A Supremacia da Lei

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A Supremacia da Lei
Matéria de Estudo — Budismo na Vida Diária
Escrito de Nitiren Daishonin
“A Supremacia da Lei”
(The Writings of Nichiren Daishonin, v. 1, p. 612.)
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A explanação deste escrito a ser utilizada nas atividades do BVD
foi publicada na revista Terceira Civilização, edição no 517, de setembro de 2011.
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A Supremacia da Lei
Notas:
1. Três Soberanos: também chamados de Três Governantes. Fu Hsi,
Shen Nung e Huang Ti (Imperador
Amarelo), que foram governantes legendários da China antiga.
Acredita-se, em geral, que tenham
sido eles que inventaram a pesca, a
agricultura e a medicina, respectivamente. Em seus escritos, Nitiren
Daishonin refere-se com frequência a Shen Nung e a Huang Ti como
os mestres da medicina. Ele ainda
designa os reinados de Fu Hsi e
Shen Nung como uma época em
que foi alcançada a sociedade ideal.
2. Cinco Imperadores: cinco legendários e sábios imperadores da
China que dizem ter reinado após
os Três Soberanos. Nos clássicos,
há três grupos distintos de Cinco
Imperadores. Um deles apresenta-os como Shao Hao, Chuan Hsü, Ti
Kao, T’ang Yao e Yü Shun.
3. Três Reis: fundadores das três dinastias, Hsia, Yin (Shang) e Chou,
na China. Esses três reis são: rei Yü,
da dinastia Hsia; o rei T’ang, da dinastia Yin; e o rei Wen, da dinastia
Chou. Acredita-se que tenham realizado um modelo de governo.
4. T’ai-kung Wang: general que serviu ao rei Wen, fundador da dinastia
Chou da China. Durante a dinastia
Yin (Shang), o general vivia em reclusão. Porém, apareceu e passou a
liderar o exército do rei Wen a pedido deste. Após a morte de Wen,
serviu ao rei Wu (sucessor de Wen)
e lutou valorosamente, derrotando
o rei Chou da dinastia Yin.
5. Tan, o duque de Chou: irmão
mais novo do rei Wu e fundador
da dinastia Chou (1100–256 a.C.).
Após ajudar o irmão na tarefa de
derrotar a dinastia Yin (Shang) e
de fundar um governo, continuou
envolvido nas questões governamentais. Quando o rei Wu morreu
e seu filho Ch’eng, que ainda era
menino, subiu ao trono, o duque
de Chou atuou como regente do
jovem governante. Ele é reverenciado há séculos pelos confucionistas por seu modelo de governo
correto e de retidão.
6. Kamakura era a sede do governo
militar japonês na época de Nitiren.
Localizava-se na atual Província de
Kanagawa.
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Q
uando o budismo ainda não havia sido introduzido na China, os escritos
de sábios como os Três Soberanos;1 os Cinco Imperadores2 e os Três Reis3;
T’ai-kung Wang4; Tan, o duque de Chou5; Lao Tzu e Confúcio eram chamados de cânones ou clássicos. Por meio desses ensinamentos, as pessoas aprenderam
a retidão e passaram a compreender a dívida de gratidão que tinham pelos pais. Foi
também traçada uma clara distinção entre o governante e o governado para que o país
fosse governado de forma sábia. As pessoas obedeciam aos líderes, que seguiam esses
ensinamentos. Assim, o céu atendia às suas orações. Um filho que falhava em obedecê-los era censurado pela falta de amor filial, e um indivíduo que violasse esses ensinos era
punido como traidor.
Quando as escrituras budistas foram levadas pela primeira vez da Índia para a
China, algumas pessoas disseram que deveriam ser aceitas; outras, que deveriam ser
rejeitadas. Surgiu, então, um conflito, e o governante reuniu os dois grupos para debater a questão. Os que praticavam os ensinos não budistas foram derrotados pelos que
defendiam o budismo.
À medida que aumentava o número de sutras introduzidos na China, tornou-se
evidente que alguns eram superiores em conteúdo ou mais profundos que outros. Pertenciam a categorias distintas tais como Hinayana e Mahayana, exotérico e esotérico,
provisório e verdadeiro. Para ilustrar, todas as pedras são indiscutivelmente inferiores
ao ouro, mas o próprio ouro é dividido em várias categorias. Nenhum ouro encontrado
no mundo humano pode ser comparado ao que é extraído do rio Jambu. No entanto, o
ouro do rio Jambu, por sua vez, é muito menos valioso do que o ouro guardado no céu
Brahma. Da mesma maneira, todos os sutras budistas são como o ouro, mas alguns são
mais refinados e mais profundos que outros.
Os sutras que são chamados Hinayana são como pequenos barcos. Eles podem carregar dois ou três passageiros, mas não cem ou mil. Mesmo que tiver somente dois ou
três passageiros a bordo, eles devem permanecer próximos à margem e não podem atravessar para o outro lado do rio. Podem carregar uma pequena quantidade de carga, mas
não uma grande quantidade.
Em contraste [com os sutras Hinayana], os sutras Mahayana são como aqueles
enormes barcos que, levando dez ou vinte pessoas e carregados com grandes quantidades de mercadorias, conseguem navegar de Kamakura6 até locais tão distantes quanto
Tsukushi ou a Província de Mutsu.7
Mas o barco do verdadeiro sutra Mahayana é incomparavelmente maior que os
demais enormes barcos — os outros sutras Mahayana. Carregados com grandes quantidades de raros tesouros e levando centenas ou milhares de passageiros, eles navegam
por toda a extensão da Coreia. O sutra denominado Sutra de Lótus do veículo único
é como esse sutra.
Devadatta8 foi o homem mais maldoso em toda a terra de Jambudvipa [o mundo
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todo]. Porém, o Sutra de Lótus predisse que ele se tornaria o Rei Celestial Honrado
pelo Mundo. Embora Ajatashatru9 fosse um rei perverso que matou o próprio pai, ele
estava dentre os presentes no momento em que o Sutra de Lótus foi pregado. E, após
ter ouvido apenas um único verso ou uma frase, formou uma conexão com o sutra [o
que lhe permitiria atingir a iluminação no futuro]. A filha do rei dragão,10 uma mulher com corpo de réptil, atingiu o estado de Buda ao ouvir o Bodhisattva Manjushri11
pregar o Sutra de Lótus. Além disso, o Buda designou a maléfica era dos Últimos Dias
da Lei como a época exata para o Sutra de Lótus ser propagado e transmitiu-o aos homens e às mulheres dessa época impura. O Sutra de Lótus, o ensinamento do veículo
único,12 é um sutra tão grandioso e tão poderoso como os barcos mercantes da China.
Assim, todos os sutras budistas distinguem-se das escrituras não budistas da mesma
forma que o ouro difere das pedras. E todos os vários sutras Mahayana, como o Guirlanda de Flores, o Mahavairochana, o Meditação, o Amida e os sutras da Sabedoria são, em
comparação ao Sutra de Lótus, como vaga-lumes perto do Sol ou da Lua, ou como um
formigueiro perto do monte Hua.
A superioridade e a inferioridade não existem somente entre os sutras mas também entre seus seguidores. Os vários mestres da escola Preceitos-Verdadeira Palavra,13
que creem no Sutra Mahavairochana, são como o fogo sendo apagado pela água ou o
orvalho sendo seco pelo vento quando confrontados no debate pelo devoto do Sutra
de Lótus. Se um cachorro latir para um leão, terá as vísceras apodrecidas. O demônio
asura que atirou uma flecha na direção do sol teve a cabeça partida em sete pedaços.
Os mestres da Preceitos-Verdadeira Palavra são como o cachorro ou o asura, ao passo
que o devoto do Sutra de Lótus é como o sol ou o leão.
Antes de o Sol nascer, o gelo é rígido como o metal. O fogo, enquanto não for tocado
pela água, é ardente como o ferro fundido. Porém, até o gelo mais duro é facilmente derretido pelo Sol de verão, e até o fogo mais abrasador é facilmente extinto pela água. Os
diversos mestres da escola Preceitos-Verdadeira Palavra parecem dignos e sábios, mas são
como a pessoa que, esquecendo-se do Sol, acredita que o gelo permanecerá firme para
sempre, ou que, não levando em conta a água, pensa que o fogo queimará infinitamente.
Como é de conhecimento de todos, antes do ataque dos mongóis, a arrogância do
povo de nossa época não tinha limites. Desde o décimo mês do último ano [outubro
de 1274, quando ocorreu a primeira invasão mongólica], no entanto, nenhum deles ousou assumir uma atitude arrogante, pois, como todos sabem, somente Nitiren predisse
essa invasão estrangeira. Se os mongóis atacarem nosso país novamente, ninguém terá
coragem de enfrentá-los. Esses indivíduos serão como macacos aterrorizados por um
cão, ou como uma rã encolhida de medo diante de uma serpente. Tudo isso se deve
ao fato de o nosso país permitir que o devoto do Sutra de Lótus, o emissário do buda
Sakyamuni, seja odiado por todos os reverendos da Preceitos-Verdadeira Palavra, Nembutsu, Preceitos e de outras escolas, atingiu a si própria e provocou a grande cólera
7. Tsukushi situava-se em parte do
atual norte de Kyushu, ao passo
que a Província de Mutsu estava no
nordeste do Japão, correspondendo à atual Região de Tohoku.
8. Devadatta: primo e discípulo do
Buda Sakyamuni. Porém, tornou-se
inimigo do Buda. Ele causou a desunião na Ordem Budista e tentou
matar Sakyamuni. Consta que, por
causa disso, Devadata caiu vivo no
inferno. No entanto, no Sutra de
Lótus, Sakyamuni prediz que Devadatta atingirá a iluminação como
um Buda chamado Rei Celestial.
9. Ajatashatru: rei de Magadha, na
Índia, na época de Sakyamuni. A
pedido de Devadatta, ele conquistou o trono prendendo e depondo
o próprio pai, o rei Bimbisara, que
era seguidor de Sakyamuni. Também tentou matar o Buda e seus
seguidores. Posteriormente, arrependeu-se pelos atos de maldade e
converteu-se ao budismo.
10. Filha do rei dragão: também
chamada de menina dragão. Seu
pai, Sagara, era um dos oito grandes reis dragões que viviam num
palácio no fundo do mar. De acordo com o 12º capítulo do Sutra
de Lótus, “Devadatta”, a menina
dragão, de 8 anos, deseja atingir
a iluminação após ouvir o Bodhisattva Manjushri pregar o Sutra
de Lótus no palácio do rei dragão.
Ela aparece diante da assembleia e
atinge instantanea­mente o estado
de Buda na presente forma.
11. Manjushri: bodhisattva que surge nos sutras como o líder dos bodhisattvas. É considerado símbolo
da perfeição e da sabedoria.
12. Veículo único: também denominado de único veículo, veículo
do Buda, único veículo do Buda,
único veículo do estado de Buda
ou supremo veí­culo. Refere-se ao
mais elevado ou verdadeiro ensinamento do Buda, que conduz todas
as pessoas à iluminação; em outras
palavras, o Sutra de Lótus.
13. Escola Preceitos-Verdadeira Palavra (Shingon, em japonês): escola
budista japonesa fundada por Kobo
(774–835), também conhecido
como Kukai. Essa escola segue as
doutrinas e as práticas esotéricas encontradas nos sutras Mahavairochana e Coroa de Diamantes, suas duas
escrituras fundamentais.
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14. Dez filhas-demônio: Dez divindades protetoras femininas que aparecem no Sutra de Lótus como as
“filhas dos demônios rakshasa” ou as
“dez filhas rakshasa”. No 26º capítulo
do Sutra de Lótus, intitulado “Dharani”, elas juram zelar pelos praticantes do sutra e protegê-los, dizendo
que punirão qualquer um que lhes
cause problemas.
15. Dosho e Domyo: Essas duas divindades, que aparecem em vários
escritos budistas, simbolizam as
funções da lei de causa e efeito na
vida da pessoa.
16. Miao-lo (711-782): Patriarca da
escola Tient’ai, na China. É reverenciado como restaurador dessa
escola. As três principais obras de
Tient’ai intitulam-se: Comentários
sobre “O Profundo Significado do
Sutra de Lótus”; Comentários sobre
“As Palavras e Frases do Sutra de
Lótus” e Comentários sobre “Grande Concentração e Discernimento”.
17. Comentário sobre “Grande
Concen­tração e Discernimento”.
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dos deuses celestiais. Por isso, todas as pessoas pertencentes a esta nação se tornaram
covardes. Elas são como o fogo que teme a água, como uma árvore que estremece
diante de um machado, como um camponês que se apavora quando vê um gavião ou
como um rato que é ameaçado por um gato. Nenhum deles será salvo. Quando isso
acontecer, o que farão? Nas batalhas, os soldados consideram o general como sua alma.
Se o general perder a coragem, seus soldados vão se acovardar.
As mulheres consideram o marido como a alma delas. Sem o marido, elas perdem a
alma. Hoje, mesmo as mulheres casadas encontram dificuldades para o sustento. Apesar de ter perdido sua alma [isto é, seu marido], a senhora [Nitimyo, a mulher a qual
o Buda se refere] está vivendo com mais coragem que as mulheres que têm marido.
Além disso, por manter a fé nos deuses celestiais e reverenciar o Buda, a senhora é de
fato uma mulher que supera as outras.
Desconsiderando os adeptos da Nembutsu e de outras escolas, enquanto eu estava
em Kamakura, não tinha como saber se a fé de cada seguidor do Sutra de Lótus era profunda ou superficial. Só vim a descobrir após eu ter enfrentado a fúria das autoridades
e ter sido exilado na Ilha de Sado. Apesar de ninguém ter vindo me visitar, você, uma
mulher, não apenas enviou-me vários oferecimentos, como também fez pessoalmente
a viagem para me ver. Parece algo extraordinário demais para ser verdade. Além disso,
veio me ver aqui em Minobu. Não tenho palavras para agradecer-lhe. As divindades celestiais com toda a certeza vão protegê-la e as dez filhas-demônio14 sentirão compaixão
pela senhora. No Sutra de Lótus, o Buda prometeu que, para as mulheres, o sutra servirá
como uma lanterna na escuridão ou um navio, quando elas cruzarem o mar, e como
protetor, quando viajarem por lugares perigosos.
Quando Kumarajiva, mestre do Tripitaka, levou o Sutra de Lótus para a China, o
rei celestial Vaishravana enviou um grande número de tropas para escoltá-lo são e salvo
através das montanhas do Pamir. Quando Dosho, mestre do Darma, leu o Sutra de Lótus no meio de um campo, incontáveis tigres reuniram-se ao seu redor para protegê-lo.
Não há razão de a senhora não ser protegida da mesma forma. As trinta e seis divindades
da terra e as divindades celestiais das vinte e oito constelações a protegerão. Além do
mais, os seres humanos têm dois deuses celestiais, que os acompanham sempre, assim
como a sombra segue o corpo. Um deles se chama Dosho e o outro, Domyo.15 Sentados,
um de cada lado, nos ombros da pessoa, eles a protegem [relatando ao céu todas as suas
ações]. Portanto, o céu jamais pune aqueles que não cometeram nenhum erro; o que
dizer então das pessoas de mérito?
Por essa razão, o Grande Mestre Miao-lo16 fez esta declaração: “Quanto mais forte
a fé da pessoa, maior a proteção dos deuses”.17 Enquanto a pessoa mantiver uma firme
fé, com certeza receberá a grande proteção dos deuses. Digo isso para seu próprio bem.
Sei que sua fé sempre foi admirável, mas agora a senhora deve fortalecê-la mais do que
nunca. Somente assim as dez filhas-demônio vão conceder-lhe proteção maior. A sen-
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hora não necessita buscar por exemplos distantes. Todos, no Japão, desde o soberano
até as pessoas comuns, sem exceção, tentaram me prejudicar, mas sobrevivi. A senhora
deve compreender que, apesar de eu estar só, isso se deve à minha firme fé.
Se um barco for conduzido por um timoneiro inexperiente, pode virar e afogar
todas as pessoas a bordo. Da mesma forma, ainda que a pessoa possa ter grande força
física, se carece de um espírito resoluto, até as suas diversas habilidades não serão de
nenhuma utilidade. Neste país, pode ser que haja muitas pessoas sábias, mas elas não
conseguem utilizar sua sabedoria porque são governadas por líderes tolos.
Durante a última invasão mongol, dezenas de milhares de soldados e civis, homens e mulheres, em Iki, Tsushima e nas nove províncias [Kyushu] foram mortos,
capturados, afogados no mar ou arremessados de penhascos. Se os mongóis atacarem novamente, dessa vez, causarão danos piores. Kyoto e Kamakura terão o mesmo
destino que Iki e Tsushima. Esteja preparada para fugir, a qualquer momento. Nessa
ocasião [em que os mongóis atacam novamente], aqueles que declararam que não
me veriam nem me dariam ouvidos juntarão as palmas das mãos e assumirão a fé no
Sutra de Lótus. Até mesmo os seguidores das escolas Nembutsu e Zen recitarão o
Nam-myoho-rengue-kyo.
O Sutra de Lótus diz que se houver homens e mulheres que possuem firme fé neste
sutra, o Buda os carregará sobre os ombros e os conduzirá em suas costas. Kumarayana,
mestre do Tripitaka, foi carregado por uma estátua de madeira de Sakyamuni.Quando
eu estava para ser decapitado, o Honrado pelo Mundo da Grande Iluminação assumiu
meu lugar. E isso acontece no presente, assim como ocorreu no passado. Todos vocês são
meus apoiadores leigos. Portanto, como podem não atingir o estado de Buda?
Seja lá com quem for que se case, se for inimigo do Sutra de Lótus, então não
deve segui-lo [o marido]. Fortaleça sua determinação mais do que nunca. O gelo é
feito de água, mas é mais frio que ela. A cor azul vem do índigo, entretanto, quando
algo é tingido com ele repetidas vezes, a cor fica mais forte que a da planta do índigo.18 O Sutra de Lótus permanece o mesmo, contudo, se fortalecer repetidamente
sua determinação, sua cor ficará melhor que a dos outros, e você receberá mais
benefícios que eles.
A madeira, em geral, é vulnerável ao fogo, mas a do sândalo não é consumida pelas
chamas. O fogo pode ser apagado pela água, mas a pira onde foram incinerados os restos
mortais do Buda não pôde ser apagada. Apesar de as pétalas das flores serem espalhadas
pelo vento, as que florescem nos céus da pureza não murcham. Em épocas de grande
seca, a água evapora, exceto quando ela deságua no rio Amarelo. O rei perverso chamado Dammira não sofreu punição quando degolou os monges indianos. Porém, quando
decapitou o venerável Aryasimha, sua espada caiu ao chão junto com seu braço. Quando
o rei Pushyamitra reduziu o monastério Kukkutarama a cinzas, sua cabeça foi partida
pelos bastões de doze deuses.
18. Essas palavras se baseiam numa
passagem do clássico chinês Hsün
Tzu: “Não se deve jamais parar
de aprender. O azul é ainda mais
azul que o próprio índigo e o gelo é
feito de água, mas é mais frio que a
água”. Essa passagem significa que,
se a pessoa tingir algo várias vezes
no índigo, ficará mais azul que as
folhas de índigo. O Sutra de Lótus é
como o índigo e a força da prática
da pessoa é tal como o azul mais
intenso” (WND, v. 1, p. 457).
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19. Takenouti é um general e estadista lendário que dizem ter tido
participação ativa na expedição da
imperatriz Jingu à Coreia e posteriormente serviu ao filho dela, o
imperador Ojin. Este foi divinizado
após a morte e passou a ser chamado Grande Bodhisattva Hatiman.
Wakamiya refere-se ao Grande Bodhisattva Hatiman do Santuá­rio Hatiman de Tsurugaoka, em Kamakura
(Cf. WND, v. 1, p. 615).
20. De acordo com a antiga cosmologia indiana, o mundo consiste
em quatro continentes, incluindo
Jambudvipa.
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Por ter se tornado inimigo do Sutra de Lótus, o povo do Japão causou a própria
ruína, assim como a do país. E, como eu afirmo isso, sou chamado de arrogante
pelas pessoas de pouca compreensão. Porém, não falo com arrogância. Falo simplesmente porque, se não o fizesse, não seria o devoto do Sutra de Lótus. Além disso,
quando mais tarde minhas palavras provarem ser verdadeiras, as pessoas acreditarão
com mais prontidão. Como escrevo isso agora, as pessoas do futuro reconhecerão
minha sabedoria.
[Os Comentários sobre o Sutra do Nirvana declaram:] “O corpo da pessoa é insignificante ao passo que a Lei é suprema. A pessoa deve dar a vida para propagar a Lei.”
Por meu corpo ser insignificante, sou atacado e odiado, mas como a Lei é suprema,
ela será propagada sem falta. Se o Sutra de Lótus se propagar, meus restos mortais
serão respeitados, e, se forem respeitados, beneficiarão as pessoas. Então, passarei a
ser tão reverenciado quanto o Grande Bodhisattva Hatiman o é agora. Você deve compreender que, então, os homens e as mulheres que me apoiaram serão tão grandemente honrados quanto Takenouti e Wakamiya.19
Os benefícios por abrir os olhos de uma única pessoa cega são indescritíveis. Como é
possível descrever os benefícios por abrir os olhos cegos do povo japonês e por conceder
o dom da visão a todos os seres humanos de Jambudvipa e dos outros três continentes20
[isto é, do mundo inteiro]?
No quarto volume do Sutra de Lótus está escrito: “Se, após a morte do Buda, uma
pessoa compreender o significado deste sutra, ela será os olhos do mundo para os seres
humanos e celestiais”. Aqueles que abraçam o Sutra de Lótus serão os olhos de todos
os seres humanos e celestiais do mundo. Por isso, os japoneses que me tratam com hostilidade estão, na verdade, arrancando os olhos de todos os seres humanos e celestiais
do mundo. Em consequência, o céu se enfurece e estranhos eventos ocorrem no firmamento, dia após dia, enquanto a terra enche-se de ira e calamidades ocorrem em série,
mês após mês.
Shakra era um lorde celestial; apesar disso, tinha grande respeito pela raposa que lhe
havia ensinado a Lei. Como resultado, renasceu como o Buda Sakyamuni, o lorde dos
ensinos. O garoto Montanhas de Neve venerou um demônio como seu mestre e se tornou o lorde do mundo tríplice. Grandes sábios e veneráveis reverendos do passado não
rejeitaram a Lei, não importando que tipo de aparência seus mestres possuíam. Posso
ser tolo, mas, com toda certeza, não sou inferior a uma raposa nem a um demônio. As
pessoas mais nobres da época atual não são de forma alguma superiores a Shakra nem ao
garoto Montanhas de Neve. Entretanto, em virtude da minha baixa posição social, elas
rejeitaram minhas sábias palavras. Por essa razão, agora o país está à beira da ruína. Que
lamentável! E o que eu acho ainda mais triste é que não poderei salvar os discípulos que
se compadeceram de meus sofrimentos. Se algo acontecer, por favor, venha até aqui [no
monte Minobu]. Eu as receberei. Vamos morrer de inanição juntos aqui nas montanhas.
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E, imagino que sua filha, Oto, tenha se tornado uma menina inteligente e admirável.
Escreverei novamente
Nitiren
No quarto dia do oitavo mês
Para Oto
CENÁRIO HISTÓRICO
Nitiren Daishonin escreveu esta carta no quarto dia do oitavo mês do primeiro ano
de Kenji (1275), aos 54 anos de idade, em Minobu. Foi endereçada para Oto, filha de
Nitimyo que era fiel seguidora residente em Kamakura. Embora tenha sido endereçada
para Oto, que era ainda pequena, o seu conteúdo foi dirigido para a sua mãe Nitimyo a
quem Daishonin a denominara como “Nitimyo, a Sábia” em uma carta anterior datada
de quinto mês de 1272.
Quase nada se conhece a respeito de Nitimyo a não ser pela visita realizada por ela
junto com a sua filha para Daishonin quando ele se encontrava exilado na ilha de Sado.
Na época, a jornada até Sado era de alto risco o que deixava Daishonin profundamente
admirado com a demonstração de sua fé.
No início desta carta, citando um exemplo da introdução do budismo na China,
Nitiren Daishonin esclarece a superioridade do budismo e proclama que o Sutra de
Lótus é o supremo sutra budista. Então, ele afirma que o devoto do Sutra de Lótus é
muito superior aos outros estudiosos e mestres budistas, especialmente os bonzos da
Preceitos-Verdadeira Palavra. O primeiro é comparado ao leão e os últimos a um cão.
Daishonin elogia a sólida fé manifestada por Nitimyo, que a fez visitá-lo em Sado e
em Minobu, viajando uma longa distância de Kamakura. Ele a incentiva a fortalecer a
sua fé mais do que nunca para que as divindades celestiais protejam sem falha a ela e a
sua filha.
No final, ele cita a seguinte passagem de “Os Comentários sobre o Sutra do Nirvana”
que deu origem ao título deste escrito: “O corpo da pessoa é insignificante ao passo que
a Lei é suprema. A pessoa deve dar a vida para propagar a Lei.”. Assim, Daishonin ensina
que uma pessoa pode receber infinitos benefícios dedicando a sua vida à propagação da
Lei Mística.
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