COMPRESSÃO DO NERVO MEDIANO NO PUNHO (SÍNDROME DO TÚNEL DO CARPO) Roberto Sergio Martins A síndrome do túnel do carpo (STC) é a neuropatia de origem compressiva mais frequente, incidindo em cerca de 1% da população geral. Os pacientes são predominantemente do sexo feminino, numa proporção de 4:1, geralmente na faixa etária entre 40 e 60 anos. Em cerca de 50% dos casos, a STC é bilateral, iniciando-se na mão dominante, na qual os sintomas geralmente são mais intensos. ANATOMIA Na região do terço distal do antebraço, o nervo mediano torna-se superficial, situando-se entre o músculo flexor radial do carpo e o tendão do músculo palmar longo. Próximo ao punho, emite um ramo cutâneo palmar, que perfura a fáscia do antebraço e cursa superficialmente ao retináculo dos flexores, até atingir a base da eminência tenar. O nervo mediano penetra na mão através do túnel do carpo, um estreito canal ósteo-aponeurótico localizado na superfície palmar do punho, entre as eminências tenar e hipotênar, e que se estende desde a prega flexora do punho, proximalmente, até a borda distal da eminência tenar. As paredes posterior e lateral do túnel do carpo são formadas pelos ossos do carpo e as paredes medial e anterior, por uma estrutura fibrosa, o retináculo dos flexores ou ligamento transverso do carpo. O conteúdo do túnel é constituído pelo nervo mediano e por nove tendões: quatro tendões do músculo flexor superficial dos dedos, quatro tendões do músculo flexor profundo dos dedos e um tendão do músculo flexor longo do polegar. Na região palmar, o nervo mediano se divide em seus ramos distais: • ramo motor, em geral único, que inerva os músculos tenares (oponente do polegar, abdutor e flexor curto do polegar); • ramos motores que seguem para o primeiro e segundo músculos lumbricais); • ramos digitais palmares sensitivos que inervam a pele do segundo, terceiro e metade lateral do quarto dedo. QUADRO CLÍNICO As manifestações iniciais são dor, queimação, formigamento e dormência na mão, geralmente de evolução insidiosa, acometendo território de inervação do nervo mediano. De forma clássica, os sintomas acentuam-se no período noturno, por vezes de forma intensa, chegando a despertar o paciente. Alguns autores consideram essa manifestação como um sinal da doença que sugere o diagnóstico. Movimentos repetitivos (por exemplo: costurar, tricotar, escrever etc.) podem exacerbar os sintomas. A progressão da doença pode resultar em redução da sensibilidade na distribuição do nervo mediano e diminuição de força. Nesses casos, o exame da sensibilidade geralmente identifica hipoestesia nos três primeiros dedos da mão e, mais raramente, hiperestesia. A disfunção motora geralmente está relacionada aos músculos oponente e abdutor curto do polegar. Quando a evolução é longa e associada à compressão severa do nervo, pode ocorrer atrofia da eminência tênar, geralmente relacionada à atrofia do músculo abdutor curto do polegar. Uma série de testes provocativos pode estar presente na STC. Desses testes, o de Phalen é considerado um dos mais sensíveis, sendo positivo em cerca de 80% dos pacientes. Esse teste, que consiste na manutenção do punho em flexão completa por 30 a 60 segundos, quando positivo, reproduz os sintomas. O sinal de Tinel, obtido a partir da percussão leve sobre a prega flexora do punho, tem valor diagnóstico questionável devido ao elevado índice de resultados falso-positivos. O sinal da compressão geralmente é positivo e é obtido através da compressão da região do punho na altura do osso pisiforme, o que piora os sintomas. ELETRONEUROMIOGRAFIA Embora as alterações na eletroneuromiografia (ENMG) sejam consideradas importantes na definição da STC, esse exame pode ser normal em cerca de 5 a 8% dos pacientes. Para alguns autores, um quadro clínico característico dispensaria esse exame e, para outros, o mesmo não seria suficiente na ausência de sintomatologia. O parâmetro mais importante, sensível e de ocorrência mais precoce na STC é a redução da velocidade de condução sensitiva através do punho. Outros achados habituais são: diminuição da velocidade de condução motora e, em quadros mais avançados, perda de unidades motoras com presença de potenciais de desnervação na musculatura tenar. A ENMG tem um papel importante no diagnóstico diferencial da STC com a radiculopatia cervical e com polineuropatias periféricas, além de ser útil na avaliação e seguimento pósoperatórios. IMAGEM Os exames de imagem são indicados apenas quando há uma apresentação atípica, com dor incaracterística, ausência de piora noturna ou suspeita de tendinite e/ou tenossinovite associadas. A ultrassonografia e a ressonância magnética podem demonstrar aumento de volume do nervo mediano na região proximal e/ou distal do canal, redução do volume do nervo no ponto de compressão máxima, aumento da intensidade de sinal do nervo, abaulamento do retináculo dos flexores, além de uma linha imaginária traçada desde as origens desse retináculo no hámulo do hamato até o osso trapézio e aumento do volume da sinóvia, que recobre os tendões flexores. Esses exames podem ainda ser importantes na identificação de lesões expansivas no interior do túnel do carpo. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL O diagnóstico diferencial deve incluir qualquer patologia que cursa com dor e alterações sensitivas nas mãos, incluindo a radiculopatia das raízes C6 e C7, a síndrome do desfiladeiro torácico, a compressão proximal do nervo mediano e a síndrome de De Quervain. Algumas condições são importantes na consideração do diagnóstico: • como na síndrome do desfiladeiro torácico a compressão predominante é em C8-T1, em geral existe comprometimento da musculatura inervada pelo nervo ulnar, além das evidências de comprometimento do nervo mediano; • o comprometimento dos músculos flexor longo do polegar, pronador quadrado e flexor profundo dos dedos sugere que a lesão do nervo mediano é proximal ao cotovelo; • na síndrome de De Quervain há uma tenossinovite dos tendões dos músculos abdutor longo e extensor curto do polegar ocasionada por movimentos repetidos, resultando em dor e hiperestesia na região do punho próxima ao polegar. No exame, muitas vezes é possível o diagnóstico por meio do teste de Finkelstein, que provoca agravamento da dor quando o polegar é abduzido passivamente. TRATAMENTO O tratamento da STC depende da duração e intensidade do quadro clínico. O tratamento clínico representa, na maioria dos casos, a primeira alternativa, principalmente em pacientes portadores de síndromes dolorosas noturnas sem comprometimento sensitivo ou motor importantes. Consiste inicialmente em evitar situações que precipitem a dor, como os movimentos de flexão e extensão, que induziriam um aumento da pressão no interior do túnel do carpo. Isso é obtido pela imobilização do punho com tala por 2 a 4 semanas, de uso predominante no período noturno. Paralelamente, deve-se tentar identificar e tratar possíveis doenças sistêmicas que propiciem o desencadeamento da STC por intermédio de sinovites ou tenossinovites. Na persistência dos sintomas, a infiltração de corticoide na região do ligamento transverso do carpo pode ser utilizada e geralmente resulta em um alívio temporário devido à redução da reação inflamatória secundária à tenossinovite flexora. O tratamento cirúrgico está indicado em pacientes que mantêm os sintomas, apesar do tratamento conservador, ou que apresentem sinais de comprometimento importante do nervo, como comprometimento da sensibilidade, fraqueza da musculatura inervada e atrofia da eminência tênar. A descompressão do nervo mediano no túnel do carpo em geral é realizada com uma incisão cutânea de aproximadamente 3 a 4 cm posicionada na superfície palmar da mão, com leve concavidade lateral, medial e paralela à prega tenar, estendendo-se até a prega flexora do punho, com orientação longitudinal e alinhada no sentido do espaço entre o terceiro e quarto dedos. Após a retração do tecido subcutâneo e da fáscia palmar, é realizada a incisão do ligamento transverso do carpo em toda sua extensão, expondo todo o trajeto do nervo mediano no túnel do carpo. O tratamento também pode ser realizado por meio do endoscópio. Em geral os resultados da descompressão cirúrgica do nervo mediano na STC são excelentes, com um índice de sucesso maior que 90% e uma morbidade pós-operatória inferior a 3%. Aparentemente, os índices de sucesso, de complicações e de falha terapêutica são semelhantes para os tratamentos cirúrgicos tradicional e endoscópico. As vantagens da técnica endoscópica decorrem do menor trauma cirúrgico, com menor reação inflamatória, o que resultaria em um retorno mais precoce às atividades habituais: uma média de 14 dias para o tratamento endoscópico e de 28 dias para a descompressão tradicional. No entanto, as complicações imediatas do procedimento endoscópico, em geral, são mais graves que as do procedimento convencional. A persistência dos sintomas após a cirurgia pode retardar o retorno às atividades habituais e geralmente está relacionada à secção incompleta do ligamento transverso do carpo ou a complicações decorrentes da cicatrização. Disestesias e dor palmar persistentes podem ser decorrentes da manipulação e secção de ramos do nervo cutâneo palmar, quando a incisão cutânea é realizada mais lateralmente.