Mina Lógica

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A Mina Lógica
W. C. Oliveira
A
Lógica é uma disciplina muito densa. São poucos os estudiosos
que conseguem adentrá-la, mesmo os de Filosofia. Talvez por
ela ser vista mais como uma Matemática: muito abstrata,
simbólica. Daí, só os mais afeitos a essa disciplina tendem a
gostar daquela. Mas a Lógica tem a ver mesmo é com a
exatidão da linguagem. Por isso, se não conseguimos gostar
dela podemos, pelo menos, reconhecer a sua importância
percebendo-a como uma espécie de organização das idéias, pela
formalização do conteúdo lingüístico. Ela abstrai do discurso o
que é material – as palavras – e lida apenas com o que é formal
– a relação entre idéias –, comum em todas as línguas. Em
outros termos: é uma estruturação ou modelação do
pensamento.
Mas, por que nós adultos sentimos tanta dificuldade
em pensar logicamente, ou seja, em colocar nossos
pensamentos dentro de uma forma lógica? Por que é tão difícil
elaborar um raciocínio com começo, meio e fim? Pior: analisar
fazendo inferência a partir de premissas bem concatenadas;
vislumbrar pressupostos... Não é nisso que consiste a nossa
dificuldade em responder racionalmente a uma pergunta
infantil?! E mais: como dar uma explicação lógica a uma
criança se o mundo dela é mina de imagens, mais propenso ao
mito? Que discussão racional se pode ter com uma criança?
...Por outro lado, não subestimamos a racionalidade infantil?
Não é a criança filósofa por natureza?
Ahmina Raiara foi a minha primeira filósofa. Na
verdade, foi com ela que fui instigado a pensar sobre a
inteligência pueril. Observando-a no seu processo de apreensão
do mundo foi que entendi aquela primeira frase da Metafísica
de Aristóteles: “O homem tem por natureza o desejo de
conhecer”.
Certa vez ela me fez rir sozinho com sua argúcia
argumentativa, numa discussão com sua mãe, por volta dos
seus cinco ou seis anos de idade, quando as duas ainda
disputavam minha atenção. Ahmina quis contar-me algo que
ela ouvira de uma coleguinha durante o dia. Uma notícia que
certamente já havia contado para a sua mãe. Entretanto, esta
também queria o mesmo momento para conversar. Então, de
tanto insistir naquela interlocução, Ahmina provocou-lhe uma
resistência, cujo apelo reclamava: – Também!... Você acredita
em tudo o que ouve. E Ahmina retrucou: Acredito não.
Ora, que racionalidade pode haver numa discussão
com uma criança sobre o que ela acredita ou não? Como é
possível provar para alguém que a sua crença está equivocada
se não for pela lógica do raciocínio? Mas como demonstrar a
uma criança a ilogicidade de uma crença? Ou seja, como
convidar uma criança a uma discussão lógica?
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Geralmente uma discussão “infantil” se propaga à base
de um dialelo lógico, caracterizado por mera oposição de
contrários da qual nada se constrói: afirmação e negação –
sim/não, sim/não, sim/não, sucessivamente. Para escapar a esse
círculo vicioso, então, a mãe rebateu aquela negativa de
Ahmina, apenas reforçando a afirmação: Acredita sim, que quer
contar a seu pai. Mas qual o pressuposto desta assertiva?
Pela Lógica, a análise da estrutura do raciocínio
constituinte dessa discussão exige modelarmos o seu conteúdo
lingüístico:
1) Tudo o que você ouve, você acredita;
2) Você ouviu sua amiguinha;
3) Você quer contar para o seu pai.
Eis aí três enunciados que, tomados logicamente,
suscitam uma conclusão, ou pelo menos permitem uma
inferência. Mas qual? O que se pode inferir daí?
Analiticamente, o enunciado (1) contém duas sentenças, que
podem ser simbolizadas assim: A = Você ouve; B = Você
acredita. Porém, o que o enunciado nos indica é que há uma
relação de implicação entre ambas: Se A ocorre, então B
também ocorre. Contudo, como implicação lógica, não significa
que o inverso seja verdadeiro, pois (B) pode ocorrer por outro
motivo que não seja A. Quer dizer: você pode acreditar por ter
visto (V) ou sentido (S), sem, necessariamente, ter ouvido (A).
No entanto, o enunciado (1) mais o enunciado (2) mantém uma
relação de idéias que suscita uma conclusão, visto que (2)
confirma (A). Ou seja, se é verdade que ocorrendo A ocorre B;
então o enunciado (2) diz que A ocorreu. Logo, pode-se
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concluir que B também ocorreu. Em outras palavras:
admitamos que o que você ouve (A), você acredita (B); ora,
você ouviu sua amiguinha (A); logo, você acreditou... (B). Isto
está logicamente correto, desde que o enunciado (1 = Se A,
então B) que serve de suposto para todo o raciocínio, seja
verdadeiro. Mas é exatamente isto que Ahmina contesta.
Por isso, a mãe tentou corroborar a sua tese (1 = Se A,
então B) de que se você ouve (A), você acredita (B)
acrescentando mais um dado, isto é, uma informação, que é o
enunciado (3) você quer contar para o seu pai. Qual o
pressuposto deste novo raciocínio? Ou seja, qual o enunciado
que o sustentaria, por encontrar-se numa suposta posição de
verdade? Quer dizer: aquele que de antemão, mesmo sem
aparecer, já se insinua verdadeiro; que é a idéia de que há uma
relação lógica entre acreditar (B) e contar (C): se acredita (B),
então conta (C). A rigor, como pressuposto ele precede o
suposto que é a idéia de o que ouve (A), acredita (B). Contudo,
o que o pressuposto (Se B, então C) pretendia era confirmar o
suposto (Se A, então B), garantindo o que fora rechaçado: o ato
de acreditar. Só que a conclusão resultou numa falácia, isto é,
numa artimanha discursiva para ludibriar o raciocínio
adversário com uma relação entre idéias supostamente lógica,
porém, inválida. Modelando: se acredita (B), então conta (C);
ora, você quer contar a seu pai (C); logo, ...você acredita (?)
Qual a lógica desse raciocínio? Como é possível extrair tal
conclusão daquelas premissas?
Nós sabemos que, formalmente, não se pode inferir da
afirmação de um conseqüente lógico (C) a confirmação do
antecedente (B). Ou seja: se a relação diz que quando ocorre
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(B) – premissa – por conseguinte (C) também ocorre –
conclusão –, isto não significa que, inversamente, (C)
antecedendo, a conseqüência lógica implique na ocorrência de
(B). Analogamente: se chove (B), há terra molhada (C). Daí
não se segue que ocorrendo (C) terra molhada, é porque choveu
(B) ou choverá... Pois a terra molhada pode se dá por vários
motivos. Em termos lógicos: o antecedente (B) é causa
suficiente para o conseqüente (C) que, por sua vez, é causa
necessária para se afirmar o antecedente. Porém, não é
suficiente afirmar o conseqüente (C – terra molhada) para se
confirmar o antecedente (B – chover) nem é necessário chover
para se ter terra molhada. Do mesmo modo, o fato de contar
alguma coisa não traduz uma crença naquilo, embora
admitamos que quando se acredita, tende-se a contar.
Certamente
Ahmina
não
poderia
contestar
formalmente tal raciocínio; até porque uma criança não sabe o
que é uma conclusão nem que uma premissa é uma frase
elaborada para expressar um conhecimento previamente
admitido, isto é, uma afirmação admitida como verdadeira.
Nem precisa. Mas ela o contestou materialmente sem, contudo,
escapar à correção lógica. Quando a mãe disse “acredita sim
que quer contar a seu pai”, a filósofa rebateu questionando:
“Não. Acredito não. ...quer dizer que quando você conta a ele o
que ouve das suas amigas é porque acreditou?” A mãe, claro,
nem precisou responder. E não tendo mais argumento para
fazê-la parar, a sua racionalidade adulta rendeu-se àquele arguto
questionamento, contra o qual, no tocante àquele discurso, não
resistiu sequer a força autoritária de mãe ...ou da mão.
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