Prevenção de Recaída: identificando situações de risco e construindo estratégias de enfrentamento em um grupo de pacientes com Dependência Química Júlia Goldoni Balestreri, Greice Vargas, Maíra Fontana e Cristina Pilla Della Méa Introdução A Dependência Química é caracterizada por um agrupamento de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos, indicando o uso contínuo da substância pelo indivíduo. Observa-se nesses pacientes, alterações no circuito cerebral, mesmo em períodos de abstinência, que podem explicar a intensa vontade de usar a droga (fissura) e as constantes recaídas (APA, 2014). As técnicas cognitivo-comportamentais são muito utilizadas no tratamento de dependentes químicos apresentando um bom resultado. Elas focam na manutenção da abstinência de substâncias psicoativas e na prevenção de recaídas. (CORDIOLI, KNAPP, 2008; SILVA, SERRA, 2004). O terapeuta cognitivo-comportamental trabalha, em conjunto com o paciente, na identificação das principais situações de risco (geradoras da fissura) e no desenvolvimento de estratégias de enfrentamento focando a mudança do estilo de vida (BECK, BRUCE, 1998; KARKOW, CAMINHA, BENETTI, 2005) . Essas estratégias podem ser trabalhadas e treinadas em grupos terapêuticos permitindo que os pacientes auxiliem-se mutuamente. Esse processo de identificação dos fatores de risco e a criação de estratégias de enfrentamento são fundamentais para que o sujeito se mantenha abstinente e previna as recaídas. Objetivo O objetivo desse trabalho é descrever uma experiência de estágio, realizada com um grupo de pacientes dependentes químicos, onde buscou-se identificar situações de risco individuais para o uso de substâncias e elaborar estratégias de enfrentamento para as mesmas. São considerados estímulos de risco ambientes, companhias, disponibilidade de droga, acesso fácil, estados emocionais e todos os determinantes intrapessoais e interpessoais responsáveis por ativarem crenças disfuncionais em relação ao uso de drogas ( KNAPP, BERTOLOTE, 2003; ZANELATTO, LARANJEIRA, 2013). Na dependência química, tanto a fissura quanto a recaída podem ocorrer mesmo após longos períodos de abstinência, tornando seu tratamento um desafio para os profissionais que trabalham nessa área. Porém, no modelo de prevenção de recaída, a recaída é considerada como parte do processo de mudança que, muitas vezes, pode ser vista como a forma pela qual o paciente recomeça o tratamento mais consciente do seu problema (ARAÚJO, et. al, 2008; MARLATT, GORDON,1993; OLIVEIRA, JAEGER e SCHREINER, 2003). Metodologia O trabalho foi realizado, através de um estágio, com um grupo de pacientes dependentes químicos internados em uma clínica psiquiátrica. Os pacientes primeiramente receberam uma aula de psicoeducação sobre prevenção de recaída que trazia conceitos de fissura, fatores de risco, criação de estratégias de enfrentamento e mudanças no estilo de vida. Após esse momento, cada indivíduo foi orientado para que escrevesse, as suas principais situações de risco, para o desencadeamento da fissura. Em seguida deveriam elaborar três estratégias de enfrentamento para cada situação descrita. Ao término da atividade, o grupo pode compartilhar as situações de risco identificadas, bem como, as estratégias de enfrentamento encontradas. Considerações Finais Situações de risco e Prevenção de Recaída As situações de risco são o foco principal de trabalho na prevenção de recaída, que tem como objetivo reconhecê-las e evitá-las quando necessário e possível, assim como ensinar o indivíduo a lidar efetivamente com elas de outras formas, que não fazendo o consumo da substância (BECK, BRUCE, 1998; SILVA, SERRA, 2004; ZANELATTO, LARANJEIRA, 2013). A Prevenção de Recaída, de uma forma geral, combina o treinamento de habilidades comportamentais, intervenções cognitivas e mudanças no estilo de vida (SILVA, SERRA, 2004). Dentro desse modelo de prevenção de recaída, compreendese que o retorno ao uso de drogas ocorre em situações de alto risco, nas quais há uma ameaça à abstinência. Nesses casos, o paciente não apresenta uma estratégia de enfrentamento para a situação de risco, o que baixa a sua sensação de auto-eficácia e aumenta a probabilidade de voltar aos níveis básicos do comportamento-alvo (MARLATT, GORDON, 1994; OLIVEIRA, JAEGER, SCHREINER, 2003 ). Podemos compreender que uma situação de alto risco é aquela que impõe uma ameaça ao indivíduo e o impede de se controlar, aumentando o risco de uma recaída. Nesse caso os estímulos associados ao uso de drogas evocam a memória da experiência desse uso e apresentam propriedades reforçadoras que promovem a repetição do comportamento (ARAÚJO, et al, 2008; KNAPP, BERTOLOTE, et al, 2003). Observou-se durante o desenvolvimento da atividade, que os participantes identificaram com facilidade as suas principais situações de risco, mas demonstraram dificuldade na elaboração de estratégias de enfrentamento que pudessem evitar a fissura e ou o contato com a substância. A atividade, com esse grupo de pacientes dependentes químicos, mostrou-se produtiva, pois, esse aprendizado que o paciente constrói em relação as suas dificuldades e deficiências em lidar com situações de risco permite ao mesmo que antecipatoriamente possa prevenir-se criando estratégias de enfrentamento. Referências AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 5° ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. ARAUJO, R. B. et al. Craving e dependência química: conceito, avaliação e tratamento. J. bras. psiquiatr., Rio de Janeiro , v. 57, n. 1, 2008 . BECK, J. S.; BRUCE, S. L. Cognitive Therapy. New York: The Guilford Press., 1998. CORDIOLI, A. V.; KNAPP, P. A terapia cognitivo-comportamental no tratamento dos transtornos mentais. Rev. Bras. Psiquiatr., São Paulo, v. 30, supl. 2, out. 2008 . KARKOW, M. J.; CAMINHA, R. M.; BENETTI, S. P. Mecanismos terapêuticos na dependência química. Rev. bras. ter. cogn., Rio de Janeiro , v. 1, n. 2, dez. 2005 . KNAPP P., BERTOLOTE J. M. et al. Prevenção da recaída: um manual para pessoas com problemas pelo uso de álcool e das drogas. Porto Alegre: Oliveira, M., Jaeger, A. & Schreiner, S. (2003). MARLATT G. A.; GORDON, J. R. Prevenção de Recaída. Porto Alegre: Artes Médicas.1993. OLIVEIRA, M.; JAEGER, A.; SCHREINER, S. Abordagem Terapêutica no Tratamento da Dependência Química. Em R. M. Caminha, W. Ricardo, M. Oliveira & N. M. Piccoloto (Orgs.), Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais: Teoria e Prática. São Paulo: Editora Casa do Psicólogo ,2003. SILVA, C. J. da; SERRA, A. M. Terapias Cognitiva e Cognitivo-Comportamental em dependência química. Rev. Bras. Psiquiatr., São Paulo , v. 26, supl. 1, May 2004 . ZANELATTO , N. A. LARANJEIRA, R. O tratamento da dependência Química e as terapias cognitivo- comportamentais:um guia para terapeutas. Porto Alegre: Artmed, 2013.