Resenha Os autores: “Mário Maestri e Florence Carboni”, na obra intitulada; “A Língua Escravizada – Língua, história, poder e luta de classes” da editora: Expressão Popular 2003, SP, de 96 p. Essa produção trata-se de uma discusão sobre a linguagem na sociedade mostrando-a como símbolo de poder, onde a sociedade dita culta tenta fazer a naturalidade de uma ordem burguesa sob os trabalhadores e os meios sociais de sobrevivência através da língua. Para esse meio, usa os aparelhos institucionais para suprimir extraordinariamente as insurgências dos oprimidos também através da língua, sendo assim a língua também um palco permanente de luta de classe entre opressores e oprimidos. Neste intuito, a elite “letrada” tenta escamotear através da língua as contradições sociais que existe em torno da sociedade para naturalizar a discrepância da língua. Como afirma uma passagem dessa obra: “As visões alienadas de mundo nascem e apóiam-se nas inversões objetivas do mundo social. O consenso ideológico e a naturalização da exploração surgem e se alicerçam na vigência e na solidez objetivas das relações sociais de expropriação”. (Carboni e Maestri: p.08,2003). Com isso, a língua em sua essência também possui uma hierarquia social de ordem e dominação, pois a sociedade desde seus primórdios (era grega de Platão e Aristóteles) tenta naturalizar esse discurso de hierarquização de poder nas relações sociais, nas relações humanas: dos velhos sobre os novos, dos homens sobres às mulheres, da língua culta sobre a popular, dos meninos sobre as meninas e principalmente dos ricos sobre os pobres. O que se tem a fazer segundo Carboni e Maestri, enqunato sujeitos sociais históricos portadores de um idioma é dar mais atenção à língua, não só considerá-la como simples dado natural dos homens, neutra, ou até mesmo, supra-social e supra-histórica na sociedade, pois ela é um produto social, fruto de expressão e registro deste mundo social que estamos submetidos. Partindo desse pressuposto, a linguagem é também uma arena permanente de luta de classes, expressão do mundo real de registrar os seus valores, sentimentos da história da humanidade, considerada assim, fruto de uma produção escrita e falada arreigada de contradições e de ideologias. De um lado, a elite luso-brasileira desde sua colonização tenta impor um único código lingüístico, padronizado na norma culta para facilitar a dominação social sob os aspectos sócio-cultural e sócioeconômico com objetivo de melhor obter o poder político; de outro lado, as classes subalternas expondo em seus esforços de luta cotidiana a diminuição da disparidade entre o culto e o popular sem descriminação e senso de superioridade. Nota-se que a chegada dos colonizadores portugueses entre os séculos XVI, XVII e XVIII em território brasileiro, tem um forte poder repressivo sobre um sistema escravista dos nativos indígenas e dos negros trazidos da África para trabalhos forçados para a extração de riqueza e satisfazer as luxúrias da metrópole portuguesa. Nessa junção, consta, segundo os escritores deste pequeno livro, que havia uma pluralidade lingüística nesse território em torno da colonização. Com isso, os portugueses em seguida da instalação da colônia, fazem um processo de padronização homogênea da língua através de um processo de catequização religiosa dos nativos, destruindo a sua diversidade lingüística e cultural, com o objetivo de avançar a dominação e a concentração das riquezas sobre os trabalhadores. Isso culminou numa verdadeira repressão política-administrativa logo após a realizada reforma de Marquês de Pombal do ano de 1757, impondo à sociedade brasileira a língua portuguesa culta como legitima forma de expressão comunicativa dessa nação, encurralando a erradicação das línguas indígenas e africanas. Nisso, o estado colonizador português impôs a sua hegemonia política e social da língua sobre os habitantes dessa terra (indigenas e negros) para manter os poderes ideológicos, culturais, religiosos e, sobretudo, os lingüísticos e os econômicos em seu poder de mando, escravizando os negros, os indígenas e os colonos pobres vindos do império português. A exemplo disso a sociedade brasileira não tem nenhum registro sobre a língua que se falava em Quilombo dos Palmares, pois a sua população foi totalmente destruída por esse poder luso-português. Notamos então, que a lingua tem sexo, tem raça, tem cor, tem gênero e principalmente aquisição econômica em uma sociedade. Apesar dos puristas lingüísticos fazerem censura lingüística as comunidades subalternas nessa época sobre os negros, indígenas e colonos europeus pobres não podemos negar também que essa população marginalizada teve enorme influência na pronúncia, na morfossintaxe, na entonação e na cadência de nosso português brasileiro dos dias atuais. Segundo os autores da “Língua Escravizada” há mais de 2.500 palavras portuguesas de origem africana, tais como: bunda, cacimba, guri, minhoca, moleque, tanga e xingar, etc. E com a falsa independência do Brasil em 1822, por D. Pedro I, “gritando independência ou morte” sendo ele de origem português, o império escamoteia e centraliza projetos autônomos de ideologia nacional antilusitana para construir a formação da elite brasileira aportuguesada, não considerando então os escravos negros e os indígenas como cidadãos dessa nação. Havendo assim, a continuidade da escravidão e da exploração de riquezas para a exportação, até o ano de 1888. Como não houve rupturas ideológicas nesse período na forma de governar sua independência, instaura-se então, várias revoltas no interior do país, (Balaiada, Cabanagem e Farroupilha etc.) contra a elite que detinha o poder imperial brasileiro. Já no ano de 1897, quando se funda a Academia Brasileira de Letras, tendo em si o objetivo de disciplinar e policiar a escrita e a fala em uma única forma correta de comunicação o português culto e desconsiderar o português popular no meio comunicativo entre a elite. O popular seria considerado como meio simples de comunicação de gente humilde, na maioria das vezes analfabetas; e a língua escrita como forma de intercomunicação social, produto superior. O objetivo da população segundo a elite era manter os pobres no patamar de aprender o mínimo do português gramatical e vocabular para manter a sobrevivência e a obediência à elite culta, ou seja, precisavam como deveriam aprender o suficiente para desenvolver atividades sociais de cunho produtivo, nos quais eram submetidos. Nessa época é que se dá a separação da escola dos ricos da escola dos pobres, do trabalho manual para o trabalho intelectual. Todavia, constata-se que o elitismo lingüístico brasileiro fez e continua fazendo uma das mais nefastas formas de dominação e discriminação social e cultural das línguas subalternas, isto é, através da língua culta do idioma torna o ouvido do povo estranho ao detectar a sua forma de expressão e comunicação. Essa forma é nada mais que o fruto da justificativa do poder da burguesia de dominar a nação no seu caráter mais amplo tanto no político, como no ideológico e no social da sociedade vigente. Segundo os autores dessa obra “o padrão culto gramatizado e sacralizado constitui o único aceito e praticado pelos meios transmissores e socializadores do conhecimento – escola, literatura, meios de comunicação, etc”. Há portanto uma forte disparidade entre o padrão culto do padrão popular, uma visão clara de discrepância entre as classes, onde o popular não é prestigiado pelos “excelentes” escritores eruditos. A lingua culta não é nada mais do que uma forma de afastar as classes trabalhadoras da gestão dos poderes institucionais do Estado. Até mesmo a classe dos professores ajuda inconscientemente a manter essa hierarquia da língua quando se põe a ensinar a língua culta aos seus educandos como única forma de entrar no mundo dos que vão se dar bem na vida social. Tal processo de ensino ajuda a reprodução das desigualdades sociais. Essas conceituações do ensino da língua culta como senhora da verdade, são frutos de uma sociedade de classe com processo discriminatório do bem falar e do bem escrever na predominância sobre o mal falar e mal escrever. Portanto, acredita-se que a diversidade lingüística no seio de nossa sociedade não prejudica a unidade nacional, nem a intercomunicabilidade dos falantes, mas só tem a fortalecer a riqueza cultural dessa diversidade se respeitar suas diferenças. Assim a linguagem existe na carência dos seres humanos se comunicarem uns aos outros. Aqui temos dois campos bem divergentes na obra: 1º diz respeito ao estruturalismo da linguagem, tendo ela como um objeto abstrato ideal, isto é, um sistema estruturado sincrônico homogêneo da língua onde rejeita as manifestações concretas dos sujeitos falantes, idealizando assim o signo lingüístico como algo estranho e autônomo á prática social. Ocultando os fatos sociais e ideologizando a ideologia burguesa idealista; 2º ponto de vista apresenta a linguagem humana como patrimônio comunitário em constante transformação dentro de uma interação verbal do eu com o tu, isto é, fruto de uma sociedade heterogênea em conflito. É também profundamente determinada pelas contradições sociais históricas e pelos conflitos ideológico de classe referente a gênero, grupos étnicos, idade, profissão, funções publicas, etc. Pode ser produto inconsciente, semeconsciente e consciente dessas contradições, onde pode integrar, como também pode ocultar essas contradições. Portanto, a língua é um fenômeno social ideológico, atravessados de valores, objetivos e princípios de vida, tendo assim opções ideológicas e visões sociais de mundo, onde o signo não é neutro nem abstrato, mas sim um recorte de expressão ideológica de uma determinada realidade numa postura dialética diacrônica de permanente construção. A nossa missão enquanto estudantes da língua e também como sujeitos sociais é fazer o reconhecimento que existe uma hierarquia de dominação em todas as esferas sociais da sociedade de classes como a nossa. E fazer também desse reconhecimento da disparidade entre a língua a sua superação da linguagem escravizada, até mesmo em seu conceito em um processo solidário, humanizando-a e emancipando-a onde a língua seja fruto de uma igualdade social de intercomunicabilidade sem distinção de classe, cor, sexo, força física ou até do culto ao popular, da escrita ao falado, tendo assim um respeito mutuo de suas diversidades culturais e de sua praticas sociais.