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R e v i s ã o / A t u a l i z a ç ã o
T r a n s p l a n t e
R e n a l :
M e c a n i s m o s
e f e t o r e s
r e s p o s t a
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a g u d a
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a l o e n x e r t o
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d a
Therezinha Gauri Leitão, Cristiane Nezu, Ivone B.
Oliveira, Irene L. Noronha
Disciplina de Nefrologia, Laboratório de Fisiopatologia Renal Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Endereço para correspondência: Therezinha Gauri Leitão
Av. Dr. Arnaldo, 455, Sala 3342, Lab. 10
CEP 01246-903 São Paulo, SP
Tel: (011) 3068-9428 - Fax: (011) 883-1693
I n t r o d u ç ã o
O transplante renal pode ser considerado a melhor altenativa
terapêutica em casos de insuficiência renal crônica terminal, tendo
como objetivo prolongar e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.
Importantes progressos foram alcançados na prática clínica dos
transplantes de órgãos, permitindo um aumento significativo da
sobrevida do enxerto. No entanto, a rejeição ao aloenxerto continua
constituindo um grande desafio à imunologia e à clínica de
transplantes.
O
sucesso
do
transplante
de
órgãos
depende
fundamentalmente de um adequado controle da rejeição ao enxerto. Para
tanto, é de grande importância a compreensão dos mecanismos
imunológicos envolvidos no transplante de órgãos.
A l o r e c o n h e c i m e n t o
A rejeição ao aloenxerto envolve uma complexa rede de interações
celulares e humorais, na qual o linfócito T apresenta um papel
central, identificando, reconhecendo e mediando respostas celulares e
humorais à aloantígenos.
As principais moléculas responsáveis pela resposta alogênica e,
conseqüentemente, pela rejeição, são os antígenos do Complexo
Principal de Histocompatibilidade (MHC) de classe I e de classe II.
O reconhecimento de aloantígenos é feito pelo receptor de células T
(TCR, “T cell receptor”). Os receptores de células T não são capazes
de reconhecer o antígeno livre, reconhecendo-o apenas na superfície de
outras células, sejam células do doador, sejam células apresentadoras
de antígeno (APC, “antigen presenting cell”). Dependendo da natureza e
da origem da célula que apresenta o antígeno, são caracterizadas duas
vias de alo-reconhecimento: a via direta e a via indireta.
Segundo o modelo da via direta de reconhecimento, os receptores de
células T são capazes de identificar alomoléculas intactas de MHC
presentes nas células do doador. Tem sido proposto que a rejeição
celular
aguda
na
fase
inicial
pós-transplante
é
mediada
predominantemente pela via direta, embora a via indireta também tenha
participação neste tipo de rejeição.
Segundo o modelo da via indireta de reconhecimento, células da
linhagem monocítica/macrofágica, bem como células dendríticas e
endoteliais, fagocitam moléculas MHC das células do enxerto,
processando-as e reexpressando-as na superfície celular na forma de um
complexo tridimensional formado por MHC+peptídeo.
A interação de moléculas do MHC com o receptor do linfócito T gera
o primeiro sinal para o processo de ativação do linfócito T. Este
primeiro sinal determina a ativação de enzimas presentes na membrana
celular da célula T, promovendo fosforilação de fosfolípides de
membrana, dando início a .uma série de eventos citoplasmáticos que vão
desde a abertura de canais iônicos para cálcio até a ativação da
calcineurina, uma fosfatase cálcio-dependente. Esta fosfatase induz de
maneira rápida e eficiente o aumento da transcrição de genes que
codificam IL-2 e outras citocinas. Concomitantemente, há aumento da
expressão de receptores para IL-2 nas células T vizinhas ao local do
reconhecimento inicial, amplificando assim a resposta imune celular.
A interação da IL-2 com o receptor para IL-2 (IL-2R) induz
crescimento e diferenciação celular, levando à proliferação clonal e
determinando o aparecimento de grande número de células efetoras. O
resultado final de toda esta cadeia de eventos é o agravamento da
resposta inflamatória local e agressão ao aloenxerto através de
diferentes vias efetoras.
Mais recentemente, tem sido demonstrado que a interação de MHC com
receptores de células T não é suficiente para ativar completamente as
células T para a produção de citocinas e indução de proliferação de
celular. Assim, foi reconhecido um segundo sinal co-estimulatório de
ativação do linfócito T1-3 que pode ser o resultado da interação de
CD28 na superfície dos linfócitos com seus ligantes B7-1 (CD80) e B7-2
(CD86) presentes nas células apresentadoras de antígenos.
A ligação do CD-28 com seu receptor (B7-1 ou B7-2) potencializa a
transcrição de IL-2, aumentando, assim, a secreção desta citocina,
resultando em proliferação e expansão clonal das células T. 3,4 Por
outro lado, estudos recentes 1,2,5 demonstraram que a ativação
desencadeada pela ligação do CD-28/B7 pode ser bloqueada de maneira
extremamente eficiente por uma proteína de fusão, a CTLA4Ig. Esta
proteína bloqueia o ligante B7, servindo como um regulador negativo do
processo de expansão clonal. Desta forma, sua atividade pode prolongar
a
sobrevida
de
enxertos
conforme
demonstrado
em
transplante
experimental. 5
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E f e t o r e s
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d a
Apesar de ser bem estabelecido que o linfócito T tem um papel
central e essencial na rejeição de um aloenxerto, os mecanismos
efetores responsáveis pela injúria do tecido transplantado ainda não
foram completamente elucidados.
Sob este aspecto, tem importante participação as moléculas
efetoras, como citocinas e fatores de crescimento, envolvidas na
reação de hipersensibilidade do tipo tardio, granzima B, perforina e a
interação FAS/FAS-L, envolvidas na citotoxicidade e aloanticorpos,
envolvidos na resposta imune humoral.
a) Citocinas e Fatores de Crescimento
Citocinas e fatores de crescimento são proteínas produzidas por
diversas células que agem em outras células-alvo, através de
receptores
específicos.
Estão
relacionadas
com
crescimento
e
diferenciação
celular,
além
de
participarem
de
reações
de
hipersensibilidade do tipo tardio. Neste caso, células T CD4+ secretam
citocinas capazes de recrutar e ativar um grande número de células
efetoras, principalmente macrófagos e linfócitos T e B. Estudos
realizados em biópsias renais de pacientes submetidos a transplante
renal demonstraram a presença de citocinas e receptores para citocinas
no infiltrado intersticial de casos com rejeição celular aguda,
sugerindo que estas citocinas têm importância neste processo. 6
O interféron gama (IFN-) é uma importante citocina responsável
pelo aumento da expressão de moléculas MHC nas células aloenxertadas,
além de ser um potente ativador de macrófagos. Estes, uma vez
ativados, são capazes de secretar outras citocinas, como interleucina
1 (IL-1), interleucina 6 (IL-6) e fator de necrose tumoral (TNF,
“tumor necrosis factor”), responsáveis pela ativação do processo de
migração leucocitária para a região aloenxertada, seja através do
aumento da expressão de moléculas de adesão na superfície dos
linfócitos, seja através da expressão de quimiocinas.
A interleucina 2 (IL-2) é, da mesma maneira que o IFN-, uma
citocina também produzida por linfócitos T CD4+ e que interagindo com
os receptores para IL-2 (IL-2R) nos linfócitos T ativados, amplifica a
capacidade de resposta imunológica.
A ativação de linfócitos  por linhagens de linfócitos T CD4+
ativados ocorre via produção de interleucina 4 (IL-4) e interleucina
10 (IL-10).
A produção de TGF- e de PDGF é particularmente relevante em
processo inflamatório crônico. O TGF-é um fator de crescimento
importante no processo de produção de matriz extracelular, induzindo
simultaneamente o aumento da síntese de componentes da matriz e a
inibição de enzimas (proteases) que degradam a matriz. Desta forma,
uma indução de TGF-pode resultar em produção aumentada de matriz
extracelular, determinando fibrose e esclerose do tecido.
Em resumo, citocinas e fatores de crescimento são sintetizados in
situ, durante o processo de rejeição, modulando os mecanismos
inflamatórios relacionados ao aloenxerto.
b) Granzima B, perforina e a interação FAS/FAS -L
Um dos mais importantes mecanismos efetores da resposta imune é
mediado por células T CD8+ citotóxicas. Estas células promovem a
liberação de moléculas tais que, ao final do processo, levam à morte
da célula aloenxertada por apoptose.
A apoptose é uma forma de morte celular controlada geneticamente,
que se opõe aos processos relacionados à proliferação celular; é,
portanto, um mecanismo regulatório da massa tecidual e da arquitetura
de muitos tecidos. 7 A ativação da apoptose pode ocorrer por uma
variedade de agentes extracelulares, como hormônios, citocinas, além
de agentes físicos, químicos e virais. 8
A apoptose mediada por linfócitos T CD8+ pode ocorrer tanto através
da interação FAS/FAS-L, quanto da liberação de grânulos citotóxicos
como granzima B e perforina.
A proteína CD95 (também conhecida como FAS) é uma glicoproteína de
superfície celular de 48 kDa que pertence à superfamília dos
receptores de TNF (“tumor necrosis factor receptor”), sendo expressa
por uma variedade de tecidos, como timo, coração, fígado e baço. 9,10 O
seu ligante, a proteína CD95L (ou FAS-L) é uma proteína transmembrana
tipo II, pertencente à superfamília de TNF, sendo expresso em
linfócitos T ativados. 9,10
Granzima B e perforina, assim como a molécula de FAS-L, são
proteínas citoplasmáticas expressas somente em células T-citotóxicas
ativadas. 11,12 A perforina é uma proteína lítica formadora de poros,
responsável pela atividade citolítica de células T CD8+, 13,14 enquanto
que granzima B faz parte da família das serinas proteases. 15,16
O reconhecimento da célula enxertada, via sistema MHC, induz, por
um lado, a transcrição de FAS-L, promovendo sua expressão na
superfície do linfócito T e conseqüente ligação com seu receptor (a
proteína FAS) e, por outro lado, induz também a exocitose de grânulos
contendo granzima B e perforina. Estas duas substâncias levam, por
diferentes caminhos, à ativação da cascata de reações que culminam no
processo de apoptose celular. 7
A co-expressão de perforina e de granzima B parece estar associada
com episódios de rejeição aguda 17 e, embora a infiltração
linfocitária também esteja relacionada com rejeição grave, 17 tem sido
demonstrado que a infiltração linfocitária sozinha não poderia ser
utilizada como um real marcador de rejeição aguda, já que foi
constatada a sua presença em pacientes sem rejeição. 18
Assim sendo, a maior ou menor expressão de perforina e granzima B
parece correlacionar-se com a gravidade da rejeição, 18 podendo
constituir um meio simples e efetivo de monitoramento de pacientes
transplantados.
c) Aloanticorpos
A produção de imunoglobulinas em resposta a um aloenxerto depende,
fundamentalmente, da ativação de linfócitos B. Esta ativação, por sua
vez, depende de moléculas sinalizadoras, secretadas a partir de
linfócitos T CD4+ ativados, principalmente IL-4 e IL-10. Estas duas
citocinas determinam a produção clonal e a proliferação de células B.
A IL-5 é também uma importante molécula, promovendo a ativação do
ciclo celular, além de estimular a expressão de imunoglobulinas na
superfície dos linfócitos B. Uma outra molécula, produzida pela célula
T e requisitada pela célula B para uma alta taxa de produção de
imunoglobulinas, é a IL-6, também secretada por macrófagos ativados.
A ligação dos aloanticorpos às células aloenxertadas determina a
ativação do sistema de complemento, que culmina em um processo de
injúria do tecido transplantado. Podemos dizer, então, que a regulação
da atividade da célula B depende, fundamentalmente, da ativação de
linfócitos T e da secreção de citocinas e fatores de crescimento,
capazes de interferir e modular a síntese de aloanticorpos, regulando
assim a resposta imune humoral.
Em resumo, a resposta imune a um alotransplante depende de
mecanismos de aloreconhecimento e conseqüente ativação de células T.
Uma vez ativadas, estas células podem, por um lado, determinar a
secreção de certas moléculas (citocinas e fatores de crescimento)
responsáveis pelo recrutamento de outros fatores envolvidos no
processo inflamatório (macrófagos, moléculas de adesão e linfócitos
B). Por outro lado, as células ativadas podem mediar ações citotóxicas
(células CD8+) que culminam com a fragmentação do DNA da célula
aloenxertada (apoptose), através da expressão de FAS-L, interagindo
com FAS e da exocitose de grânulos citoplasmáticos, principalmente
granzima B e perforina.
R e f e r ê n c i a s
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