ADJETIVOS COMO MARCADORES DE POSIÇÃO ENUNCIATIVA DO SUJEITO EM TEXTOS DE OPINIÃO Angélica Denise Marcondes Silva1, Marco Antônio Villarta Neder2 1 UNIVAP/FE – Faculdade de Educação, R.Tertuliano Delfin Junior 181 – Jd. Aquárius, S. J. dos Campos/SP e-mail: angé[email protected] 2 UNIVAP/FE – Faculdade de Educação, R.Tertuliano Delfin Junior 181 – Jd. Aquárius, S. J. dos Campos/SP e-mail: [email protected] Resumo: As escolhas lexicais e as estruturas presentes num texto criam efeitos de sentidos diferentes. Tais construções não se dão acaso, são resultados de posições enunciativas do sujeito, que são determinadas pelo contexto sócio-histórico e ideológico. Essa percepção, auxilia a visão mais racional sobre o porquê e como estudar a estrutura de uma língua. O tema deste artigo se baseia nesse olhar mais crítico ao ensino dos termos gramaticais da Língua Portuguesa nas escolas. A Análise do Discurso de linha francesa foi a ferramenta utilizada para o desenvolvimento do trabalho, analisando nos textos de opinião, os adjetivos quanto a seus efeitos semântico-discursivos e estruturais. Palavras-chave: adjetivos, análise do discurso, posição, sujeito Área do Conhecimento: Lingüística, Letras e Artes. Introdução Ao verificar como é tratado o ensino de Língua Portuguesa nas escolas, surgiu a necessidade de buscar um olhar mais crítico aos termos gramaticais ensinados, a fim de torná-los ferramentas à participação e reflexão do indivíduo no entendimento dos discursos que o circundam. Ao mostrar que algumas construções textuais podem criar efeitos diferentes, é possível de se ter uma visão mais racional sobre as nuances de entendimento em relação a um texto, que entenderemos aqui como a materialização de um discurso. Normalmente o texto é abordado apenas por dois lados, o semântico e o sintático, esquecendo-se que foi constituído em determinadas condições de produção, que é o contexto sócio-histórico e ideológico(ORLANDI, 2005), além do total ou parcial silenciamento dos seus interlocutores - sujeitos dotados de diferentes historicidades. A partir da análise realizada em alguns textos de opinião foi possível a constatação que a estrutura sintática utilizada pode demonstrar a posição que o sujeito ocupa dentro do discurso, ou seja, o modo que a construção discursiva está presente no discurso dialoga com as formações imaginárias desses sujeitos, ativando suas memórias discursivas, chegando ao interdiscurso presente no discurso em questão. Desse modo, a língua não pode ser estudada separadamente do discurso, pois é através da língua que o sujeito significa o mundo em que está inserido. Cada discurso enunciado pelo sujeito, é produzido através das escolhas e estruturas sintáticas que obedecem a uma formação discursiva. Possenti (2002) afirma que a língua não é um sistema isolado e abstrato, pois o elemento ideológico e cultural responsável pela formação discursiva materializa-se na estrutura do discurso. Materiais e Métodos Para tal análise foram escolhidos dois textos de opinião referente ao evento conhecido como “a Dança da Pizza” ocorrido no Congresso Nacional Brasileiro , em março de 2006. A Análise do Discurso de linha Francesa, fundada por Michel Pêcheux, denominada AD, foi tomada como teoria para a análise. Entretanto, não fragmentará o texto em níveis lingüísticos, pois como afirma Possenti (1999) “o discurso não deve ser entendido como mais um nível lingüístico, mas antes como um efeito que se produz através da exploração sistemática de certos mecanismos da língua. Tal efeito resulta de uma posição do locutor e materializa uma certa ideologia”. Através de uma pesquisa qualitativa, com amostras intencionais, foi feito um levantamento dos adjetivos presentes nos textos, analisando-os quanto a seus efeitos semântico-discursivos e estruturais. Resultados Na análise realizada nos textos foram percebidas, através das construções sintáticas e lexicais, diferentes posições enunciativas dos sujeitos: uma contrária ao governo PT e outra mais cuidadosa ao expor e comentar sobre a situação política em questão, não comprometendo a imagem do partido. X Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e VI Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 1995 Devido à extensão, foi selecionado um fragmento de cada texto analisado a fim de se mostrar os resultados obtidos. Fragmento 1: “Começo, não sem certo enfado, a dizer o que penso do Executivo, na figura do nosso presidente. Sua conduta me tem transmitido a impressão de que ele é enganador, cara-de-pau, evasivo, fanfarrão, oportunista, ardiloso, demagogo e cínico (...)” (RIBEIRO, 2006) Neste trecho, o efeito de sentido causado pela construção é de revolta em relação a situação política vivenciada pelo sujeito enunciador. A frase em destaque mostra que a escolha lexical se deu a partir da necessidade de “desabafar”, buscando na memória discursiva palavras que pudessem significar a posição que o sujeito assumia no momento da enunciação. Essas escolhas lexicais se deram em condições de produção específicas e dialogaram com a historicidade do sujeito, bem como, com a imagem que ele faz da figura do presidente. Esta construção mostra que o sujeito se coloca numa posição de total contrariedade em relação ao governo petista, principalmente quando toma a figura do presidente como escopo. Essa decisão limita as possíveis dispersões, ou seja, há um único indivíduo sendo caracterizado por adjetivos provenientes de uma mesma rede de significados negativos, causando a concentração desses sentidos num só ponto – o presidente. Fragmento 2: “Demonstraram que o PT é a maior expressão política popular brasileira, e não concordam com os dirigentes que, embora apareçam na mídia como os pilares do partido e do governo, na verdade eram seus pontos mais frágeis e vulneráveis”.(POMAR, 2006). O efeito de sentido causado não é o mesmo do primeiro texto, apesar de ambos tratarem do mesmo tema. Enquanto o primeiro mostra uma falta de preocupação na degradação da imagem do PT, representado pelo presidente da República; o segundo é marcado pelo cuidado em não escolher um único indivíduo como escopo, o que causa o efeito de dissolução e amenização ao caracterizar. Principalmente, porque a situação e os dirigentes do partido, que não são especificados, tornam-se o escopo. Toda a sutileza utilizada neste trecho, mostra que a posição ocupada pelo sujeito dentro do enunciado é muito mais de simpatia do que de repulsa, pois o efeito que a escolha lexical e, principalmente, a estrutura utilizada no discurso, mostram que, ao contrário do primeiro, este defende o partido, que parece ser vítima dos falsos dirigentes. Discussão O uso cotidiano proporciona uma reflexão quanto ao papel dos adjetivos nas estruturas lingüísticas como simples qualificadores de nomes. Como tudo ou quase tudo que se aprende em gramática normativa, poucos desafiaram questionar essa simples e superficial definição. Alguns pesquisadores chegaram a elaborar que a posição do adjetivo, anterior ou posterior ao substantivo, modifica a semântica do texto. Outros, como Neves (2005) chegaram à definição de que os adjetivos não são apenas qualificadores, podem diferenciar, restringindo o nome, dando a estes uma característica única. Porém, mesmo com esse olhar, o estudo da gramática se torna limitado e fracionado, o que causa o efeito de alienação. Através da abordagem feita pala AD, na qual considera o texto como uma materialização do discurso, sendo este um efeito de sentidos entre interlocutores (ORLANDI, 2005) – nota-se que não há espaço para a simples nomeação das classes gramaticais, é preciso um estudo mais aprofundado sobre a construção de um texto. Pensar quais os efeitos de sentidos são causados por determinadas escolhas lexicais, assim como as organizações sintáticas. A experiência como usuário da língua, mostra que as palavras utilizadas para significar não dizem tudo, são sujeitas à interação para assumirem um significado. Através de uma análise mais atenta, é possível entender que a escolha lexical não se dá ao acaso, ela faz parte de um “arquivo” lingüístico, que já foi empregado antes, em outras enunciações do próprio sujeito – intradiscurso - ou de outros – interdiscurso. O interdiscurso, segundo Pêcheux (1993) é a base das construções sociais de sentidos que constituem a memória discursiva dos já ditos existentes na sociedade, numa espécie de entrelaçamentos de sentidos. Portanto, ao se utilizar de interdiscursos para enunciar, o sujeito fala de uma posição que é determinada pelas formações discursivas e condições de produção e, estas se materializam no seu discurso. No primeiro fragmento analisado, percebese que os adjetivos utilizados são de natureza coloquial, provenientes da mesma rede semântica, da qual colocam o presidente como um homem não merecedor de crédito e confiança. Essa primeira análise apenas mostra a estrutura do texto, mas não auxilia a compreender o porquê de tais escolhas e quais os efeitos que estas causariam no leitor, não considera que a linguagem enquanto discurso é interação, uma relação simbólica com o mundo, produzida por um sujeito integrado em um momento histórico e social, não é neutra, inocente e , muito menos natural , por isso um lugar privilegiado de manifestação da ideologia (BRANDÃO, 2002). A estrutura se dá pela escolha de um predicativo do sujeito “ele é...”, ao se utilizar um verbo de ligação – semanticamente vazio – o X Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e VI Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 1996 significado se concentra nos adjetivos que seguem o verbo, neste caso em específico, o significado fica dependente dos afixos ou mesmo da própria palavra, como é o caso de “cara-de-pau”. Tal efeito é resultado da estrutura sintática utilizada. A imagem ideológica que se faz do presidente permite o locutor utilizar tais palavras. A origem social do governante possibilita o sujeito autor ocupar determinada posição, neste caso, o de total inconformado com as atitudes políticas, já que Lula veio de um partido popular, o qual tinha como proposta representar o povo. Não há um cuidado na obtenção de palavras sutis que não ocasionem um efeito de agressão ou que não denigram a imagem de quem se fala. Em contrapartida, o segundo fragmento produz um efeito contrário. Pôde-se perceber um cuidado maior na especificação do nome através da escolha de uma frase como predicativo do sujeito ao “qualificar” o PT: “PT é a maior expressão política popular brasileira”. O efeito é causado não só pelos adjetivos, mas pelas palavras que formam a frase. Ainda nesse trecho, o uso de uma oração subordinada adverbial concessiva demonstra uma maior sutileza ao se falar dos dirigentes do PT que são caracterizados por uma relativa restritiva: “dirigentes que, embora apareçam na mídia como os pilares do partido e do governo, na verdade eram seus pontos mais frágeis e vulneráveis”. A sutileza em se utilizar orações para caracterizar ou explicar um nome demonstram a necessidade de se encontrar palavras adequadas que não causem um efeito negativo de quem se fala. Essas construções mostram a presença de interdiscursos que participam dos dizeres, pois retomam outros dizeres já existentes sobre o que está sendo dito. Ainda no primeiro fragmento, a construção sintática não instaura pressupostos, pois demonstra que o sujeito fala de uma posição na qual não são necessárias as ressalvas. Já o segundo, abre uma pressuposição de que existem outros pontos frágeis, mas menos vulneráveis que os dirigentes do partido. Essa escolha cuidadosa de palavras para se explicar o PT e seus dirigentes demonstram que a formação discursiva que o sujeito parte, ou seja, a ideologia presente no seu discurso é diferente da encontrada no primeiro texto. A partir dessa observação, torna-se evidente a diferença de posições dos sujeitos, assim como, os efeitos causados. A análise dos textos de opinião pôde mostrar que o modo que se constrói o discurso não se dá ao acaso, ele é determinado pelas condições de produção e interdiscurso. Fernandes (2005) diz que “as escolhas lexicais e seu uso revelam a presença de ideologias que se opõem, revelando igualmente a presença de diferentes discursos, que, por sua vez, expressam a posição de grupos de sujeitos acerca de um mesmo tema.” e, essa percepção auxilia ao olhar mais crítico quanto aos discursos que existem sobre um determinado tema. Conclusão Com um olhar mais complexo, porém mais crítico, tanto aluno como professor poderá enxergar o motivo pelo qual se estuda a estrutura de uma língua. Decorar nomes, regras, significados prontos apenas servem para alienálos, pois não fazem sentido algum em suas vidas. Ao perceber que a língua é ferramenta que os indivíduos se utilizam para produzirem a própria imagem e posição numa sociedade, talvez haja um maior interesse em “desvendar os mistérios” que permeiam um discurso. Isso não é tarefa fácil, mas é preciso teorizar o que o senso comum já sabe de modo intuitivo. Na linguagem não existem acasos. Cada construção lingüística pode ser explicada a partir das condições de produção, assim como através da posição e da historicidade do sujeito que as enuncia e que enuncia através dela. Referências - BRANDÃO, Helena H. N. Introdução à análise do Discurso. 6 ed. Campinas, São Paulo: Unicamp, 2002. - FERNANDES: C. A. Análise do discurso: reflexões introdutórias. Goiânia: Trilhas Urbanas, 2005. - NEVES, M. H. M. Os segredos do adjetivo. Revista Língua Portuguesa: Segmento, p. 46 - 47, 01 dez. 2005. - ORLANDI, Eni P. Análise do discurso: princípios e procedimentos. 6. ed. São Paulo: Pontes, 2005. - PÊCHEUX, M. Análise de discurso: três épocas. In: F. GADET et. HAK, Por uma análise automática do discurso. Uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas: UNICAMP, 1993. - POMAR, Wladimir. O mal que a falta faz. 09 abr. 2006. Disponível em: http://oilita.blogspot.com. Acesso em 02/05/06. - POSSENTI, Sírio. Os Limites do Discurso: ensaios sobre discurso e sujeito. Curitiba, Paraná: Criar Edições, 2002. - _____________. O discurso não é uma camada. In: RODRIGUES, AC; ALVES, I. & GOLDSTEIN, X Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e VI Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 1997 NS (orgs.). I Seminário de Filologia e Língua Portuguesa. 1 ed. São Paulo: Humanitas, 1999. - RIBEIRO, João Hubaldo. Me visitem na cadeia. Jornal O Globo, 02 abr. 2006. Disponível em http://www.ternuma.com.br/jubaldo64.htm. Acesso em 01/05/06. X Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e VI Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 1998