Espaços métricos completos A razão porque Q não é localmente compacto é a existência de sucessões de raionais com limite irracional. Vamos generalizar esta ideia para espaços métricos arbitrários. Definição 1. Uma sucessão (xn ) num espaço métrico X diz-se uma sucessão de Cauhy se para qualquer ε ą 0 existir um p P N tal que d(xn , xm ) ă ε para quaisquer n, m ą p. Teorema 1. Qualquer sucessão convergente é de Cauchy, e qualquer sucessão de Cauchy é limitada. Mas nem todas as sucessões de Cauchy são convergentes: Exemplo 1. Uma sucessão de racionais com limite irracional é de Cauchy, pois é convergente em R, mas não é convergente em Q. Definição 2. Dizemos que um espaço métrico X é completo se todas as sucessões de Cauchy convergirem. Para provar que um espaço métrico é completo é frequentemente útil usar o seguinte resultado: Teorema 2. Um espaço métrico X é completo sse qualquer sucessão de Cauchy tiver uma subsucessão convergente. Demonstração. Seja (xn ) uma sucessão de Cauchy e seja (xnk ) uma subsucessão com limite limk xnk = x. Queremos mostrar que xn Ñ x. Seja ε ą 0. Como (xn ) é Cauchy, existe um p P N tal que m, n ą p ñ d(xn , xm ) ă ε/2. Tomando n = nk ą p e tomando o limite quando k Ñ 8 temos limk d(xnk , xm ) = d(x, xm ) ď ε/2 ă ε para qualquer m ą p, o que mostra que xn Ñ x. □ Como corolário imediato temos: Teorema 3. Rk é um espaço métrico completo. Demonstração. Uma sucessão de Cauchy é limitada, logo está contida num compacto, logo tem uma subsucessão convergente. □ Outro exemplo importante é o seguinte: Teorema 4. Seja X um espaço compacto, (Y, d) um espaço métrico completo. Então o espaço ( ) C(X, Y ) das funções contínuas f : X Ñ Y com a métrica ρ(f, g) = max d f (x), g(x) é xPX completo. ( ) Demonstração. Dada uma sucessão de Cauchy (fn ), para cada x P X a sucessão f (xn ) é de Cauchy, logo converge. Seja f (x) = lim f (xn ). Vamos provar que fn Ñ f uniformemente. Dado um ε ą 0, existe um p ą 0 tal que m, n ą p ñ ρ(fn , fm ) ă ε/2, 1 2 ( ) logo, para qualquer x P X temos d fn (x), fm (x) ă ε/2. Tomando o limite quando ( ) m Ñ 8, d fn (x), f (x) ď ε/2, pelo que, tomando o supremo em x P X , temos ( ) supx d fn (x), f (x) ď ε/2 ă ε. Concluimos que fn Ñ f uniformemente. Então f é contínua, o que completa a demonstração. □ Teorema 5. Um espaço métrico é compacto sse for completo e totalmente limitado. Demonstração. Ver Munkres. □ Em Rn os subespaços compactos são os subespaços limitados e fechados. Já vimos que em Rn limitado é equivalente a totalmente limitado. Teorema 6. Um subespaço dum espaço completo é completo sse for fechado. Q não é completo porque lhe faltam pontos: os limites das sucessões de Cauchy não convergentes, que são os números irracionais. O próximo resultado é análogo à noção de compactificação: Teorema 7. Para qualquer espaço métrico X existe um espaço métrico completo Y tal que X Ă Y e X = Y . Chamamos a Y o completado de X . Y é único a menos de isometria. Exercícios. (1) Indique justificando quais das seguintes sucessões são sucessões de Cauchy e quais são convergentes nos espaços indicados: (a) xn = n em ]0, +8[. (b) xn = 1/n em ]0, +8[. (c) xn = 1/n em Q. (2) Mostre que qualquer espaço métrico com a distância d(x, y) = 1 para x ‰ y é completo. (3) Seja X = ]0, 1] Ă R. (a) Mostre que a sucessão xn = 1/n em X é de Cauchy mas não converge, e portanto X não é completo. (b) Mostre que a função f (x) = 1/x restrita a X é um homeomorfismo entre X e um subespaço completo de R. (c) Mostre que a sucessão f (1/n) não é de Cauchy. (4) Seja X um espaço métrico completo, A Ă X . Mostre que o completado de A é A. (5) Um espaço metrizável X diz-se topologicamente completo se existir uma métrica para o qual X é completo, ou seja, se X for homeomorfo a um espaço métrico completo. (a) Mostre que ]0, 1[ é topologicamente completo. (b) Mostre que t1, 12 , 13 , . . .u Ă R é topologicamente completo. (6) Seja (xn ) uma sucessão tal que, para qualquer m ą n, d(xn , xm ) ď yn , em que yn é uma sucessão em R com limite zero. Mostre que (xn ) é Cauchy. 3 (7) Prove o Teorema 1: (a) Mostre que uma sucessão convergente é de Cauchy. (b) Mostre que uma sucessão de Cauchy é limitada. (8) Prove o Teorema 6. (9) Seja X um espaço métrico. (a) Mostre que se X for compacto então X é completo. (b) Mostre que se existir um ε ą 0 tal que todas as bolas de raio ε têm fecho compacto, então X é completo. (c) Dê um exemplo dum espaço métrico localmente compacto que não seja completo. (10) Seja X um espaço topológico compacto e seja Y um espaço métrico completo. Mostre que o espaço F das funções contínuas f : X Ñ Y , com a métrica uniforme, é completo. (11) Seja X um espaço métrico, AsubsetX um subespaço. (a) Mostre que A é totalmente limitado sse para qualquer ε ą 0 existirem pontos x1 , . . . , xk P X tais que A Ă B(x1 , ε) Y ¨ ¨ ¨ Y B(xk , ε) (em que as bolas são bolas em X ). Sugestão: use bolas de raio ε/2. (b) Mostre que se X for totalmente limitado, A é também totalmente limitado. (c) Mostre que A é totalmente limitado sse A for totalmente limitado. (12) Seja (xn ) uma sucessão num espaço métrico completo tal que o conjunto dos termos da sucessão txn : n P Nu é totalmente limitado. Mostre que (xn ) tem uma subsucessão convergente. (13) Dizemos que uma função d : X ˆ X Ñ [0, +8[ é uma pseudo-métrica se para quaisquer x, y, z P X se tiver d(x, x) = 0, d(x, y) = d(y, x) e d(x, y) + d(y, z) ď d(x, z). (a) Mostre que a relação x „ y sse d(x, y) = 0 é uma relação de equivalência em X. (b) Mostre que d induz uma função d˜ : X/„ ˆ X/„ Ñ [0, +8[. (c) Mostre que d˜ é uma métrica em X/„ . (14) Seja F o espaço das funções f : [´1, 1] Ñ R integráveis à Riemann com a pseudoˇ ş1 ˇ métrica d(f, g) = 0 ˇf (x)´g(x)ˇ dx, e seja C(X, Y ) Ă F o subconjunto das funções contínuas. (a) Verifique que d é uma pseudo-métrica. (b) Mostre que a restrição de d ao conjunto C([´1, 1], R) das funções contínuas é uma métrica. 4 (c) Para cada n P N seja fn : [´1, 1] Ñ R a função definida por $ ’ ’ ´1 se ´1 ď x ď ´1/n ’ & fn (x) = nx se ´1/n ď x ď 1/n ’ ’ ’ %1 se 1/n ď x ď 1 Mostre que cada fn é contínua e a sucessão (fn ) converge pontualmente para uma função f que não é contínua. (d) Mostre que lim d(fn , f ) = 0. (e) Seja p : F Ñ F /„ o quociente pela relação f „ g ô d(f, g) = 0, e considere a métrica induzida em F /„ . Mostre que a restrição de p a C([´1, 1], R) é uma isometria. (f) Mostre que C([´1, 1], R) não é completo com a distância d. (15) Pag. 270, exercícios 6, 9, 10. Aplicações Vamos agora ver algumas propriedades dos espaços completos. Definição 3. Sejam X , Y espaços métricos. Dizemos que uma função f : X Ñ Y é contractante se existir uma constante c P ]0, 1[ tal que, para qualquer x, y P X , ( ) d f (x), f (y) ď cd(x, y). Teorema 8 (Ponto fixo). Seja X um espaço métrico completo, f : X Ñ X uma função contractante. Então existe um único x P X tal que f (x) = x. ( ) Demonstração. A unicidade do ponto fixo sai de imediato de d f (x), f (y) ď cd(x, y). Para provar existência definimos uma sucessão por recorrência tomando um qualquer x0 P X e definindo xn+1 = f (xn ). Então ( ) d(xn+1 , xn ) = d f (xn ), f (xn´1 ) ď cd(xn , xn´1 ) ď c2 d(xn´1 , xn´2 ) ď ¨ ¨ ¨ ď cn d(x1 , x0 ). logo, para qualquer m ą n temos d(xn , xm ) ď d(xn , xn+1 ) + ¨ ¨ ¨ + d(xm´1 , xm ) ď cn + ¨ ¨ ¨ + cm´1 ď 8 ÿ k=n ck = cn 1´c n Como c /(1 ´ c) Ñ 0, segue facilmente que (xn ) é Cauchy (ver exercícios). Seja □ x = lim xn . Então x = lim xn+1 = lim f (xn ) = f (x). Teorema 9. Um espaço métrico X é completo sse para qualquer sucessão de conjuntos fechados Ş encaixados F1 Ą F2 Ą F3 Ą ¨ ¨ ¨ tais que diam Fk Ñ 0, se tiver k Fk ‰ H. 5 Definição 4. Dizemos que um espaço topológico X é um espaço de Baire se a união contável de fechados de interior vazio tiver interior vazio. Passando ao complementar vemos que um espaço X é de Baire sse a intersecção contável de abertos densos for densa. Teorema 10 (Baire). Qualquer espaço métrico completo X é um espaço de Baire. Demonstração. Seja (An ) uma sucessão de abertos densos. Dado um aberto U , vamos Ş mostrar que U X An ‰ H. Como A0 é denso, A0 X U ‰ H. Então regularidade implica que podemos tomar um aberto U1 tal que U 1 Ă A1 X U e diam U1 ă 1. Prosseguimos recursivamente tomando Un+1 com diâmetro inferior a 1/(n+1) e tal que Ş Ş U n+1 Ă Un XAn . Então U X An Ą U n ‰ H o que completa a demonstração. □ Exercícios. (1) Mostre que o diâmetro duma bola de raio r é menor ou igual a 2r. (2) Mostre que, se f : X Ñ Y é contractante, então para qualquer conjunto A Ă X temos diam f (A) ď c diam A. (3) Mostre o Teorema 9: (a) Mostre que uma sucessão (xn ) é de Cauchy sse limk diamtxk , xk+1 , xk+2 , . . .u = 0. (b) Mostre que diam A = diam A. (c) Mostre que, se qualquer sucessão de fechados encaixados com diâmetro a tender para zero tiver intersecção não vazia, então o espaço é completo. (d) Mostre o recíproco da alínea anterior. Sugestão: tome um ponto em cada fechado e mostre que a sucessão assim obtida é de Cauchy. (4) Mostre que Q não é topologicamente completo, ou seja, que não existe nenhuma métrica em Q para a qual Q seja completo. (5) Seja f : R Ñ R uma função diferenciável tal que |f 1 (x)| ď k para todo o x e para uma constante k ă 1. Mostre que f tem um ponto fixo. (6) Mostre que um espaço topológico X é de Baire sse a intersecção contável de abertos densos for densa. (7) Mostre que se um espaço métrico completo X for contável, tem que conter pontos isolados. (8) Mostre que um espaço compacto de Hausdorff é um espaço de Baire. (9) Pag. 298, exercícios 1 a 4, 7 a 10. Funções uniformemente contínuas A noção de espaço métrico completo não é uma noção topológica: R é completo mas ]0, 1[ não é, embora seja homeomorfo a R. 6 Definição 5. Dizemos que uma função f : X Ñ Y é uniformemente contínua se, para qualquer ε ą 0, existir um δ ą 0 tal que, para quaisquer x, y P X , se d(x, y) ă δ então d(f (x), f (y)) ă ε. Teorema 11. Uma função uniformemente contínua preserva sucessões de Cauchy. Demonstração. Seja (xn ) uma sucessão de Cauchy em X , f : X Ñ Y uma função uniformemente contínua. Queremos mostrar que f (xn ) é Cauchy. Dado um ε ą 0, existe ( ) um δ ą 0 tal que d(x, y) ă δ ñ d f (x), f (y) ă ε. Como (xn ) é Cauchy, existe um ( ) p P N tal que n, m ą p ñ d(xn , xm ) ă δ donde se conclui que d f (xn ), f (xm ) ă ε. ( ) Assim, f (xn ) é Cauchy. □ Definição 6. Um homeomorfismo uniforme é um homeomorfismo f : X Ñ Y tal que f e f ´1 são ambas uniformemente contínuas. Chamamos propriedades uniformes às propriedades preservadas por homeomorfismos uniformes. Exemplo 2. A propriedade de ser um espaço completo não é uma propriedade topológica, mas é uma propriedade uniforme. Teorema 12. Seja X um espaço compacto. Então qualquer função f : X Ñ Y contínua é uniformemente contínua. Demonstração. Ver Munkres □ Teorema 13. Dados espaços métricos X , Y com Y completo, e uma função uniformemente contínua f : A Ă X Ñ Y , existe uma única função uniformemente contínua f˜ : A Ñ Y tal que f˜|A = f . Demonstração. Para cada x P A fixamos uma sucessão (xn ) em A com lim xn = x. Como f é uniformemente contínua, f (xn ) é Cauchy. Definimos f˜(x) = lim f (xn ). A continuidade de f mostra que f˜(x) = f (x) para x P A. Vamos mostrar que f˜ é uniformemente contínua. Seja ε ą 0. Como f é uniformemente contínua, existe um ( ) δ 1 ą 0 tal que, para quaisquer x, y P A, d(x, y) ă δ 1 ñ d f (x), f (y) ă ε/3. Seja δ = δ 1 /3. Dados x, y P A com d(x, y) ă δ , seja n P N tal que ( ) ( ) d(xn , x) ă δ, d(yn , y) ă δ, d f (xn ), f˜(x) ă ε/3, d f (yn ), f˜(y) ă ε/3 , em que (xn ) e (yn ) são as sucessões usadas na definição de f˜. Então, pela desigualdade ( ) triangular, d(xn , yn ) ă 3δ = δ 1 , logo d f (xn , f (yn ) ă ε/3. Usando de novo a desi( ) gualdade triangular, obtemos d f˜(x), f˜(y) ă ε. Provámos assim que f˜ é uniformemente contínua. Para mostrar unicidade do prolongamento, note que dado qualquer □ prolongamento contínuo g : A Ñ Y , g(x) = lim g(xn ) = lim f (xn ) = f˜(x). Exercícios. (1) Mostre que uma isometria é uniformemente contínua. 7 (2) Mostre que a função f (x) = x2 não é uniformemente contínua. Sugestão: para x ą y ą 0, temos |x2 ´ y 2 | ą 2y|x ´ y|. (3) Mostre que a função f (x) = 1/x não é uniformemente contínua. (4) Mostre que a função f (x) = sin(1/x) não é uniformemente contínua. Sugestão: seja xn = ( 12 π + 2nπ)´1 e seja yn = ´ 12 π + 2nπ ; calcule xn ´ yn e f (xn ) ´ f (yn ). (5) Mostre que a composição de funções uniformemente contínuas é uniformemente contínua. (6) Dizemos que uma função f é Lipschitz se existir uma constante K P R tal que d(f (x), f (y)) ď Kd(x, y). (a) Mostre que uma função de Lipschitz é uniformemente contínua. (b) Seja C([0, 1], R) o espaço das funções contínuas f : [0, 1] Ñ R com a métrica uniforme. Mostre que a função Int : C([0, 1], R) Ñ R definida por Int(f ) = ş1 f é uma função uniformemente contínua. 0 (c) Seja f : D Ă R Ñ R uma função diferenciável com derivada limitada. Então f é uniformemente contínua. Sugestão: Teorema de Lagrange. (d) Seja f : R Ñ R uma função diferenciável tal que lim f 1 (x) = +8. Mostre xÑ+8 que f não é uniformemente contínua. (e) Dê um exemplo duma função f : [0, 1] Ñ R uniformemente contínua com derivada ilimitada. (7) Sejam X , Y espaços métricos, f : X Ñ Y . (a) Mostre que se f é uniformemente contínua, então para qualquer A Ă X a restrição f |A é uniformemente contínua. (b) Mostre que se X = A Y B e se f |A e f |B forem uniformemente contínuas então f é uniformemente contínua. (c) Mostre que a função f (x) = x2 é uniformemente contínua em qualquer conjunto limitado A Ă R. (8) Mostre que a função sin(1/x) é uniformemente contínua em qualquer intervalo [a, +8[ com a ą 0. Sugestão: calcule f 1 (x). (9) Dados espaços métricos X , Y , considere o produto X ˆ Y com a métrica uniforme. (a) Mostre que as projecções são uniformemente contínuas. (b) Mostre que a soma, como função Rn ˆ Rn Ñ Rn , é uniformemente contínua. (c) Decida se o produto por um escalar, visto como uma função R ˆ Rn Ñ Rn , é ou não uniformemente contínuo. (10) Dizemos que duas métricas d1 , d2 num conjunto X são uniformemente equivalentes se a identidade (X, d1 ) Ñ (X, d2 ) for um homeomorfismo uniforme. ( (a) Mostre que as métricas d(x, y) = mintd(x, y), 1u e d1 (x, y) = d(x, y)/ d(x, y)+ ) 1 são uniformemente equivalentes a d. (b) Decida se a propriedade de ser limitado é ou não uma propriedade uniforme. 8 (c) Mostre que, se existirem m, M ą 0 tais que md( x, y) ď d2 (x, y) ď M d1 (x, y) então d1 e d2 são uniformemente equivalentes. (d) Mostre que as seguintes métricas em Rn são uniformemente equivalentes: g f n n ÿ fÿ |xi ´ yi | d2 (x, y) = e |xi ´ yi |2 d8 (x, y) = max |xi ´ yi | d1 (x , y ) = i=1 i=1 i (11) Mostre que as seguintes propriedades são propriedades uniformes: (a) Um espaço ser completo. (b) Um espaço ser totalmente limitado. (12) Seja X um espaço topológico e Y , Z espaços métricos. Mostre que, se uma sucessão de funções fn : X Ñ Y convergir uniformemente para uma função f e g : Y Ñ Z for uniformemente contínua então (g ˝ fn ) converge uniformemente para g ˝ f . Teorema de Ascoli-Arzelá Seja X um conjunto, Y um espaço métrico. Nesta secção queremos ver em que condições podemos garantir que uma sucessão de funções contínuas fn : X Ñ Y tem uma subsucessão convergente. Tal acontecerá sempre que a sucessão esteja contida num subespaço sequencialmente compacto, o que num espaço métrico é equivalente a ser completo e totalmente limitado. Em particular, temos que: Teorema 14. Seja (xn ) uma sucessão num espaço métrico completo. Se o conjunto txn : n P Nu for totalmente limitado, a sucessão (xn ) tem uma subsucessão convergente. Demonstração. O conjunto txn : n P Nu é completo e totalmente limitado, logo é sequencialmente compacto. □ Já estudámos duas topologias no conjunto Y X das funções f : X Ñ Y : ‚ A topologia produto, ou da convergência pontual, com subbase os conjuntos S(x, U ) = tf : f (x) P U u, com x P X e U Ă Y um aberto. ‚ A topologia uniforme, com base as ``bolas'': ! ) ( ) B(f, ε) = g : sup d f (x), g(x) ă ε . xPX YpX YuX , Representamos por e respectivamente, o conjunto Y X com as topologias produto e uniforme. Assumimos primeiro que X é compacto e Y é completo. Então o espaço C(X, Y ) das funções contínuas de X em Y é completo com a métrica uniforme. Definição 7. Dizemos que uma família de funções F Ă C(X, Y ) é equicontínua num ponto a P X sse: ( ) @ D @ x P U ñ d f (x), f (a) ă ε εą0 U PVa f PF Repare que a vizinhança U não depende da função f . 9 Teorema 15. Seja F Ă YuX um subespaço totalmente limitado. Então F é equicontínuo. Demonstração. Como F é totalmente limitado temos F = B(f1 , ε/3)Y¨ ¨ ¨YB(fk , ε/3). Para cada i, a função fi é contínua em a, logo existe uma vizinhança Ui de a tal que ( ) x P Ui ñ d f (x), f (a) ă ε/3. Seja U = U1 X ¨ ¨ ¨ X Uk . Então, dado um x P U e uma função f P F , f P B(fi , ε/3) para algum i logo d(f (x), f (a)) ď d(f (x), fi (x)) + f (fi (x), fi (a)) + d(fi (a), f (a)) ă ε/3 + ε/3 + ε/3 = ε. □ Mas, como veremos brevemente, o recíproco só é verdadeiro se X e Y forem ambos compactos: Exemplo 3. Seja F = tfn u P C([0, 1], R) a família de funções fn (x) = n. Esta família é equicontínua mas não é totalmente limitada. Exemplo 4. Seja F = tfn u P C(R, [´1, 1]) a família de funções definida por: $ ’ ’ ´1 se x ď n ´ 1 ’ & fn (x) = x ´ n se n ´ 1 ď x ď n + 1 ’ ’ ’ %1 se x ě n + 1 Esta família é equicontínua mas não é totalmente limitada. No caso em que X não é compacto, precisamos de introduzir uma nova topologia em Y X . Dado um compacto K Ă X um ε ą 0 e uma função f : X Ñ Y definimos as ``bolas'': ! ) BK (f, ε) = g P Y X : sup d(f (x), g(x)) ă ε xPK Definição 8. A topologia da convergência uniforme em compactos é a topologia gerada pela colecção tBK (f, ε)u. Teorema 16. Dado um f P Y X , a colecção tBK (f, ε)u é uma base de vizinhanças de f . ( ) Demonstração. Se f P BK (g, ε), seja δ = ε ´ sup d f (x), g(x) . Então BK (f, δ) Ă xPK BK (g, ε). □ Representamos por YcX o conjunto Y X com esta topologia. Vê-se facilmente que a topologia YcX é mais fina que a topologia YpX . Teorema 17. Seja X um espaço topológico, Y um espaço métrico, e seja F uma família equicontínua de funções f : X Ñ Y . Então as topologias produto e da convergência uniforme em compactos em F coincidem. 10 Demonstração. Representamos por Fp e Fc o conjunto F com as topologias produto e uniforme em compactos. Seja V Ă Fc um aberto. Vamos mostrar que para qualquer f P V , existe um aberto W Ă Fp tal que f P W Ă V , e portanto V é aberto em Fp . Começamos por tomar um compacto K Ă X e um ε ą 0 tal que BK (f, ε) Ă V . Como F é equicontínua, para cada a P K existe uma vizinhança Ua P Va tal que, para qualquer f P F , x P Ua ñ d(f (x), f (a)) ă ε/3. Como K é compacto, a cobertura tUa u tem uma subcobertura finita: K Ă Ua1 Y ¨ ¨ ¨ Y Uak . Seja W o conjunto das funções g P F tais que d(g(ai ), f (ai )) ă ε/3 para i = 1, . . . , k : ( ) ( ) W = S a1 , B(f (a1 ), ε/3) X ¨ ¨ ¨ X S ak , B(f (ak ), ε/3) . Claramente f P W . Vamos ver que W Ă BK (f, ε). Seja g P W . Dado um x P K , temos x P Uai para algum i e então: d(g(x), f (x)) ď d(g(x), g(ai )) + d(g(ai ), f (ai )) + d(f (ai ), f (x)) ă ε/3 + ε/3 + ε/3 = ε . Assim maxxPK d(g(x), f (x)) ă ε, logo g P BK (f, ε). Assim, W Ă BK (f, ε) Ă V , o que termina a demonstração. □ Teorema 18. Seja F Ă Y X uma família equicontínua. Então o fecho F p na topologia produto é também equicontínuo. Demonstração. Seja a P X . Dado ε ą 0, como F é equicontínua, existe uma vizinhança U P Va tal que x P U ñ d(f (x), f (a)) ă ε/3 para qualquer f P F . Vamos mostrar que x P U ñ d(g(x), g(a)) ă ε para qualquer g P F p . Seja x P U e g P F p . Seja W = S(a, B(g(a), ε/3)) X S(x, B(g(x), ε/3)). Então W é uma vizinhança de g logo podemos tomar um f P F X W . Então d(g(x), g(a)) ď d(g(x), f (x)) + d(f (x), f (a)) + d(f (a), g(a)) ă ε/3 + ε/3 + ε/3 = ε o que termina a demonstração. □ Como corolário imediato temos: Teorema 19. Seja F Ă Y X uma família equicontínua. Então os fechos F p e F c coincidem. Demonstração. Como YcX é mais fina que YpX , F c Ă F p . Como F p é equicontínua, F p = F c. □ Teorema 20 (Ascoli-Arzelá). Seja F Ă Y X uma família equicontínua de funções tal que, para qualquer a P X , o conjunto F (a) = tf (a) : f P F u Ă Y tem fecho compacto. Então F c Ă Cc (X, Y ) é compacto. 11 Demonstração. Basta observar que, na topologia produto, F Ă ź aPX F (a) = ź F (a) aPX que é compacto pelo Teorema de Tychonoff. Assim, F c = F p é compacto. □ Exercícios. (1) Mostre que um conjunto X Ă R tem fecho compacto sse for limitado. (2) Considere a sucessão de funções fn : R Ñ R definida por fn (x) = (n + 1)x/n. (a) Mostre que fn converge para x uniformemente em compactos. (b) Mostre que fn não converge uniformemente para x. (c) Mostre que tfn u é equicontínua. ( ) (d) Mostre que, para cada x P R, a sucessão fn (x) é limitada. (3) Repita o exercício anterior para a sucessão de funções fn : R Ñ R definidas por fn (x) = x/n. (4) Para cada n P N seja fn : [0, 1] Ñ R a função fn (x) = n (Exemplo 3). (a) Mostre que tfn u é equicontínua. (b) Mostre que tfn u não tem nenhuma subsucessão convergente. (c) Use a alínea anterior para mostrar que tfn u não é totalmente limitada na métrica uniforme. (d) Prove directamente que tfn u não é totalmente limitada. (5) Considere a sucessão de funções fn : R Ñ [´1, 1] do exemplo 4. (a) Mostre que fn converge pontualmente para uma função f contínua. (b) Mostre que nenhuma subsucessão de (fn ) converge para f uniformemente. (c) Usando a alínea anterior conclua que tfn u não é totalmente limitada. (d) Mostre que fn converge para f uniformemente em compactos. (e) Mostre que, para cada x P R, tfn (x)u é limitada. (f) Mostre que tfn u é equicontínua. (6) Mostre que a topologia da convergência uniforme em compactos em Y X é mais fina que a topologia produto. (7) Mostre que a topologia uniforme em Y X é mais fina que a topologia da convergência uniforme em compactos, e que elas coincidem quando X é compacto. (8) Seja F uma colecção de funções f : R Ñ R com a seguinte propriedade: existe uma constante M ą 0 tal que |f (x) ´ f (y)| ď M |x ´ y| para qualquer função f P F e quaisquer pontos x, y P R. (a) Mostre que, se existir uma constante M ą 0 tal que |f (x) ´ f (y)| ď M |x ´ y| para qualquer função f P F e quaisquer pontos x, y P R, então F é equicontínua. 12 (9) (10) (11) (12) (13) (b) Mostre que se as funções f P F forem diferenciáveis e se existir uma constante M ą 0 tal que |f 1 (x)| ď M para qualquer função f P F e qualquer ponto c P R, então F é equicontínua. Sugestão: Teorema de Lagrange. (c) Mostre que, se a condição |f 1 (x)| ď M se verificar apenas para x num aberto U Ă R, podemos ainda concluir que F é equicontínua em qualquer ponto a P U. Seja X um espaço topológico compacto e Y um espaço métrico compacto. Mostre que, na métrica uniforme, uma família F Ă C(X, Y ) é totalmente limitada sse for equicontínua. Considere a sucessão de funções fn : [0, 1] Ñ R definidas por fn (x) = xn . (a) Mostre que (fn ) é pontualmente limitada. (b) Calcule o limite f de (fn ) na topologia da convergência pontual. (c) Mostre que nenhuma subsucessão de fn converge para f uniformemente. (d) Use o Teorema de Ascoli-Arzelá para concluir que tfn u não é equicontínua. (e) Verifique directamente que (fn ) não é equicontínua em a = 1, resolvendo explicitamente a equação |fn (x) ´ fn (1)| ă ε. (f) Seja b ă 1. Mostre que existe uma constante M (que depende de b) tal que fn1 (x) ď M para qualquer n P N e qualquer x P [0, b[. Conclua que tfn u é equicontínua em qualquer ponto a P [0, 1[. Considere a sucessão de funções fn : R Ñ R definida por fn (x) = x + sin(nx). (a) Decida se tfn u é pontualmente limitada. (b) Mostre que tfn u não é equicontínua em a = 0. Sugestão: se fosse, existiria um δ ą 0 tal que |fn (x)| ă 1 para qualquer n P N e qualquer x P ]´δ, δ[; tome um n P N tal que x = π/(2n) ă δ . Quais das seguintes ducessões de funções em C(R, R) são pontualmente limitadas? Quais são equicontínuas? (a) gn (x) = n + sin x. Sugestão: calcule |fn (x) ´ fn (a)|. (b) hn (x) = |x|1/n . Sugestão: calcule o limite pontual h de hn e mostre que nenhuma subsucessão de hn converge para h. (c) kn (x) = n sin(x/n). Sugestão: derive kn . (Ver Munkres) Um espaço topológico X diz-se compactamente gerado se a seguinte condição se verificar: um conjunto U Ă X é aberto sse para qualquer compacto K Ă X , K X A for compacto. (a) Mostre que um espaço localmente compacto é compactamente gerado. (b) Mostre que um espaço que satisfaça o primeiro axioma de numerabilidade é compactamente gerado. (c) Mostre que, se X é compactamente gerado, uma função f : X Ñ Y é contínua sse para qualquer compacto K Ă X , f |K for contínua. 13 (14) (15) (16) (17) (d) Mostre que se X é compactamente gerado e Y é um espaço métrico, então C(X, Y ) é fechado em Y X na topologia da convergência uniforme em compactos. Seja X um espaço topológico separável, Y um espaço métrico, e considere C(X, Y ) com a topologia da convergência uniforme em compactos. Seja (fn ) uma sucessão equicontínua em C(X, Y ) tal que as sucessões (fn (x)) têm fecho compacto. (a) Mostre que, se A Ă X é um conjunto contável, (fn ) tem uma subsucessão fnk que converge pontualmente nos pontos x P A. (b) Mostre que, se A for denso, a subsucessão fnk converge uniformemente em qualquer compacto K Ă X . Pag. 280, exercícios 1 a 3, 5. Pag. 288, exercícios 1, 3. Pag. 292, exercícios 1 a 5. A topologia compacta aberta Definição 9. Sejam X , Y espaços topológicos. Dado um compacto K Ă X e um aberto U Ă Y seja S(K, U ) = tf P Y X : f (K) Ă U u. Chamamos topologia compacta aberta em Y X à topologia gerada pela colecção tS(K, U )u. Teorema 21. Seja X um espaço localmente compacto e seja Y um espaço métrico. Então as topologias compacta aberta e uniforme em compactos coincidem em C(X, Y ). Demonstração. Dado um compacto K Ă X , um aberto U Ă Y , e uma função f P S(K, U ), seja ε = d(f (K), X ´ U ). Então BK (f, ε) Ă S(K, U ) logo S(K, U ) é aberto na topologia uniforme em compactos. Seja agora V Ă C(X, Y ) um aberto na topologia uniforme em compactos, e seja f P U . Então existe um compacto K Ă X e um ε ą 0 tal que BK (f, ε) Ă U . Como f é contínua e X é localmente compacto, para cada a P K existe um aberto Va P Va tal que V a é compacto e x P V a ñ d(f (x), f (a)) ă ε/3. A cobertura tVa u de K tem uma subcobertura finita Va1 , . . . , Van . Seja W = S(V 1 , B(f (a1 ), ε/3)) X ¨ ¨ ¨ X S(V n , B(f (an ), ε/3)). Então f P W Ă BK (f, ε), o que termina a demonstração. □ Teorema 22. Sejam X , Y , Z espaços topológicos e seja f : X Ñ Y uma função contínua. Então, na topologia compacta aberta, composição com f induz funções contínuas f˚ : C(Z, X) Ñ C(Z, Y ) e f ˚ : C(Y, Z) Ñ C(X, Z). Em particular, restrição é uma função contínua. Teorema 23. A função ev : X ˆ C(X, Y ) Ñ Y definida por ev(x, f ) = f (x) é contínua. 14 Dada uma função f : X ˆ Y Ñ Z , para cada y P X temos uma função fy : X Ñ Z definida por fy (x) = f (x, y). Obtemos assim uma função F : Y Ñ Z X com F (y) = fy . Obtemos assim uma correspondência bijectiva entre Z XˆY e (Z X )Y . No caso em que X , Y , Z são espaços topológicos, se f : X ˆY Ñ Z for contínua, cada fy é também contínua pelo que F tem imagem em C(X, Z). Teorema 24. Consideremos a topologia compacta aberta em C(X, Y ). Se f : X ˆ Y Ñ Z for contínua então F : Y Ñ C(X, Z) é contínua. O recíproco é verdadeiro se X for localmente compacto de Hausdorff. Demonstração. Ver Munkres. □ Definição 10. Seja X um espaço topológico, a, b P X . Um caminho em X de a para b é uma funçõ contínua α : [0, 1] Ñ X tal que α(0) = a e α(1) = b. Como [0, 1] é localmente compacto de Hausdorff, um caminho em C(X, Y ) é o mesmo que uma função H : X ˆ [0, 1] Ñ Y . Definição 11. Dizemos que duas funções f, g : X Ñ Y são homotópicas se existir um caminho em C(X, Y ) de f para g , ou seja, se existir uma função H : X ˆ [0, 1] Ñ Y tal que H(x, 0) = f (x) e H(x, 1) = g(x). Estudaremos melhor caminhos e homotopias nas próximas secções. Exercícios. (1) Sejam X , Y espaços topológicos. Mostre que a topologia compacta aberta em Y X é mais fina que a topologia produto. (2) Seja Y um espaço de Hausdorff. Mostre que Y X é um espaço de Hausdorff na topologia compacta aberta e na topologia produto. (3) Demonstre o Teorema 22: (a) Mostre que, dado um compacto K Ă Z e um aberto U Ă Y , (f˚ )´1 S( K, U ) = S(K, f ´1 (U ). (b) Mostre que, dado um compacto K Ă X e um aberto U Ă Z , (f ˚ )´1 S(K, U ) = S(f (K), U ). (c) Conclua que f˚ e f ˚ são contínuas. (4) Mostre que se X1 é homeomorfo a X2 então C(X1 , Y ) é homeomorfo a C(X2 , Y ). Analogamente, se Y1 é homeomorfo a Y2 , então C(X, Y1 ) é homeomorfo a C(X, Y2 ). (5) Seja X um espaço localmente compacto de Hausdorff, Y um espaço métrico, e considere C(X, Y ) com a topologia da convergência uniforme em compactos. Seja F Ă C(X, Y ) com fecho F compacto. (a) Mostre que, para cada x P X , F (x) Ă Y tem fecho compacto. (b) Mostre que para qualquer compacto K Ă X , tf |K : f P F u Ă C(K, Y ) é totalmente limitado na métrica uniforme. 15 (6) (7) (8) (9) (10) (c) Mostre que F é equicontínua em qualquer ponto x P X . Considere a função cte : Y Ñ C(X, Y ) que leva cada ponto y P Y para a função constante igual a y . (a) Mostre que cte é um mergulho, tanto na topologia produto como na topologia compacta aberta. (b) Mostre que, se Y é Hausdorff, a imagem de cte é fechada, tanto na topologia produto como na topologia compacta aberta. (c) Mostre que se Cca (X, Y ) é Hausdorff, regular ou normal, então Y é Hausdorff, regular ou normal. Seja H(X) Ă C(X, X) o subespaço dos homeomorfismos. Mostre que a função H(X) Ñ H(X) que leva f para f ´1 é contínua. Sejam X , Y espaços topológicos, Z Ă Y . Mostre que, na topologia compacta aberta, C(X, Z) é homeomorfo ao subespaço de C(X, Y ) das funções com contradomínio contido em Z . Sejam X e Y espaços topológicos, B uma base de Y . Mostre que a colecção tS(K, U )u, em que K Ă X é compacto e U P B , é uma subbase da topologia compacta aberta em C(X, Y ). Pag. 288, exercícios 6, 7. Espaços conexos Definição 12. Uma separação dum espaço topológico X é um par de abertos disjuntos não vazios A, B cuja união é X . O espaço X diz-se conexo se não tiver nenhuma separação. Teorema 25. X é conexo sse os únicos subconjuntos de X simultaneamente abertos e fechados forem X , H. Demonstração. Se A, B for uma separação de X , A é também fechado pois A = X ´ B . Reciprocamente, se A Ă X for aberto e fechado, A, X ´ A é uma separação de X . □ Teorema 26. X é conexo sse todas as funções contínuas f : X Ñ t0, 1u forem constantes. Demonstração. Dada uma separação de X podemos construir a função sobrejectiva $ &0 x P A f (x) = %1 x P B e dada uma função f : X Ñ t0, 1u sobrejectiva podemos definir a separação A = f ´1 (0) e B = f ´1 (1). □ Podemos agora caracterizar os subespaços conexos de R: Teorema 27. Um espaço Y Ă R é conexo sse for um intervalo. 16 Demonstração. Se Y não for um intervalo, existem pontos a ă c ă b tais que a, b P Y mas c R Y . Então A = ]´8, c[ e B = ]c, +8[ formam uma separação de Y . Reciprocamente, se Y for um intervalo, o Teorema de Bolzano diz que qualquer função f : Y Ñ t0, 1u Ă R tem por contradomínio um intervalo, logo é constante, portanto Y é conexo. □ Os próximos quatro teoremas dizem-nos como construir novos espaços conexos: Ş Teorema 28. Dada uma colecção tXα u de subespaços conexos de X , se Xα ‰ H então Ť Xα é conexo. Ť Demonstração. Assumimos por absurdo que existe uma função f : Xα Ñ t0, 1u que Ť não é constante. Então existem pontos a, b P Xα tais que f (a) = 0 e f (b) = 1. Temos a P Xα e b P Xβ para alguns α, β , e como Xα e Xβ são conexos, f |Xα ” 0 e f |Xβ ” 1. Mas isto é impossível pois Xα X Xβ ‰ H. □ Teorema 29. Seja A Ă X conexo. Então qualquer espaço B tal que A Ă B Ă A é também conexo. Demonstração. Dada uma função contínua f : B Ñ t0, 1u, a restrição f |A é constante pelo que podemos assumir que f |A ” 0. Assumimos por absurdo que existia um x P B Ă A com f (x) = 1. Então U = f ´1 (t1u) é uma vizinhança de x pelo que A X U ‰ H, o que é uma contradição pois f |U ” 1. □ Teorema 30. Se X é conexo e f : X Ñ Y é contínua, então f (X) é conexo. Demonstração. Dada uma função g : f (X) Ñ t0, 1u, a composição g ˝ f : X Ñ t0, 1u é constante, logo g é constante. □ Teorema 31. Se X , Y são espaços conexos então X ˆ Y é também conexo. ( ) ( ) Demonstração. Para quaisquer x P X e y P Y , a ``cruz'' Tx,y = txu ˆ Y Y X ˆ tyu é Ť conexa. Então, fixando um ponto x P X , X ˆY = yPY Tx,y logo X ˆY é conexo. □ O Teorema de Bolzano pode ser generalizado a funções com domínio conexo: Teorema 32. Seja X um espaço conexo, f : X Ñ R uma função contínua. Então, dados quaisquer a, b P X , f toma todos os valores entre f (a) e f (b). Definição 13. Dado um espaço topológico X , dizemos que um ponto a P X é um ponto de corte se X ´ tau não for conexo. Um homeomorfismo preserva pontos de corte: Teorema 33. Seja f : X Ñ Y um homeomorfismo. Então um ponto a P X é um ponto de corte de X sse f (a) for um ponto de corte de Y . 17 Exercícios. (1) Encontre uma separação de cada um dos seguintes espaços: (a) X = ]´1, 0[ Y ]0, 1[ Ă R. (b) Y = [0, 1] Y [2, 3] Ă R. (c) A união das bolas de raio um em R2 centradas nos pontos (´1, 0), (0, ´1) e (1, 1). (2) Mostre que os seguintes espaços são conexos: (a) A circunferência S 1 . Sugestão: construa uma função com contradomínio S 1 . (b) O toro S 1 ˆ S 1 . (c) A circunferência S 1 menos um ponto. (d) Rn . (e) Uma bola B(x, ε) Ă Rn . (f) O conjunto t(x, y) P R2 : x2 + y 2 ď 1u. (3) Mostre que nenhum dos seguintes espaços é homeomorfo a nenhum outro: S 1 , [0, 1], [0, 1[, ]0, 1[, [0, 1] Y [2, 3], R2 , S 1 _ S 1 (a união de duas círcunferências com um ponto em comum). Sugestão: pontos de corte. (4) Decida, justificando, se os seguintes subconjuntos de R2 são ou não conexos: (a) A união das circunferências de raio um centradas nos pontos (2n, 0) P R2 , com n P Z. (b) O complementar do conjunto da alínea (a). (c) A união das circunferências de raio um centradas nos pontos (3n, 0) P R2 , com n P Z. (d) A união em n P N das circunferências de raio 1/n centradas em (1/n, 0) P R2 . (e) A união em n P N das circunferências de raio 1/n centradas na origem. (f) O conjunto dos pontos (x, y) P R2 com x, y P Q. (g) O conjunto dos pontos (x, y) P R2 com x P Q ou y P Q. (h) O conjunto dos pontos (x, y) P R2 com x P Q. (i) A união em m P Q das rectas y = mx + b (com b P R fixo). (j) A união em b P Q das rectas y = mx + b (com m P R fixo). (k) A união em m, b P Q das rectas y = mx + b. (l) O conjunto t(x, y) P R2 : xy ą 0u. (m) O fecho do conjunto da alínea anterior. (5) Mostre que não existe qualquer relação entre a conexidade dum conjunto A Ă R2 , a conexidade do seu interior e a conexidade da sua fronteira, dando exemplos de conjuntos A cobrindo as 23 = 8 possibilidades. (6) Seja f : Df Ñ R uma função contínua. Mostre que o gráfico de f é conexo sse Df for um intervalo. (7) Seja A, B uma separação de X . Mostre que qualquer subespaço conexo Y Ă X tem que estar contido ou em A ou em B . 18 (8) Sejam X , Y espaços conexos e fixemos pontos x P X e y P Y . Definimos X _ Y como o quociente (X + Y )/„ da união disjunta pela relação de equivalência gerada por x „ y . Mostre que X _ Y é conexo. (9) Pag. 152, exercícios 1 a 3, 5, 7, 9 a 11. Caminhos. Espaços conexos por arcos Definição 14. Dado um espaço topológico X e pontos a, b P X , um caminho de a para b é uma função contínua α : [0, 1] Ñ X tal que f (0) = a e f (1) = b. Definição 15. Seja X um espaço topológico. (1) Dado um ponto a P X , representamos por ea o caminho constante: ea (t) = a para qualquer t P [0, 1]. (2) Dado um caminho α em X de a para b, representamos por α o caminho de b para a definido por α(t) = α(1 ´ t). (3) Dados pontos a, b, c P X , um caminho α de a para c e um caminho β de c para b, chamamos concatenação dos caminhos α e β ao caminho α ‹ β definido pela equação $ &α(2t) se t P [0, 21 ] α ‹ β(t) = %β(2t ´ 1) se t P [ 1 , 1] 2 Para provar que α ‹ β é contínua basta observar que [0, 12 ] e [ 12 , 1] são subconjuntos fechados de [0, 1] e que na intersecção os dois ramos coincidem pois α(1) = β(0) = c. Definição 16. Dizemos que um espaço X é conexo por arcos se para quaisquer a, b P X existir um caminho em X de a para b. Teorema 34. Se X é conexo por arcos então X é conexo. Demonstração. Assumimos por absurdo que existe uma função sobrejectiva f : X Ñ t0, 1u. Então existem pontos a, b P X com f (a) = 0 e f (b) = 1. Seja α : [0, 1] Ñ X um caminho de a para b. Então f ˝ α é sobrejectiva, o que é impossível pois [0, 1] é conexo. □ Exemplo 5. Seja f : ]0, +8[ a função definida para x ą 0 por f (x) = cos(2π/x)/x e seja X = t(x, y) P R2 : x ą 0, y = f (x)u o gráfico de f . X é conexo pois é a imagem de ]0, +8[ pela função contínua g(x) = (x, f (x)). Como (0, 0) P X , X Y t(0, 0)u é também conexo. Mas X Y t(0, 0)u não é conexo por arcos: vamos supor por absurdo que existe um caminho α = (α1 , α2 ) em X Y t(0, 0)u unindo os pontos (0, 0) e (1, 1). Pelo Teorema de Weierstrass α2 é limitada logo existe um n P N tal que n ą α2 (t) para qualquer t P [0, 1]. Pelo teorema de Bolzano existe um t P [0, 1] tal que α1 (t) = 1/n. Como α(t) P X , α2 (t) = f (α1 (t)) = f (1/n) = n o que é uma contradição. Concluímos que X Y t(0, 0)u não é conexo por arcos. 19 Teorema 35. Seja C uma colecção de espaços conexos por arcos tal que Ť a união X = CPC C é conexa por arcos. Ş CPC C ‰ H. Então Demonstração. Sejam a, b P X . Então existem A, B P C tais que a P A e b P B . Seja c P A X B . Como A é conexo por arcos, exite um caminho α em A de a para c. Como B é conexo por arcos, exite um caminho β em B de c para b. Então a concatenação α ‹ β é um caminho de a para b. □ Teorema 36. Seja X um espaço conexo por arcos, f : X Ñ Y uma função contínua. Então f (X) é também conexo por arcos. Demonstração. Sejam a, b P f (X). Então a = f (x) e b = f (y) para alguns x, y P X . Como X é conexo por arcos, existe um caminho α : [0, 1] Ñ X de x para y . Então o caminho f ˝ α : [0, 1] Ñ Y é um caminho de a para b. □ Dada uma função contínua f : X Ñ Y e um caminho α em X , é costume representar o caminho f ˝ α em Y por f˚ α = f ˝ α. Exercícios. (1) Mostre que um subespaço de R é conexo sse for conexo por arcos. (2) Considere os caminhos α, β, γ : [0, 1] Ñ R em R definidos por α(t) = t(1 ´ t), β(t) = t e γ(t) = 1. Calcule e esboce os gráficos das funções α ‹ β , β ‹ γ , (α ‹ β) ‹ γ e α ‹ (β ‹ γ). ( ) (3) Considere o caminho α : [0, 1] Ñ S 1 definido por α(t) = cos(2πt), sin(2πt) . Calcule α ‹ α e verifique que (α ‹ α) ‹ α ‰ α ‹ (α ‹ α). (4) Dizemos que um conjunto X Ă Rn é um conjunto em estrela se existir um ponto a P X tal que, para qualquer x P X , o segmento de recta entre a e x: L = ttx + (1 ´ t)a : 0 ď t ď 1u estiver contido em X . Mostre que qualquer conjunto em estrela é conexo por arcos. (5) Sejam X , Y espaços topológicos, f : X Ñ Y uma função contínua, a, b, c P X , α um caminho entre a e b e β um caminho entre b e c. Mostre que: (a) ea = ea e α = α. (b) α ‹ β = β ‹ α. (c) f˚ (ea ) = ef (a) e f˚ α = f˚ α. (d) f˚ (α ‹ β) = (f˚ α) ‹ (f˚ β). (Ť ) (6) Para cada n P N seja Fn = t1/nu ˆ [´n, n] Ă R2 e seja X = R2 ´ Fn . (a) Seja Y = t(x, y) P X : x ą 0u. Mostre que Y é conexo por arcos. (b) Mostre que X é conexo. Sugestão: escreva X como uma união A Y Y para um espaço A apropriado. (c) Mostre que X não é conexo por arcos. (7) Mostre que o produto de espaços conexos por arcos é conexo por arcos. 20 (8) Pag. 157, exercícios 1, 9, 10 Componentes Começamos por introduzir uma relação de equivalência em X : Definição 17. Dados a, b P X , dizemos que a „ b se existir um caminho em X de a para b. Teorema 37. A relação „ é uma relação de equivalência. Demonstração. (1) Para mostrar que a „ a basta considerar o caminho constante ea (t) = a. (2) Vamos ver que (a „ b) ô (b „ a). Basta observar que se α é um caminho em X de a para b então o caminho ᾱ(t) = α(1 ´ t) é um caminho em X de b para a. (3) Vamos supor que a „ b e que b „ c. Então existe um caminho α de a para b e um caminho β de b para c. A concatenação α ‹ β é um caminho de a para c. □ Definição 18. Chamamos componentes conexas por arcos de X às classes de equivalência Px = [x] da relação de equivalência „. Como sempre acontece com relações de equivalência, dados x, y P X , ou Px = Py ou Px X Py = H. Assim, as componentes conexas por arcos formam uma partição de X. Teorema 38. Px é o maior conjunto conexo por arcos que contém x. Ou seja, Px é conexo por arcos, e dado qualquer conjunto A conexo por arcos tal que x P A, temos A Ă Px . Demonstração. Começamos por ver que Px é conexo por arcos: se a, b P Px então a „ x e b „ x logo a „ b logo existe um caminho de a para b. Supomos agora que A é conexo por arcos e que x P A. Então, para qualquer y P A existe um caminho em A de x para y , logo x „ y , logo y P Px . Assim, A Ă Px . □ De modo semelhante, podemos introduzir a noção de componente conexa. Definição 19. Dizemos que a „ b se existir um conjunto A conexo tal que x, y P A. Chamamos componentes conexas de X às classes de equivalência, que representamos por Cx = [x]. Para ver que se trata duma relação de equivalência a única dificuldade é provar a transitividade: Se a „ b e b „ c, existem conexos A e C com a, b P A e b, c P C . Mas então b P A X C logo A Y C é conexo e a, c P A Y C logo a „ c. Tal como antes, as componentes conexas formam uma partição de X e temos: 21 Teorema 39. Cx é o maior conjunto conexo que contém x. Demonstração. Se A for conexo e x P A, para qualquer y P A temos x „ y logo y P Cx . Assim A Ă Cx . Falta ver que Cx é conexo. Para tal basta ver que ď Cx = tA Ă X : A é conexo e x P Au pois trata-se da união de conjuntos conexos com intersecção não vazia. Já provámos Ą pois qualquer A conexo com x P A está contido em Cx . Para provar Ă tomamos um y P Cx . Então y „ x logo existe um conexo A tal que x, y P A, o que termina a demonstração. □ Teorema 40. Para qualquer x P X , Cx é fechado em X . Demonstração. Como Cx é conexo, C x também é conexo, logo C x Ă Cx pelo que Cx é fechado. □ Em geral, as componentes conexas não são abertas. Para tal precisamos duma condição extra: Definição 20. Dizemos que um espaço X é localmente conexo se para qualquer x P X e qualquer U P Vx , existir uma vizinhança V P Vx conexa. Analogamente, dizemos que X é localmente conexo por arcos se para qualquer x P X e qualquer U P Vx , existir uma vizinhança V P Vx conexa por arcos. Teorema 41. Se X é localmente conexo (ou localmente conexo por arcos) e A Ă X é aberto então A é também localmente conexo (ou localmente conexo por arcos). Teorema 42. Se X é localmente conexo então as componentes conexas de X são abertas. Se X é localmente conexo por arcos então as componentes conexas por arcos de X são abertas. Teorema 43. Num espaço localmente conexo por arcos as componentes conexas e as componentes conexas por arcos coincidem. Exercícios. (1) Seja A Ă R um aberto. (a) Mostre que as componentes conexas de A são intervalos abertos. (b) Conclua que qualquer aberto em R é uma união de intervalos abertos disjuntos. (2) Mostre que X ˆ Q não é localmente conexo em nenhum ponto. (3) Seja X Ă R2 a união das rectas y = mx com m P Q. (a) Mostre que X é localmente conexo em 0 P X . (b) Mostre que X ´ t0u é homeomorfo a S 1 ˆ Q. (c) Conclua que X só é localmente conexo em 0. (4) Dado um espaço topológico X , representamos por π0 (X) o conjunto das componentes conexas por arcos de X . 22 (a) Dada uma função contínua f : X Ñ Y , e uma componente conexa C Ă X , mostre que existe uma única componente conexa C 1 Ă Y tal que f (C) Ă C 1 . Definimos a função f˚ : π0 (X) Ñ π0 (Y ) por f˚ C = C 1 . (b) Dadas funções contínuas f : X Ñ Y e g : Y Ñ Z , mostre que (g ˝f )˚ = g˚ ˝f˚ . (c) Mostre que se f : X Ñ Y é um homeomorfismo, então f˚ é uma bijecção. (d) Mostre que π0 (X ˆ Y ) é isomorfo a π0 (X) ˆ π0 (Y ) (isto é, tem a mesma cardinalidade). (5) Mostre que a relação de homotopia f » g entre duas funções f, g : X Ñ Y é uma relação de equivalência. Sugestão: recorde que uma homotopia pode ser vista como um caminho num espaço de funções. (6) Seja X um espaço topológico, a, b P X . Seja Ca,b Ă C([0, 1], X) o espaço dos caminhos entre a e b, com a topologia compacta aberta. Mostre que dois caminhos α, β P Ca,b estão na mesma componente conexa por arcos sse existir uma função contínua H : [0, 1] ˆ [0, 1] Ñ X tal que H(s, 0) = α(s), H(s, 1) = β(s), H(0, t) = a e H(1, t) = b (dizemos então que os dois caminhos são homotópicos). (7) Pag. 162, exercícios 1, 2, 5, 10.