Não basta déficit zero para reduzir a taxa de juros - Bresser

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Não basta déficit zero para reduzir a taxa de juros
Colunista Yoshiaki Nakano
Valor, 2 de agosto de 2005
A proposta de déficit nominal zero encaminhada pelo ex-ministro Delfim
Netto ao governo Lula recebeu apoio de importantes setores da sociedade
brasileira. A reação negativa à proposta veio daqueles que são contrários
à queda na taxa real de juros, que vem se mantendo em patamares
recordes há quase 15 anos. É lógico que segmentos que se beneficiam
com as despesas de juros do governo, que atingem mais de R$ 120 bilhões por ano, saíram em
busca de argumentos contrários ao déficit nominal zero e em defesa do superávit primário. Mas a
questão é saber se déficit zero vai provocar uma queda na taxa de juros.
Em condições normais e em qualquer outro país, é óbvio que déficit nominal zero provocaria uma
queda na taxa de juros. Déficit nominal zero significa que a necessidade de financiamento do setor
público é zerada, isto é, o setor público passa a financiar suas despesas com receitas correntes. Se o
governo deixa de recorrer a qualquer tipo de novo endividamento para financiar suas despesas
globais, incluindo despesas de juros, a dívida pública ficaria estável em termos nominais. Neste
quadro, o risco de calote é reduzido e a dívida pública em relação ao PIB cairia ao longo do tempo e,
com isso, certamente a taxa de juros deveria se reduzir.
No Brasil, o sistema monetário e de dívida pública é uma
invenção tropical, que gera dois resultados diferentes dos
esperados nos demais países. Em primeiro lugar, o estoque da
dívida pode aumentar se o BC aumentar a taxa de juros, pois
mais de 50% da dívida mobiliária federal em poder do público,
além das operações de financiamento do BC, são pós-fixados e
sofrem correção diária pela taxa diária Selic. Como o valor destas
dívidas é dado pela capitalização da taxa diária de juros, qualquer
elevação desta provoca imediatamente aumento no valor do
estoque da dívida.
O aspecto mais relevante desse debate é que o patamar recorde
de taxa de juros encontra-se preso a uma armadilha que precisa
ser desmontada com uma reforma no sistema monetário e no
mercado de títulos públicos. O déficit zero e redução da dívida
pública não serão suficientes para o Brasil voltar à normalidade
no que se refere à formação da taxa de juros.
A verdade é que o Brasil tem ainda um sistema monetário e uma
estrutura de mercado de dívida pública completamente anômala,
herdada do período de inflação alta e que foi mantida, em grande
medida, intacta pelo Plano Real. A maior anomalia se refere à
elevada remuneração de aplicações financeiras de curtíssimo
prazo e ao fato de que a maior parte da dívida pública está
atrelada à taxa de juros de curtíssimo prazo (over-Selic),
determinada pelo BC.
Estas anomalias decorrem do fato de que o mercado de dívida
pública (financiamentos a longo prazo) e o mercado de moeda
(sobras de caixa de bancos e empresas) tornaram-se uma coisa
só no período de hiperinflação, quando toda dívida pública era
refinanciada diariamente no overnight. Mas a manutenção desta
confusão depois da estabilização não só é injustificada e
incompreensível como gera um ônus monumental para a
sociedade brasileira.
O Brasil é um país único no mundo onde o BC determina diretamente a taxa de juros que remunera
títulos da dívida pública (pós-fixada), portanto taxas de longo prazo, e utiliza esta mesma taxa como
meta operacional (over-Selic), remunerando com essa taxa as sobras de caixa dos bancos nas
operações de mercado aberto. Se o BC "impõe" ao mercado de moeda de curtíssimo prazo a mesma
taxa que remunera títulos da dívida pública, é óbvio que todos têm total preferência por aplicações
em juros pós-fixados e de curtíssimo prazo. Títulos com taxa de juros pré-fixados só fazem sentido
para os especuladores quando há perspectiva de queda na taxa de juros, pois nesta situação a
diferença entre a taxa pré e o custo do financiamento dado pela taxa do CDI, atrelada à Selic,
constitui o lucro do especulador.
Uma conseqüência desta anomalia é que a curva de juros tem uma inclinação oposta à dos demais
países do mundo. No Brasil, em regra, a estrutura de taxa de juros é tal que a taxa de curtíssimo
prazo é mais alta do que a taxa de juros de longo prazo! Observe nos gráficos as inclinações das
curvas de juros no Brasil e nos EUA.
Outra conseqüência das anomalias mencionadas é que a política monetária tem eficácia limitada e
custo elevado para a sociedade. Na medida em que cerca de dois terços da dívida pública em poder
do público (Tesouro e BC) tem taxas pós-fixadas e uma elevação da taxa de juros over-Selic pelo BC
provoca um efeito riqueza e de renda positivos, ao contrário do que acontece em outros países e dos
pressupostos em que se baseiam a teoria e política monetária convencionais. Assim sendo, o canal
convencional de transmissão da política monetária, que se dá através destes efeitos, funciona ao
revés no Brasil. Eleva-se a taxa de juros e os detentores de dívida pública ficam imediatamente mais
ricos e recebem fluxo maior de pagamentos de juros, estimulando a demanda.
Em conclusão, para reduzir a taxa de juros no Brasil, a política de déficit nominal zero deverá ser
acompanhada de reformas na política monetária e de dívida pública, para que a curva de juros tenha
uma inclinação normal e haja uma separação nítida entre o mercado de moeda e de dívida pública.
As taxas de juros de médio e longo prazos têm que ser maiores do que as de curto prazo. Cabe ao
BC controlar a oferta de moeda para determinar a taxa de curtíssimo prazo que remunera as sobras
de caixa dos bancos e empresas e, desta forma, afetar a estrutura de juros. Ao Tesouro cabe
remunerar títulos de dívida de médio e longo prazos a uma taxa de juros acima daquela fixada pelo
BC. Com isso, o Brasil passaria a ter uma configuração do mercado de moeda e de dívida pública de
livro-texto. Se estas reformas forem feitas, acabando com as invenções tropicais que só favorecem
uma pequena minoria com imensurável prejuízo para absoluta maioria de brasileiros, com certeza o
déficit zero traria as nossas taxas reais de juros a patamares semelhantes aos dos países
desenvolvidos.
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