente não sei por que, mas não importa, elas melhoravam com violeta de gentamicina, ficava com os dentes todos azuis e era uma festa de brincadeiras. Adorava também me esconder atrás da cortina do quarto da minha mãe e comer seus batons, minha mãe falava que tinha lombriga, ficava com medo delas, achava que o barulho que minha barriga fazia era quando elas estavam brincando. Meu pai trabalhava com meu avô e depois de sua morte continuou como pequeno produtor rural da região. Vivíamos numa cidadezinha pequena, voltada para a área rural. Minha mãe lecionava, mas nunca me deu aula, fui alfabetizada por ela e quando entrei na escola, aos 5 anos, já sabia ler e escrever. Na escola, aliás, 140 umas das poucas que tinha na cidade, todas as crianças estudavam juntas, aquelas com e aquelas sem dinheiro. No meu primeiro dia de aula tive muito medo, mas fiquei encantada. Minha mãe me acompanhou até dentro da sala de aula e eu quis ir embora, mas minha primeira professora, D. Lucinei Franco, me segurou no braço e disse que ia me ensinar tudo. Não sai até hoje! Ela foi uma coparticipante da minha educação e ali foi onde aprendi a ser sociável. Adorava minha cartilha “Caminho Suave”, passava horas viajando nos desenhos. Na quarta série minha professora, D. Juraci, me deu um trabalho para fazer, foi através deste trabalho realizado, que me despertou a vontade pela educação. O trabalho foi realizado com uma colega que se chamava Ragna Crivelaro, e nos empenhamos muito. Foram inúmeros temas com sucesso, me lembro de que um deles foi sobre as plantas venenosas: nosso tema foi a “saia branca”, o outro tema foi sobre os peixes. As apresentações do conteúdo eram ilustradas com fatos reais, que levávamos para dentro da sala de aula. Foi um sucesso, nossa nota foi a melhor em questão! Dos 13 para os 14 anos comecei a jogar vôlei, sempre gostava muito, a escola tinha uma quadra aberta, chão de cimento, que me causou inúmeros ralados e marcas que existem até hoje. O sol era escaldante e, mesmo assim, todos disputavam um espaço... Existia apenas uma única bola, que era disputada e cobiçada por todos... Depois de algum tempo já estava jogando no time da cidade, os jogos de vôlei me rendaram inúmeros momentos felizes. Carregava a bandeira no dia da proclamação da República, nos 7 de setembro, cantei na missa aos domingos pela manhã, fiz catequese e crisma como qualquer pré-adolescente da minha idade. Tinha que ir no sábado à tarde e depois nos divertíamos andando de bicicleta até chegar em casa. Eram voltas intermináveis... a cidade, nesta época, parecia imensa. Um dos momentos mais marcantes foi o da época da faculdade, quando me mudei para a cidade de Dourados. Uma turma composta de 50 alunos, com muitos sorrisos, aqueles que demonstravam coragem e determinação, olhar que refletiam os sonhos, a vontade de vencer e de alcançar um novo ideal. Mas, como em toda trajetória, foram surgindo as dificuldades e muitos desses sonhos compartilhados foram se ausentando e a cada despedida surgia uma tristeza, que me invadia, deixando-me por muitas vezes ansiosa, insegura e por muitas vezes desanimada. Em todos esses anos experimentei inúmeras sensações e sentimentos, que por vezes eram contraditórios: a vontade de ficar e ao mesmo tempo de ir embora, desistir, medo de ir embora e ao mesmo tempo medo de prosseguir... Assim surgiram sentimento de raiva, frustração, alegria e tristeza; tive que aprender a lidar com minhas emoções, não somente em relação à vida, como também lidar com os sentimentos de morte, o que sei ser um processo natural, mas que sempre gera sofrimentos. Porém, com paciência e perseverança, e muita fé, fui superando as perdas e passei a lutar cada vez mais pelos meus objetivos. Mergulhei a cara nos livros por muitas e muitas madrugadas, deixando de lado diversões, passeios, e até 141 mesmo a companhia de pessoas que amamos- pais, irmãos, amigos, família. Hoje agradeço a Deus o apoio que todos me deram, a dedicação e a compreensão. Morei com inúmeras pessoas nas repúblicas e quase todos os dias eram marcados por “mijovinha”, uma mistura de miojo, cebola e ovo, mais conhecida como “bafocity”. Uma vez, fui para o xilindró, durante um protesto para conseguir passe livre para os estudantes, porque abraçamos um ônibus no centro, em protesto contra os valores exorbitantes para alunos de universidade, pois o campus da faculdade ficava 30 km longe da cidade. Na época, eu participava do movimento LUTA, LUTA JOVEM, com nosso líder Prof. Marcos Renovatto. Rendemos inúmeras brigas e conquistas, cantamos o hino do Mato Grosso do Sul... Quando se é moço tudo que se tem sai do próprio esforço, para ser alguém, superando crises sempre que elas vêm... e aí vai... mas conseguimos no final... Mudei inúmeras vezes, aliás, nem sei quantas vezes... Só sei que foram muitas: de quitinetes para repúblicas e etc... Foram cinco anos incansáveis, sem paradeiro determinado, mas a convivência com outras pessoas me ensinou muito, em especial respeitar os direitos de cada um e do valor do seu próprio espaço, pois a faculdade era “puxada”: aula o dia todo e à noite estudar pra provas fazer trabalhos; e quando os estágios chegaram ficou ainda mais difícil ter que levantar de madrugada para pegar o “busão” e ir até o hospital. Às 6 horas tínhamos que estar prontas pra entrar, nos dias de frio, quanta vontade dava de permanecer na cama... Mas a obrigação e a vontade de vencer eram mais fortes... Mais um dia, mais uma batalha. Fui morar num apartamento que tinha uma população fixa, eu e Jane; também tinha uma população flutuante, todo mundo que não tinha onde ficar passava uns tempos conosco. Quando saía à noite, descalça eu descia a Av. Marcelino Pires e quando chegava na Av. Fernando Miller lavava o pé no posto BR, bem na esquina, botava a sandália de salto e zoava com a galera da faculdade; algumas vezes saíamos com o fusca azul da Jane e na maioria das vezes tínhamos que empurrar, pois a gasolina era cara e na muita das vezes era luxo sair com ele. Aos fins de semana tocávamos violão até o dia amanhecer, nas repúblicas da galera da sala, isso quando não tínhamos que levantar cedo pra fazer trabalhos e escalas do hospital. Nesta época, os professores não davam uma trégua. No segundo ano de aulas houve greve, mas nós ficamos na escola, ninguém voltou pra casa, mesmo sem entender nada e até ajudamos no “enterro” do diretor da época. Queria participar de tudo e fazia parte do DCE e nesta época tudo valia a pena... quando a alma não é pequena Desde que me lembro, mesmo criança, sempre tive a vontade de ser enfermeira, estudava muito, passei num vestibular concorrido, estudando numa biblioteca pública da cidade e valeu...valeu... muito a pena No terceiro ano, durante as aulas de clínica médica, já sabíamos com qual especialidade tínhamos mais afinidade e, como hoje, digo que tenho afinidade com tudo, pois me identifico com todas as áreas relacionadas è enfermagem. Eu ficava muito próxima do cliente; o doente precisa ser visto de perto, e muitas vezes me envolvia sentimentalmente, 142 sofria muito com a dor deles... Foram inúmeras às vezes em que chorei e sofri com a família, quando a pessoa perdia a luta com a morte, aprendi a conviver com ela, mas o sentimento de perda e vazio permanecia por dias. Os doentes crônicos em fase terminal nos ajudavam muito, pois tínhamos aulas práticas e provas durante o estágio e eles, muitas vezes, nos contavam seu diagnóstico e mostravam como examiná-los, imitávamos nossos professores e várias vezes, depois, voltava à noite, aos seus quartos, para agradecer e comemorar com eles a nota que havia conseguido. Quando fomos para a pediatria tudo mudou, os sentimentos e os cuidados, ai pude ver como tão complexa era esta área em cuidados, humanização e compreensão que tínhamos que ter frente às mães e às crianças. Algumas, que permaneciam por tempo indeterminado no hospital, aos fins de semana passeavam conosco ou realizávamos bonecos de fantoche para a distração delas e para amenizar o sofrimento. Muitas vezes, levávamos escondidas algumas balas para distribuir entre elas; eu inventava de tudo, minhas estórias ficaram famosas e corriam por todos os quartos. Era fabuloso viajar com a criançada; fazia uma história para todo mundo que me solicitava. Minha professora Margarete sabia, e muitas vezes fingia que não sabia, que eu ia aos fins de semana e levava guloseimas, acho até que ela gostava, porém, nunca tocou no assunto e eu, por minha vez, fazia de conta que ela não sabia. Uma grande figura daquele tempo foi o tio “Seu Zé da Unha”, dono de um boteco ao lado do hospital, o apelido ficou, pois, depois de fazer o lanche na chapa, ele limpava as unhas com a mesma espátula, e todo mundo ia lá comer lanche quentinho... Nem nos importávamos com isso, era o melhor lanche da praça, ficávamos depois dos plantões horas esperando sair um lanche da chapa, algumas vezes perdíamos a hora tocando violão, e jogando conversa fora com “tio da unha”; ele muitas vezes “pendurava” os lanches, acho que ele sabia da nossa pindaíba quando chegava o fim do mês, daí ele “esquecia” de cobrar, fazíamos uma grande vaquinha e pagávamos tudo. Quando a cantoria entrava pela madrugada, “Dona Maria da Unha”, a esposa, fazia escaldado ou mocotó e nos chamava para fazer uma boquinha. Quando eu ia para casa trazia, na volta, tudo que minha mãe mandava; muitas vezes foi até comida dentro do ônibus, parecia uma farofeira de primeira, e quando chegava sempre tinha uma boa alma me esperando na rodoviária. Aprendi a ser enfermeira assim, com muita alegria, lembro-me das aulas da professora Roselaine, apaixonada pela obstetrícia e ginecologia, sabia tudo da clínica e adorava ensinar, nas suas aulas viajávamos pela anatomia, fisiologia e patologia, depois ela juntava tudo, eram experiências inesquecíveis. No terceiro ano, pela primeira vez no hospital, nas discussões clínicas, eu entrei em pânico, achei que não ia dar conta de conseguir ir até o final e ser enfermeira, descobrir o diagnóstico e cuidar bem; parecia muito difícil. Foi quando a professora me disse, faça tudo como se fosse para si própria, pense que o doente hoje pode ser seu pai, sua mãe e faça o que você faria por eles... e o que você gostaria que seus colegas fizessem por você. 143 No estágio era assim, todo procedimento novo que alguém ia fazer, chamava os outros para ficar junto, toda alta era uma vitória e comemoração, mesmo em casa, fora do ambiente hospitalar, não falávamos em outra coisa: vivíamos a medicina dia após dia. Lembro-me, muitas vezes, dos momentos e acontecimentos da faculdade, dos professores inesquecíveis; ainda hoje me lembro do aperto de morar em república, do dinheiro contado para comer, pagar as contas e tirar xerox. Minha visão de vida mudou, acredito que tudo que aprendi e passei na faculdade não foi nada jogado fora, mas sim bem aproveitado. Hoje me orgulho pelas muitas vezes que reclamei de ter que estudar e fazer certos procedimentos, como dar banho, fazer medicação mesmo no 4º ano... Ainda hoje continuo a fazê-los e orientar o procedimento de como realizá-los, mas muito mais que isso, me sacrifico até hoje, é certo, mas com certeza ainda está valendo a pena, pois cresci e continuo em crescimento. A universidade foi apenas o primeiro degrau e meu alicerce, pelo qual construo meus objetivos. Cresci como pessoa, como profissional, aperfeiçoei meu espiritual, por acreditar por todo sempre que corpo e alma fazem um todo, descobri a importância de lidar com as divergências entre sentimentos e opiniões, entre razão e emoção. Por diversas vezes tive que deixar meus sentimentos de lado, a fim de assim poder tomar decisões e atitudes corretas frente às situações com as quais tenho me deparado, aos poucos estou adquirindo a segurança e tranquilidade de ser ENFERMEIRA. O último ano da faculdade foi esquisito, no último dia de aula, na aula de despedida, eu não queria sair da escola, chorava nas festas de despedida, parecia que ainda não estava preparada para cortar o cordão umbilical com os professores. Lembro-me do primeiro dia de trabalho, achava-me insegura, mesmo sabendo a teoria e o conhecimento, sabia que a experiência viria com a prática, foi complicado lidar com tantos sentimentos. Estou orgulhosa de mim por ter aprendido a lidar com meus medos e de ter aprendido a respeitar o sofrimento e os sentimentos alheios, por ter sido forte o suficiente, e ainda tenho tentado ser para conseguir superar os obstáculos que ainda vem pela frente, por inúmeras vezes ter desenvolvido a capacidade de compreender e tolerar críticas, por adquirir a competência necessária para apoiar e orientar a equipe, os pacientes e seus familiares, cuidando sempre do seu conforto físico e emocional, mostrando assim a importância de ser diferente, humanizando o cuidado, ofertando uma palavra amiga, um sorriso, ou um gesto carinhoso, que além de ser essencial ao bom atendimento, se é realizado com amor, nos dá um imenso prazer... Foi difícil estar sozinha no primeiro emprego, ter que tomar atitudes sozinha, resolver problemas... era frustrante e cansativo e eu ligava para minha grande professora Roselaine que, por muitas vezes, me ajudou e orientou por um longo período de tempo, com muita ternura. Logo no inicio de 2003 comecei a dar aulas e foi pra mim imensamente prazeroso, pois nunca me via presa numa sala de aula com alunos, foi minha grande paixão desde então, encontrei prazer em lecionar, desde então. 144 Minha caminhada profissional começou indo bem, nesta época já era coordenadora de dois PSF na cidade de Ivinhema, no Mato Grosso do Sul, e foi um grande aprendizado. No mesmo ano me aventurei em abrir a primeira UTI neonatal e pediátrica da Santa Casa de Cuiabá, outro grande sonho da minha vida, poder estar perto das crianças doentes, foram anos inesquecíveis conheci inúmeras pessoas que me marcaram e inúmeras crianças que me deram alegria, pois a recuperação era rápida e a cada alta era uma conquista. Um dia, após buscar de transporte aéreo (helicóptero) um indígena recémnascido, prematuro, dentro da aldeia na região de Sinop, me encantei pela maneira de vida deles: a antropologia me fascinava, foi aí que consegui, através de uma prova em Brasília, ser consultora indígena. Pude percorrer todo estado do Mato Grosso e também Brasília e Manaus; tive contato com 65 etnias diferentes; permanecia 20 dias em cada aldeia e aprendi muito, como pessoa e como profissional a respeitar outras culturas, que nunca antes tinha visto, bem como, aprender a aceitar e entender certas atitudes. Foi meio difícil, mas compreendi que aquele mundo não era o meu e sim o deles e eu tinha que respeitá-lo. Foram momentos inesquecíveis; 5 anos de troca de experiências e muito aprendizado. Sinto saudades até hoje... neste tempo ingressei na UFMT (Universidade Federal do Mato Grosso) onde lecionava como professora contratado na cadeira de Saúde Indígena, no curso de graduação de Enfermagem. Foi então, que no ano de 2007 vim morar no Estado de São Paulo, mais precisamente na cidade de Americana; foi difícil no inicio a adaptação, tudo era diferente da realidade vivida. Acho que foi mais sofrido do que permanecer com a realidade de vida dos índios, continuei sempre estudando, lecionando e trabalhando, trabalhei em inúmeros hospitais da região: Piracicaba, Campinas, Americana. Após ingressar na área acadêmica como professora da Graduação e Pós Graduação do curso de Enfermagem resolvi concretizar mais um de meus sonhos me tornar mestre. Foi aí que apareceu o Prof. Renato, que me acolheu com muito carinho, esclarecendo todas as dúvidas necessárias para o ingresso no Programa de Mestrado do UNISAL. Foram dias de muita angústia até esperar o resultado da aprovação e nesta época eu e o David, um colega de profissão; já estávamos desacreditados de conseguir. Até que, após a segunda apresentação do projeto, enfim iniciamos como alunos regulares do mestrado. Foi inacreditável o conhecimento adquirido, nada comparado com a graduação, pois encontrei algo mais concreto e embasado, pude, com as aulas da querida Profa. Malu e do Prof. Severino, fazer uma viagem, ficar perto da poesia, alimentar a alma de conhecimento e cuidar dos sonhos. O mundo foi visto, desde então, de maneira diferente, com mais vigor e interpretações nas pequenas coisas antes não valorizadas, as aulas foram prazerosas e realmente estava aberta a novos conhecimentos antes não vistos; cada dia de aula era uma experiência nova, diferente de tudo já experimentado; o que recebi ali procurei passar também aos meus alunos, minha perspectiva de vida mudou muito em relação ao papel do educador como formador de opiniões. 145 Neste período de Mestrado, já como aluna regular, elaborei um capítulo de livro para publicação conjunta com os docentes e alunos da UFS, relacionados à Educação Sociocomunitária e à Educação em Saúde, participei de congressos realizados na UNISAL, apresentando trabalhos na Semana Educador em Ação (Primeiros Socorros na Escola, out. 2011), no Seminário Nacional de Educação Sociocomunitária de 2011, e no I Seminário de Extensão (2012), que me deram uma visão bem diferenciada do papel da formação educacional como um todo. Realizei apresentação de Banner e, nossa, como foi difícil a primeira tentativa: angústia, desespero, ansiedade estavam juntos, porém depois da apresentação veio a recompensa, alegria do bem realizado, sensação de prazer cumprido, felicidade e satisfação tudo junto, foram momentos inesquecíveis junto aos colegas de mestrado e nossa adorável Profa. Malu. Após este trabalho de realização de artigos e trabalhos acadêmicos, hoje como professora do curso de Pós-Graduação, estou desenvolvendo um trabalho diferenciado com meus alunos, estamos elaborando artigos de conclusão do curso e procuramos assim a publicação; foi da mesma maneira que aprendi dentro do mestrado, em valorizar as publicações, a educação tem que ser comunicada para todos e não ficar apenas arquivada em cadernos e na memória; estamos com afinco valorizando o conhecimento. Durante a segunda participação em encontros acadêmicos, no I Simpósio de Extensão do UNISAL (agosto de 2012) já me senti tranquila e confiante, pois tinha passado pela primeira experiência e tudo transcorreu muito bem. Neste encontro abordei parte do trabalho realizado como tema de minha dissertação, juntamente com meu trabalho desenvolvido dentro do PSF. Atualmente sou gerente de duas unidades de ESF e uma UBS dentro de uma das maiores periferias da cidade de Americana, na qual existem inúmeros problemas sociais. Toda a nova perspectiva aprendida nas aulas foi, aos poucos, sendo colocada em prática dentro do meu trabalho, foram inúmeras modificações tanto na estrutura física como na estrutura de implantação e desenvolvimento de trabalho e atividades, pude compreender o ACS e a comunidade como foco alvo de minhas experiências para a mudança e busca da melhoria da qualidade de vida dessa população, e foram surgindo inúmeros trabalhos, grupos que, graças a Deus, estão dando tão certo, que já tivemos convites e propostas para estar implantando este trabalho em outras UBS (comunidades). E em horário noturno, pois a comunidade que trabalha o dia todo também quer participar dos grupos, eles são cooperativos e participantes, os ACS, hoje, também têm uma visão diferente no acolhimento e na perspectiva de entender o cliente; foi trabalhado e valorizado muito o seu papel, a valorização do seu conhecimento e a interpretação do que realmente a comunidade quer dizer. Sem esquecer as festas que realizamos nessa periferia: festas de aniversário, festa junina, festa fim de ano, tudo é motivo pra comemoração, regada a muitas guloseimas, (aprendi isso com a Malu, pois em toda sua aula tínhamos a pausa para o café comunitário: com direito a todas as muitas degustações e pratos diferenciados, graças aos nossos colegas de outros estados, que traziam “coisas nunca antes vistas” e que eram maravilhosas, como o bolo de fubá assado dentro da 146 palha da bananeira). Tudo isso, sem esquecer da festa de aniversário que fizemos para o Prof. Severino e para a Prof. Malu. Nossa, como nos divertimos nestes dias, saíamos para almoçar juntos e era uma bomba de problemas, cada um queria falar de suas dificuldades dentro da sala de aula. Neste clima foi muito bom, pois percebi que as angústias que tinha não eram só minhas; outros colegas compartilhavam do mesmos sentimento e das mesmas ambições em busca de uma excelente qualidade de ensino. As batalhas nesta época foram surgindo e sendo solucionadas com mais facilidade, sendo vencidas uma por uma a cada dia. Durante este caminho passei por algumas mudanças, escolhas e amadurecimento profissional. A batalha da minha vida continua, mas hoje vejo que são necessárias para o crescimento, pois ainda vão vir outras inúmeras e estou preparada para enfrentá-las, e como antes, desde a época da faculdade, ainda continuo sentindo hoje alegria, frustração, desesperança esperança, sofrimento com o lidar com a perda, em ter que saber administrar um setor, lidar com a equipe e com os clientes, deixo ainda muitas coisas pra trás, como diversão, lazer, desfrutar da família, dos amigos, pois ainda continuo estudando e por muitas vezes ainda passo as madrugadas em alerta, aprofundando o que foi aprendido nesses anos com meus mestres. Em troca ganho experiência e conhecimento, desfruto inúmeros momentos de crises e de determinação, pois a diferença é que agora eu sou o professor responsável pela educação de muitos. Concretizo aqui ainda teria muito mais o que falar, mas o que se torna mais essencial é a luta e a tentativa de sempre prosseguir, pois quanto maior for o problema e as dificuldades que enfrentamos; quanto mais dura, longa e cansativa for nossa jornada, melhor será o gosto da vitória. Aprendi que, muitas vezes, as quedas se fazem necessárias para que possamos levantar, lutar e continuar a seguir o alvo - nossos ideais, e que o grande segredo do sucesso é colocar amor em tudo que possamos fazer, e que cada etapa vencida da minha vida não seja o término, mas sim o início de uma linda e longa caminhada de conhecimentos, de sentimentos de experiência e sucesso, que Deus seja sempre meu guia e mestre, tomando sempre a direção de todos os meus passos... O PERSISTIR TEM QUE SER SEMPRE, DESISTIR NUNCA, POIS OS OBSTÁCULOS SÃO MUITOS, MAS A VONTADE É SEMPRE MAIOR. Agradeço ao meu querido Deus e Pai por todas as coisas boas que vivi, e por tudo o que tens feito para me livrar de tantos males, também sei que o bem apenas dele é que vem. O que vivi de ruim em minha vida foi por ignorância, estupidez e escolha minha, apenas minha. Mas minhas felicidades eu só devo ao Pai! Agradeço a todas as pessoas que sempre me quiseram bem, com elas aprendi a perdoar, amar e a precaver-me contra as intempéries do mundo - eu simplesmente agradeço! E dizer que: "O sol sempre nascerá para mim, mas um dia, eu não nascerei mais para ele, essa é a lei da vida. " 147 Oração da Enfermeira Logo ao amanhecer, começam a se movimentar, na luta contra a dor para a vida de o seu semelhante salvar. Chamadas a todos os cantos, a todos atende com muito amor, às vezes mal compreendidas, sem o semelhante reconhecer seu valor. Às vezes até nem é culpada, de demorar a atender, esquecemos que esteve ocupada, com outro caso grave para resolver. Com suas fardas brancas e lindas, estão atentas à toda hora, para trazer o bálsamo que cura, como um anjo mandado por Deus. Todos os doentes curados, saem alegres, por voltarem ao lar, A elas devemos tributar, grande parte da nossa gratidão, pois contribuíram como puderam, para nossa recuperação. 148 ANEXOS