Risco de Contaminação por Sangue e Lesão

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Risco de Contaminação por Sangue e Lesão
às Pessoas na Sala Cirúrgica
EDWARD J. QUEBBEMANN, MD., PHD.,* GORDON L. TELFORD, MD.,* SUSAN HUBBARD, R.N.,*
KAREN WADSWORTH, R.N.,* BETTY HARDMAN, R.N., CNOR* HANNAH GOODMAN, M.S.,* e MARK S.
GOTTLIEB, PH.D†
Departamento de Cirurgia* e Divisão da Bioestatística, †
Medical College of Wisconsin, Milwalkee, Wisconsin
O potencial de transmissão de doenças altamente virais à
saúde de trabalhadores da área de saúde existe quando o
sangue contaminado é inoculado através da lesão ou quando o
sangue entra em contato com pele não intacta. As pessoas da
sala cirúrgica estão expostas a um risco particularmente alto
em relação a lesões e contaminação pelo sangue, mas dados
específicos sobre quais pessoas possuem maior risco e quais
práticas alteram o risco neste ambiente são quase inexistentes.
Para definir estes riscos, enfermeiras com experiência em salas
cirúrgicas foram empregadas para exclusivamente observar e
registrar as lesões e contaminações por sangue que ocorreram
durante 234 cirurgias envolvendo 1763 pessoas. De modo
geral, 118 das cirurgias (50%) resultaram em pelo menos uma
pessoa ficando contaminada pelo sangue. Cortes e lesões por
agulhas ocorreram em 15% das cirurgias. Vários fatores foram
observados como alterando significativamente o risco de
contaminação por sangue ou lesões: especialidade cirúrgica,
função de cada pessoa, duração do procedimento, quantidade
de perda de sangue, número de agulhas utilizadas e volume de
fluido de irrigação utilizado. Os cálculos de risco que usam
valores médios para incluir todas as pessoas na sala cirúrgica
ou todas as operações realizadas subestimam substancialmente
o risco para cirurgiões e primeiros assistentes, os quais sofrem
81% de todas as contaminações corpóreas e 65% das lesões. A
área do corpo contaminada também mudou com a
especialidade cirúrgica. Estes dados podem ajudar a definir
proteção mais apropriada para indivíduos na sala cirúrgica e
deve permitir refinamentos de práticas e técnicas para reduzir
lesões.
Muitos profissionais da área de saúde agora reconhecem
que o sangue proveniente de pacientes infectados pode
transmitir doenças virais através da inoculação
percutânea ou contato sangüíneo com pele não intacta.
Embora o risco de contrair hepatite B ou C seja muito
alto e já seja reconhecido há muitos anos, é o medo de
contrair uma infecção por HIV que causou as maiores
alterações nos procedimentos e dispositivos concebidos
para reduzir este risco. Alguns trabalhos1-6 tentaram
calcular a magnitude do risco de contrair infecção por
HIV para estas pessoas que trabalham na sala cirúrgica.
Os Centros para Controle de Doenças (CDC) dos
Estados Unidos recomendaram Precauções Universais
para redução deste risco, e estas foram estendidas e
adquiriram força de lei pela Administração de Saúde e
Segurança Ocupacional (OSHA). Infelizmente, estes
grupos não possuem informações suficientes
provenientes do ambiente da sala cirúrgica para definir
adequadamente a freqüência e distribuição da exposição
ao sangue, ou a freqüência e causas de perfurações por
agulha e outras lesões. Cirurgiões e supervisores de
salas cirúrgicas também necessitam destas informações
a fim de serem capazes de escolher as roupas de
proteção adequadas para evitar contaminação por
sangue e para planejar procedimentos para evitar lesões.
O objetivo deste estudo foi identificar quantitativamente
a freqüência de contaminação por sangue e lesão
percutânea, as causas da lesão e fatores que podem
aumentar ou reduzir o risco dos indivíduos durante
procedimentos cirúrgicos.
Materiais e Métodos
Este estudo foi realizado em dois hospitais que servem
como centros de referência terciários e são os dois
principais hospitais escola do The Medical College of
Wisconsin. A maioria das cirurgias foi realizada com
participação de residentes cirúrgicos e estudantes.
Três enfermeiras com experiência em sala cirúrgica
foram empregadas exclusivamente para a realização
deste estudo. Estas não tinham nenhuma outra
responsabilidade relacionada ao cuidado do paciente ou
administrativa. As enfermeiras observaram todas as
pessoas que participaram em procedimentos e
documentaram a distribuição da exposição ao sangue no
corpo e aventais. Procuraram pelas lesões ocorridas
(geralmente acompanhadas pela exclamação de dor ou
desconforto da vítima) e documentaram as possíveis
causas destas lesões.
A enfermeira do estudo chegava na sala de cirurgia 30
minutos antes da operação para registrar as pessoas e
iniciar a coleta de dados sobre o procedimento
cirúrgico. Durante a cirurgia, elas registraram
ocorrências adversas tais como perfurações por agulhas,
espirros de sangue, e luvas rasgadas. No final do
procedimento ou quando os indivíduos trocaram de
avental ou de luvas, os participantes foram
cuidadosamente inspecionados. Qualquer contaminação
na parte externa do avental foi observada e registrada. A
enfermeira então auxiliou cada pessoa na remoção de
seu próprio avental e luvas e no processo, virou do
avesso o avental e inspecionou o lado interno quanto a
sinais de penetração de sangue. A roupa da assepsia,
sapato e tornozeleira e todas as áreas expostas da pele
foram inspecionadas quanto à contaminação por sangue.
A presença da enfermeira no estudo foi bem aceita pelos
cirurgiões e outras pessoas da sala cirúrgica que
estavam sendo observados, pois o tópico era de
interesse e preocupação de todos os que trabalham nas
nossas salas cirúrgicas. Questões sobre como uma lesão
ou contaminação por sangue tinha ocorrido foram
prontamente respondidas.
As enfermeiras escolheram as cirurgias a serem
observadas de forma a incluir uma ampla variedade de
operações e especialidades. Foram escolhidos
procedimentos variando de procedimentos curtos, com
pouca perda de sangue sob anestesia local, até
operações longas e complexas com alta perda de
sangue. Procedimentos tais como inserção de cateter
venoso central, endoscopias e trocas simples de
curativos não foram incluídos. O período de observação
terminava quando o paciente deixava a sala cirúrgica e
os instrumentos eram removidos.
Definições
Papel. A todas as pessoas foi designado um papel
baseado na sua posição na mesa cirúrgica e na sua
função. Em quase todos os casos, um cirurgião da
equipe e um residente participaram na operação e o
papel “cirurgião” foi designado à pessoa realizando a
maior parte do procedimento. O outro foi designado
como “primeiro assistente”. Outros papéis foram
definidos mais facilmente e foram intuitivamente óbvios
para uma enfermeira com experiência em sala cirúrgica.
“Outros Assistentes” foram geralmente residentes
cirúrgicos com nível júnior ou estudantes de medicina
que seguraram retratores. “Instrumentador” foi
geralmente um técnico treinado em assistir e controlar o
instrumental estéril. A “circulante” foi uma enfermeira
que preparou o paciente e organizou suprimentos
durante a operação, não usou um avental e quase sempre
usou luvas.
Contaminação Corpórea: Esta foi definida como a
presença de sangue visível (e não outros fluidos) sobre a
pele ou roupa não removido no final da operação. Gotas
muito pequenas podem ter sido perdidas, pois somente o
sangue prontamente óbvio foi registrado.
Áreas do Avental. Estas são geralmente óbvias, exceto
pelo “tórax superior”, definida como a área acima de
uma linha traçada na axila e o “joelho” que significava a
área do avental do joelho até a parte inferior do avental,
a qual é variável em comprimento, dependendo da
altura da pessoa. O “punho” foi limitado à área de
malha no pulso. Áreas adicionais de contaminação por
sangue foram a touca, máscara, óculos e coberturas de
sapatos, mas estas não foram consideradas
contaminação do corpo.
Corte, Perfuração, Esguichos. Um corte foi definido
como uma laceração linear na pele, independentemente
do instrumento que causou o corte. Uma perfuração foi
a lesão causada por uma agulha e pode não ser visível.
Um evento de esguicho de porte foi um esguicho não
esperado ou jato de sangue que tenha sido de alto
volume e não controlado, geralmente fazendo com que
pelo menos uma pessoa fosse contaminada.
Análises Estatísticas
A freqüência de eventos de contaminação para cada
papel, serviço cirúrgico e partes selecionadas do corpo
foi comparada com a freqüência correspondente de
eventos que ocorreram no restante da amostra pela
construção de tabelas 2 x 2 apropriadas e avaliação das
estatísticas quadradas de Pearson, risco relativo e
intervalo de confiança de 95%. Onde eventos de
contaminação foram avaliados por pessoa ou por
operação, o número de eventos ocorrido foi comparado
com o número esperado de eventos que poderiam ter
ocorrido com base na freqüência geral de eventos na
amostra total do estudo. Os valores p para as diferenças
entre estes números esperados e observados de eventos
foram computados, assumindo-se que os eventos
observados seguem a distribuição de Poisson. A
associação entre fatores contínuos refletindo as
condições cirúrgicas (duração da operação, perda de
sangue estimada, agulhas utilizadas e volume de fluido
de irrigação) e o número de eventos de contaminação
ocorridos por operação foram avaliados utilizando a
correlação de classificação de Spearman.
Uma análise multidimensional foi realizada a fim de
determinar quais condições cirúrgicas estavam
associadas ao maior risco de contaminação quando o
efeito de outras condições cirúrgicas foram
consideradas. Uma análise de regressão logística ordinal
de modelo de probabilidades cumulativas foi realizada7,8
Para esta análise, o número de contaminações por
operação foi dividido em cinco categorias
correspondentes a 0, 1, 2 3, e 4 ou mais eventos de
contaminação por cirurgia. Esta categorização foi
utilizada como variável dependente na análise de
logística ordinal utilizando o procedimento de SAS
V6.06 (SAS Institute, 1989). O teste de classificação
para suposição de probabilidades proporcionais foi
avaliado para confirmar a adequação do modelo de
logística ordinal.
O modelo de logística ordinal, sob a suposição de
probabilidade proporcional, fornece uma estimativa
associada a uma variável de predição do risco relativo
(relação de probabilidade) de ocorrer um evento ou
eventos de contaminação adicional versus possuir um
nível mais baixo de eventos de contaminação por
operação. Para os fatores cirúrgicos contínuos com
associação significativa com a contaminação, o risco
associado com estar a um maior nível de eventos de
contaminação foi computado para um aumento no fator
igual à metade da diferença no valor do fator nos
percentis 20º e 80º desta distribuição.
Resultados
O estudo observou 234 operações separadas realizadas
por oito serviços de especialidades e envolveu 1763
pessoas (Tabela 1). De modo geral, 118 dos 234
procedimentos (50%) resultaram em pelo menos uma
pessoa se tornando contaminada. A especialidade
cirúrgica influenciou o risco de um indivíduo ficar
contaminado. A especialidade com a menor
contaminação corpórea (38%) foi cirurgia geral e a
maior foi ginecologia (75%), excluindo as
especialidades com somente um único caso cada. O
número de áreas contaminadas do corpo durante uma
cirurgia também diferiu por especialidade; a maior foi
mais de duas áreas por operação, encontrada em
cirurgias ortopédicas.
Tabela 1. Risco de Contaminação Corpórea por Especialidade
Serviço
Cardiotorácica
Geral
Ginecologia
Neurocirurgia
Ortopedia
Transplante
Trauma
Vascular
Total
N° de cirurgias
Cirurgias com
contaminação
%
Áreas Contaminadas
do Corpo
Áreas/Cirurgia
(média)
42
71
28
1
47
1
8
36
234
20
27
21
1
26
0
4
19
118
48
38*
75†
100
55
0
50
53
50
43
71
42
6
99
0
11
49
321
1,02
1,00*
1,50
6,00‡
2,11‡
0,00
1,38
1,36
1,37
* p < 0,05, comparado com o grupo residual
†
p < 0,01, comparado com o grupo residual
‡
p < 0,001, comparado com o grupo residual
As áreas do corpo que foram contaminadas com sangue
são apresentadas na Figura 1 e demonstram algumas
diferenças em áreas contaminadas baseadas na
especialidade cirúrgica. Procedimentos em ginecologia
apresentaram um maior risco para contaminação de um
dedo individual que o restante das especialidades (risco
relativo = 2,07, p < 0,001), enquanto que a ortopedia
apresentou a menor contaminação de dedo (risco
relativo = 0,39, p < 0,003), apesar da contaminação
corpórea geral mais freqüente. Apesar da porcentagem
igualmente alta de contaminação de dedo em relação a
contaminações de outros locais do corpo em
procedimentos cardiológicos, o risco para um indivíduo
foi significativamente maior para procedimentos
ginecológicos quando as lesões por pessoa foram
avaliadas. Cirurgias realizadas por ambos os serviços de
cirurgia geral e ginecologia apresentaram alto risco para
contaminação do antebraço (risco relativo = 2,02 e 2,84,
p < 0,03, respectivamente). A cirurgia geral apresentou
muito menos risco para contaminação de face e pescoço
(risco relativo = 0,29, p<0,002), enquanto que a
ortopedia apresentou muito mais risco (risco relativo =
3,8, p < 0,001). Áreas não cobertas do corpo (por
exemplo, face e pescoço) foram contaminados mais
freqüentemente que áreas do corpo cobertas por um
avental (por exemplo, tórax e abdômen).
A freqüência de contaminação do corpo também diferiu
de acordo com o papel destes participantes na operação
e demonstra o risco muito maior do cirurgião e primeiro
assistente (Tabela 2). Estes dois papéis englobaram 81%
de todas as contaminações corpóreas e estes foram
contaminados em aproximadamente um terço de seus
procedimentos cirúrgicos. O instrumentador, o
circulante e o anestesiologista apresentaram uma
freqüência muito baixa de contaminação.
O tempo requerido para a cirurgia também influenciou a
freqüência de contaminação corpórea (Tabela 3).
Cirurgias curtas (< 1 hora) estiveram associadas com
aproximadamente uma contaminação a cada cinco
operações, mas procedimentos com mis de 5 horas
estiveram associados com aproximadamente três
contaminações por cirurgia; um aumento de 15 vezes.
A freqüência de contaminação corpórea aumentou à
medida que a quantidade perdida de sangue aumentou
(Tabela 4). Porém, o maior o número tanto de pessoas
quanto de áreas do corpo ocorreu durante operações
com perda de sangue menor que 500 ml, pois maior
quantidade destas foram realizadas. Um fator adicional
correlacionado com a contaminação corpórea foi a
quantidade de fluido de irrigação utilizado (correlação
de Spearman = 0,29, p < 0,0001).
Os eventos de lesões e de esguichos de porte que
ocorreram durante as cirurgias são listados na Tabela 5.
O cirurgião e primeiro assistente foram os que
receberam as lesões e borrifos com maior freqüência. A
causa dos cortes para dois primeiros assistentes foi
passar uma agulha de sutura. Um instrumentador cortou
o seu dedo ao abrir uma ampola de vidro e um
anestesiologista cortou se antebraço em uma parte
afiada do equipamento. Um cirurgião foi cortado
enquanto removia um curativo. Somente um corte em
um cirurgião foi devido a uma lâmina sendo utilizada
para dissecação na ferida.
As lesões com perfuração com agulha foram
predominantemente devido à agulhas de sutura. Quinze
dos eventos ocorreram durante sutura, cinco durante a
colocação ou retirada da agulha do suporte e quatro
durante passagem da sutura para uma outra pessoa.
Duas perfurações foram causadas por uma agulha oca,
uma foi causada por uma espícula óssea e uma ocorreu
durante uma sutura com arame. Duas perfurações por
agulha foram causadas por tentar pegar agulhas que
tinham caído no campo operatório. Uma foi devido a
arrematar a sutura com a agulha ainda conectada.
Um dos fatores que apareceram como relacionados ao
número de lesões foi o número de agulhas utilizadas
durante o procedimento. Estas informações são
apresentadas na Tabela 6 e mostram um aumento em
perfurações por agulhas à medida que o número de
agulhas utilizadas aumenta.
Figura 1. Distribuição de locais do corpo
contaminados para cada especialidade
cirúrgica. Os valores foram calculados
como o número de contaminações de
uma área dividida pelo número total de
contaminações da área para aquela
especialidade
x
100.
Somente
especialidades com mais de 40 áreas
contaminadas foram avaliadas. Áreas
cobertas pelo avental são designadas pela
linha acima do gráfico da contaminação
geral: valores nesta área indicam
penetração do sangue no avental
Tabela 2. Número de Pessoas e Áreas do Corpo Contaminadas Classificado por Papel
Papel
N° total
N°
Contaminado
%
RR
IC 95%
Áreas
Contaminadas
Áreas/Pessoa
246
241
267
298
370
296
45
1763
78
68
31
13
3
1
0
194
32
28
12
4
0,8
0,3
0
11
4,2
3,4
4,4
0,4
0,06
0,03
NC
3,2, 5,3
2,6, 4,4
0.74, 1,5
0,20, 0,61
0,02, 0,18
0,004, 0,18
NC
152
107
44
13
4
1
0
321
0,62*
0,44*
0,16
0,04*
0,01*
0,003*
0†
0,18
Cirurgião
Primeiro Assistente
Outro Assistente
Instrumentador
Anestesiologista
Circulante
Outros
Total
* p < 0,001
†
p < 0,01
RR = risco relativo de contaminação comparado com o restante do grupo;
IC = intervalo de confiança deste risco; NC = Não comparável
A importância relativa e influência destes fatores
relacionados ao evento em conjunto e a sua associação
com o nível d eventos de contaminação por cirurgia foi
avaliado em uma análise de regressão logística ordinal
multidimensional. A Tabela 7 apresenta um resumo
desta análise. O número de pessoas participando na
cirurgia, o tempo requerido para a cirurgia, a quantidade
de sangue perdido e o volume do fluido de irrigação
utilizado foram todos fatores significativos associados
positivamente predizendo o número de eventos de
contaminação. O número de agulhas empregado durante
a operação não foi um fator de predição independente.
Tabela 3. Número de Contaminações Corpóreas por
Cirurgia Classificado por Duração da Cirurgia
Duração
(hr)
N° de
Cirurgias
Áreas
Contaminadas
Contaminação
/Operação
<1
1-2
2-3
3-4
4-5
5-6
>6
25
53
63
35
27
14
17
5
39
92
53
53
52
40
0,20
0,74
1,46
1,51
1,96
3,71
2,35
Correlação de Spearman de contaminação com tempo = 0,44, p <
0,001.
Discussão
Para aqueles que trabalham na sala cirúrgica, a
contaminação por sangue é um evento diário que é
freqüentemente ignorado ou assumido como sendo
inevitável. Certamente, se não fosse a existência de
vírus que podem causar uma infecção letal e que sejam
transmissíveis através do sangue, tal contaminação
poderia somente ser um problema cosmético para o
profissional da área de saúde. Como vírus
(especificamente hepatite B, C e HIV) podem causar
doenças letais quando inoculados parenteralmente ou
quando colocados em contato com pele não intacta,
existem razões suficientes para reduzir o contato com
sangue para o nível mais baixo possível. A pele não
intacta é uma ocorrência comum em pessoas da sala
cirúrgica devido à dermatite causada pela assepsia
freqüente e de cortes e abrasões ocorridos durante
atividades recreacionais fora do hospital. Para melhorar
a segurança, nós descrevemos a freqüência de lesões e
distribuição de contaminação por sangue juntamente
com os fatores de risco para indivíduos que trabalham
nesta área.
Tabela 4. Perda de Sangue em Relação às Áreas Corpóreas
Contaminadas
Perda de
Sangue (ml)
N°
cirurgias
Áreas
Contaminadas
Contaminações
/Cirurgia
< 100
100 - 499
500 - 999
1000 - 1999
2000 - 2999
> 3000
40
132
26
15
5
8
29
119
64
29
15
51
0,73
0,90
2,46
1,93
3,00
6,38
Correlação de Spearman de contaminações por cirurgias com perda de
sangue = 0,40, p < 0,0001.
Até pouco tempo atrás, a literatura descrevendo o risco
na sala cirúrgica era relativamente esparsa9-11; um
grande estudo sobre perfurações com agulha
especificamente excluiu o ambiente da sala cirúrgica. 12
Dados sobre estes tópicos, porém, são elementos
importantes na previsão de riscos à cirurgiões
relacionados à aquisição de infecção por HIV durante o
período de prática. Recentemente, Gerberding et al13
discutiram o risco de exposição ao sangue no San
Francisco General Hospital após coletar dados em 1307
cirurgias consecutivas. Estes encontraram uma taxa e
lesão de 1,7% e uma taxa de contaminação de pele de
7,3% nas cirurgias, comparados com nossos resultados
de 15,4% e 50,4%, respectivamente. Existem várias
razões possíveis para esta discrepância. O estudo de
Gerbending observou operações consecutivas, enquanto
que o presente estudo escolheu cirurgias com a
finalidade de englobar uma distribuição ampla de
procedimentos e evitar a predominância de uma
especialidade em particular ou tipo de cirurgia. Isto
pode levar a uma maior preponderância de casos mais
longos e complexos do que é típico para muitos
hospitais. Também é importante, que a intensidade de
observação em nosso estudo impediu a observação de
casos consecutivos e, provavelmente, levou à descoberta
da nossa maior taxa de lesões e contaminação. As
enfermeiras que realizaram este estudo entenderam a
importância dos dados coletados. Elas foram treinadas
na observação cuidadosa e registro de contaminação por
sangue e acidentes com lesão e não confiaram na
memória. Elas não tiveram nenhuma outra
responsabilidade com o cuidado do paciente e puderam
avaliar completamente todas as pessoas no final de cada
procedimento observado. É possível, portanto, que a
incidência mais baixa do estudo de Gerberding seja
devido a um relato menos apurado, o que se sabe que
pode ocorrer.14
Tabela 5. Contagem de Lesões e Eventos de Esguichos de
Porte Classificadas por Papel e Expressas como
Porcentagem de Todas as Cirurgias
Papel
Corte
(%)
Perfuração
(%)
Borrifos
(%)
Cirurgião
Primeiro Assistente
Outro Assistente
Instrumentador
Anestesiologista
Circulante
Outros
Total
2 (0,9)
2 (0,9)
0
1 (0,4)
1 (0,4)
0
0
6 (3)
13 (6)*
6 (3)
4 (2)
7 (3)
0
0
0
30 (13)
15 (6)†
15 (6) †
11 (5)
2 (0,9) ‡
7 (3)
3 (1)*
1 (0,4)
54 (23)
* p < 0,001, comparado com o grupo residual
†
p < 0,01, comparado com o grupo residual
‡
p < 0,05, comparado com o grupo residual
O cirurgião e primeiro assistente apresentaram uma maior incidência
de lesões, enquanto que o instrumentador e circulante apresentaram
uma menor incidência de borrifos que as demais pessoas do grupo
A existência de políticas para alterar a prática na sala
cirúrgica provavelmente não é uma fonte da diferença
ente os dois estudos, pois nosso hospital similarmente
implementou várias alterações 3 anos atrás para reduzir
lesões, e estas foram publicadas.15,16 A incidência de
infecção por HIV é baixa em nosso hospital, porém.
Desta forma, o conhecimento de que o ambiente é na
verdade perigoso pode alterar os cuidados com que cada
profissional implementa as políticas e procedimentos,
contrário à conclusão de Gerbending et al.
As diferenças no uso de aventais e luvas também
causaram uma diferença nas taxas de exposição.
Gerbending et al descreveram o uso de aventais “à
prova-d'água”, os quais não foram utilizados em nosso
estudo devido ao desconforto causado pelo uso deste
tipo de avental. Embora eles freqüentemente tenham
usado luvas duplas, somente o serviço de ortopedia
rotineiramente utilizou luvas duplas na nossa
instituição. A incidência muito menor de contaminação
nos dedos neste grupo em nossa série fortemente sugere
que o uso de luvas duplas seja uma prática efetiva e
deve ser adotada.
Vários outros fatores alteram o risco aos profissionais
de saúde na sala cirúrgica, e estes possuem implicações
importantes para predição do risco, mudança da prática
e alteração de comportamento.
Tabela 6. Número de Agulhas Utilizadas durante um
Procedimento e Número de Lesões Causadas por
Perfurações com Agulha
N° de Agulhas
Utilizadas
N° de
Cirurgias
N° de
Perfurações
Perfurações/
Cirurgia
< 20
20 - 39
40 - 59
60 - 79
> 80
112
56
26
11
23
4
4
4
7
11
0,04
0,07
0,15
0,64
0,48
Correlação de Spearman de contaminações por cirurgia com o número
de perfurações com agulha = 0,3, p < 0,0001
Influência da Especialidade
Existem vários fatores possíveis que podem alterar a
probabilidade de contaminação por sangue de um
indivíduo durante uma cirurgia. Entre estes estão a
cirurgia sendo realizada, as práticas da equipe durante a
cirurgia, o papel do individuo, a quantidade de perda de
sangue e a roupa de proteção utilizada pelo indivíduo.
Qualquer operação em particular ocorre de forma muito
infreqüentemente para uma análise útil neste tipo de
estudo. Em adição, as práticas de trabalho específicas
que aumentam ou reduzem o risco são muito numerosas
para identificar, controlar e analisar adequadamente.
Portanto, estes aspectos foram assumidos como sendo
dependentes da especialidade cirúrgica. A influência da
especialidade cirúrgica na contaminação por sangue
pela equipe cirúrgica é importante, e é apresentada na
Tabela 1.
Tabela 7. Efeito da Alteração das Condições Cirúrgicas no
Risco de Aumento de Níveis de Contaminação a Partir de
Regressão Logística Ordinal Multidimensional
Fator
N° de pessoas
Duração da cirurgia
Perda de sangue
Fluido de irrigação
Unidade de
Aumento
Risco Relativo
com Aumento
p
1 pessoa
1,5 hr
250 ml
700 ml
1,86
1,44
1,16
1,11
0,0001
0,04
0,0006
0,004
Com cada aumento de fator, existe um aumento proporcional ao risco
relativo na incidência de uma contaminação adicional. Por exemplo,
para cada 1,5 hora adicional de cirurgia, o risco de uma contaminação
adicional aumenta em 44%
A especialidade também influenciou no padrão de
contaminação (Figura 1) e sugere que certas práticas ou
roupas sejam capazes de melhorar a proteção. Todas as
especialidades estão propensas a altas taxas de
contaminação nos dedos, mas isto foi muito menor na
cirurgia ortopédica. A razão presumida para isto foi o
uso muito comum de duas luvas por cirurgiões
ortopédicos e a ausências desta prática em outras
especialidades. Os cirurgiões ortopédicos apresentam
maior contaminação da face e pescoço devido aos
respingos de sangue de ferramentas com acionamento e
uso de fluidos de irrigação. Isto pode ser alterado por
proteção adicional na face ou dispositivos para proteger
de respingos. Este grupo também apresentou altas taxas
de contaminação nas pernas e pé devido ao sangue
correndo para baixo na lateral da mesa cirúrgica e pode
ser prevenido pelo uso de perneiras mais altas ou mais
longas e aventais mais resistentes a líquidos. Isto não foi
um problema para o serviço cardíaco pois a perda de
sangue pareceu ficar contida na cavidade torácica. Os
cirurgiões gerais e ginecológicos freqüentemente
colocam as suas mãos e braços profundamente no
abdômen e causam uma alta penetração de sangue na
área do antebraço. Isto pode ser alterado utilizando-se
materiais impermeáveis nesta área do avental.
Influência dos papéis
Um outro fator que geralmente influenciou na
contaminação por sangue foi o papel do indivíduo,
conforme demonstrado na Tabela 2. O cirurgião (seja da
equipe ou residente) esteve exposto ao maior risco de
contaminação, seguido de perto pelo primeiro assistente.
Quanto mais longe uma pessoa estava da ferida, menor
foi o risco de contaminação.
Freqüência das lesões
Embora a transmissão de doenças virais tenha ocorrido
através da pele com abrasão, o modo mais perigoso de
transmissão é através da inoculação percutânea por
cortes ou perfurações com agulhas. Estas ocorreram
mais freqüentemente no cirurgião e primeiro assistente
(Tabela 5). O instrumentador também recebeu várias
perfurações com agulha devido à tarefa de carregar e
descarregar agulhar do porta-agulhas e passar o
instrumento ao cirurgião.
pesada por sangue. Luvas duplas também devem ser
rotineiramente ser usadas nestas cirurgias.
Cada instituição deve possuir um protocolo estabelecido
para manipulação de materiais perfuro-cortantes e evitar
contaminação por sangue, o que é aplicável ao ambiente
da sala cirúrgica e que é construído geralmente ao redor
das “Precauções Universais” recomendadas pelo CDC.
Referências
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Conclusões e recomendações
A freqüência de contaminação por sangue na sala
cirúrgica é alta e a distribuição da contaminação cobre
todas as áreas do corpo. Portanto, uma roupa de
proteção adequada deve ser usada, incluindo cobertura
para a cabeça, óculos e cobertura alta para sapatos.
O risco de contaminação varia com a especialidade e
cada grupo deve desenvolver políticas, procedimentos e
roupas apropriadas a fim de prevenir a contaminação
particular em seus procedimentos.
O cirurgião e primeiro assistente possuem um maior
risco de contaminação por sangue e devem usar os
aventais mais protetores (e, freqüentemente, os mais
caros e menos confortáveis), enquanto que outros
assistentes e enfermeiras podem usar aventais mais
leves.
A probabilidade de contaminação por sangue aumentou
à medida que a perda de sangue operatória e o tempo de
cirurgia aumentaram. Quando estas condições são
previstas, precauções adicionais devem ser tomadas, tais
como usar aventais com material menos permeável,
trocar aventais mais freqüentemente, utilizar coberturas
para mangas ou aventais plásticos e, freqüentemente, se
auto-inspecionar quanto a sinais de contaminação
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