Viscosidade do sangue P.J. Oliveira (UBI, Novembro 2009) O sangue é uma suspensão de células (eritrócitos, leucócitos e trombócitos) em plasma. As células que existem em maior quantidade são os eritrócitos, ou glóbulos vermelhos, sendo determinantes para definir as propriedades reológicas do sangue. A sua concentração volumétrica, o hematócrito H , varia consoante a temperatura e o estado de saúde da pessoa, mas ronda os H = 42 − 45 % em situação normal. O sangue comporta-se como um fluido não newtoniano, sobretudo para valores baixos da taxa de deformação ( γ < 100 s-1) e quando circula em vasos de pequenas dimensões ( d ≤ 1 mm). Neste último caso o cariz bifásico da suspensão, plasma com 45% de glóbulos vermelhos, torna-se notório. Isto acentua-se ainda mais quando o diâmetro dos vasos é da mesma ordem de grandeza das dimensões dos glóbulos vermelhos ( d gv = 8µ m) como acontece nos capilares. Reofluidificação Para se contabilizar o efeito de reofluidificação do sangue, ou seja, a diminuição da viscosidade η com o aumento da taxa de deformação γ , usam-se modelos não newtonianos inelásticos (sem elasticidade), também designados por modelos GNF (Generalized Newtonian Fluid). Existem vários modelos empíricos deste tipo, e um deles é o modelo de Carreau-Yasuda, definido pela equação: a η (γ ) = η∞ + (η0 − η∞ ) 1 + ( λγ ) n −1 a Esta equação tem 5 parâmetros independentes que, para o caso do sangue, tomam os valores: Viscosidade para taxa de corte nula: η0 = 0.056 Pa.s Viscosidade para taxa de corte infinita: η∞ = 0.00345 Pa.s Parâmetro Yasuda: a = 2 Tempo característico: λ = 3.313 s Expoente: n = 0.3568 η(γ) (Ns/m2) 0.1 0.01 . 0.001 0.01 0.1 1 100 . 10 γ (1/s) 1000 10000 Fig. 1 Variação da viscosidade do sangue, modelo Carreau-Yasuda. -1- A Figura 1 mostra a variação da viscosidade em função da taxa de deformação de corte prevista pelo modelo de Carreau-Yasuda. Para taxas de deformação baixas a viscosidade é constante e igual ao valor de η0 . A partir de um certo valor de γ , dado aproximadamente pelo inverso do tempo característico 1/ λ ( 1/ 3.13 = 0.30 1/s), a viscosidade começa a decair segundo uma taxa determinada pelo expoente n . Quanto menor for n , maior é a inclinação da variação da viscosidade em função de γ , a qual é dada por −(1 − n) em representação loglog. Da definição do coeficiente de viscosidade de corte, obtém-se a tensão de corte: τ = ηγ A sua variação em escala logarítmíca é mostrada na Figura 2. Observa-se que para valores elevados da taxa de corte a tensão vai aumentando linearmente, o que é característico do comportamento newtoniano ( τ = µγ , µ constante). 100 τ(γ) (N/m2) 10 1 0.1 . 0.01 0.001 0.0001 0.01 0.1 1 100 . 10 γ (1/s) 1000 10000 Fig. 2 Tensão de corte em função da taxa de deformação para modelo Carreau-Yasuda. A reofluidificação é mostrada de forma mais efectiva num gráfico em escala linear, como o da Figura 3, que dá a tensão de corte do modelo Carreau-Yasuda com os mesmos parâmetros dados acima. A diminuição do aumento da tensão de corte à medida que a taxa de deformação aumenta é agora notória, sobretudo para baixos valores de γ . Fica também claro que este modelo não tem tensão de cedência, uma vez que a tensão de corte tende para zero quando γ → 0 . -2- 1 τ(γ) (N/m2) 0.8 . 0.6 0.4 0.2 0 0 40 80. 120 160 200 γ (1/s) Fig. 3 Tensão de corte versus taxa de corte em escala linear: modelo Carreau-Yasuda. Reofluidificação. Efeitos de hematócrito e temperatura Quando as taxas de deformação são elevadas, o sangue pode considerar-se como uma suspensão de “partículas” num fluido newtoniano. Einstein deduziu uma equação que dá a viscosidade da suspensão quando as partículas são esféricas e a sua concentração volumétrica φ é pequena ( φ ≤ 0.05 ) e que, quando aplicada ao sangue, se escreve: 1 1 − αφ η = ηP Aqui η é a viscosidade do sangue, η P é a viscosidade do plasma (η P ≈ (1.2 − 1.8)η agua ; η P ≅ 1.24 ×10−3 Pa.s a 37ºC) e α é um parâmetro que depende da forma geométrica das partículas, sendo α = 2.5 para esferas como na lei de Einstein. Para valores mais elevados de concentração φ , ou seja do hematócrito H = 100φ no caso do sangue, este parâmetro varia não só com a própria concentração mas também com a temperatura. A seguinte correlação empírica permite obter α numa gama limitada de concentrações: α = 0.076 exp 2.49φ + 1107 −1.69φ e T (K ) para 0.05 ≤ φ ≤ 0.6 . A Figura 4 mostra a variação de viscosidade do sangue prevista com este modelo, onde se usou para viscosidade do plasma o valor acima indicado (0.00124 Pa.s) e para temperatura o valor normal do corpo humano, 37ºC, ou seja T = 310 K. Verifica-se que a viscosidade aumenta exponencialmente com o aumento do hematócrito, até valores de H = 60% ( φ = 0.60 ) que correspondem já a estados patológicos (policitemia). Na gama normal de valores do hematócrito, quando H passa de 40 para 50%, a viscosidade aumenta de 28%. Este aumento de viscosidade implica trabalho adicional para bombear o sangue. Por outro lado, quando a temperatura sobe de 37ºC para 40ºC, com H = 45% constante, a viscosidade decresce de 2%. -3- viscosidade (Ns/m2) 0.005 0.004 0.003 . 0.002 0.001 0 20 . 40 Hematócrito (%) 60 Fig. 4 Variação da viscosidade do sangue em função do hematócrito (concentração volumétrica dos glóbulos vermelhos), para temperatura de 37ºC. Tensão de Cedência Quando o sangue está em repouso, existe tendência para os glóbulos vermelhos se aglomerarem formando estruturas. Estas estruturas opõem-se ao movimento quando uma tensão relativamente pequena é aplicada. Por isso o sangue é um fluido que apresenta tensão de cedência, isto é, uma tensão abaixo da qual o sangue não se deforma. Um modelo GNF incorporando tensão de cedência e que tem sido muito utilizado para descrever a viscosidade do sangue é o modelo de Casson, definido pelas equações: τ = τ 0 + η∞γ γ = 0 se τ ≥ τ 0 se τ ≤ τ 0 A tensão de cedência τ 0 depende do hematócrito, assim como o coeficiente de viscosidade da Casson η∞ . Usando os valores τ 0 = 0.0108 Pa e η∞ = 0.00276 Pa.s fornecidos na literatura, obtém-se a variação da viscosidade apresentada na Figura 5, comparada com a do modelo Carreau-Yasuda dado acima. Observa-se que para γ ≥ 0.3 s-1, quando a reofluificação do sangue começa a ser mais acentuada, os valores de viscosidade dados pelos dois modelos são muito próximos. Para valores mais baixos da taxa de corte a viscosidade prevista pelo modelo de Casson continua a aumentar enquanto a prevista pelo modelo de Carreau tende para um patamar definido pela viscosidade a taxa de deformação nula η0 . -4- 10 Carreau-Yasuda Casson η(γ) (Ns/m2) 1 0.1 . 0.01 0.001 0.01 0.1 1 100 . 10 γ (1/s) 1000 10000 Fig. 5 Modelo de Casson, variação da viscosidade. Nessa altura a tensão é próxima da tensão de cedência e o valor da viscosidade deixa de ter relevância uma vez que, para essa gama de deformações, se tem aproximadamente γ = 0 . Isto torna-se claro no gráfico da variação da tensão com a taxa de deformação da Figura 6. Para γ ≤ 0.1 s-1 tem-se τ ≅ 0.01Pa ≈ τ 0 e o modelo de Casson implica comportamento de sólido indeformável. 1 Carreau Casson τ(γ) (N/m2) 0.1 0.01 . 0.001 0.0001 0.01 0.1 .1 γ (1/s) 10 100 Fig. 6 Modelo de Casson, variação da tensão de corte. A variação da tensão de cedência com o hematócrito é correlacionada pela seguinte expressão (Merril et al, Biophysical J., 3 (1963) 199- 213; nota: hematócrito em percentagem): (τ 0 ) 1/ 3 = A ( H − H 0 ) (din/cm2), com H 0 = 5 e A = ( 0.008 ± 0.002 ) -5- Na verdade o valor do hematócrito H 0 acima do qual começa a haver tensão de cedência pode variar entre H 0 = 1.3 − 6.5 . Nota 1 din/cm2 = 0.1 Pa (Pa=N/m2.). Para H = 45 e H 0 = 5 , esta expressão dá uma tensão de cedência de τ 0 = ( 0.008 × 40 ) = 0.033 3 din/cm2 = 0.0033 .Pa = 3.3 mPa. Para um valor normal de hematócrito, H = 45 , a gama de variação da constante A da correlação conduz a uma variação da tensão de cedência entre τ 0 = 0.001 Pa e τ 0 = 0.0064 Pa (1 e 6 mPa). A correlação acima pode escrever-se em MKS: τ 0 = 51.2 (φ − φ0 ) mPa 3 com φ0 = 0.05 . Existem expressões semelhantes a esta na literatura, mas sem utilizar o valor mínimo do hematócrito abaixo do qual não ocorre tensão de cedência. Por exemplo (Picart et al., J. Rheol. 42 (1998) 1-12): τ 0 = 26.87 (φ ) mPa 3 Para φ = 0.45 esta expressão dá τ 0 = 2.4 mPa. Outra expressão encontrada na literatura (Das et al., Biorheology 37 (2000) 239-258) é: (τ 0 ) 1/ 2 1 α / 2 2 = β − 1 din/cm 1 − φ com: α = 2.0 e β = 0.3315 para sangue humano; e α = 1.621 e β = 0.627 para sangue de gato. No caso de sangue humano, para um hematócrito de H = 45 , φ = H /100 = 0.45 , vem τ 0 = 0.0074 N/m2 = 7.4 mPa. -6- ANEXOS 1. Programa para calcular a viscosidade de corte dos modelos de Carreau-Yasuda e Casson program GNFVIS C C C C PREPARE SHEAR VISCOSITY FOR CARREAU AND CASSON MODELS in simple shear OPEN(10,FILE='gnfvis.dat') C Dados partida para modelo Carreau, C vis=visinf+(vis0-visinf)*(1+(al*gam)**a)**((n-1)/a) AL=3.313 VISINF=0.00345 VIS0=0.056 A=2.0 C Dados partida modelo Casson tau**1/2=tauy**1/2+(Kc*gam)**1/2 TAUY=0.0108 AKC=0.00276 print *,' AN ?' read(*,*) AN AN1=AN-1. C Gama de texas de corte ... GAM1=1.E-2 GAM2=1.E4 NGAM=200 gl1=alog10(gam1) gl2=alog10(gam2) DGAM=(gl2-gl1)/float(ngam) GLAM=GL1 DO 10 I=1,NGAM GAM=10.**(GLAM) C Modelo Carreau viscosidade e tensao corte VIS=VISINF+(VIS0-VISINF)*(1.+(AL*GAM)**A)**(AN1/A) TXY=VIS*GAM C Modelo Casson: tensao corte e viscosidade TAUC=(SQRT(TAUY)+SQRT(AKC*GAM))**2 VISC=TAUC/GAM C Escrever no ficheiro gnfvis.dat WRITE(10,100) GAM,VIS,TXY,VISC,TAUC GLAM=GLAM+DGAM 10 CONTINUE 100 FORMAT(20(1PE10.3,3X)) STOP END 2. Programa para calcular a viscosidade em função do hematócrito program GNFVIS2 C C C C PREPARE SHEAR VISCOSITY FOR BLOOD in simple shear, FUNCTION OF HEMATOCRIT OPEN(10,FILE='gnfvis2.dat') T=310.0 VIS0=1.24E-3 RANGE OF H ... H1=0.0 H2=0.6 NGAM=200 DH=(H2-H1)/float(ngam) C H=H1 DO 10 I=1,NGAM+1 A=0.076*EXP(2.49*H+1107/T*EXP(-1.69*H)) VIS=VIS0*(1.0/(1.-A*H)) WRITE(10,100) H*100,VIS,A H=H+DH 10 CONTINUE 100 FORMAT(20(1PE10.3,3X)) STOP END -7-