UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA CCH-CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA FREDSON PEREIRA COSTA O SINDICALISMO BRASILEIRO: História, Lutas, Resistência no final do século XX. Boa Vista, RR 2016 FREDSON PEREIRA COSTA O SINDICALISMO BRASILEIRO: História, Lutas, Resistência no final do século XX. Monografia apresentada como prérequisito para conclusão de licenciatura e bacharel em história do departamento de história da Universidade Federal de Roraima. Orientador: Profº: Sergio Damasceno. Boa Vista, RR. 2016 Dr. Fernando FREDSON PEREIRA COSTA O SINDICALISMO BRASILEIRO: História, Lutas, Resistência no final do século XX. Monografia apresentada como pré-requisito para a conclusão do curso de licenciatura e bacharelado em história do CCH- Centro de ciências humanas, Departamento de história da Universidade federal de Roraima. Defendida em 29 de agosto de2016 e avaliada pela a seguinte banca examinadora. ------------------------------------------------------------------------------------------------Profº. Dr. Fernando Sergio Damasceno. Orientador/ Curso de História - UFRR ------------------------------------------------------------------------------------------------Profº. Dr. Jacir Guilherme Vieira Curso de História - UFRR -----------------------------------------------------------------------------------------------Profª. Msc. Adriana Gomes Santos Professorado CEDUC- Colégio de Aplicação da UFRR Dedico este trabalho a Marx, Lênin Rosa Luxemburgo e Trotsky e todos aqueles que deram a vida por uma sociedade mais justa, solidária e fraterna, sem exploradores. explorados nem AGRADECIMENTOS Aos familiares, amigos e colegas, pelo convívio, apoio e companheirismo. A todos aqueles que acreditaram na construção deste trabalho, os meus mais sinceros agradecimentos. Em especial ao Dr. Fernando Sergio Damasceno do Centro de Ciências Humanas CCH- Departamento de História da Universidade Federal de Roraima e orientador deste trabalho, pelas orientações recebidas. Á direção do CCH Centro de Ciências Humanas da Universidade Federal de Roraima, pela oportunidade de estudos oferecidos. Aos demais docentes que contribuíram para a realização desta monografia e curso. Ao professor Dr. Jaci Guilherme pelas aulas que iluminaram a minha visão de mundo. À profª. Adriana Gomes dos Santos pelas longas conversas sobre os problemas de vida dos trabalhadores. E ao companheiro Antonio Fernandes Neto, pelas longas conversas, explicações, e dedicação que serviram de base para o desenvolvimento dessa pesquisa. “Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se diretamente, defrontam legada transmitida pelo passado” Karl Marx e RESUMO A abordagem realizada neste trabalho parte de uma análise histórica da formação das primeiras organizações das classes trabalhadoras, assim, como suas principais concepções ideológicas. Tratando do desenvolvimento do movimento sindical suas principais formas de lutas analisando seus limites e sua superação e desafios dentro do contexto da luta, de classe. Investigando sua trajetória, por meio de um estudo cronológico da história ressaltando a importância do contraditório dentro da ação direta e indireta e o desafio na busca da consolidação dessas ideias. Essa pesquisa investiga também o desenvolvimento do movimento sindical Brasileiro, tratando-se de um estudo detalhado do processo de construção do movimento operário, exemplificando seus limites e superação na luta por melhores condições de vida e trabalho. Nesse caminho histórico torna possível estabelecer um fio condutor entre o movimento sindical e a nova realidade que lhes é imposta através dos processos de burocratização do movimento sindical. Será através desta nova realidade mais fragmentada, mais atomizada, que os movimentos sindicais acabam perdendo espaços de atuação, porque já não conseguem a guisa de suas ações, trazerem respostas concretas aos seus trabalhadores, que gradativamente vão perdendo suas garantias sociais. Para o alcance das propostas deste trabalho foram lançadas sugestões para a modificação deste quadro excludente com objetivo de encontrar novas formas para o futuro do sindicalismo, que torna possível redescobrir o papel central que o movimento operário deve exercer e servir como base para a construção de um processo participativo e democrático em prol da consolidação de um mundo melhor e mais justo, uma sociedade igualitária sem oprimidos nem opressores. Palavras chaves: Sindicalismo; Crise; Desafio. RESUMEN El abordaje que realizamos en este trabajo parte de una análisis histórica que trata de informar cómo se dio la formación de las formas de organización de la clase trabajadora, así como, sus principales concepciones ideológicas. Tratando del desarrollo del movimiento sindical, sus principales formas de lucha, analizando sus límites y su superación y desafíos en el contexto de la lucha de clases. Investigando su trayectoria, por medio de un estudio cronológico de la historia subrayando la importancia del contradictorio entre la acción directa e indirecta y el desafío en búsqueda de la consolidación de esas ideas. Esta investigación analiza también el desarrollo del movimiento sindical brasilero, buscando un estudio detallado del proceso de construcción del movimiento obrero, ejemplificando sus límites y superación en la lucha por mejores condiciones de vida y trabajo. En camino histórico torna posible establecer un hilo conductos ente el movimiento sindical y la nueva realidad que les es impuesta a través de procesos de burocratización del movimiento sindical. Será a partir de esta nueva realidad, mas fragmentada, mas atomizada, que los movimiento ejercer y servir s sindicales acaban perdiendo espacios de actuación, pues ya no logran para sus acciones, tener propuestas concretas para sus trabajadores, que poco a poco van perdiendo sus conquistas sociales. Para demostrar el alcance de las propuestas de este estudio fueron lanzadas sugestiones para el cambio de este cuadro excluyente con el objetivo de encontrar nuevas formas para un nuevo sindicalismo, lo que torna posible redescubrir el papel central que el movimiento obrero debe ejercer y servir de base para la construcción de un proceso participativo y democrático en pro de la consolidación de un mundo mejor y más justo, o sea, una sociedad igualitaria, sin opresores y sin oprimidos. Palabras claves: Sindicalismo; Crisis; Desafío. LISTA DE ABREVIATURAS SIGLAS ABC– Cidades da Grande São Paulo de predominância industrial. São elas: Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano AFL- American Federation of Labor AIT- Associação Internacional dos Trabalhadores CGTB – Central Geral dos Trabalhadores do Brasil CGT- Central Geral dos Trabalhadores CIPAS - Comissão Interna de Prevenção de Acidentes CIOSL- Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres CLT - Consolidação das Leis do Trabalho CNTI- Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria COB- Confederação Operária Brasileira Conclat- Conferência Nacional da Classe Trabalhadora Concut - Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores CSB - Central dos Sindicatos Brasileiros CTB - Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil CUT- Central Única dos Trabalhadores Enclats – Encontro Estadual da Classe trabalhadora FIESP- Federação das Indústrias do Estado de São Paulo FS- Força Sindical MTE- Ministério do Trabalho e emprego MR8 - Movimento Revolucionário Oito de Outubro NCST- Nova Central Sindical de Trabalhadores OIT- Organização Internacional do Trabalho ONGs - Organizações não Governamentais ONU- Organização das Nações Unidas PCB – Partido Comunista Brasileiro PCdoB – Partido Comunista do Brasil PLR – Participação nos Lucros e Resultados PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira PT- Partido dos Trabalhadores UGT- União Geral dos Trabalhadores SUMÁRIO 1 INTRODUÇÂO ............................................................................................. 12 1.1 Capítulo I- A Revolução Industrial e o surgimento da moderna classe trabalhadora ................................................................................................... 14 1.1.1 A Revolução industrial e a formação das classes sociais ....................... 14 1.2 Burgueses e Proletários ............................................................................. 14 1.2.1 Burguesia ................................................................................................ 15 1.2.2 Proletariado ............................................................................................ 16 1.3 Condições de vida e trabalho na Revolução industrial ............................... 16 1.3.1 O longo caminho na construção das organizações dos trabalhadores .. 18 1.3.1.1 O que eram as corporações de ofício? ................................................ 18 1.3.2. Porque sugiram as corporações? ........................................................... 19 1.4 Formas de organizações das corporações de ofício .................................. 20 1.4.1 Corporações de ofício: um modelo ultrapassado ................................... 21 1.4.2Surge a revolta, surge a luta. As formas de luta e as formas organizadas 21 1.4.2.1 Ludismo ou Movimento Ludista: a ação direta como forma de luta ..... 22 1.5 Cartismo: ação indireta como forma de luta e reformismo como conteúdo 23 1.5.1 Greve: surge a mais importante ferramenta sindical dos trabalhadores . 24 1.5.2.1 A luta pelas 8 horas não foi em vão .................................................... 26 1.6 O papel das mulheres na luta pelas 8 horas .............................................. 27 1.6.1 O movimento operário brasileiro como parte da totalidade mundial ....... 28 1.6.2 Reorganização e recomposição no movimento operário brasileiro ......... 30 1.6.2.1 Vargas e o sindicalismo controlado pelo Estado ................................. 33 1.7 1964: o golpe militar impõe nova organização .......................................... 35 1.7.1 Anos 80: novo ciclo de reorganização e recomposição do movimento operário ........................................................................................................... 37 2. Capítulo II- As lutas operarias ganham uma base programática consistente: o marxismo ............................................................................. 39 2.1 A criação da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) .............. 40 2.2 A Comuna de Paris: uma história de audácia e derrota dos trabalhadores 43 2.2.1 A II Internacional: nasce sob a inspiração marxista ............................... 45 2.2.1.1 A conferência de Zimmerwald ............................................................. 49 2.2.1.2 Terceira Internacional .......................................................................... 50 2.3 A IV internacional surge em condições opostas ao da III ........................... 55 3. Capítulo III- O Sindicalismo Brasileiro Neste Século XXI ....................... 56 3.1 O nascimento da CUT ................................................................................ 56 3.2 O primeiro Concut ...................................................................................... 60 3.2.1 O II Concut .............................................................................................. 62 3.2.2 As disputas internas ................................................................................ 63 3.2.2.1 A Força Sindical .................................................................................. 64 3.4 Década de 90: anos de definições para o movimento sindical .................. 67 3.4.1 A consolidação da Força sindical ............................................................ 68 3.4.2 A transformação da CUT ......................................................................... 69 3.4.2.1 Novo milênio: CUT e Força Sindical de mãos dadas ........................... 70 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 71 8. REFERÊNCIAS ............................................................................................ 74 12 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo fazer uma análise histórica do movimento sindical brasileiro apontando suas principais formas de lutas, o método da ação direta e os processos de burocratização dos sindicatos. A pesquisa intitulada: “O Sindicalismo brasileiro: História, Lutas, Resistência no final do século XX”. Descreve o movimento sindical brasileiro, desde o método da ação direta, passando pela suas principais formas de organização de luta, processo de burocratização que ferem a independência e a autonomia dos sindicatos faz com que os sindicatos diminuam sua força de representação e não lhes garanta as mínimas condições de defesa de seus direitos conquistados a duras penas. Para tanto tem como objetivo geral: Compreender o processo de burocratização enraizado no movimento sindical e as suas consequências maléficas no mundo do trabalho aponta uma nova forma de reorganizar a luta, através de uma metodologia pautada nos seguintes critérios: aplicação do método da ação direta, democracia operária, independência do sindicato diante do patrão e do governo, autonomia dos sindicatos para criar e gerir políticas publica lutar contra a burocratização e acima de tudo dar voz e vez ao trabalhador de base, a limpa chão de fabrica. Para sistematização desta pesquisa, foi realizado um Levantamento bibliográfico de obras produzidas para o tema, assim, como o uso de trabalhos já publicados por estudiosos do assunto de diferentes áreas como História e Ciências Sociais, pesquisa publicadas em revistas e teses de congressos sindicais. Este trabalho esta estruturado em três partes: No primeiro capitulo “A revolução industrial e o surgimento da moderna classe trabalhadora” contextualizamos o surgimento do movimento sindical, desde a sua gênese passando pelas primeiras revoltas, formas de lutas e organização das primeiras lutas. Para tanto nossa viagem começa com o movimento de resistência que ficou conhecido como ludismo, e vai até a primeira Associação dos Trabalhadores (AIT), Neste capitulo priorizamos as forma de lutas o método da ação direta e sua forma organizativa. Também 13 analisamos o sindicalismo brasileiro, desde a era Vargas até o final da ditadura militar No segundo capítulo “As lutas operarias ganham uma base programática consistente: o Marxismo”. Analisamos o materialismo histórico e dialético, como base programática e metodologia de ação, consciente e imperadora para os movimentos sindicais na luta pela emancipação da classe trabalhadora. Para o desenvolvimento deste capitulo iniciamos com as primeiras formas de lutas que ficaram conhecidas como o Ludismo e o Cartismo e seguimos com a Comuna de Paris, analisamos a criação da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), fundada e codirigida por Marx e seguimos descrevendo as Internacionais que a sucederam, isto é, a I, II, III e IV Internacional No terceiro capítulo “O Sindicalismo Brasileiro Neste Século XX”, O objetivo deste capítulo é analisar a correlação de forças entre as classes sociais fundamentais e as duas maiores centrais sindicais do Brasil, CUT e Força Sindical, Neste capítulo estudamos o nascimento da CUT e da Força Sindical. Descrevemos o programa e modos de ação das duas, e concluímos que ambas propõe um sindicalismo de conciliação com os patrões e o governo, não privilegiam a ação direta, democracia operaria e a autonomia dos sindicatos. Com isso, espera-se que os leitores desta obra possam fazer uso das informações nela contida e as utilizem como fonte para futuro trabalhos que possam surgir tendo os movimentos sindicais como tema, ou outros dados contidos no corpo deste trabalho. 14 Capítulo I – A Revolução Industrial e o Surgimento da Moderna Classe Trabalhadora A Revolução Industrial e a formação das classes sociais A Revolução Industrial teve início no século XVIII, na Inglaterra, com a mecanização dos sistemas de produção. Na Idade Média, o artesanato era a forma de produzir mais utilizada. Na Idade Moderna, tudo mudou. A nascente burguesia industrial, ávida por maiores lucros, menores custos e produção acelerada, buscou alternativas para melhorar a produção de mercadorias. Além disso, o crescimento populacional trouxe maior demanda de produtos e mercadorias. A Inglaterra foi o país que saiu a frente no processo de revolução industrial do século XVIII. Esse fato pode ser explicado por diversos fatores. A nação possuía grandes reservas de carvão mineral em seu subsolo, ou seja, a principal fonte de energia para movimentar as máquinas e as locomotivas a vapor. Além disso, os ingleses detinham grandes reservas de minério de ferro, a principal matéria prima utilizada nesse período. A mão de obra, disponível em abundância desde a Lei dos Cercamentos de Terras, também favoreceu a Inglaterra, pois havia uma massa grande de trabalhadores procurando emprego nas cidades inglesas do século XVIII. A burguesia inglesa tinha capital suficiente para financiar as fábricas, comprar matéria-prima e máquinas, e contratar empregados. O mercado consumidor inglês também pode ser destacado como importante fator que contribuiu para o pioneirismo inglês. Burgueses e proletários Marx e Engels abrem o clássico texto “Manifesto do Partido Comunista” com uma frase que marcará toda a conduta acadêmica e de vida. 15 A frase emblemática é “a história de toda sociedade até nossos dias é a história da luta de classes” 1. Ao admitir que a história de toda sociedade é a história da luta de classes, não é inconsequente reconhecer que a burguesia simplificou a oposição de classes e a dividiu em dois grandes blocos que vivem em conflito: os burgueses2 , que possuem o capital, são donos da produção e dos meios da produção, controlam os mercados e a maquina administrativas. E os proletários3. Que não possuindo meios próprios de produção vedem sua força de trabalho em troca de salário para a sua subsistência. Burguesia Burguesia é um dos dois pólos sociais antagônicos dentro do regime capitalista em que seus integrantes são os proprietários do capital, ou seja, comerciantes, industriais, latifundiários, donos de imóveis, possuidores de riquezas e dos meios de produção. Burguesia é a qualidade do burguês. É o oposto de proletariado, ou classe que vive do trabalho, cujo único bem é a força de trabalho. A palavra tem origem no do latim "burgus", fortaleza, e no alemão "burgs", pequena cidade. A palavra burguesia vem de "burgo", nome dado às cidades medievais, habitadas em boa parte por mercadores, chamados, à época, de burgueses. Essa nova classe, enriquecida pela prática do comércio, foi aos poucos se infiltrando na aristocracia e passou a dominar a vida política, social e econômica a partir da Revolução Francesa, firmando-se no decorrer do século XIX. 1 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista (1848). São Paulo: L&PM Pocket, 2006, p. 23. 2 Por burguesia, entende-se a classe dos capitalistas modernos, proprietários dos meios de produção social, que empregam trabalho assalariado. In Marx, Karl e Engels Friedrich. Manifesto do Partido Comunista (1848). São Paulo: L&PM Pocket, 2006, p. 23. 3 Por proletários, entende-se a classe dos operários assalariados modernos que, não possuindo meios próprios de produção, se reduzem a vender a força de trabalho para poder viver. In Marx, Karl e Engels Friedrich. Manifesto do Partido Comunista (1848). São Paulo: L&PMPocket, 2006, p. 23. 16 Com o tempo, a burguesia se diversificou, passando a classificar-se em alta burguesia, detentora dos meios de produção; e média e pequena burguesia (no século XX, designadas como classe média), englobando os que exercem profissões liberais e os que estão ligados, de alguma forma, às altas esferas econômicas e às classes dirigentes. Proletariado Proletariado é a classe social mais baixa que se formou dentro das sociedades industrializadas, ou seja, aquela que menos resistência poderia oferecer à pressão exercida pelas demais camadas sociais. É a classe dos proletários, ou operários, constituída de indivíduos que se caracterizam pela condição permanente de assalariados e pelo modo de vida e atitude decorrentes dessa situação. A palavra proletário surgiu entre os romanos para descrever o cidadão pobre que só era útil à República porque gerava “prole” (filho), que no futuro iria servir à pátria. No século XIX, a palavra proletariado passou a ser usada para identificar a classe sem propriedade; a que não possuía meios de produção capazes de gerar seu sustento e que precisava, por causa disso, vender sua força de trabalho para aqueles que os possuíam. Portanto, sua única propriedade era sua prole, seus filhos. CONDIÇÕES DE VIDA E TRABALHO NA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL A situação da classe operária no nascente capitalismo muito pouco diferia das condições de trabalho dos escravos que viviam nas colônias. Isso pode ser observado em autores como Engels, que escreveu o clássico A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, ou em outros autores como o novelista Jack London, que dizia: “Chegamos a um ponto em que a capacidade de um homem viver é determinada pelo dinheiro que ele possui”. 4 London, 4 LONDON, Jack. O Lobo do Mar. São Paulo: Editora Martin Claret, 2001. 17 observador atento das condições de vida e trabalho, acabou aproximando-se do socialismo e escreveu a célebre obra A Paixão do Socialismo5. As fábricas do início da Revolução Industrial eram grandes galpões improvisados, e as condições de trabalho nesses ambientes eram precárias. Os espaços eram abafados, sujos e com péssima iluminação. Os salários pagos aos trabalhadores eram muito baixos e costumava-se empregar mão de obra infantil e feminina. Os operários chegavam a trabalhar até 18 horas por dia e estavam sujeitos a castigos físicos da parte dos patrões. Qual era a extensão da jornada de trabalho? Não havia regras, leis ou determinações. Era o patrão que decidia unilateralmente. As jornadas eram definidas em 12, 15 e até 18 horas diárias. Os trabalhadores morriam literalmente de cansaço. Os chamados direitos trabalhistas, tais como férias, décimo terceiro salário, auxílio-doença, descanso semanal remunerado, entre outros, eram inimagináveis na época. Desempregados ficavam ao léu e à própria sorte. Isso era a “modernidade” propiciada pelo nascente capitalismo. Em muitas regiões da Europa, os trabalhadores organizaramse para lutar por melhores condições de trabalho. Os empregados das fábricas inglesas formaram inicialmente organizações conhecidas como trade unions com esse objetivo. Surgiram, nesse contexto, movimentos muito violentos, como o ludismo. Conhecidos como "quebradores de máquinas", os ludistas invadiam fábricas e destruíam seus equipamentos como forma de protesto e revolta contra a exploração e os maus tratos. Mas também apareceram movimentos mais brandos na sua forma de atuação, como o Cartismo, que optou pela via política, conquistando diversos direitos políticos e alguns benefícios sociais para os trabalhadores. No nascente capitalismo, [o operário] torna-se um simples acessório da máquina. Só lhe exigem o gesto mais simples, mais monótono, mais fácil de aprender. Portanto, os custos que o operário gera limitam-se aproximadamente 5 LONDON, Jack. A Paixão do Socialismo, Vagões e Vagabundos e outros contos. São Paulo: L&PM, 2009. 18 apenas aos meios de subsistência de que necessita para manter-se e 6 reproduzir-se. (MARX & ENGELS, 2006, pp. 35 e 44). Com a divisão do trabalho no interior das fábricas, decai o salário, e “o operário transforma-se em indigente, e a miséria cresce mais rápido do que a população e a riqueza”. Diante dessa situação de extrema miséria, das jornadas extenuantes, da exploração do trabalho da mulher e da criança, não restava alternativa, senão lutar pelos direitos. O longo caminho na construção das organizações dos trabalhadores Os trabalhadores viviam uma nova realidade no início do capitalismo uma realidade pautada na necessidade de defender-se. Não haviam organizações operárias. Havia uma experiência do passado, as corporações de ofício que, embora não atendessem às necessidades do novo período histórico, haviam deixado lições que poderiam ser aproveitadas pelas novas gerações. O que eram as corporações de ofício? A corporação de ofício era uma instituição típicada sociedade medieval. Tratava-se de associações que organizavam a produção e a distribuição de determinados produtos reunindo profissionais do mesmo ramo, por exemplo, os sapateiros, os ferreiros, os alfaiates. As corporações atuaram como incentivo para o aumento da produção. Assim, comerciantes manufatureiros foram obtendo cada vez mais lucros, o que gerou um crescente acúmulo de capital nas mãos de uma nova classe, que passou a ser denominada de burguesia. A grande finalidade das corporações era evitar a concorrência entre os artesãos, tanto locais como de outras cidades, e adequar a produção ao consumo local. As corporações fixavam o preço do produto, controlavam a 6 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. São Paulo: L&PM, 2006, pp. 35 e 44. 19 qualidade das mercadorias e a quantidade de matérias-primas, e fixavam os salários dos trabalhadores. Esse método de produção, surgido no século XII, era baseado em algumas regras. A primeira delas era o estabelecimento e o respeito à hierarquia. Esta era dividida em: mestre, oficial e aprendizes. É válido frisar que todo o processo de feitio da manufatura estava sob a posse do mestre da corporação de ofício. Esse é um fato importante, visto que, séculos mais tarde, na Revolução Industrial, ele não mais se repetiu. Cada empregado passou a fazer apenas parte do produto, e não o todo. As corporações eram tidas como associações, visto que, nesses espaços, havia pessoas que dominavam a mesma função. Dessa forma, formação de guildas era uma forma prática de defesa dos interesses dos artesãos. Nas diversas “categorias” de corporações: dos sapateiros, dos carpinteiros, dos ferreiros, dos alfaiates, dos construtores, dos artesãos, entre outras. O indivíduo não podia trabalhar em mais de uma corporação. Caso isso viesse a ocorrer, ele poderia ser expulso da cidade sem defesa alguma. Além do mais, as corporações só podiam se organizar em um ramo de trabalho. As guildas existiam em praticamente todas as cidades com mais de 10 mil habitantes. É válido lembrar que, nessas cidades, as corporações se multiplicavam. As pessoas que exerciam as mesmas funções se organizavam para determinar algumas coisas, por exemplo, preço, qualidade, quantidade de produção, margem de lucro, aprendizado, forma de vender, hierarquia de trabalho. Porque surgiram as corporações? Quais foram às causas do surgimento das corporações? São dois os principais elementos apontados: a religião e a economia. 20 A religião foi um fator importante porque toda corporação tinha um santo patrono e aquela oficina era o lugar onde se fazia caridade e se cumpriam as promessas feitas a ele. O fator econômico também teve seu peso na medida em que as corporações procuravam defender os artesãos dos abusos praticados pelos comerciantes da época. Defendiam uma uniformização de preços e, dessa forma, era uma organização para a defesa dos interesses imediatos dos artesãos. Politicamente, era uma forma de resistir à pressão exercida pelos órgãos de Estado existentes na época. Ou seja, era uma organização política dos artesãos. Isso iria influenciar, no futuro, os trabalhadores a ter também sua própria organização política. Formas de organização das corporações de ofício O mestre era o que controlava os conhecimentos e tinha os meios de produção, ou seja, as ferramentas e a matéria-prima. Os oficiais e os aprendizes eram escolhidos pelo mestre. O oficial, em geral, tinha o conhecimento para a produção, porém não possuíam os meios de produção para poder ter sua própria oficina. O aprendiz era escolhido pelo mestre que se propunha a ensinar-lhe a profissão. Em geral, eram crianças ou jovens entre os 12 e os 14 anos que começavam a aprender um ofício. O mestre, além de apropriar-se do trabalho gerado pelo aprendiz, tinha total controle sobre este, inclusive com direito a aplicar-lhes castigos corporais. Para conseguirem que seus filhos se tornassem aprendizes, as famílias pagavam elevadas taxas ao mestre: um negócio rentoso para este, que, por um lado, aumentava sua renda e, por outro, se apropriava do trabalho gerado pelo aprendiz. Pagando para trabalhar, sofrendo castigos corporais e vivendo em condições de insalubridade, o jovem aprendiz que fosse até o final do aprendizado, que, às vezes, demorava até uma década, não tinha a garantia de que seria um oficial que adquiriria a condição de companheiro do mestre. 21 Com a Revolução Francesa de 1789, as corporações foram extintas visto que aviltavam o trabalho e feriam a dignidade humana. E isso era incompatível com os ideais libertários da revolução. Elas foram proibidas pela Lei de Chapelier, de 1791. O Brasil, dado o seu desenvolvimento econômico, não viveu o auge das corporações de ofício. Mesmo assim, seus reflexos foram tratados no I Congresso Operário Brasileiro, realizado em 1906, o qual recomendava: Considerando que os mestres e contramestres são pelo lugar que ocupam os verdadeiros representantes dos patrões; por este motivo, podem trazer as organizações operárias em desacordo e convertemse em espiões, que é impossível distinguir, de modo positivo, os bons dos maus mestres; o primeiro congresso operário brasileiro entende que os mestres e contramestres devem ser excluídos dos sindicatos operários, podendo, em casos excepcionais, fazer-se um 7 regulamento interno para regular a admissão dos mesmos. ( AZIZ, 1966, p. 173). Corporação de ofício: um modelo ultrapassado As corporações de ofício cumpriram um papel importante na defesa de determinados setores sociais. Foram muito importantes para aquele período histórico, porém já não serviam para o novo período aberto com a chegada do nascente capitalismo. Se não servia na forma, servia no exemplo de auto-organização. Os trabalhadores olhavam para o passado, viam uma organização superada, mas, mesmo assim, base para o surgimento de novas formas. Surge a revolta, surge a luta. As formas de luta e as formas organizativas Com o advento da Revolução Industrial, há um enorme desenvolvimento das técnicas e das máquinas para a produção. Estas aceleravam o processo produtivo, aumentavam os lucros e diminuíam a quantidade de trabalhadores empregados. Para a burguesia, o “progresso” 7 AZIZ, Simão. Sindicato e Estado: suas relações na formação do proletariado. São Paulo: Editora Dominus, 1966, p. 173. 22 caminhava de vento em popa. Para os trabalhadores, era o inverso: representava o desemprego, a pobreza e a miséria. Nos setenta anos iniciais da classe trabalhadora, nos diversos países europeus, os trabalhadores sofreram as mesmas agruras. E foram, pouco a pouco, aprendendo a defender-se por meio de revoltas, manifestações, entre outras formas de protesto. Mais tarde, surgiram as primeiras greves e com elas as primeiras formas organizativas. Na Inglaterra, onde o proletariado era maior, mais poderoso, as conquistas também foram chegando primeiro. A fundação de sindicatos foi autorizada já no começo do século XIX, porém, em outros países, dada a menor presença do movimento operário, como na França, a organização de sindicatos só foi permitida em 1864, quase cinquenta anos depois da Inglaterra. Com toda a dificuldade para organizar-se, os trabalhadores foram criando novas formas de organização: sociedades beneficentes, clubes, ligas, associações de ajuda mútua e, à medida que iam se consolidando essas organizações, foram surgindo as uniões operárias e, por fim, os sindicatos. Union era o termo usado pelos trabalhadores da língua inglesa. Os de língua latina denominavam as mesmas formas organizativas como sindicato. Logo os trabalhadores viram que era necessário trocar experiências e buscar ações unitárias com trabalhadores de outros países. Em 1864, surge a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), que se transforma no mais importante e espetacular salto organizativo da classe operária. Com o lema “Operários do mundo, uni-vos”, a AIT mostrou que, se o capital não tem pátria, os trabalhadores a tem, “a classe operária é internacional”. Por esse motivo, a mais importante organização que surge nesse período é a (AIT). Ludismo ou Movimento Ludista: a ação direta como forma de luta No final do século XVIII, á medida que chegavam as máquinas e aumentava a pobreza. Um operário britânico lançou uma nova forma de luta. Por causa do desespero, enfurecido, começou a quebrar as máquinas do 23 patrão. Ludd virou exemplo, e, assim, nascia o Movimento Ludista ou simplesmente Ludismo. Os ludistas atuavam na clandestinidade. Ninguém os conhecia ninguém os via. Endereçavam cartas aos patrões exigindo a não utilização de máquinas. Depois disso, sem obter resultados, invadiam as fábricas e quebravam o que viam pela frente. Do lado de fora, uma massa enorme de desempregados assistiam e gritavam palavras de apoio. A burguesia reagia com a força policial. Mesmo assim, a cada dia os ludistas ganhavam mais adeptos. Em 1812, o Parlamento Britânico aprovou a Frame Braking Act, uma lei que previa a pena de morte aos membros do Movimento Ludista. O movimento foi à primeira experiência dos trabalhadores para defender-se. Não tinha um perfil ideológico claro. Tudo estava começando, mas era, sem dúvida, o primeiro questionamento organizado contra o capitalismo. Cartismo: a ação indireta como forma de luta e o reformismo como conteúdo Se o Movimento Ludista se apoiava na ação direta dos trabalhadores, o cartismo optou por outro caminho. Deixou de lado a ação direta e escolheu o caminho do parlamento. Em síntese, o movimento operário passava da forma de luta apoiada pela ação direta para a forma de luta apoiada no parlamento, isto é, pela ação indireta. Essas duas formas de encarar a luta marcarão o movimento operário pelos anos subsequentes. O cartismo foi o primeiro movimento importante de trabalhadores a reivindicar a participação dos operários e a defender leis que atendessem às demandas da classe trabalhadora. O movimento cartista surge na Inglaterra, nos 30 e 40 do século XIX e exigia a redução da jornada de trabalho e a melhoria das condições de trabalho. Feargus O‟Connor e William Lovett foram as principais figuras públicas desse movimento que exigiam do Parlamento um conjunto de leis e, para tal, elaboraram a Carta do Povo. Nesta, requeriam o fim do voto censitário 24 e a aplicação do sufrágio universal; a instituição do voto secreto e a remuneração parlamentar. No ano de 1848, uma grande marcha foi realizada em Londres com o intuito de exigir que as demandas colocadas na Carta do Povo fossem aprovadas pelo Parlamento. Assim, consolidava-se o cartismo como uma corrente política dos trabalhadores da época. O cartismo, apoiado na ilusão do Parlamento que hora se representava como democrático e hora se fazia neutro diante da exploração capitalista, lançou as bases para a luta pela participação política dos trabalhadores. Depois disso, com outro programa, e reconhecendo o papel burguês desse tipo de Parlamento, surgiram outros movimentos influenciados pelas ideias socialistas ou comunistas da época. Greve: surge a mais importante ferramenta sindical dos trabalhadores A palavra greve vem do francês grève. Essa palavra tem sua origem no latim. Em latim, grava significa cascalho, areia grossa, pedrinhas trazidas pelas águas dos rios. Aqueles que se reuniam na Praça de Grève para manifestar-se durante as paralisações ficaram conhecidos como grevistas. Portanto, na atualidade, grevista é aquele que paralisa a produção e nega-se a trabalhar até que suas reivindicações sejam atendidas. Embora desde o século XIX, em diversos países, a greve tenha passado a fazer parte dos direitos humanos, trabalhistas e civis, a repressão continua contra os paredistas. As primeiras greves eram tratadas como delito e punidas com prisão, multa e até forca. Se nas colônias os escravos eram punidos com torturas variadas, entre elas o cepo, na suposta civilizada Europa os trabalhadores eram punidos com multas, prisões e enforcamentos. A greve como ferramenta de luta dos trabalhadores ganha uma grande dimensão quando, em 1866, a primeira conferência da AIT decide por uma luta unificada mundialmente em prol da redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias. Como consequência dessa resolução da AIT, nos Estados Unidos da América, em Baltimore, decidiu-se que a luta pelas 8 horas diárias 25 fincasse pé nas Américas. Ao mesmo tempo, os trabalhadores ingleses, alemães, belgas e de outros países levavam a mesma luta. Vinte anos se passaram desde a resolução da AIT e do Congresso de Baltimore para que eclodisse a primeira grande greve. Ela ocorreu em Chicago, no dia primeiro de maio de 1886. A consigna da greve era: “8 horas de trabalho, 8 horas de repouso e 8 horas de educação”. No terceiro dia de greve, a polícia matou seis trabalhadores. No quinto, os policiais atacaram violentamente uma manifestação em que mais de cem trabalhadores foram mortos. Além disso, feriram mais de mil e prenderam os líderes do movimento. Estes sofreram um julgamento sumário, como sucede nas guerras, e cinco foram condenados à morte, dois à prisão perpétua e outro a quinze anos de cadeia. A greve violentamente reprimida foi derrotada. A classe trabalhadora não. Dois anos depois, a recém-criada Federação Americana do Trabalho (American Federation of Labor – AFL), unida ao movimento anarquista conhecido com Cavalheiros do Trabalho, marca nova greve para o dia 1.º de maio, o mesmo dia da repressão de 1886, greve que ficou conhecida como a dos “Mártires de Chicago”. A de 1890 serviu para demonstrar que, apesar da repressão, os trabalhadores seguiam dispostos a conquistar as 8 horas. Estas começaram a ser conquistadas em longa escala a partir de 1900. Vito Giannotti, ativista e liderança dos trabalhadores brasileiros, preso e torturado durante a ditadura militar brasileira (1964-1985), sobre a luta pela redução da jornada de trabalho no mundo, escreveu: Mortes, prisões e perseguições marcaram todo o século XIX, mas às 8 horas não eram alcançadas. Só começaram a vigorar na segunda metade da década de 1910. A batalha das 8 horas foi uma luta exemplar que marcou profundamente a história da classe operária mundial. Vale a pena ver, mesmo que esquematicamente, as principais datas referentes a essa luta que varou dois séculos. Vejamos: 1817: Robert Owen, um burguês intelectual que sonhava com um “socialismo utópico”, introduziu em suas fábricas, na Inglaterra, a jornada de 8 horas, de modo experimental. 1827: Greve dos carpinteiros de Filadélfia (EUA) pela redução da jornada. 1827: Em Nova Iorque, aconteceram as primeiras manifestações pela redução da jornada de trabalho. 1833: A Inglaterra fixou o horário de trabalho entre 5h30 min. E 20h30min, com intervalo de 1h30min para as refeições. Ficava proibido o trabalho para menores de 9 anos de idade. 26 1836: Na França, iniciam-se dois anos de grandes lutas pela redução da jornada de trabalho. 1841: Após uma greve que parou Paris, uma nova legislação, na França, limitou para 8 horas diárias o trabalho de crianças de 8 a 12 anos de idade e em 12 horas o daquelas com idades de 12 a 16 anos. 1847: Trabalhadores da indústria têxtil inglesa conseguiram reduzir a jornada, de 13 para 10 horas diárias. 1848: Na França, o governo formado pela revolução de fevereiro, o trabalho dos adultos foi limitado a 10 horas, em Paris, e a 11 horas no interior. A lei, no entanto, foi derrubada rapidamente pelos patrões, voltando à jornada de 12 horas. Na Inglaterra, o horário de trabalho para mulheres e crianças foi reduzido para 10 horas. 1850: Na Inglaterra, a jornada de 10 horas foi derrubada pelos empresários. No mesmo ano, nasceu, nos EUA, a “Liga das 8 horas”. 1861: Na Inglaterra, a jornada volta a ser de 11 horas para mulheres e crianças. 1868: Os EUA estabelecem as 8 horas para funcionários do serviço federal. 1871: A Comuna de Paris não teve tempo para pensar em horário de trabalho. Era necessário mobilizar todas as forças contra os dois exércitos que sitiavam Paris e queriam acabar com a Comuna: o exército francês e o alemão. Os dois se juntaram, com o mesmo objetivo de reprimir a rebelião dos trabalhadores. Até 1880, a conquista das 8 horas continuava um sonho. Foram necessários mais quarenta anos de duríssimas lutas para que em vários países se começasse a ter alguma vitória na redução da 8 jornada para 8 horas . (GIANNOTTI, 2007, pp.45 e 46) . Esta longa citação explica em detalhe a trajetória que a classe trabalhadora teve que trilhar para conquistar as 8 horas de trabalho. A luta pelas 8 horas não foi em vão Desde 1864, no mês de setembro, quando foi fundada a Associação Internacional de Trabalhadores, os trabalhadores começaram a lutar organizadamente pela jornada de 8 horas diárias. Foram décadas de luta, acompanhadas de repressão violenta, prisões, enforcamentos e fuzilamentos. Mesmo assim, a classe trabalhadora teve força suficiente para conquistar esse direito. Na enumeração abaixo, pode-se ver detalhadamente como se deu essa conquista: 1908: na Grã-Bretanha, os trabalhadores das minas conquistam 8 horas. 8 GIANNOTTI, Vito. História da Luta dos Trabalhadores no Brasil. Rio de janeiro: Mauad X, 2007, pp. 45 e 46. 27 1909: na Bélgica, trabalhadores das minas conquistam o mesmo direito dos trabalhadores ingleses. 1912: nos EUA, ferroviários conquistam as oito horas. 1914-1918: na Europa, em diversos países, os trabalhadores obtêm a conquista das oito horas. 1917: na Rússia, as 8 horas foi primeira grande conquista após a revolução. 1919: todos os trabalhadores ingleses são beneficiados com as 8horas. 1919: a OIT (Organização Internacional do Trabalho), por meio da Convenção n.º 01, recomenda a todos os países a regulamentação da jornada de 8 horas. Pós 1920: a partir de 1920, quase todos os países implantam a jornada de 8 horas. 1933: Vargas decreta jornada de 8 horas para o trabalhador urbano. O papel das mulheres na luta pelas 8 horas A luta pela jornada de oito horas e por melhores condições de trabalho contou com o ato heróico e o sacrifício de 130 mulheres. Foi no dia 8 março de 1857, quando operárias de uma fábrica de tecidos, situada na cidade norte- americana de Nova Iorque, realizaram uma grande greve com a ocupação da fábrica. As reivindicações demonstram o grau de exploração da época: melhores condições de trabalho com a redução de 16 para 10 horas diárias; equiparação do salário com os homens, já que recebiam 1/3 do salário percebido por eles, e tratamento digno no ambiente de trabalho. A resposta dos patrões foi descomunal. Trancaram as operárias dentro da fábrica e atearam fogo. Aproximadamente 130 mulheres morreram carbonizadas. Na II Conferência Internacional de Mulheres, em 1910, na Dinamarca, a revolucionária alemã Clara Zetkin propôs que o dia 8 de março fosse declarado Dia Internacional da Mulher para lembrar a luta das trabalhadoras do mundo por melhores condições de vida e trabalho. Somente em 1975, quase 120 anos depois, foi instituído pela ONU (Organização das Nações Unidas) o dia 8 de março como o Dia Internacional da Mulher. A instituição desse dia pela ONU é uma vitória parcial, pois ainda hoje há mulheres sendo exploradas e oprimidas nos locais de 28 trabalho. A luta das mulheres pela jornada de 8 horas e tantas outras deflagradas posteriormente são parte da luta do proletariado mundial contra a exploração e a opressão. Como dizia Lênin: “O proletariado não pode atingir a liberdade completa sem conquistar a plena liberdade para a mulher”. O movimento operário brasileiro como parte da totalidade mundial O processo de industrialização brasileiro foi tardio. Até 1888, o país ainda tinha trabalhadores escravos. Porém, a presença destes não impediu o surgimento de uma pequena classe trabalhadora assalariada, combinando-se o arcaico com o moderno. Em 1791, surgiu a primeira greve de que se tem notícia. Ela ocorreu nas oficinas da Casa de Armas, no Rio de Janeiro. Ainda no período de utilização de mão de obra escrava, eclodiram outras, como a dos pescadores do Recife (1815), a dos gráficos do Rio de Janeiro (1858), a dos ferroviários do Rio de Janeiro (1863) e a dos carregadores do Porto de Santos (1877). As primeiras concentrações operárias em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Recife fazem parte do processo de greves deflagradas por volta de 1880, conforme mostram Gomes e Neto (1972): [...] a República inicia-se com a greve na Estrada de Ferro Central do Brasil; repete-se o fato em 1891 e 1893; em São Paulo, uma em 1890, duas em 1891, quatro em 1892; a partir de 1900 tornaram-se mais freqüentes e o Rio de Janeiro é campo de uma batalha de três dias, travada pelos cocheiros de bondes; em 1901, greve dos ferroviários da Sorocabana, em São Paulo; em 1902, lockout da Companhia Industrial do Rio de Janeiro e, em 1903, 800 trabalhadores das oficinas do Loyd Brasileiro paralisam as atividades por 8 dias; há repressões violentas em 1904; em maio de 1906, 3.000 ferroviários da Companhia Paulista entram em greve em Jundiaí, Campinas e Rio Claro; seguem-se diversas manifestações iguais, inclusive a greve de 10.000 operários, em maio de 1907, em São 9 Paulo. ( CARONE, 1972, p. 215). Entre 1880 e 1917, ocorre um longo processo de acumulação de forças por parte dos trabalhadores. A acumulação de forças é a somatória da organização de vários sindicatos em com o objetivo de modificar as relações econômicas e sócias da classe que vive do trabalho para a sua subseqüente 9 CARONE, Edgard. A República velha; instituições e classes sociais. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1972, p. 215. 29 alterações nas correlações de forças. O ano de 1917 marca o ponto alto desse período, pois, nesse ano, uma grande greve paralisou a cidade de São Paulo durante três dias. Mas, a repressão foi violenta devido ao processo de organização e o avanço das lutas por melhores condições de vida e trabalho. A burguesia dominante temia perder o controle da situação devido as confrontações direta com os trabalhadores e por temer as constantes ameaças de uma greve geral. Desse período inicial, podemos dizer que dois momentos foram muito importantes: em 1905, quando foi criada a Federação Operária de São Paulo, e em 1906, quando foi realizado o Primeiro Congresso Operário Brasileiro. Então, podemos dizer que o incipiente proletariado brasileiro viveu um processo de acumulação de forças que contribuíram para alterar as correlações de forças, tanto em nível de lutas como em nível de organização. O Primeiro Congresso Operário Brasileiro deixou um legado atualíssimo: Muitas das resoluções do Congresso são, até hoje, aplicáveis para o movimento operário, entre as quais destacamos: a) funcionamento em forma de federação sem centralização; b) sindicato para resistir aos ataques da patronal às condições de vida e trabalho da classe, contraposto ao do tipo assistencialista; c) defesa da ação direta, isto é, pela ação sindical e não parlamentar; d) rechaço às propostas do governo e da hierarquia da Igreja; e) e, por último, um salto 10 organizativo: criar a Confederação Operária Brasileira (COB). (GOMES SANTOS & FERNANDES NETO, 2013, p. 45). Em 1915, foi criado o Comitê de Defesa Proletária, que cumpriu um papel de primeira magnitude na greve de 1917. Essa greve foi brutalmente reprimida pela polícia, que se utilizou de fuzis e metralhadoras. Dois anos depois, em 1917, dá-se a Revolução Russa, que desequilibrou a correlação de forças em favor do operariado mundial. A burguesia mundial fez ainda mais reacionária. Governos como o de Epitácio Pessoa (1919-1922) e de Artur Bernardes (1922-1926) reprimiram violentamente as lutas operárias e, ao mesmo e de forma contraditória, criaram as primeiras leis para regulamentar o trabalho e tratar de apaziguar um pouco os ânimos. Em 1919, cria-se a lei sobre acidentes do trabalho; em 1923, é criado o Conselho Nacional do Trabalho, que tinha a função de estabelecer leis 10 GOMES SANTOS, Adriana; FERNANDES NETO, Antônio. Organização de Base: história, formas, experiências e atualidade. São Paulo: Editora Kenosis, 2013, p. 45. 30 de proteção ao trabalhador; em 1925, cria-se a lei que garantia quinze dias de férias; em 1926, é criada a lei de proteção de trabalho do menor. Pode-se dizer que, nesse período, a burguesia criou dois mecanismos para reprimir as greves e o surgimento de conflitos: o uso das forças policiais e a normatização do trabalho. Neste período os sindicatos encontravam muitas dificuldades devido a enorme repressão policial. O governo quando pressionado decretava o estado de sítio, expulsão de estrangeiros que eram taxados de agitadores, e em muito caso o fechamento do sindicato. O estado esta a serviço da burguesia dominante e faz a política da manutenção e de expansão do grande capital, ou seja, esta do lado das indústrias e dos banqueiros, fazendo política para a elite dominante e contra os sindicatos e sua luta pro melhores condições de vida. Reorganização e recomposição no movimento operário brasileiro O movimento operário viveu ciclos de reorganização de suas forças e, como consequência, a recomposição da correlação de forças entre as classes. É possível, em um sentido geral, traçar um padrão das crises econômica brasileiras, a partir de 1930. Lembrando que as rupturas sociais e econômicas de 1930, 1945, 1954 e 1964 se caracterizaram pela derrubada de forças no poder, enquanto as de 1937 e 1968 representaram uma consolidação de forças hegemônicas que, tendo tomado o poder em coligação com outras, conseguem eliminá-las para ter as mãos livres e implantar seus modelos de Estado. Em termos simplificados, a crise econômica e social de nossa economia é a crise do regime autoritário, instaurado no país a partir de 1930 a1964. Também em termos simplificados, a conjuntura dos anos 1945-1963 pode ser caracterizada, do ângulo político, pela crise do populismo. A aliança entre os setores de classes, e a burguesia nacional, parte da classe operária e da classe média e é promovida por um Estado que passava por ser a síntese das aspirações do povo, o populismo. As crises se nutrem de dados objetivos, como problemas econômicos e ma uso da maquina administrativa, desastres políticos etc. Mas é também um fenômeno de consciência. Do ângulo dos movimentos sindicais, As 31 mobilizações de 1930-1964 caracterizaram-se por uma definição mais nítida de classe social ou de grupo mobilização de setores operários, tanto é que as massas sindicais neste período muitas vezes se mobilizavam como movimento autônomo cujas reivindicações corporativas se convertem imediatamente em reivindicações políticas, na medida em que se choca com a política econômica do governo. Como é isso? Em primeiro lugar, é preciso refletir sobre o que ocorre no fenômeno das chamadas crises econômicas. Elas significam uma redução da taxa de lucro das empresas e a forma que estas encontram para recuperar a queda da taxa de lucro é impondo duros ataques aos trabalhadores. Assim, surgem as lutas defensivas. Em segundo lugar, convém fazer uma análise sucinta dos períodos de expansão da economia. Neles, os trabalhadores, em geral, saem às lutas por novas conquistas. Em terceiro lugar, é mister pensar em outros momentos históricos, como os golpes de Estado, com um maior controle e repressão da classe trabalhadora, provocando a destruição ordem estabelecida. Todos esses processos econômicos e históricos suscitam mudanças nas organizações da classe operária com o surgimento de novas organizações. Mas o conceito de novo não pode ser confundido com mais progressivo. Após as ditaduras de Estado, por exemplo, surgem novas organizações que se vinculam a novo poder bonapartista, e isso não tem nada de progressivo. São apenas novas organizações. Esse fenômeno que se dá na superestrutura, isto é, no âmbito das organizações sindicais e na política da classe trabalhadora, denominasede reorganização da classe trabalhadora, e isso leva ao processo de recomposição das forças em luta. Karl Marx (1818-1883) é autor fundamental para o estudo do bonapartismo uma vez que ele terá a preocupação de problematizá-lo. É atribuída a Marx a difusão mundial do termo e de suas características. Marx ao presenciar o golpe de 1º de dezembro de1851 realizado por Louis Bonaparte, ou Napoleão III, expressa em vários artigos jornalísticos, que serão reunidos na obra O 18 de Brumário de Louis Bonaparte, sua reflexão sobre um evento que ninguém entendia. Segundo Marx, em 18 de Brumário de Louis: 32 “Imediatamente depois do acontecimento que surpreendeu todo o mundo político como um raio caído de um céu sereno, e que foi condenado por uns gritos de indignação moral e acolhido por outros como tábua de salvação contra a revolução e como castigo pelos seus erros, mas que apenas provocava o assombro de todos e não era compreendido por ninguém” (MARX, 2008.p.11). Marx tinha a preocupação em demonstrar como a luta de classes criou na França, circunstâncias e condições que permitiriam a um “personagem medíocre e grotesco representar um papel de herói. Para Marx: “o bonapartismo é a forma de governo em que é desautorizado o poder legislativo, ou seja, o parlamento, que no Estado democrático representativo, criado pela burguesia, constitui o poder primário, e em que se efetua a subordinação de todo o poder ao executivo, dirigido por um grande personagem carismático, que se apresenta como representante direto da nação, como garante da ordem pública e como árbitro imparcial diante dos interesses contrastantes das classes”(MARX, 2008.pp7-8). Em síntese o Bonapartismo é uma forma política de governo que se desenvolve em sociedades em que a burguesia já tem força suficiente para dominar a economia mediante as relações capitalistas de produção, mas ainda não o suficiente para adaptar as instituições, ou seja, produzir uma ideologia e produzir sua hegemonia. Na história brasileira o conceito de bonapartismo pode ser útil na interpretação de alguns períodos, tais como, o primeiro período Vargas no qual Getulio é aclamado como pai dos pobres e mãe dos ricos. Como o objeto de nosso estudo é analisar o movimento sindical brasileiro entre o final do milênio passado e o início deste, optamos por, esquematicamente, ordenar o estudo e a discussão com base em três grandes processos de reorganização. São eles: a) o movimento sindical corporativista imposto por Getúlio Vargas; b) o movimento sindical à época do Golpe de 1964; c) O movimento sindical que surgiu em 1978 e que se desenvolveu ao longo dos anos 1980. A opção por essa divisão esquemática, por um lado, ajuda na compreensão dos fenômenos, mas, por outro, impossibilita fazer uma análise dos importantes processos grevistas, como a greve geral de 1917; a onda grevista de 1930-1932; a onda grevista dos ferroviários em 1945; a nova onda grevista de 1945-1947; a gigantesca greve de 1953, em que tecelões, 33 metalúrgicos, marceneiros, gráficos, papeleiros, vidreiros, entre outros trabalhadores, faziam grandes atividades unitárias; a onda grevista de 1960, com greves fábrica por fábrica, que paralisou 1milhão e 200mil trabalhadores; a greve de 1963, em que 700 mil pararam para conquistar o décimo- terceiro salário; e tantas outras lutas. Não se trata de tirar a importância desses movimentos. Ao contrário, eles devem ser considerados como pontos altos da ação direta dos trabalhadores. Feita a explicação, convém considerar agora os três grandes processos de reorganização da classe trabalhadora que ocorreram após o período de acumulação de forças, que durou cinquenta anos entre os anos 1880 e 1930. Vargas e o sindicalismo controlado pelo Estado Getúlio Vargas tentou passar à história como o “pai dos pobres”. Na verdade, ele foi um governo que reprimiu violentamente a classe trabalhadora, em especial no período de 1930 a 1945, e que, ao mesmo tempo, fez algumas concessões, que eram exigências e motivos de luta dos trabalhadores. Ele apresentava essas concessões como se fosse um presente dele aos trabalhadores. Esse duplo papel de Getúlio foi um fenômeno recorrente nos anos 30 do século passado. Repressão e concessão andavam de mãos dadas. Isso causava (e causa ainda hoje) muitas polêmicas sobre o caráter dos governos. A definição clássica de bonapartismo, expressa no 18.º Brumário de Marx seria: bonapartismo é uma forma política de governo que se desenvolve em sociedades em que executivo dirigido por um grande personagem carismático, que se apresenta como representante direto da nação “(MARX, 2008). ou seja, exercer o poder de forma ditatorial, mas com certa aceitação das massas. No Brasil Getulio seria um bom exemplo de bonapartista porque ele mantinha as características de um ditador e ao mesmo tempo passavam a imagem de pai dos pobres, ou seja, o salvador da nação. O caráter bonapartista de Getulio, já não se enquadrava perfeitamente naquele contexto, pois Vargas era um governo bonapartista que reprimia e, ao mesmo tempo, fazia concessões. Trotsky, estudando o governo 34 mexicano de Lazaro Cárdenas, avançou na categoria marxista de bonapartismo e criou uma nova categoria: bonapartismo sui generis.11 Em 1930, Vargas assume a Presidência do Governo Provisório e cria o Ministério dos Negócios do Trabalho, Indústria e Comércio: Seu nome já indicava qual a ideologia que estava por trás da nova sigla. Esse Ministério era encarregado de cuidar da união dos interesses entre capital e trabalho. Não seria admitida qualquer manifestação reivindicatória, nem de luta de classes. Deveria haver harmonia de interesses entre capital e trabalho. Por isso, não havia espaço para conflitos, como pressões e greves, por parte dos 12 trabalhadores. (GIANNOTTI, 2007, pp. 134 e 135). Getúlio edita o Decreto-Lei n.ᵒ 19.770, também conhecido como Lei da Sindicalização. Até então, os sindicatos eram completamente livres, sem que os patrões ou o Estado burguês tivesse qualquer tipo de ingerência. A Lei de Sindicalização impunha: “Todos os sindicatos deverão ter o mesmo estatuto e este amarrará os sindicatos ao Ministério do Trabalho; As organizações operárias que, até então, tinham autonomia sobre o que fazer com seu dinheiro perdem este direito. Por exemplo, não seria permitido guardar dinheiro para os fundos de greve, ou doar dinheiro para ações políticas da classe trabalhadora. O sindicato, inclusive, tem de prestar contas ao Estado burguês de como gasta o dinheiro que é dos trabalhadores; Para ser dirigente sindical é necessário apresentar um atestado ideológico emitido pela polícia. Essa medida visa impedir que os sindicatos fossem dirigidos pelos militantes comunistas, ou anarquistas da época; É vedada a propaganda político-ideológica nos sindicatos, ou seja, é proibido ter biblioteca com os livros clássicos da luta operária, ou, até mesmo, a relação com organizações ou partidos de esquerda; Caso o sindicato desrespeitasse essas determinações, o Estado burguês poderia intervir e destituir a diretoria eleita pelos trabalhadores; Os sindicatos deveriam pregar a conciliação de classe, rechaçando a luta de classes; 11 “O governo oscila entre o capital estrangeiro e o doméstico, entre a débil burguesia nacional e o proletariado relativamente poderoso. Isto confere ao governo um caráter bonapartista sui generis, um caráter excepcional. Eleva-se, por assim dizer, acima das classes. Na realidade, pode governar convertendo-se de imediato em instrumento do capital estrangeiro e prendendo o proletariado nas cadeias de uma ditadura militar policial ou, por outro lado, manobrando com o proletariado e até chegando a fazer-lhe concessões, obtendo assim a possibilidade de certa independência em relação aos capitalistas estrangeiros.” (in: TROTSKY, Leon. Sobre laliberacion nacional – Tradução livre. Bogotá: Editorial Pluma, 1980, pp. 61-62.) 12 GIANNOTTI, Vito. História da Luta dos Trabalhadores no Brasil. Rio de janeiro: Mauad X, 2007, pp. 134 e 135. 35 E a definição mais categórica: o sindicato deve colaborar como o 13 Estado e perder totalmente sua autonomia . ”(GOMES SANTOS & FERNANDES NETO, 2013, p. 47). Vargas criou a Lei de Sindicalização para controlar o movimento sindical, porém o Brasil sentiu os reflexos da crise de 1929. Com eles, veio a onda grevista de 1930 a 1932, que atingiu diversos estados (Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo). Nesse período, greves foram violentamente reprimidas. Houveram também repressões com várias mortes, como na Marcha da Fome ou na luta da Ford. Repressão e medidas preventivas eram o cardápio de Getúlio para o movimento operário. Na Constituição de 1934, foram incluídas importantes conquistas: jornada de oito horas, lei de proteção aos acidentes de trabalho, instituição da previdência social, salário-mínimo, férias, entre outras. Como nada é de graça para a classe trabalhadora, só teriam acesso a esses benefícios os trabalhadores filiados aos sindicatos reconhecidos pelo Ministério dos Negócios do Trabalho, Indústria e Comércio. Os filiados a sindicatos de orientação anarquista, comunista ou independente ficariam de fora desse direito. Dessa maneira, a fórceps, o bonapartista sui generis Getúlio Vargas pariu a primeira grande reorganização do movimento operário brasileiro. 1964: o golpe militar impõe nova reorganização O golpe de 1964 cumpriu o papel de abortar uma rica experiência do movimento operário brasileiro, tanto no âmbito sindical como no político. No campo sindical, os trabalhadores vinham da experiência dos sindicatos autônomos (do período anterior a 1930) e viviam a época dos sindicatos getulistas. Vivenciaram o surgimento, a consolidação e o definhamento das comissões de fábrica. Além disso, viveram a experiência de 13 GOMES SANTOS, Adriana; FERNANDES NETO, Antônio. Organização de Base: história, formas, experiências e atualidade. São Paulo: Editora Kenosis, 2013, p. 47. 36 conquistar aos pelegos diversos sindicatos e colocá-los a serviço da luta, apesar da estrutura sindical corporativa imposta por Getúlio. No campo político, a classe trabalhadora construiu uma enorme organização, o PCB (Partido Comunista Brasileiro), o qual elegeu um grande número de vereadores, prefeitos, deputados e até senador. Apesar de sua política de conciliação de classes, esse partido era considerado inimigo dos patrões. De seu seio, antes de 1964, começaram a surgir novas organizações políticas que questionavam o programa do partido. O golpe militar tinha um endereço certo: o controle dos trabalhadores, a intervenção nos sindicatos e a repressão direta aos seus dirigentes, conforme nos mostram os trechos a seguir do Relatório do Grupo de Trabalho da Comissão Nacional da Verdade: Intervenções em direções sindicais, depredação de sedes de entidades, prisões, torturas e execuções foram acontecimentos reiterados e sistemáticos. A ditadura começou efetivamente no dia 1ᵒ de abril, no meio sindical. Suas ações visavam a um só tempo quebrar a espinha dorsal do pujante movimento organizacional dos trabalhadores, em ascensão desde 1950, e impedir que nas organizações sindicais se estruturasse qualquer possibilidade de resistência ao golpe. A intervenção da ditadura nos sindicatos, entre março e abril de 1964, contou com a nomeação de 235 interventores. A repressão militar sobre a classe trabalhadora começou, assim, com a prisão ou fuga forçada de líderes sindicais, e com o empenho do Estado de retomar o controle sobre os trabalhadores. Somente em 1964, 409 sindicatos e 43 federações sofreram intervenções do Ministério do Trabalho. Entre 1964 e 1970, foram efetuadas 536 intervenções sindicais – dos quais 483 em sindicatos, 49 em 14 federações e em quatro confederações. (COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014, pp. 58 e 59). A implacável repressão imposta pela ditadura empresarial militar destruiu todo o acúmulo anterior no campo político e sindical e impôs um processo de reorganização e recomposição do movimento dos trabalhadores. A destruição das antigas organizações dos trabalhadores teve como resultante uma recomposição baseada na alteração da correlação de forças, francamente favorável aos patrões. Esse quadro permitiu à burguesia a extração de uma enorme massa de mais valia que, na prática, fez com que o salário-mínimo, em 1961, 14 COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Relatório: textos temáticos. 2014. Volume II, pp. 58 e 59. 37 fosse de Cr$ 112,52 cruzeiros e, em 1970,caísse para Cr$ 68,93. O Relatório do Grupo de Trabalho da Comissão da Verdade diz que: “Em 1965, eram necessárias 88 horas e 16 minutos para o trabalhador adquirir a ração mínima estabelecida em lei. Em 1974 eram necessárias 163 horas e 32 minutos para adquirir a mesma ração” 15. (COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2013). ANOS 80: novo ciclo de reorganização e recomposição do movimento operário Os anos que vão de 1978 a 1984 provocaram um novo ciclo de reorganização e de recomposição da classe trabalhadora brasileira. Este período ficou conhecido como novo sindicalismo. O novo sindicalismo teve grande importância na história recente do país. Através dele ocorreram avanços para os trabalhadores em termos de regularização, conquistas, estabelecimento de jornada de trabalho, surgimento de lideranças políticas, como Luíz Inácio da Silva, o “Lula” e ainda, influenciou na redemocratização do país ao enfrentar a ditadura militar (1964-1985). Analisar este período que ficou conhecido como o novo sindicalismo é vital para compreender a história do movimento sindical do país, bem como, compreender como as instituições tem se organizado nas últimas décadas e em que condições ideológicas se apresentam hoje, a sua importância e peso nas decisões, nas greves e suas implicações políticas. No Brasil, o novo sindicalismo ganha força a partir dos anos 80, com a organização operária na região que compreende o ABC paulista. As características da estrutura sindical brasileira que contribuíram para o poder sindical nos anos 80, só foram possíveis devido à capacidade de mobilização, e os trunfos políticos mobilizáveis, num cenário de redemocratização política do país. Com o fim da ditadura militar, novos sindicatos surgem e com grande poder de organização, visando fortalecer cada categoria de profissionais. O sucesso das mobilizações no ABC paulista serviu de exemplo para a escalada 15 COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Relatório do Grupo de Trabalho: Ditadura e Repressão aos Trabalhadores, às Trabalhadoras e ao movimento sindical. São Paulo: IIEP, 2013, p. 17. 38 do aparecimento de novos sindicatos. “A partir de 1988, a nova Constituição favoreceu tanto o aparecimento de novos sindicatos quanto a fragmentação de categorias, surgindo, inclusive alguns sindicatos por profissão”. A criação da Central Única dos Trabalhadores CUT, em 1983, é o marco histórico do sindicalismo brasileiro nos anos 80, sendo ela considerada hoje a mais poderosa em número de entidades a ela filiadas e em capacidade de organização e mobilização dos trabalhadores. Portanto, os anos 80 representam o marco do surgimento do novo sindicalismo no Brasil, tendo sido capaz de mudar as estruturas ideológicas, contribuindo para melhorar as condições de vida da classe trabalhadora e revelar lideranças que posteriormente viriam atuar com forte decisão política e de natureza socialista.”. Tudo começou com a greve dos trabalhadores da Scania, em São Bernardo do Campo. Construída por dentro da fábrica, os trabalhadores pararam a ferramentaria e depois a linha de produção, e chamaram o sindicato, que assumiu o comando da greve. Essa greve contagiou as demais fábricas. Em duas semanas, o movimento paredista, que já não era da Scania e tinha se transformado na greve do ABC, se estendeu para São Paulo. A ditadura empresarial militar começava a perder o controle da situação. No mês de junho de 1978, foi realizado o 10.º Congresso Nacional dos Metalúrgicos, e a principal resolução foi a construção da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Ary Campista, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI), convocou, no mês de julho daquele ano, o 5.º Congresso Nacional da CNTI como forma de detonar a ideia de construção da CUT e buscar manter o controle do movimento sindical dentro da estrutura sindical getulista, adotada pela ditadura. Naquele congresso começaram a desenhar-se dois blocos. De um lado, achavam-se aqueles dirigentes que cresceram à sombra da ditadura. Estes receberam o apoio dos grupos estalinistas (PCB, PCdoB e MR8). Do outro lado, estavam os dirigentes que estiveram à frente das lutas iniciadas na Scania e que tinham incendiado o Brasil. A diferença sindical logo se estendeu ao campo político. No 9.º Congresso dos Metalúrgicos do Estado de São Paulo, na cidade de Lins, um jovem operário, José Maria de Almeida, em nome da delegação do Sindicato 39 de Santo André, apresentou uma proposta de resolução: a criação de um partido de trabalhadores. A divisão sindical, que já vinha se desenvolvendo desde o 5.º Congresso da CNTI, se aprofundou agora com um tom político. Sem dúvida, estava a caminho a reorganização da classe trabalhadora brasileira, que desaguaria, em 1980,na fundação do Partido dos Trabalhadores e seria consolidada,em 1984, com a fundação da Central Única dos Trabalhadores. No capítulo III, essa discussão será aprofundada. CAPÍTULO II – As lutas operárias ganham uma base programática consistente: o marxismo Uma pergunta frequenta aos estudantes deste campo que se interessam pelas lutas dos trabalhadores. Como foi o desenvolvimento das lutas e quais foram suas bases teóricas? Há vários estudos que tratam de explicar esse processo. Edmund Wilson16 analisou a história como um processo do conhecimento humano que foi sendo incorporado pelos trabalhadores. Wilson parte da Grécia antiga, e vem explicando os autores e como suas ideias se encadeavam até chegar a abril de 1917, quando Lênin chegou à Finlândia, depois de muitos anos de exílio, e, na estação de trem, foi recebido com uma grande manifestação. Estava-se às portas da Revolução de Outubro, e Lênin apresentou um documento chamado Teses de Abril, que orientaria seu partido com relação ao processo político. Wilson trata de explicar esse fato por meio do processo histórico. “As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo17” foram originalmente um verbete escrito por Lênin para uma enciclopédia. O texto a origem em Marx e Engels foram buscar para elaborar sua teoria: na moderna filosofia clássica alemã, por intermédio de Hegel e Feuerbach, na economia inglesa, com Adam Smith, e junto aos socialistas utópicos franceses. Para explicar a evolução, os alcances e os limites do movimento sindical, optou-se, neste trabalho, por estudar o marxismo e sua mais importante forma organizativa, as Internacionais. 16 WILSON, Edmund. Rumo à Estação Finlândia. São Paulo: Cia das Letras, 1986. LENIN, V. As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo. Rio de Janeiro: Editora Global, 1978. 17 40 Houve três grandes Internacionais: a Associação Internacional dos Trabalhadores, que, por ter sido a primeira, ficou também conhecida como a I Internacional; a II e a III Internacional. Cada uma delas buscava reafirmar a anterior e ampliar sua compreensão do mundo. Na atualidade, há diversos movimentos que tentam articular uma IV Internacional. Tentar-se-á explicar cada uma delas e mostrar sua importância para o movimento operário e sindical ao longo da história do capitalismo e também na atualidade. A criação da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) No início da década de 1860, os desafios da conjuntura internacional fizeram com que vários líderes sindicais e ativistas socialistas começassem a pensarem fundar uma organização dos trabalhadores em nível internacional. O objetivo seria reunir os operários e discutir, em nível global, sua luta, seus trabalhos, seus sentimentos universais em favor dos oprimidos, e buscar uma proposta para enfrentar os acontecimentos internacionais relacionados ao contexto revolucionário e sindical. A I Internacional foi fundada em 28 de setembro de 1864, em Londres, e ficou conhecida como a Associação Internacional de Trabalhadores (AIT) e, na época, recebeu o nome de “Internacional”. Ela já nasceu como um programa claramente de defesa dos trabalhadores. Entre suas resoluções, pregava: a “rápida abolição dos exércitos nacionais; o direito de greve e o direito de coletivização”. A I Internacional foi a primeira organização importante dos trabalhadores em nível internacional, e sua essência corresponde ao início da organização de classe operária, que estava dando seus primeiros passos rumo à auto-organização, à ação direta e à defesa de seus interesses. Marx e Engels18 foram os principais organizadores da I Internacional e descrevem o nascimento da organização no Manifesto 18 Karl Marx nasceu em Treves, na Prússia (hoje Alemanha), em 5 de maio de 1818 e faleceu em 14 de março de 1883; em 1848 publicou, em Londres, o Manifesto Comunista, que foi um esboço da teoria revolucionária, lançando as bases daquela que seria internacionalmente conhecida como Teoria Marxista. 41 Comunista19 da seguinte maneira: “O proletariado passa por diversas etapas do seu desenvolvimento... sua luta contra a burguesia começa com sua existência. (...) trabalhadores do mundo, uni-vos” (MARX, o Manifesto Comunista. 2008.p.22). A Internacional não nasceu pronta, delineada e acabada. Decorreu de um processo histórico dividido em três etapas. A primeira foi chamada de Sociedade dos Democratas Fraternais, considerada o embrião da organização da classe operária em nível internacional. Fundada em 1845 por Julian Herney, em Londres, reuniu os refugiados políticos de toda a Europa. A segunda foi denominada Liga dos Comunistas. Criada em 1848, com base nos trabalhos de Marx e Engels, gerou o Manifesto Comunista, documento que deu origem ao primeiro programa científico e lançou as bases teóricas para os operários nas lutas de classes. A terceira ficou conhecida como Comitê Internacional, organizado por Ernest Jones, que, com encontros e manifestos, manteve ativa a tradição da Internacional durante os reacionários anos 1880. Em 1848, houveram várias revoluções democráticas burguesas, e todas elas foram derrotadas. Essas derrotas se deram em razão de a burguesia não levar seu plano revolucionário ao extremo contra a nobreza totalitária, por temer que o movimento operário escapasse do seu controle e levasse a revolução por conta. O plano da burguesia ascendente naquele período era enfraquecer a nobreza totalitária mas, para Tal propósito se fazia necessário contar com o apoio das massa, no entanto, temia perder o controle das massas pondo em risco seus objetivos mais imediatos, e isto, os levaram a fazer concessões a nobreza totalitária. Friedrich Engels nasceu em 28 de novembro de 1820 na Alemanha e faleceu em 5 de agosto de 1895 em Londres. Junto com Marx, criou o marxismo (materialismo histórico e cientifico). No ano de 1848, junto com Marx, publicou a obra Manifesto Comunista. Nesse mesmo ano, Engels participou das revoluções de 1848 na Alemanha, na Bélgica e na França. 19 No Manifesto Comunista de 1848, Marx e Engels submeteram a uma crítica rigorosa as relações sociais capitalistas e sustentaram que, intensificando a luta de classes, os trabalhadores poderiam destruir a dominação da burguesia e construir uma sociedade comunista. Para eles, ao desenvolver enormemente as forças produtivas nos mercados nacionais e internacionais e ao concentrar cada vez mais riqueza social, o capitalismo criava as condições de sua própria superação. Por isso, ambos se insurgiram contra as proposta dos socialistas utópicos e afirmavam que a libertação dos trabalhadores deveria ser obra dos próprios trabalhadores. 42 Como parte desse processo democrático de revoluções burguesas, eclodiu um violento processo repressivo na Europa e, em particular, na Franca, na Alemanha, na Itália, na Polônia e na Hungria. De todos esses países, chegaram a Londres os perseguidos políticos. Estes estavam divididos em dois grupos ideologicamente distintos: os Burgueses Democratas e o Proletário Revolucionário. Esses grupos tinham visões antagônicas quanto ao movimento operário e, por um pouco de tempo, trabalharam em conjunto. Mas logo se dividiram em classes distintas por conta das diferenças programáticas. Os que ficaram nos respectivos países e que não foram presos, formaram clubes, associações literárias e musicais, com o objetivo de educar e recrutar membros. Naquele período e sua conjuntura internacional, uma série de fatores contribuiu para o nascimento da Internacional, tais como a crise econômica de 1857 (a mais grave do séc. XIX); as guerras pela independência italiana em 1859; e a Guerra Civil nos Estados Unidos em 1861. As consequências desses acontecimentos foram várias. Na França, debilitaram a ditadura de Napoleão III e o obrigaram a fazer concessões econômicas e políticas – os trabalhadores conquistaram o direito ao voto, e foram revogadas as leis que proibiam as organizações sindicais. Na Inglaterra, os operários tinham conquistado o direito à sindicalização em 1825, porém não tinham o direito de voto. A Guerra Civil Americana e o embargo às exportações de algodão produziram uma crise que causou grandes misérias aos operários têxteis ingleses. Em 1862, realizou-se uma feira industrial em Londres. Essa exposição contou com a presença de delegados franceses, o que ajudou no encontro com os operários ingleses. Isso contribuiu para a troca de experiências. Essas relações se aprofundaram em 1863, quando houve uma conspiração entre a França, a Inglaterra e a Rússia, para intervir e barrar a insurreição polonesa por sua independência. Nessa época, houve um ato conjunto de representantes de operários franceses e ingleses no St. Martins Hall de Londres, em 28 de setembro de 1864. Criaram um comitê internacional para escrever o estatuto para a organização operária. 43 As posições manifestadas nesse ato se centraram em uma forte denúncia do capitalismo e em um chamado à solidariedade e à unidade dos trabalhadores. Tanto o Manifesto Comunista de 1848 quanto as decisões do ato de inauguração, em 28 de setembro de 1864, em St. Martins Hall tinham a ver com os objetivos de agrupar em um só organismo os trabalhadores de diferentes graus e promover o desenvolvimento político. Marx acreditava que a consciência de classe dos trabalhadores teria como resultado de sua ação unificadora a garantia da vitória final do socialismo cientifico dentro da Internacional. A Comuna de Paris: uma história de audácia e derrota dos trabalhadores A Comuna de Paris (1870) foi um movimento que se originou com a guerra entre a França e a Prússia. Nesse episódio, os operários parisienses, organizados na Guarda Republicana, assumiram a defesa da cidade e controlaram a direção de Paris por um período que duraram 72 dias. Marx e Engels consideravam a Comuna de Paris como a primeira experiência de revolução operaria e de governo operário pela tomada do poder. Convém lembrar que, entre os comunados, não havia representantes de Marx, e sim das correntes pequeno-burguesas existentes na Primeira Internacional, como os proudhonistas,20 ou correntes que não pertenciam à Internacional, como os blanquistas21. Essa foi a primeira experiência de assalto violento da classe operária ao poder e da construção de um governo operário que se apoiava nas mobilizações revolucionárias do proletariado parisiense em guerra. 20 Seguidores de Pierre Joseph Proudhon (1809-1865), socialista pequeno-burguês, um dos fundadores teóricos do anarquismo. As teorias de Proudhon, de apologia da pequena propriedade, contra as quais Marx escreveu a Miséria da Filosofia, tiveram grande influência na França. SAGRA. 2010. P.15. 21 Seguidores de Louis Auguste Blanqui (1805-1881), revolucionário francês, comunista utópico que defendia a estratégia do golpe. Organizador de sociedades secretas e clubes populares, eleito membro da comuna, apelidado de o “encarcerado”, porque passou 36 anos de sua vida preso. (SAGRA, 2010, P.15). 44 No seio da internacional, existiam grupos com interesses antagônicos. Segundo Marx, durante a existência da I Internacional, houve uma luta sem tréguas do Conselho Geral contra os grupos de amadores que tentavam manter-se dentro da Internacional e contra os interesses reais da classe trabalhadora. Marx e seus seguidores tiveram de lutar contra Lasalle22 no movimento operário alemão, quando este apoiou a política de Bismark em favor dos latifundiários e contra a burguesia, em vez de defender uma política independente do proletariado. Ao mesmo tempo, divergiu de Lasalle, que tinha uma política estranha em relação aos sindicatos a ponto de negar-se a entrar no sindicato se este não adotasse o seu programa. Porém, os embates mais fervorosos se deram contra os ideais anarquistas defendidos por Proudhon e Mikhil Bakunin. As principais diferenças entre os marxistas e os anarquistas se davam em relação à posição sobre o Estado e a propriedade. Os marxistas defendiam a luta contra o Estado burguês por meio da imposição do poder da classe operária, ou seja, a ditadura do proletariado, como transição necessária para abolir toda a autoridade do Estado e todas as formas de governo. Os anarquistas eram contra qualquer autoridade e qualquer tipo de Estado, independentemente de seu caráter de classe. Em outras palavras, os anarquistas eram contrários a toda forma de governo e a toda forma de autoridade. Em síntese Através de uma análise crítica da dominação, o anarquismo pretende superar a ordem social na qual esta se faz presente através de um projeto construtivo baseado na defesa da auto organização. Embora recusem qualquer forma de poder, a maioria dos anarquistas não recusa a constituição de organizações. Estas devem, contudo ser o resultado de uma ação consciente e voluntária dos seus membros, mantendo entre eles uma total igualdade de forma a impedir a formação de relações de poder dirigentes e dirigidos, representantes e representados. Os anarquistas defendem uma sociedade baseada na liberdade dos indivíduos, solidariedade, apoio mútuo, coexistência harmoniosa, 22 Ferdinand Lasalle (1825-1875), socialista alemão, primeiro presidente e fundador da Associação Geral dos Trabalhadores Alemães. (SAGRA, 2010, P.17). 45 propriedade coletiva, autodisciplina, responsabilidade individual e coletiva e forma de governo baseada na autogestão. O Estatuto da Internacional, redigido por Marx, manifestava a necessidade da busca de um ponto central de cooperação entre os operários de diferentes países para a libertação completa da classe operária e advogava que, para isso, era necessário convocar um congresso geral formado por representantes de todos os países. Por causa disso, eclodiu uma grande batalha. Marx concebia a Internacional como um movimento que deveria atuar sob uma direção central unificada, enquanto Bakunin defendia que todos os movimentos deveriam gozar de absoluta liberdade de ação e sem receber nenhuma instrução de nenhum núcleo central. Assim, os dirigentes da I Internacional tiveram de defender-se não só de poderosos inimigos externos, como também de inimigos internos que defendiam ideologias burguesas. Depois da derrota da Comuna de Paris, essas forças se dispersaram, em razão da repressão, levando à decadência e à destruição da I Internacional em 1878. A II Internacional: nasce sob a inspiração marxista Com a dispersão da I Internacional, em razão das derrotas sofridas pelo movimento operário, coube a Engels reorganizar as forças, criando a II Internacional. Essa organização nasceu quando Karl Marx já havia falecido e as diferenças com os anarquistas estavam bem delimitadas e comprovadas na luta de classe. Os operários, os intelectuais e os partidos políticos que tomaram para si a construção da II Internacional se inspiraram no programa marxista. A II Internacional foi a grande responsável pelas organizações de massa independentes da nascente burguesia que resultaram na criação de grandes sindicatos e partidos políticos. O desenvolvimento da indústria ocorrido no século XIX deu um grande impulso ao desenvolvimento da classe operária. A nascente classe operária foi obrigada a sair à luta pelas suas reivindicações mínimas e abriu espaço para o crescimento e o fortalecimento dos sindicatos. 46 Nesse período, ocorreram grandes mobilizações que suscitaram importantes conquistas, como férias, aumento salarial, legislação social e do trabalho para os trabalhadores europeus. A Alemanha foi o centro de desenvolvimento da II Internacional. Isso ocorreu depois da Guerra Franco-Prussiana, em 1871. O país se unificou e entrou em uma grande expansão na área da indústria, revigorando o movimento operário industrial. SAGRA cita que Engels, em sua carta de 11 de dezembro de 1884 ao dirigente social-democrata Auguste Bebel,23 dizia: Nossa grande vantagem é que a Revolução Industrial está em pleno apogeu, enquanto na França e na Inglaterra, no que concerne ao seu aspecto principal, está paralisada. Ali a divisão entre a cidade e o campo, entre o setor industrial e o agrícola, está tão marcada, que só muda lentamente. As grandes massas do povo cresceram nas condições em que agora lhes toca viver e, portanto, estão acostumadas a elas; mesmo as flutuações e as crises são consideradas como algo normal. A isso se soma a sombra dos fracassos anteriores. Por outro lado, para nós, tudo está se desenvolvendo. Assim, tivemos uma Revolução Industrial muito mais profunda e completa e especialmente mais ampla que a dos outros países; e isso com um proletariado perfeitamente fresco e intacto, não desmoralizado por derrotas, e, finalmente – graças a Marx –, com um conhecimento das causas do desenvolvimento econômico e político, e das condições de uma revolução eminente, como não 24 tiveram nenhum de nossos predecessores . (SAGRA, 2010, pp. 2223). Esse fato ocorrido na Alemanha suscitou um grande desenvolvimento dos sindicatos e o fortalecimento dos partidos socialdemocratas. Porém, no final das décadas de 1880, na Europa, a situação começou a mudar. Essa mudança decorreu de vários fatores, sendo o principal a perda do monopólio industrial inglês, gerando desemprego em massa e uma brutal crise econômica. Na Europa, tanto os novos sindicatos como o Partido SocialDemocrata reivindicavam as teses do marxismo. Para (SAGRA, 2010) Na França, Jules Guesdes25, militante comunado, que tinha sido anistiado por ter 23 Auguste Bebel (1840-1913), carpinteiro ebanista, um dos principais dirigentes operários da Alemanha, amigo e discípulo de Marx e Engels. (SAGRA, 2010, P.22). 24 SAGRA Alicia. A Internacional. Um permanente combate contra o oportunismo e o sectarismo. São Paulo: Editor Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2010.2ª edição. 25 Jules Guedes (1854-1922), líder da ala marxista do movimento operário francês. Nas duas décadas do séc. XIX enfrentou uma importante batalha contra os possibilistas, porém, no final 47 participado da Comuna de Paris, ganhou importantes adeptos nos setores do movimento sindical e fundou, em 1879, com Paul Lafargue,26 o Partido Operário Francês, cujo programa foi redigido com a ajuda de Marx. É de notar que, na II Internacional, houve um grande avanço no movimento operário com a formação de sindicatos e, combinado a isso, o desencadeamento de uma onda de formação de partidos políticos sempre com orientações marxistas. Tanto na França quanto na Inglaterra, foram fundadas várias associações para propagandear as ideias socialistas e marxistas. Um bom exemplo disso foi a queda do monopólio inglês no mercado mundial, provocando uma onda de desemprego e miséria, e desencadeando um processo de mobilização e o surgimento de um novo sindicalismo não especializado, já que o sindicalismo anterior era formado por operários especializados. Engels descreveu esse novo sindicalismo da seguinte forma: Os novos sindicatos foram fundados no momento em que a confiança na eternidade do sistema salarial estava seriamente deteriorada; seus fundadores e promotores são socialistas, seja de confiança ou de sentimento; as massas, cuja adesão lhes fortificou, são toscas e desprezadas pela aristocracia operária, porém há a imensa vantagem de suas mentes serem terreno virgem, completamente livre da herança das “respeitáveis” ilusões burguesas que enchem o cérebro dos “velhos” sindicalistas melhor [sic] situados (SAGRA, 2010, p.24). Percebemos que o caldeirão de mudanças ocorridas na Europa modifica profundamente a dinâmica dos movimentos sindicais e dos partidos políticos, em especial dos sociais - democratas. Isso se dá porque as ideias marxistas trazem novos elementos que modificam de forma profunda os movimentos sindicais e consequentemente os sindicatos. A II Internacional não foi uma frente única das organizações operárias, mas sim, uma federação de partidos, todos social-democratas, muitos deles com peso de massa, e todos reivindicavam as teses marxistas. Dentro da federação de partidos que compunham a II Internacional, havia do século, se tornou chauvinista e reformista, e acabou participando do governo de 1914 a 1915. 26 Paul Lafargue (1842-1911), um dos líderes marxistas do movimento operário francês, foi casado com Laura, a segunda filha de Marx. Membro da I Internacional, em 1870-71 participou de trabalhos de agitação em Paris e Bordéus. Ao cair a comuna, fugiu para a Espanha, onde militou seguindo a política do Conselho Geral da I Internacional. Lutou até o fim dos seus dias contra o reformismo. 48 membros que pensavam diferente dos ideais teóricos e práticos do marxismo, e os marxistas tiveram que travar uma luta sem trégua contra esses indivíduos, tidos como oportunistas. Essa luta entre os marxistas e os oportunistas (os oportunistas não queriam ficar longe das massas para não perder seus privilégios), não se deu só no âmbito teórico, mas também se expressou em políticas concretas. (SAGRA, 2010), explica o caráter político e teórico e cita Rosa Luxemburgo,27 em seu folheto “Reforma ou Revolução”, de 1889, assim descrevia a posição marxista sobre esse tema: A luta cotidiana pelas reformas, pela melhora da situação dos operários no marco da ordem social vigente e por instituições democráticas oferece à social-democracia o único meio de participar da luta da classe operária e empenhar-se no sentido de um objetivo final: a conquista do poder político e a supressão do trabalho assalariado (SAGRA 2010, p.25). Havia um grupo que buscava fazer da luta por reforma a essência do movimento socialista. Assim (SAGRA, 2010), afirmava que um dos principais defensores desse pensamento foi Bernstein28, que o formulou da seguinte maneira: “O objetivo final, seja qual for, é nada, e o movimento é tudo”. Respondendo a ele, Rosa Luxemburgo, em “Reforma ou Revolução”, dizia: “Entre a reforma e a revolução social, existe, para a social-democracia, um vínculo indissolúvel. A luta pela diferença é o meio, a revolução social é o fim”. Essa dualidade se fez presente em vários países da Europa, e foi levada ao extremo na França, em 1880, quando Alexander Millerand, membro do Partido Socialista Independente, aceitou o cargo de Ministro da Indústria em um governo burguês. Essa foi a primeira vez que um dirigente socialista aceitou um cargo num governo burguês. Ele justificou sua ação da seguinte forma: tinha que defender a democracia diante das ameaças anarquista e 27 Rosa Luxemburgo (1871-1919), nascida na Polônia, naturalizou-se alemã. A partir de 1907, tornou-se responsável pela escola do Partido Social-Democrata Alemão. Polemizou com o revisionismo. Rompeu com Kautsky e fundou, em 1914, o grupo Espártaco. Foi assassinada, junto com Liebkneckt, em 1919, pela polícia do governo da social-democracia. (SAGRA, 2010, p.26). 28 Eduardo Bernstein (1850-1932), jornalista e membro do Partido Socialista Operário Alemão desde 1861, conheceu, em 1880, Marx e Engels. Manteve correspondência com eles e tornouse marxista. Em1886 manifestou-se abertamente revisionista e foi fundador teórico dessa corrente. (SAGRA, 2010, P. 30). 49 bonapartista. A decisão de Millerand elevou a divisão entre as alas direita e esquerda do Partido Socialista Francês. A Primeira Guerra Mundial mudou para sempre os rumos da II Internacional, levando-a decadência e à morte. Em outubro de 1912, o Comitê da II Internacional marcou um congresso extraordinário na cidade da Basileia, que ficou conhecido como Comitê de Basileia. Os delegados aprovaram por unanimidade um manifesto rotulados de “Manifesto da Basileia”, o qual declarava que a próxima guerra européia só poderia ter um caráter imperialista. Esse manifesto conclamava que, em caso de guerra declarada, dever-se-ia utilizar com todas as forças as crises econômicas causadas pelas guerras para sublevar as massas e precipitar, assim, o domínio da classe capitalista. Em 1.º de agosto de 1914, quando a Alemanha declarou guerra à Rússia, o dirigente alemão Hermann Müller assegurou que seu partido não votaria a favor de créditos de guerra. Essa era a verdadeira prova de fogo que os internacionalistas iriam enfrentar. Daí iria saber se o verdadeiro internacionalismo iria enfrentar seu próprio imperialismo. A II Internacional não passou nessa prova. A imensa maioria dos partidos votaram pela aprovação dos créditos de guerra dos respectivos países, e os revolucionários ficaram divididos em uma minoria, e a aprovação dos créditos de guerra acabou sentenciando à morte a II Internacional. A Conferência de Zimmerwald A grande traição de votar a favor dos créditos de guerra pisoteou a independência de classe e o internacionalismo proletário, mas, antes do fim da Segunda Internacional, no seu interior, surgiu um pequeno grupo de revolucionários que continuou levantando a bandeira do internacionalismo. Entre eles estavam Lênin, Trotsky, Rosa Luxemburgo e Karl Liebcknecht. Em setembro de 1915, realizou-se, em Zimmerwald, na Suíça, uma conferência internacional da qual participaram setores que estavam contra a política assumida diante da guerra. Dessa conferência, participaram 44 líderes, entre eles Trotsky, que descreveu a reunião dizendo que “a quantidade de internacionalista estava tão reduzido que os internacionalistas do mundo 50 todo cabiam em quatro carros (...) o fio da história se rompe com grande frequência e, quando isso acontece, não há nada a fazer, senão juntá-lo de novo, isso era o que íamos fazer em Zimmerwald”. Lênin representava a ala revolucionária e forjou, em Zimmerwald, o ânimo para a empreitada internacionalista. Pode-se dizer, com certeza, que foi nas montanhas da Suíça, o local onde se colocou a primeira pedra para a II Internacional Revolucionária. Os congressistas de Zimmerwald tinham muita convicção de suas ideias e acreditavam na possibilidade de uma revolução socialista. A esse respeito, Trotsky expressou-se da seguinte maneira: Se a guerra escapa ao controle da II Internacional, suas consequências imediatas sairão do controle da burguesia do mundo todo. Nós, os revolucionários socialistas não quiseram a guerra. Porém, não a tememos. Nós não nos entregamos ao desespero pelo fato de que a guerra rompeu a Internacional. A história já se encarregou disso (...). A época revolucionária criará novas formas de organização surgidas dos recursos inesgotáveis do socialismo proletário, novas formas que estarão à altura da grandeza de novas tarefas. Dedicaremos - nos [sic] a este trabalho de imediato entre o rugir das metralhadoras, a derrubada das catedrais e o patriótico uivo dos chacais capitalistas. Conservaremos nossas mentes claras, nossa visão aguda, dentro dessa música infernal de morte. Sentimonos como a única força criadora do futuro. Hoje já existem muitos de nós, mais do que parece. Amanhã seremos mais do que somos hoje, e depois de amanhã milhões se levantarão sob nossa bandeira, milhões que ainda hoje, sessenta e sete anos depois do Manifesto Comunista, não têm nada a perder, senão suas cadeias (TROTSKY, apud SAGRA, 2010, p.36.) Lênin, em suas cartas, deixava bem claro como ele mesmo se dedicava a ganhar para as suas posições os contatos que eram estabelecidos em diferentes países. Terceira Internacional A II Internacional morreu com a aprovação dos créditos de guerra e com a carnificina da I Guerra Mundial, porém esse processo havia começado desde 1905, com o advento da primeira revolução Russa. Como resposta a esse processo, surgiu uma ala à esquerda no interior da II Internacional, dando origem à III Internacional. Na Alemanha, Rosa Luxemburgo defendia a greve geral como a arma da revolução dos operários, opondo-se aos interesses dos 51 parlamentares mantidos pelas democracias burguesas a serviço dos países imperialistas. (SAGRA, 2010), afirmava que Rosa Luxemburgo percebia, antes de Lênin, o processo de degeneração da social-democracia e o papel degenerativo com que jogava, nesse sentido, o centro dirigido por Kautsky29. Na Rússia, essa característica girava em torno da existência do czarismo e do seu regime totalitário. Naquele país, o governo do czar impunha uma brutal miséria às massas, o que exigia a preparação da revolução de forma imediata. Isso fez com que, além dos discursos em torno das tarefas da revolução, surgissem outras polêmicas, que causariam, em 1903, a divisão do Partido Social-Democrata Russo. Organizar um partido para a revolução não era tarefa fácil, pois teria que enfrentar o regime do czar, a burguesia, o economicismo e o oportunismo. Lênin defendia que tinha que ser um partido altamente centralizado, com estrutura diferente, com fronteiras delimitadas do resto da classe e formaram um quadro de especialistas que assumissem a revolução como profissão. No congresso do Partido Social-Democrata de 1903, essa discussão explodiu com o debate do II ponto do Estatuto, que se referia a quem deveria ser considerado militante. Lênin era taxativo e defendia que, para ser membro do partido, o militante deveria concordar com a política do partido, manter uma atividade permanente de defesa dessa política no movimento de massas; pertencer a um organismo do partido e estar sob a disciplina do órgão. Essa concepção de partido russo, elaborada por Lênin, levou à divisão entre bolcheviques e mencheviques. Lênin não conseguiu ganhar, para as suas posições, por vários anos, os principais quadros do partido russo nem da Internacional. Na Rússia, o principal oponente de Lênin foi Martov. No primeiro momento, Lênin recebeu o apoio de Plekhanov, mas logo este mudou de posição e foi para o lado dos mencheviques. Trotsky, desde a divisão do partido entre mencheviques e bolcheviques, esteve ao lado dos mencheviques, 29 Karl Kaustky (1854-1938) tornou-se marxista no final da década de 1870; nos anos 1890, destacou-se como teórico do Partido Social-Democrata Alemão e da II Internacional. Contribuiu muito para a difusão do marxismo, porém, mais tarde, se converteu em porta voz do centrismo e terminou freando a Revolução Bolchevique. Sobre ele, Lênin escreveu um trabalho denominado de O Renegado Kautsky. (SAGRA, 2010, P. 26). 52 porém tinha grande afinidade com a política adotada pelos bolcheviques de Lênin. Trotsky, na maioria das polêmicas políticas, ficou do lado de Lênin. Votou a favor dos mencheviques quando se tratava da estrutura organizativa. Posteriormente, ficou independente, não se afinando nem com os mencheviques nem com os bolcheviques. Além de organizar o partido da revolução, lançar sua concepção de partido e enfrentar a divisão entre mencheviques e bolcheviques, Lênin tinha que desenvolver a dinâmica de classe dentro da revolução. Marx e Engels já haviam estabelecido uma ordem no processo revolucionário e, segundo eles, a primeira revolução operária seria nos países capitalistas mais desenvolvidos. Mas a Rússia Czarista questionou esse esquema, já que ela, na Revolução de 1905, era um país agrário e um dos menos desenvolvido no conjunto da Europa. Em 1905, Lênin, iniciou uma intensa discussão no Partido Social-Democracia e na Internacional sobre a dinâmica de classe e a direção do processo revolucionário. Todos acreditavam que as tarefas a serem resolvidas seriam burguesas (eleições livres, república, direitos democráticos, reforma agrária, etc.). Seguindo o esquema de Marx e Engels, os mencheviques acreditavam que, na Rússia, por ser um país atrasado, a revolução se daria em duas etapas. Na primeira, o proletariado, o campesinato e a intelectualidade se uniriam com a burguesia liberal para derrotar a monarquia. Na segunda, conforme os mencheviques, a revolução passaria a ser proletária. Lênin denunciava o caráter reacionário da burguesia e sua estreita relação com o regime czarista, por isso afirmava que a revolução deveria enfrentar também a burguesia. Quanto a este duplo caratê da burguesia (SAGRA, 2010). Observava que Trotsky, em seu livro de 1905, Balanço e Perspectivas, lançou as bases sobre sua teoria da Revolução Permanente. Ele partiu da análise de que a burguesia não mais jogava um papel revolucionário e, nesse aspecto, concordou com Lênin, porém foi além e afirmou que o proletariado deveria dirigir o processo e implantar sua ditadura de classe e transformar a revolução burguesa em revolução socialista. A combinação das ideias de Lênin sobre o partido e as de Trotsky sobre o caráter proletário da revolução socialista armaram 53 politicamente o proletariado russo para a tomada do poder político do Estado russo em 1917. Assim nascia a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. A III Internacional nasceu já diferente da I e da II, pois tinha um caráter qualitativo na medida em que foi fundada a partir da tomada do poder na Rússia e, por conseguinte, do enorme prestígio de seus dirigentes. A III Internacional buscava ser um partido revolucionário mundial, um partido que respondesse à época imperialista e à época das revoluções. (SAGRA, 2010), afirmava que Zinoviev30 tinha razão ao escrever: “Desde seu nascimento, a III Internacional liga seu destino ao da Revolução Russa”. Com o objetivo de apoiar as lutas na Alemanha, na Inglaterra e na França, a III Internacional enviou militantes com experiência em movimento de massa para apoiar a revolução operária nesses países. Em 24 de janeiro de 1919, o Comitê Central do Partido Comunista lançou o seguinte chamado dirigido por Trotsky: Os partidos e as organizações abaixo assinados consideram como uma necessidade imperiosa a reunião do I Congresso da Nova Internacional Revolucionária (...) seguem doze pontos em que se descrevem os objetivos, a tática e a conduta do partido socialista. O chamado coloca que, considerando que aquela época significava a decomposição e a derrubada do sistema capitalista, que é ao mesmo tempo a derrubada da cultura européia, a tarefa principal do proletariado era a de suprimir o capitalismo e conquistar o poder (...) a tarefa colocada a este primeiro congresso consistia na „criação de um organismo de combate, encarregado de coordenar e dirigir o movimento da Internacional Comunista e de realizar a subordinação dos interesses dos movimentos de diferentes países aos interesses gerais da revolução internacional‟. (SAGRA, 2010, p. 42). O I Congresso foi realizado entre os dias 2 e 6 de março de 1919, e aberto com o discurso de Lênin, que dizia: Por mandato do Comitê Central do Partido Comunista, declaro aberto o I Congresso da Internacional. Antes de mais nada, peço-lhes que nos levantemos para honrar a memória dos melhores representantes da III Internacional: “Karl Leibcknecht e Rosa Luxemburgo”. Esses dois grandes revolucionários acabam de ser assassinados por ordem do governo alemão, que estava nas mãos do Partido SocialDemocrata. (SAGRA, 2010, p. 43). 30 Dirigente bolchevique, discípulo de Lênin. Quando da morte deste, integra a “troica”, junto com Kamenev e Stalin, contra Trotsky. Assustado com os rumos políticos que a burocracia impunha, Zinoviev rompe com Stalin e, por um curto período, organiza com Trotsky a Oposição de Esquerda. Pressionado, capitula a Stalin, não obstante acaba condenado pela burocracia nos processos de Moscou e fuzilado. (SAGRA, 2010, P.41). 54 O segundo congresso foi realizado em Petrogrado, em 17 de junho de 1920. Esse evento tinha grandes desafios, entre eles discutir a relação entre os partidos e os sindicatos. Rakosi resenhou o encontro da seguinte maneira: Os partidos que vinham aderindo não estavam totalmente formados. Não existia ainda clareza sobre o que é um partido, sobre o papel dos comunistas nos sindicatos, sobre as atitudes frente ao parlamentarismo e outras questões. Fixar as diretivas sobre elas foi a tarefa do segundo congresso. (SAGRA, 2010, p.45). Sobre os debates relacionados à atuação dos comunistas nos sindicatos, (SAGRA, 2010) apontava que Rakosi31 os descreveu da seguinte maneira: No que concerne aos sindicatos, o congresso resolve que os comunistas devem entrar neles para formar os quadros de combate contra o capitalismo e transformá-lo em escola de comunistas. Os procedimentos dos comunistas nos sindicatos devem ter como resultado libertar as massas dos diferentes oportunistas vendidos à burguesia. (SAGRA, 2010, p.45). O debate e a resolução sobre a ação dos comunistas nos sindicatos, escritos em 1920, mantêm, nos dias de hoje, sua atualidade na medida em que propõem: a atuação nos sindicatos por meio de direção reacionária, descartando a criação de sindicatos paralelos; o papel da mobilização como ferramenta fundamental nas lutas; a importância da democracia operária exercida por organismos no interior das fábricas e locais de trabalho; e a visão de que as diretorias executivas dos sindicatos devem ser escolhidas respeitando-se a vontade das bases. A III Internacional não resistiu ao processo de burocratização e degeneração da Revolução Russa pelas mãos de Joseph Stalin. Esse processo começou em 1923 e durou aproximadamente 20 anos. Esse fenômeno impediu que os trabalhadores enfrentassem, em nível mundial, importantes fatos como a Crise Econômica de 1929 e a ascensão de Mussolini e Hitler, na Itália e na Alemanha, respectivamente. Durante todo esse período, 31 Bolchevique que é encarregado de realizar uma resenha dos congressos, que a Internacional publica em 1923, no Anuário do Trabalhador. (SAGRA, 2010, P.43). 55 o proletariado não deixou de lutar, como ocorreu na Guerra Civil Espanhola e na China de Chiang Kai-Chek. Mas era uma luta em condições muito difíceis porque o proletariado não tinha uma ferramenta organizativa que centralizasse suas atividades. A III Internacional realizou sete congressos. Os quatro primeiros foram da época revolucionária. A partir 1923, após a morte de Lênin e o início da burocratização stalinista na União Soviética, a III Internacional começou a sentir os efeitos desse processo. Pouco a pouco, ela foi transformada em um apêndice da política externa soviética. Houve o sexto congresso, em 1928, o sétimo, em 1935, e, por ordem de Stalin, em 1943, a III Internacional foi dissolvida. A IV Internacional surge em condições opostas ao da III A IV Internacional foi fundada em 1938, no final dos chamados 20 anos de derrotas do proletariado mundial. Entretanto, somente em 1943 começou a consolidar a superação desse período negativo, ainda que tenha sofrido perseguição das burguesias e do stalinismo e enfrentado a morte do seu principal dirigente, Leon Trotsky, assassinado a mando de Stalin. Além das muitas batalhas teóricas e políticas que era necessário desenvolver após a degeneração da União Soviética, a IV Internacional buscava se apoiar nos fundamentos da tradição revolucionária herdados do bolchevismo. Preservar essas conquistas históricas na forma de uma organização política era a principal meta daqueles que começaram a construir a IV Internacional. A história da IV Internacional não é o objeto deste estudo. Mas um de seus principais desafios, a burocratização, interessa-nos sobremaneira para entender a burocratização dos sindicatos na atualidade. Além da burocratização, entre os estudos desenvolvidos pelos “quartistas”, há a imperiosa necessidade de superar os fracionamentos por sindicatos, em nível nacional, as fronteiras nacionais, e de construir uma sólida organização internacional de trabalhadores. Em síntese, pode-se dizer que a história das Internacionais é a própria história do movimento operário com seus fluxos e refluxos. Estudar, 56 aprender e analisar essa história nos ajuda sobremaneira a entender os sindicatos da atualidade, que se assentam na burocratização, na dependência do Estado burguês, na conciliação com os patrões e na falta de democracia para aqueles que querem lutar. CAPÍTULO III – O SINDICALISMO BRASILEIRO NESTE SÉCULO XXI Recomposição e reorganização do movimento operário no final da ditadura civil-militar O nascimento da CUT I congresso de fundação da CUT Com o declínio do regime militar no fim dos anos 1970, os movimentos sociais começam a se expor mais à luta, e, como necessidade desse processo de recomposição da correlação de forças, nasce um processo de reorganização da classe trabalhadora que vai do chão da fábrica a instâncias nacionais. Nessa conjuntura política, surge a primeira conferência nacional da classe trabalhadora, conhecida como “Conclat32”, que foi realizada nos dias 21, 22 e 23 de agosto de 1981, na Praia Grande, litoral do Estado de São Paulo. Essa primeira Conclat foi precedida de vários encontros estaduais de trabalhadores (Enclats), que tinham como objetivo eleger os delegados que participariam da Conclat. A eleição dos delegados foi precedida, na maioria dos estados brasileiros, de discussão, nos sindicatos, das teses fundamentais para a reorganização do movimento sindical daqueles anos. Foi um processo muito 32 A sigla Conclat foi utilizada em diferentes eventos tais como conferência, congresso, coordenação da classe trabalhadora. A I Conclat, de 1981, significa Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras e reuniu várias correntes do sindicalismo, de onde saiu a comissão PróCUT. Posteriormente, o nome congresso foi utilizado por duas vezes no mesmo ano, para designar, em agosto de 1983, o I Conclat, quer dizer, o Primeiro Congresso Nacional da Classe Trabalhadora. A Conclat de agosto reuniu o bloco dos sindicalistas que iriam criar a CUT. O bloco contrário, que convocou a Conclat de novembro, decidiu criar uma Coordenação Nacional das Classes Trabalhadoras, conservando o nome Conclat. Essa Conclat, em 1986, realizou um congresso que decidiu pela formação de uma Central Geral dos Trabalhadores, em agosto, a CUT. 57 rico no conteúdo e com altos níveis de participação. Em relação a esta, é impossível, para os que atuam hoje, imaginar o grau de comparecimento. Em relação à abertura da conferência, ou seja, da primeira Conclat, afirma Rodrigues: Estavam presentes 5.036 delegados de 1.091 entidades, entre sindicatos, federações, e associações pré-sindicais. Estavam representadas também cinco confederações: Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura; Confederação dos Serviços Públicos no Brasil; Confederação dos Professores do Brasil; Confederação Nacional dos Trabalhadores em Comunicação e Publicidade; e a Confederação dos Trabalhadores em Transporte Marítimos, Fluviais e Aeroviários. Além das confederações, participaram delegados de nada menos do que 43 federações. (RODRIGUES, 1990, p.05). Duas observações derivam desse contexto da primeira Conclat. A primeira foi a participação de várias confederações e federações, de sindicatos de várias tendências e associações pré-sindicais, além de associações de base. No que tange às confederações, muitas das que não se fizeram presentes enviaram delegações para representá-las. A segunda foi a questão da realização de várias reuniões de base em todo o País, que resultaram em uma participação massiva de mais de 5.000 delegados, isso depois de a ditadura militar haver massacrado os sindicatos de várias tendências e eliminado fisicamente vários líderes tidos como combativos. O regime militar não eliminou o sindicato, mas o conservou sob seu domínio por meio da estrutura sindical getulista. Portanto, quando os sindicatos conseguiam burlar o aparato legal, entrava em ação a repressão aos seus dirigentes. Contraditoriamente, essa mesma estrutura sindical que controlava os sindicatos serviu para a manutenção mínima dos sindicatos de onde saiu uma nova safra de sindicalistas com distintos graus de compreensão da necessidade de democratização do País e das tarefas necessárias para consegui-lo. Na primeira Conclat, foi decidida a formação da Comissão Nacional Pró-CUT33, com a incumbência de dar andamento às resoluções 33 Já por ocasião da formação Pró-CUT (ao lado da questão da greve geral, um dos temas que dividiu a conferência), a unidade do movimento esteve seriamente ameaçada por causa da representação de duas chapas para a composição da comissão. Entretanto, no último 58 aprovadas nas conferências e preparar a realização do Congresso Nacional da Classe Trabalhadora no ano seguinte. Mas as divergências internas na Conclate na Comissão PróCUT eram muito intensas. Duas tendências principais se desenvolveram. Uma delas, a mais à esquerda, a mais radical, reuniu dirigentes sindicais e ficou conhecida como “bloco combativo”, tendo à frente os sindicatos de metalúrgicos de São Bernardo, bancários de São Paulo e Porto Alegre, entre outros. A outra tendência, a “moderada”, denominada, às vezes, de “bloco da reforma”, reuniu sindicalistas da Unidade Sindical, os quais controlavam sindicatos, federações e confederações muito importantes. Por causa das profundas divergências no interior da direção da Pró-CUT, o congresso marcado para 1982 foi adiado. Um dos pontos de divergência, adotado pela ala mais radical, foi a deflagração da greve geral, para forçar o governo a atender o conjunto de reivindicações que seria apresentado ao presidente da República. Mas a ala mais moderada não concordava com isso, pois temia os riscos que um agravamento das tensões sociais poderia ocasionar para a continuação da abertura política em um ano eleitoral como o de 1982. De fato, a diferenciação entre os dois blocos tinha a ver com o grau de experiência com a Ditadura Militar e com o que poderia ser feito para enfrentar o problema. Com o adiantamento da Conclat de 1982, o bloco que viria a formar a CUT convocou, para agosto de 1983, a realização da I Conclat, que, como se esperava, decidiu pela criação da Central Única dos Trabalhadores. A tendência moderada realizou seu congresso em outubro de 1983, mantendo a nomenclatura de Conclat. Posteriormente, em março de 1986, essa tendência transformar-se-ia na Central Geral dos Trabalhadores (CGT), consagrando a divisão no meio sindical e fazendo com que a CUT não fosse a única central existente no País. A CGT foi fundada, porém nunca chegou a ser uma central sindical de fato. O seu ciclo de vida foi curto e substituído pela fundação da momento, foi possível a elaboração de uma chapa única de composição. Aparentemente, ambos os lados, naquela ocasião, temeram provocar a cisão de um movimento que apenas começava. 59 Força Sindical. Quanto ao congresso do nascimento da CUT, Leôncio Martins Rodrigues assim o descreve: Central Geral dos Trabalhadores: suas origens remontam à primeira Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (CONCLAT), quando diversas correntes que mais tarde vieram a formara CUT e as CGTs participaram, em agosto de 1981, da reunião da Praia Grande. Posteriormente, depois que a ala mais à esquerda decidiu pela convocação do I Congresso Nacional da Classe Trabalhadora, em São Bernardo do Campo, em agosto de 1983, dando origem à CUT, a tendência mais moderada convocou outra reunião, em novembro do mesmo ano. Essa reunião, que manteve o nome de Congresso Nacional da Classe Trabalhadora, denominou-se também I CONCLAT. Assim, formalmente, na obstinação de ambas as entidades de negar-se mutuamente, houve dois I CONCLAT, enquanto o CONCLAT dos sindicalistas mais à esquerda criava a CUT, o de novembro criava a Coordenação Nacional da Classe Trabalhadora. Em março de 1986, a Coordenação realizou um congresso que decidiu pela criação de uma Central Geral dos Trabalhadores (CGT). (RODRIGUES, 1990, p.119). Já na fundação da CUT, em 1983, ficou decidido que esta deveria ser independente dos patrões, do governo, dos partidos políticos e dos credos religiosos. O estatuto provisório aprovado nessa nova central insistia em três pontos importantes: a) autonomia e liberdade sindical; b) organização por ramos de atividade produtiva; e c) organização por local de trabalho. O programa de luta de 1983 já trazia demandas que misturavam questões de caráter trabalhista com reformas sociais mais radicais. As reformas de caráter trabalhista eram as seguintes: saláriodesemprego, redução da jornada de trabalho para 40 horas, sem redução de trabalho; direito de sindicalização dos funcionários públicos, estabilidade no emprego, eliminação de horas extras, criação de comissão de trabalhadores nos locais de trabalho, etc. Já entre as reformas sociais mais radicais, constavam a “reforma agrária radical, ampla, e massiva, imediata e sob o controle dos trabalhadores rurais, a partir da demarcação do uso coletivo de terra”; “a ocupação imediata das terras dos grileiros, das terras do estado, dos latifúndios improdutivos ou não, e a coletivização das grandes empresas nacionais e estrangeiras”, entre outras. 60 Por outro lado, a greve geral34, como no sindicalismo adepto da ação direta, foi definida como a principal arma de luta dos trabalhadores contra os patrões e o governo, à qual se devem recorrer sempre que possível. Aparentemente, o tema da greve geral foi responsável pela dissidência entre as duas centrais (CUT e CGT). De fato, o problema residia em que a nascente CUT advogava a ação direta dos trabalhadores, e os dirigentes sindicais de corte mais conservador propunham uma saída via Congresso Nacional e processo eleitoral. Assim, nem bem consolidada a CUT, já arquitetava um verdadeiro confronto com o governo e defendia uma proposta audaciosa: como organizar uma greve geral. O primeiro Concut O primeiro congresso da CUT foi realizado em agosto de 1983, quando se aprovou um estatuto definitivo em substituição ao provisório. Esse congresso pouca coisa alterou em relação aos encontros anteriores. A proposta de uma greve geral, prevista no plano de lutas aprovado no primeiro Conclat, não obteve apoio no Concut, considerando que o grupo proponente ainda não tinha acumulado forças suficientes para impor a paralisação, ainda que, em seu plano de lutas e nas bases, já tivesse havido várias greves por categoria. No campo sindical, a greve geral foi, é e sempre será a principal forma de luta dos trabalhadores. O ponto alto do congresso fundacional da CUT foram os delineamentos gerais, que transformavam a Central Única dos Trabalhadores em uma das mais democráticas e combativas em todo o mundo naquele início dos anos 1980. Segundo Rodrigues: O primeiro Concut aprovou um conjunto de medidas que deveriam nortear o caminho a ser seguido pela CUT em oposição ao sistema corporativo implantado ainda na era Vargas. Quanto a esses princípios, estavam estruturados da seguinte maneira: “a nova estrutura deveria ser: democrática, de modo a permitir a mais ampla discussão e expressão das correntes internas; classista e de luta, combatendo a colaboração de classes, não compactuando com os 34 A CUT chegou a marcar, e a desmarcar, duas greves gerais: uma para o dia 25 de outubro de 1983 e outra para o dia 25 de abril do mesmo ano. 61 planos do governo que firam os interesses dos trabalhadores; com liberdade e autonomia sindical, quer dizer, independente da classe patronal, do governo, dos partidos políticos, das concepções religiosas e filosóficas; organizada por modo de produção, quer dizer, os trabalhadores, segundo foi votado, criarão suas formas de organização desde os locais de trabalho até a central sindical, seu órgão máximo. Todos os trabalhadores terão sua organização sindical tanto no setor privado como no setor público, em qualquer nível. As assembleias de trabalhadores decidirão sobre seus estatutos, obedecendo aos princípios aqui expostos”. Um código mínimo de trabalho substitui a CLT. (RODRIGUES, 1990, p.10). O plano de lutas da recém-criada CUT estava montado da seguinte forma: era um plano ambicioso que objetivava desde o desmantelamento da estrutura sindical vigente (sindicato corporativo) até o programa de reforma agrária, ampla e maciça, sob o controle do conjunto dos trabalhadores. Essa audácia fica mais visível quando se sabe que era uma central ainda em construção e que não tinha acumulado forças suficientes para impor sua principal arma, a greve geral, diante do contexto político, econômico e social porque o País passava. Quanto ao programa de luta da CUT, Rodrigues assim o descrevia: Pensamos, aqui, que o hábito de botar no papel uma amplíssima gama de demandas, que devem constituir o plano de lutas da entidade, decorre, em parte, da necessidade, nem sempre manifesta, de construção de uma identidade através da afirmação de posições que diferencia a CUT das outras centrais e, em parte, das disputas internas à própria CUT. (RODRIGUES, 1990, p.10). O combustível que movia a CUT era de natureza classista, democrática em seus estatutos e formas de participação contra a ditadura, e havia um alto espírito de liberdade e de luta enraizado na mente dos novos líderes sindicais. Além disso, no chão de fábrica, vivia-se a dura realidade dos baixos salários, das horas de trabalho extenuantes, do alto índice de acidentes do trabalho e da alta da inflação. Em nível mais geral, na sociedade, havia o fantasma da ditadura militar com sua política autoritária, que abafava todos os ventos de liberdade. Nesse caldo de cultivo, nasceu e se forjou a nova leva de dirigentes sindicais que foi desaguar na CUT. Mas a CUT, diferentemente das outras centrais sindicais, nasceu com um programa politicamente avançado para sua época, apesar de ter muitos dirigentes sindicais vindos das bases, ou seja, do chão da fábrica. 62 Os congressos requeriam conhecimentos fundamentais para construir uma central de dimensões continentais. Requeria-se dos dirigentes e delegados condições para o confronto de ideias expressas em distintas correntes, que exigiam armas intelectuais, conhecimentos, informações, domínio da teoria, ou seja, muito saber. O II Concut O II congresso da CUT foi realizado em agosto de 1983 no Rio de Janeiro e, nele, foi aprovada a campanha nacional de luta que propunha: 1. Quanto à questão salarial: recuperação das perdas salariais e aumento real de salário e do salário-mínimo segundo índice do Dieese; reajuste mensal e “real congelamento dos preços”; 2. Quanto ao emprego: estabilidade no emprego; fim da mão de obra temporária; redução da jornada para quarenta horas semanais, saláriodesemprego real para todos; 3. Quanto à organização sindical: liberdade e autonomia sindical com a aprovação da Convenção 87 da OIT; 4. Quanto à questão agrária: reforma agrária sob controle dos trabalhadores e punição dos assassinos de trabalhadores rurais; 5. Quanto à dívida externa: luta pelo seu não pagamento. Além disso, o II Concut aprovou uma resolução criando uma nova estrutura sindical em oposição à estrutura corporativa em vigor. A nova estrutura, conforme Rodrigues ficaria assim: O modelo imaginado previa a criação de “Comissões Sindicais de Base” em cada local de trabalho com as funções de representar os empregados e os sindicatos. A comissão seria eleita apenas pelos trabalhadores sindicalizados “maiores de 16 anos”. Além da Comissão Sindical de Base, que seria uma espécie de comissão de fábrica eleita apenas pelos empregados sindicalizados, eram previstos também “sindicatos de base”, e “departamentos profissionais”. O sindicato de base seria constituído por ramo de atividade econômica (nos setores agropecuário, industrial e de serviços). Esses sindicatos poderiam ter abrangência municipal, intermunicipal, estadual interestadual e nacional. Os sindicatos de base, organizados por ramo de atividade econômica, substituiriam os atuais sindicatos (organizados nominalmente por categoria, mas, em muitos casos, por ramo de produção). Os departamentos seriam também organizados por ramo profissional “a nível nacional” e 63 deveriam substituir as federações e as confederações do sindicalismo corporativo, mudando o perfil organizatório da CUT. (RODRIGUES, 1990, p.14). As propostas votadas e aprovadas no II Concut eram audaciosas. Em síntese, procuravam substituir a antiga estrutura sindical por um novo modelo, lançavam-se, com muito fervor e resistência, contra o antigo sindicalismo de Estado e batiam de frente com a resistência das empresas e do governo. Em outras palavras, era o nascimento do novo sindicalismo; era a reorganização do movimento operário nos tempos de recomposição da correlação de forças entre as classes sociais. O III congresso da CUT, sem dúvida, foi o maior em número de delegados e entidades sindicais. Reuniu 6.218 sindicatos de todos os lugares do País. Esse congresso revelou a elevação do número de sindicatos e de associações de funcionários públicos e do setor de serviço, além do avanço da CUT na conquista de novas diretorias. Nesse sentido, pode-se afirmar que a CUT seria transformando na grande central sindical do País e do continente. As disputas internas O II Concut abriu-se num clima tenso, precedido por duras e acaloradas acusações entre as facções. Muitos pontos de discussão estavam claros, e não tão claros, mas, no fundo, já abriam o debate, tendo como pano de fundo a natureza da CUT, como uma central voltada para a área sindical ou como uma central de natureza mais ampla, com a representação de outros atores sociais, além dos atores sindicais. O II Concut, embora fosse o congresso de uma central muito democrática, mostrava uma inflexão no processo participativo, pois somente delegados das entidades filiadas à central poderiam participar dos congressos, ao contrário do que ocorria anteriormente. A outra medida dizia respeito ao número de delegados que as entidades poderiam enviar e que deveria ser proporcional ao número de trabalhadores sindicalizados, e não mais ao número de trabalhadores existentes na jurisdição do sindicato (critério valido também para as oposições sindicais Pró-CUT que estão em disputa com as diretorias anti-CUT). 64 A terceira medida de impacto tomada foi mudar a periodicidade dos congressos nacionais, de dois para três anos. Com a ampliação do intervalo entre os congressos, a direção da CUT passou a ter mais autonomia para tomar decisões diante dos fatos novos da política. As três medidas participação exclusiva dos filiados à Central; delegados proporcionais ao número de filiados, e não ao número de trabalhadores na base; e aumento do intervalo entre congressos foram a primeira tentativa de controle do aparato por parte de uma das facções. No interior da CUT, foram, pouco a pouco, desenhando-se duas grandes alas, embora houvesse diversas correntes com distintos matizes. As tendências internas da CUT, naqueles anos, refletiam os debates que se davam no interior do Partido dos Trabalhadores. De fato, não era um debate apenas no campo sindical, mas também um debate sobre os rumos do País. No interior do PT, debatia-se que a saída era a aplicação de um governo democrático e popular ou de um governo dos trabalhadores e sem patrões. No governo democrático e popular, as energias do movimento deveriam ser canalizadas para a democratização do País pelo assalto às instancias do Estado e, por fim, pela construção de um “governo de todos”. A tendência contraposta defendia o fim imediato do governo militar, a convocação de eleições gerais e um governo dos trabalhadores e sem patrões. Portanto, as decisões do II Concut, nas quais se buscava o controle da participação, foram a primeira iniciativa para que a corrente majoritária, denominada de Articulação Sindical, no PT chamada simplesmente de Articulação, pudesse exercer sua política com base na redução da participação e no sentido oposto dos congressos anteriores, quando o debate fluía naturalmente. Era o germe da burocratização em ação. A Força Sindical A Força Sindical foi fundada no período de 8 a 10 de março de 1991. A entidade já nasceu com características bem definidas e diferentes das 65 outras experiências surgidas pós-Enclats e pós-Conclats. De fato, a Força Sindical recebeu um grande impulso do governo Collor e não só se diferenciava da CUT como também da moribunda CGT, fundada poucos anos antes. Antes de entrar no conteúdo da Força Sindical, isto é, em seu programa e métodos de ação, é importante tratar da parte mais exterior da instituição, sua forma. A Força apresenta-se com um logotipo que representa uma flor uma flor amarela no interior de um sol vermelho, ou seja, um girassol, como se expressou seu presidente, idealizador e fundador, Luiz Antônio de Medeiros. Para ele, a flor representa a vida; o sol, a fonte de vida, a energia que dará a força e a luz que guiará a nova central ao seu grande destino. A Força Sindical teve um congresso de fundação diametralmente oposto ao de fundação da CUT. O da Central, que apostava na recomposição do movimento operário e se apoiava nos sindicatos combativos e nas oposições sindicais, contou com um contingente de quase 5.000 delegados. O congresso da Força Sindical, que tinha uma posição mais alinhada com o capitalismo, obteve um número bem inferior de delegados, conforme (GOMES SANTOS & FERNADES NETO, 2013) 35 assim o descreve: 1.793 delegados que representavam 783 sindicatos e federações. Destes delegados, 95% eram membros de diretorias de sindicatos. Portanto, não havia grupos de oposição sindical. Apenas 2,1% dos delegados eram de base, ou delegados sindicais. Outra característica importante é que 42% dos delegados tinham mais de sete anos de direção sindical, ou seja, já caminhavam, pelo menos, para o terceiro mandato. (GOMES SANTOS & FERNADES NETO, 2013, P.95). Quer dizer, a CUT investiu na reorganização do movimento operário pós Ditadura Militar. A Força Sindical investiu em dirigentes sindicais de corte conservador, alguns deles, inclusive, haviam transitado pelo momento ditatorial sem grandes sobressaltos. A Força Sindical, assim como a CUT, surgiu com um projeto ambicioso que se pronunciava assim: mudar o Brasil. A proposta de mudança nada tinha a ver com a luta pelo socialismo proposto pela CUT ou de enfrentamento das ditaduras. Ao contrário, a Força Sindical propunha-se a lutar pelo capitalismo. A nova sociedade, como expressa o seu 35 GOMES, Adriana Santos; NETO, Antonio Fernandes. Organização de Base. História, formas, experiências e atualidade. São Paulo: Kenosis, 2013, p. 95. 66 programa, seria uma sociedade moderna, com base na competição, na prosperidade, na produtividade, na democracia e na participação. A Força Sindical se declara contrária ao capitalismo selvagem, que, para ela, seria a prática de cartéis, de monopólios e de benesses do Estado. Para ela, o ideal seria uma economia de mercado mais aberta nos quadros de uma sociedade moderna, competitiva, democrática, competente e progressista. Para chegar a essa sociedade mais moderna, a Força Sindical (GOMES SANTOS & FERNADES NETO): “defende uma distribuição mais justa da renda nacional, a democratização das relações sociais, econômicas e políticas e a retomada do crescimento com justiça social” e, para alcançar esses objetivos, advoga uma maior participação dos trabalhadores nos sistemas decisórios “ao lado dos governantes e dos representantes das forças políticas e empresariais”, (GOMES SANTOS & FERNADES NETO, 2013, P.97). Os quais não devem ser excluídos. De fato, o que a Força pretende é uma aproximação entre trabalhadores, empresários e governos, e a promoção da conciliação de classes por meio de um grande pacto social. No plano laboral, a Força Sindical é contra a estrutura corporativa e a intervenção do estado nas relações entre empregado e empregadores, e a favor de um sindicalismo “independente, pluralista, democrático e apartidário36”, defendendo a implantação do contrato coletivo de trabalho, a livre negociação, a liberdade e a autonomia sindical, e a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que dá liberdade e autonomia sindical nos locais de trabalho. No plano social, a Força defende a participação dos trabalhadores nos lucros das empresas (PLR). A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é um organismo tripartite, ou seja, sua composição é formada por representantes de entidades de trabalhadores, empregadores e governo, os três principais atores do mercado de trabalho. A OIT é o organismo responsável pelo controle e emissão de normas referentes ao trabalho no âmbito internacional, com o objetivo de regulamentar as relações de trabalho por meio das convenções, 36 Por exemplo, em 1988, num debate com Lula, Medeiros declarava: “Eu jamais disse, em lugar algum, que sou apolítico. Eu faço política, que eu considero política sindical. Sou contra a partidarização dos sindicatos”. 67 recomendações e resoluções, visando proteger as relações entre empregados e empregadores no âmbito internacional. No plano econômico, a Força Sindical defende uma reforma agrária37 “sem ideologização de luta”, com aproveitamento das terras devolutas; a defesa das empresas públicas estratégicas, insistindo na reforma do Estado, das estatais, que, para ela, só servem como cabides de emprego. Vale lembrar que, no plano ideológico da CUT, a reforma agrária seria massiva e sob o controle dos trabalhadores, ou seja, era um plano mais radical. No plano político-institucional, a Força Sindical se pronuncia a favor do Parlamentarismo e assume uma posição pluralista favorável ao fortalecimento das centrais sindicais, das associações empresariais, dos partidos políticos e de todas as formas de organização social necessárias para o desenvolvimento democrático. O programa da Força Sindical afasta-se consideravelmente de todos os programas das outras centrais sindicais que já houve na história do Brasil. Afasta-se tanto na forma como no conteúdo em relação às ideias defendidas, e isso fica mais evidente quando se compara a nascente Força Sindical com o programa da nascente CUT. A Força Sindical apresenta-se como “moderna, democrática, independente, apartidária, pluralista e latina”. A CUT apresenta-se como “classista, democrática, autônoma, unitária, de massa e pela base”. Pode-se dizer, em termos esquemáticos, que a Força Sindical advoga um capitalismo “moderno e democrático”, e a CUT entende que, para se construir uma sociedade democrática, seria necessário barrar o capitalismo e chegar ao socialismo. Década de 90: anos de definições para o movimento sindical Os anos 90 do século passado começaram com importantes fatos para a classe trabalhadora. O primeiro grande fato, sem dúvida, foi o processo conhecido como “Queda do Muro de Berlim” que na realidade 37 Trata-se de uma posição totalmente contrária à defendida pela CUT, que pregava a reforma agrária “sob o controle dos trabalhadores” (Jornal da Tarde, 27/4/88). 68 significou o fim do chamado socialismo real, uma forte ofensiva onde se dizia que o capitalismo havia mostrado a inviabilidade do socialismo e um longo período de confusão e retrocesso das forças da classe trabalhadora. O segundo grande fato, para a classe trabalhadora brasileira, foi a consolidação da Força Sindical e o processo de destruição programática e política da CUT, que se deu como subproduto do processo internacional da classe trabalhadora. A consolidação da Força Sindical: Para os autores (GOMES SANTOS & FERNADES NETO, 2013), a Força Sindical38: “Surge como uma alternativa conservadora à CUT, com um programa neoliberal·, apoiando-se no Governo Collor no qual o Ministro do Trabalho, Antônio Rogério Magri era dirigente nacional da FS e com o advento do Governo Fernando Henrique Cardoso, buscou ser o interlocutor oficial do movimento operário junto ao governo do PSDB”. (GOMES SANTOS & FERNADES NETO, 2013, P.90.). A Força Sindica, nasce fazendo concessões com o governo tanto é que no governo Collor a Força Sindical participou ativamente dos processos de privatização das três grandes empresas Brasileiras: Usiminas, CSN E Mafersa. Fazendo uma analise da proposta do programa da Força Sindical assim o descreve (TRÓPIA, 2008) 39: “Um Projeto para o Brasil”. O livro que expõe a visão da Força Sindical propõe que o Estado tem: “criado um terreno fértil para o desperdício, a corrupção, o desvio dos benefícios da clientela alvo, a más distribuição do gasto entre investimento e custeio (como na educação), a tecnificação excessiva a e a utilização desproporcional de equipamentos” (TRÓPIA, 2008, p.92). Para resolver esse problema a FS propõe um tipo de privatização diferente da que é aplicada para as empresas estatais, porém combinada com outras medidas tais como: a) criar parcerias; b) substituir o 38 FORÇA SINDICAL. Um projeto para o Brasil: a proposta da Força Sindical. São Paulo: Geração Editorial, 1993 39 TRÓPIA, P. V. O Sindicalismo brasileiro em disputa nos anos de 1990: origem, raízes sociais e adesão ativa da Força Sindical ao neoliberalismo. Estudos de Sociologia - UFU – Vol. 14 nᵒ26, 2008. 69 Estado por ONGs, sindicatos, etc. na oferta de serviços públicos, criando um tipo de “serviços públicos não estatais”. “A abertura econômica é outras das políticas neoliberais abraçada pela Força Sindical. “O tripé da plataforma neoliberal, [é] composto pelo aprofundamento da abertura da economia nacional ao capital imperialista, pela privatização de empresas e de serviços públicos e 40 pela desregulamentação das relações de trabalho” (BOITO JR.1996, p.1). A transformação da CUT: Os anos de 1990 marcam o salto de qualidade no processo de inflexão da CUT e o início do abandono de suas teses classistas, de luta e democrática. O VI Congresso da CUT, realizado na cidade de São Paulo, em 1991, foi o mais disputado de todos os congressos da história da Central. O candidato da Articulação Sindical, a corrente mais ligada a cúpula do PT, tendo como candidato Jair Meneghelli, obteve 52% dos delegados. O grupo opositor encabeçado pelo metalúrgico de Campinas, Durval de Carvalho, obteve 48%. Essa disputa não era apenas pelo controle da direção da CUT. Foi uma disputa pelo programa e forma de ação da Central que seria transformado e adotado para os próximos anos. Nesse Congresso, pela primeira vez a direção majoritária falou aberta e claramente na necessidade abandonar a postura “defensiva, reativa e reivindicativa” e passar para uma postura propositiva. Quer dizer, a Central deveria deixar de ser a central do não e partir para o entendimento e conciliação com os patrões e governos. A aprovação desse núcleo central de ideias no Congresso levou a três mudanças imediatas que marcaram a transformação da CUT que em síntese a desnaturalizou. (GOMES SANTOS & FERNADES NETO, 2013), ambos declaram que essas mudanças foram: “(A) A CUT começou a delinear o Pacto Social, na forma de entendimento nacional para sair da crise recessiva de 1990-1992 ou nas forma de reuniões tripartites (governo Collor, patrões e sindicatos). O Fora Collor, por exemplo, como fruto dessa política foi duramente combatido no interior da Central; (B) Afiliação a CIOSL (Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres). A 40 BOITO JR. Armando. Hegemonia neoliberal e sindicalismo no Brasil. Critica Marxista, nᵒ3, 1996, pag. 1 70 CIOLS é mantida pelas principais organizações operárias burocratizadas dos EUA, Japão e Alemanha. São organizações que ao invés de defender o internacionalismo operário, defendem os interesses das burguesias imperialistas de seus países. É verdade que entrou muito dinheiro para a CUT mas, é verdade também que, perderam totalmente sua independência na medida que só receberiam ajuda financeira com a aplicação das políticas impostas pela CIOSL.(C) A terceira grande mudança estava relacionada com a democracia interna. Para fazer essas transformações programáticas e sem o risco de serem rechaçadas pela base, a Articulação Sindical, fez aprovar uma nova estrutura e funcionamento onde as bases foram gradativamente, ano à ano, perdendo força e possibilidade de frear as mudanças conservadoras que se devam a partir da cúpula. (GOMES SANTOS & FERNADES NETO, 2013, P.104.). Essas três medidas proposto pela CUT de fato abre um processo sem volta para a burocratização da Central, que põem em risco os direitos sociais dos trabalhadores conquistados a duras penas. Novo Milênio: CUT e Força Sindical de mãos dadas O novo milênio começa com um fato inusitado: um operário metalúrgico chega a presidência da República de uma das maiores economias do planeta. Aparentemente, foi uma grande vitória da classe trabalhadora, porém ao longo dos anos, vimos que essa vitória foi possível graças a uma série de concessões para a burguesia local e internacional. (GOMES SANTOS & FERNADES NETO, 2013) 41, são enfáticos em afirma: “O governo do PT mantém e aprofunda as políticas neoliberais de FHC. No caso da Reforma da Previdência, em 2003, Lula, aprofunda a reforma anterior e, ao longo do seu governo, tomou medidas no campo previdenciário que retiravam direitos históricos de trabalhadores acidentados, ou adoecidos pelo trabalho” A proposta de Pacto Social apresentada pelo então presidente da CUT, Luis Marinho, se baseava em controle da inflação e da taxa de juros, que, segundo ele, possibilitaria a retomada do crescimento econômico. Ao governo corresponderia reduzir impostos, os empresários não aumentariam os preços, os banqueiros diminuiriam os juros e as taxas bancárias e os trabalhadores reduziriam suas reivindicações salariais. Na mesma época, em 2003, a Força Sindical, estava aliada 41 GOMES SANTOS, Adriana e FERNANDES NETO, Antonio. Organização de Base: história, formas, experiências e atualidades. São Paulo, Kenosis, 2013, pag. 108. 71 à FIESP e defendia medidas parecidas, mas como estava fora do governo, defendia o Pacto Social fazendo exigências ao governo Lula. De conteúdo, ambas, CUT e FS, defendiam medidas neoliberais e o Pacto Social. Nada de confrontação”. (GOMES SANTOS & FERNADES NETO, 2013, P.108.). A CUT passou a ser a representante oficial do novo governo. Transformou-se naquilo que se conveniou chamar de: sindicalismo de chapa branca. O governo do PT com as alianças eleitorais que fez começou a aplicar o receituário neoliberal. Com esse programa perguntamos: por que a Força Sindical ficaria de fora? Isso explica o porquê que dizemos que ambas CUT e Força Sindical, começaram a andar de mãos dadas. É verdade que têm disputas por sindicatos de base, porém no campo político, ambas, têm a mesma posição. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao concluir o trabalho que tem como tema, O SINDICALISMO BRASILEIRO: História, Lutas, Desafio no final do século XX. Chega-se à seguinte conclusão. É preciso refundar o sindicalismo brasileiro. O sindicalismo brasileiro, segundo uma publicação do Ministério do Trabalho e Emprego42, é composto por diversas centrais sindicais e elas têm o seguinte índice de representatividade: A Central Única dos Trabalhadores (CUT) lidera o índice com 33,67%, seguida pela Força Sindical (FS), com 12,33%, a União Geral dos Trabalhadores (UGT), com 11,67%, a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), com 9,13%, a Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST), com 7,84% e a Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), com 7,43%. As demais centrais não alcançaram os índices determinados no artigo 4º e parágrafos da Lei nº 11.648/2008 não serão certificadas pelo Ministério. Isto é, existem, mas não são reconhecidas oficialmente pelo MTE e por esta razão não receberão repasses provenientes do imposto sindical. É importante ver o quadro acima e buscar o programa de cada uma delas, seus métodos de ação e sua forma organizativa. “Disponivel em: http://www.diap.org.br/index.php/component/content/article?id=17053 visualizado no dia 19.08.2016 – 72 Com esse quadro afirma-se que é preciso refundar o sindicalismo brasileiro, apropriando-se das experiências positivas do passado e descartando as experiências negativas que viveu o movimento dos trabalhadores. A conclusão que se chega é que todas as centrais sindicais acima mencionadas propõem um sindicalismo de conciliação com os patrões e os governos não privilegiam a ação direta e democracia interna é em alguns casos uma palavra para o discurso e em outros casos não fazem parte de seu vocabulário. Para tanto defendemos um sindicalismo autônomo e independente dos patrões, dos partidos políticos e do Estado. Em primeiro lugar o Pacto Social ou qualquer forma de colaboração com os patrões deve ser descartada da política cotidiano dos sindicatos. Em segundo lugar com relação aos partidos políticos significa que deve ser apartidário, isto é, sem privilegiar este ou aquele partido, porém isso não quer dizer que seja apolítico. O sindicato tem que discutir política, sim. Porém sem vínculos partidários. E, por fim, independente do Estado na medida em que reconhecemos que o Estado atual, controlado pelos patrões, não pode oferecer nada aos trabalhadores. O sindicato deve estar em defesa da ação direta: Defendemos um sindicalismo herdeiro com as devidas compreensões dos momentos históricos que somos herdeiros do Ludismo, da AIT, da II Internacional antes de sua burocratização, dos quatro primeiros Congressos da III Internacional, do legado da IV Internacional e de todas as experiências de ação direta, tendo a greve geral como a nossa principal arma. E acima de tudo: Luta contra a burocratização dos sindicatos e seus dirigentes. A burocratização vem do francês “bureau” que significa mesa de escritório. As centrais sindicais acima mencionadas se caracterizam pela negação da ação direta e pela afirmação da ação indireta através de dirigentes sindicais que não se amoldam as cadeiras, ao ar condicionado e a tranquilidade da sala sindical. É preciso lutar contra a burocratização. Nesse sentido assumimos o programa dos metalúrgicos de São José dos Campos que votaram em seu IX Congresso, em 2007, a seguinte resolução: 73 Prioridade para a organização de base: os diretores do Sindicato têm que estar dentro das fábricas junto aos trabalhadores, ouvir suas reivindicações, reclamações e opiniões. Todos os organismos de base, como CIPAS, delegados sindicais e comissões de fábricas devem ser impulsionados. Democracia operária: Quem manda e decide no Sindicato é o trabalhador. Tudo deve ser decidido pelos trabalhadores em assembleias e instâncias como o Conselho de Representantes, que deverá funcionar de forma a permitir a participação efetiva dos trabalhadores e acima de tudo dar voz aos trabalhadores. Medidas contra privilégios indevidos dos diretores: quem está na fábrica tem que trabalhar; os afastados têm que estar a serviço do Sindicato; controle no uso dos carros (nunca para uso pessoal); extinção do final de semana (anual) gratuito na Colônia; fim da cota fixa de passes (uso de acordo com a necessidade); diretor não pode conseguir aumento para si próprio e nem receber presentes da patronal. Portanto, devem-se resgatar os métodos da ação direta da independência e autonomia dos sindicatos, lutar contra a burocratização e acima de tudo dar voz aos trabalhadores. 74 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZIZ, Simão. Sindicato e Estado: suas relações na formação do proletariado. São Paulo: Editora Dominus, 1966. 173 p. BOITO JR. Armando. 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