reação esquizofrência em paciente indígena

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Parafrenia fantástica é esquizofrenia?
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REAÇÃO ESQUIZOFRÊNCIA EM PACIENTE INDÍGENA
SCHIZOPHRENIC REACTION IN AN INDIAN PATIENT
Maximiliano Loiola Ponte de Souza *
Resumo
O autor descreve o caso de paciente indígena que desenvolveu episódios psicóticos recorrentes, com sintomas positivos que
surgiam quando a paciente saía de sua comunidade, remitindo
com seu retorno. O autor discute a dificuldade de utilização dos
critérios do DSM-IV e propõe como alternativa o diagnóstico de
reação esquizofrênica.
Palavras-chave: Psiquiatria Transcultural; Índios Sul-americanos;
Reação Esquizofrênica; Psicose.
Introdução
Estima-se a existência de cerca de 206 sociedades indígenas
no Brasil, distribuídas em 562 terras indígenas, correspondendo
a uma população de cerca de 315 mil índios. Estes estão concentrados, em sua maioria – 70% do total –, numa parcela da
Amazônia Legal que engloba seis estados brasileiros: Amazonas,
Acre, Roraima, Rondônia, Mato Grosso e Pará.
Uma primeira dificuldade ao se lidar com a temática de
transtornos mentais em População Indígena (PI) é ao fato de a
literatura nacional sobre o tema ser escassa. As pesquisas nessa
* Especialista em Psiquiatria pela Associação Brasileira de
Psiquiatria, Mestrando do Programa Sociedade e Cultura na
Amazônia, Universidade Federal do Amazonas. Trabalho realizado
no Centro Psiquiátrico Eduardo Ribeiro da Secretaria de Saúde do
Estado do Amazonas
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área encontram-se concentradas principalmente em grandes áreas
temáticas, tais como alcoolismo1 e suicídio.2,3 Desconhecemos
trabalhos que tenham como foco principal a discussão diagnóstica, ou descrição fenomenológica da sintomatologia apresentada
por PI.
Em trabalho anterior4, demonstramos que o atendimento
psiquiátrico aos PI no Amazonas é bastante deficiente. Baseamonos no fato de que o atendimento aos PI foi realizado principalmente em nível emergencial, caracterizado por avaliação por psiquiatras em sistema de rodízio, levando a: multiplicidade diagnóstica, baixo vínculo com um profissional de referência e baixa
aderência ao tratamento. Dessa forma, a partir de 2001, passamos
a centralizar o atendimento psiquiátrico dos PI no Estado, visando a minimizar os aspectos negativos descritos acima.
Assim, deparamo-nos com inúmeras situações em que a sintomatologia apresentada pelos PI consistia em desafio diagnóstico, principalmente quando se objetivava realizar diagnóstico
baseado nos critérios padronizados (DSM IV ou CID-10). A relevância em descrever um caso como o que será aqui apresentado,
ao nosso ver, deve-se a: i) carência de relatos semelhantes na literatura nacional; ii) demonstrar a dificuldade da utilização de
códigos de classificação de transtornos mentais em contextos culturais distintos.
Endereço para correspondência:
Rua B, Quadra B, Casa 249
Conjunto Parque das Palmeiras I
Bairro de Flores, Manaus - AM.
Descrição do Caso
Identificação
Paciente do sexo feminino, 45 anos, casada, indígena, etnia
Palmari, mãe de oito filhos, analfabeta, fala e entende o português
e sua língua nativa, agricultora, procedente de área indígena nas
proximidades de Lábrea – AM.
Histórico da moléstia atual
A paciente estava assintomática até aproximadamente 12
dias antecedendo a entrevista, quando teve que vir para Manaus
para realizar tratamento ortopédico devido a fratura no membro
inferior direito. A paciente veio para Manaus de barco. Segundo
o esposo, a partir do segundo dia de viagem a paciente começou
a apresentar alteração do comportamento, dizia haver pessoas
querendo matá-la, bem como seu esposo e filhos, que ouvia vozes
que a ameaçavam, falava sozinha, mostrava-se assustada, isolada
e não dormia, por medo de “que algo de mal acontecesse” com
ela ou com seus parentes. Chegando em Manaus, foi para a Casa
de Saúde Indígena de Manaus (CASAI), mantendo o mesmo
comportamento, além de passar a dizer que os outros índios que
estavam na CASAI tramavam contra ela, bem como se mostrava
reticente em alimentar-se.
História Familiar
Desconhece casos psiquiátricos na família.
Exame mental
Paciente adequadamente vestida, boa higiene, algo envelhecida, tala gessada em membro inferior direito, orientada halo e
autopsiquicamente, memória globalmente preservada, delírios
persecutórios, alucinações auditivas, referia estar se sentindo
bem, embora sua apresentação fosse perplexa e assustada, colaborativa com a entrevista, juízo crítico prejudicado.
Exames laboratoriais
Hemograma, bioquímica, sorologia para Toxoplasmose, sífilis e HIV e Tomografia de Crânio, sem anormalidades.
Evolução
Como a paciente teria que permanecer em Manaus por um
período de, no mínimo, um mês para tratamento ortopédico,
optou-se pela seguinte conduta: Haloperidol dez gotas de 12/12h
e Clonazepam 0,25 mg de 12/12h e reavaliações semanais. No
primeiro retorno, o quadro estava inalterado, apenas com discreta melhora no padrão de sono, dessa forma mantive as medicações, dobrando a dose. No segundo, terceiro e quarto retornos
apresentava melhora importante e progressiva das alucinações,
com melhora discreta da sintomatologia persecutória. Com um
mês em Manaus, recebeu alta da ortopedia, com liberação para
retornar para a aldeia A conduta psiquiátrica foi de manter as
medicações, com orientação para diminuição progressiva do
ansiolítico. Ficamos em um impasse com relação ao seguimento
psiquiátrico após a ida da paciente para aldeia. Optamos por
manter a paciente na aldeia. À revelia das orientações, ambas as
medicações foram suspensas. A paciente encontra-se há aproximadamente seis meses na aldeia, dos quais cinco sem medicação
e, pelos contatos que fizemos com a equipe de saúde da área, está
bem, sem queixas, fato confirmado pelo esposo.
Discussão
Neste momento, tentaremos evidenciar as dificuldades em
construir uma hipótese diagnóstica utilizando como referência os
critérios do DSM-IV5.
Considerando que a paciente passou a apresentar o quadro
após a saída de seu ambiente social, ou seja, na presença de um
estressor identificável, poderíamos, inicialmente, pensar na hipótese de um Transtorno de Adaptação. Entretanto, tal proposta não
se aplica, uma vez que, nessa categoria diagnóstica, não se incluem
sintomas psicóticos, apenas emocionais e comportamentais.
Como o primeiro episódio descrito ocorreu após a vivência
de um evento envolvendo a morte de uma pessoa, e que as alterações psicopatológicas são semelhantes àquelas que apresentou
após a exposição ao evento traumático, isso nos remeteria à hipótese de um Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Entretanto,
não se trata de recordações aflitivas ou intrusivas, sonhos aflitivos
e recorrentes ou agir como se estivesse vivenciando o evento traumático, o que também afasta essa hipótese.
Direcionando o olhar para a presença de sintomas psicóticos,
os seguintes diagnósticos poderiam ser aventados: Transtorno
Psicótico Devido a uma Condição Médica Geral, Transtorno
Psicótico Induzido por Substância, Transtorno do Humor com
sintomas
psicóticos,
Esquizofrenia,
Transtorno
Esquizofreniforme e Transtorno Psicótico Breve. Não existem
evidências, quer na história ou nos exames, que corroborem as
duas primeiras hipóteses. Em relação à terceira possibilidade,
teríamos a seu favor apenas o desenvolvimento de sintomas psicóticos em padrão episódico; por outro lado, a ausência de alterações do humor afasta essa proposição. Em relação às demais
hipóteses, o fator tempo é crucial. Entretanto, aqui encontramos
um obstáculo diagnóstico. Segundo o esposo, a duração da alteração comportamental é semelhante ao tempo que permanece
fora da aldeia. Supondo que a paciente ficasse seis meses, um mês
ou uma semana longe da aldeia, procederíamos, respectivamente,
aos diagnósticos de Esquizofrenia, Transtorno Esquizofreniforme
ou Transtorno Psicótico Breve? Essa opção não nos parece razoável, uma vez que, no caso, não traria nenhum esclarecimento adicional. Por outro lado, manter a paciente longe de seu ambiente
apenas por uma vaidade diagnóstica seria no mínimo antiético.
Considerando a situação real, em que os sintomas duraram entre
um e seis meses, a hipótese de Transtorno Esquizofreniforme
poderia ser considerada para o último episódio, entretanto não
explicaria a recorrência dos sintomas.
A particularidade deste caso demonstra certa fragilidade dos
critérios diagnósticos do DSM IV. Assim, tivemos que buscar
subsídios em autores clássicos da psicopatologia,6,7,8 principalmente no que se refere ao conceito de Reação Esquizofrênica,
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Reação esquizofrência em paciente indígena
que nos parece ser uma opção diagnóstica razoável. Maris9 trabalha esse conceito, a partir da obra de Nobre Melo, que caracterizaria a Reação Esquizofrênica como: a) quadro de início súbito,
de evolução aguda, com características paranóide ou catatônica;
b) inexistência de diferença na apresentação clínica quando comparado a esquizofrenia; c) difere desta por estar ligada a “fatores
psicogenéticos” e por remitir tão longo seja removida a situação
que a desencadeou.
Os códigos de classificação de doenças trouxeram importantes contribuições para a prática da psiquiatria, entretanto, não se
pode deixar de admitir que trouxeram consigo um engessamento
do pensamento clínico e uma tendência à simplificação da psicopatologia. Ou seja, como nos diz Nunes10: “O uso indiscriminado de DSMs e CIDs vem transformando a psiquiatria numa especialidade extremamente fácil. Os sintomas são descritos de modo
simplista e as pessoas acreditam conhecer a especialidade pelo
manejo facilitário dessas bulas. Muitos jovens sabem apenas da
existência de um certo Karl Jasper que costumava complicar cousas simples tal como os DSMs e CIDs vieram a comprovar”.
Por outro lado, a singularidade deste caso aponta para conclusões semelhantes de pesquisadores nacionais, que evidenciam
a necessidade de que os estudos em psiquiatria levem em consideração a diversidade cultural e étnica de nosso povo,11 visto que
o contato com realidades culturais diferentes atua como agente
estressor para o surgimento de transtornos mentais,12 bem como
a apresentação clínica destes podem apresentar variações culturais relevantes,13 trazendo desafios para utilização dos modelos
classificatórios atuais14.
Summary
The author describes a case of a female Brazilian Indian who
developed recurrent psychotic episodes with positive symptoms
when she lefts her community, remitting in the return. The author
discusses the difficulty to use the DSM-IV criteria and proposes
as alternative the diagnostic of schizophrenic reaction.
Keywords: Cross-cultural Psychiatry; South American Indians;
Schizophrenic Reaction; Psicosis.
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