Estrangulamento intestinal por lipoma em um equino Martins, T.B., Kommers, G.D., Barros, C.S.L. Autor correspondente: [email protected] (Martins, T.B.). Universidade Federal de Santa Maria, Avenida Roraima, 1000 - Camobi, Santa Maria - RS, 97105-900 PALAVRAS-CHAVE: Infarto, Causas de morte em equídeos, Neoplasma. INTRODUÇÃO: Estrangulamento intestinal por lipoma pedunculado é uma importante causa de cólica em cavalos idosos (7), e chega a responder por 28,6% de todos as manifestações de cólica apresentadas por equinos acima de 15 anos (1). Os cavalos afetados apresentam um quadro agudo de cólica típico de lesões obstrutivas. O diagnóstico geralmente é realizado durante cirurgia exploratória, quando o lipoma e o intestino envolvido são removidos (6, 3), e raramente na necropsia (3), o que impede que as lesões originais sejam apreciadas pelos patologistas. O objetivo deste trabalho é relatar um caso de estrangulamento intestinal por lipoma mesentérico pedunculado em um equino. MATERIAIS E MÉTODOS: Foi recebido para necropsia no Laboratório de Patologia Veterinária da Universidade Federal de Santa Maria (LPV-UFSM) o cadáver de um equino com diagnóstico clínico de encarceramento de alça intestinal no forame epiploico. Após avaliação dos dados do animal e da história clínica, a necropsia foi realizada. RESULTADOS: Tratava-se de uma fêmea pônei, sem raça definida, com 20 anos de idade. Dentro de poucas horas foram observados agitação, sudorese e movimentos frequentes e repetidos de deitar e levantar seguidos por decúbito lateral e movimentos de pedalagem (quadro agudo de cólica). Ao exame clínico, foram constatados palidez das mucosas, 38,5°C e ausência de movimentos peristálticos. Após a administração de 6 litros de solução fisiológica com lidocaína e observação de uma alça intestinal encarcerada ao exame ultrassonográfico, o pônei foi submetido à eutanásia. Na necropsia, havia 500ml de líquido límpido amarelo citrino na cavidade abdominal. A aproximadamente 10m do início do intestino delgado, as alças do jejuno estavam estranguladas por uma massa de tecido adiposo (lipoma) de 10,5cm de diâmetro, ligado ao mesentério do jejuno por um pedúnculo fibrovascular bastante curto. Próximo ao encarceramento havia edema na raiz do mesentério. As alças intestinais craniais ao estrangulamento estavam levemente dilatadas por gás, e as caudais tinham superfície serosa difusa e acentuadamente vermelha e continham líquido vermelho-escuro (hemorrágico). Foram estabelecidos como principais diagnósticos macroscópicos: 1) Jejuno, lipoma pedunculado no mesentério; e 2) Intestino delgado (jejuno), infarto segmentar secundário a estrangulamento por lipoma pedunculado mesentérico. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO: O estrangulamento por lipoma pedunculado corresponde a 2,6% de todos os casos de cólica em equinos. Como o diagnóstico é feito durante a cirurgia e muitos dos cavalos são liberados do hospital (3), poucos casos chegam à sala de necropsia. Esta pode ser uma das razões pelas quais há poucos casos desta condição nos levantamentos de necropsias (8). O estrangulamento por lipoma pedunculado é classicamente associado a equinos idosos (>8 anos e média de idade de 19 anos) (7), especialmente machos castrados (3, 6), embora fêmeas apresentem maior prevalência segundo alguns autores (5). A distribuição por raças varia conforme a população estudada. No entanto, equinos menores e de conformação mais compacta, como os pôneis, parecem ser mais predispostos que raças utilizadas em esportes de salto ou velocidade. Além do metabolismo da gordura ser diferente entre essas duas categorias, os segundos tendem a serem atletas e, portanto, serem mantidos mais esguios, o que diminuiria a ocorrência de lipomas (6). Os animais geralmente têm boa condição corporal e ocasionalmente estão acima do peso ideal (3). A égua deste relato era um pônei SRD de 20 anos mantido em boa condição corporal, o que está de acordo com a literatura. Em equinos, os lipomas se desenvolvem a partir do mesentério, e, assim como em outras espécies, são frequentemente considerados achados incidentais de necropsia (“assintomáticos”) (6, 4). Os lipomas pedunculados têm início como placas de gordura entre dois folhetos de mesentério. À medida que o tumor cresce, uma das folhas estira, formando um pedúnculo que se alonga conforme aumenta o peso do lipoma. Enquanto vários cavalos idosos têm um ou mais lipomas aderidos ao mesentério, apenas uma pequena proporção desenvolve obstrução por estrangulamento (6). Num levantamento de 75 casos de obstrução intestinal por lipomas, enquanto os lipomas assintomáticos pesaram em média 21g, o peso dos lipomas associados à lesão intestinal variou de 33g a 688g (em média, 164g), o que poderia sugerir que qualquer lipoma com mais de 33g tem potencial para causar obstrução (6). Noutro estudo semelhante, com 17 casos, os tumores associados à obstrução mediram de 4 a 14cm (3). Neste caso, o lipoma media 10,5cm de diâmetro. Na grande maioria das vezes, a obstrução por lipoma acomete o intestino delgado (6), em especial o jejuno ou uma combinação de jejuno e íleo (3); e há casos em que a lesão está no cólon menor (3, 6, 5). Neste caso, uma grande alça do jejuno foi estrangulada (obstrução por compressão) (9). A maior parte das obstruções por lipoma ocorre por estrangulamento, quando uma laçada do intestino é envolta pelo lipoma, que se enrola ao redor do próprio pedúnculo. Geralmente nesses casos o pedúnculo é bastante longo, e sua raiz está bem distante do intestino. Nestes casos, ocorre obstrução do lúmen intestinal e dos vasos mesentéricos correspondentes por compressão, com consequente infarto hemorrágico transmural (6). Nessa circunstância, a obstrução por compressão de veias de paredes finas tende a ocorrer antes que o influxo de sangue arterial seja obstruído. O sangue fica represado e ocorre hipóxia e necrose da parede do intestino e, variavelmente, do mesentério. A partir daí, ocorre gangrena intestinal com possibilidade de ruptura e peritonite séptica subsequente (4, 9). Por outro lado, nos cavalos que apresentam obstrução sem estrangulamento, o que é bem menos comum, os lipomas se localizam na junção entre mesentério e intestino; nesses casos, os lipomas são frequentemente grandes, e o pedúnculo circunda firmemente o intestino de maneira transversal, resultando em obstrução sem comprometimento vascular (6). No caso desta égua, uma combinação de ambas as formas aconteceu. Embora o pedúnculo fosse curto e partisse do ponto de inserção do mesentério no intestino, o tumor envolveu uma alça de jejuno com aproximadamente 65cm de comprimento que não era a sua alça de origem, se torceu sobre o próprio eixo e, aí sim, evolveu a sua alça de origem de maneira transversal, o que deixou um sulco na parede do intestino quando o nó foi desfeito. Assim, ocorreram tanto estrangulamento quanto obstrução por compressão sem estrangulamento intestinais pelo mesmo lipoma. Como consequência, ocorreu infarto hemorrágico da alça estrangulada. Provavelmente, o animal teria desenvolvido endotoxemia e/ou peritonite se não tivesse sido submetido à eutanásia. No caso desta égua, o diagnóstico clínico foi de encarceramento intestinal no forame epiploico. Este é, talvez, o principal diagnóstico diferencial para o lipoma pedunculado quanto aos sinais clínicos, mas a média de idade das doenças é significativamente diferente. No caso do forame epiploico, a média de idade é de 9,6 anos (7). Em geral, o estrangulamento por lipoma pedunculado deve ser suspeitado em cavalos idosos (>15 anos), especialmente machos castrados, com quadro agudo de cólica referente ao intestino delgado (6). Outras causas de obstrução do intestino delgado por estrangulamento incluem herniação intestinal através do forame epiploico, vólvulo, encarceramento gastroesplênico, estrangulamento por defeito mesentérico, hérnias inguinal, umbilical e diafragmática, e intussuscepção (2). O tratamento envolve ressecção cirúrgica do lipoma e do segmento intestinal estrangulado se este estiver desvitalizado/inviável. As taxas de sobrevida a curto e a longo prazo são de 78,6% e 50%, respectivamente (3). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Abutarbush, S.M. et al. Causes of gastrointestinal colic in horses in western Canada: 604 cases (1992 to 2002). Can.Vet.J. 46:800–805, 2005. Blikslager, A.T, Jones, S.L. Ischemic disorders of the intestinal tract. In: Reed, S.M. et al. Equine internal medicine. 2.ed. St. Louis: Saunders Elsevier, 2004. p. 913-922. Blikslager, A.T. et al. Pedunculated lipomas as a cause of intestinal obstruction in horses: 17 cases (19831990). 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