história das relações portugal – eua

Propaganda
XXXX
TIAGO MOREIRA DE SÁ
HISTÓRIA DAS RELAÇÕES
PORTUGAL – EUA
(1776-2015)
5
HISTÓRIA
DAS
R E L A Ç Õ E S P O R T U G A L – E UA ( 1 7 7 6 - 2 0 1 5 )
4
XXXX
ÍNDICE
Introdução
11
Capítulo 1: Portugal e a Revolução Americana
1. A Guerra dos Sete Anos e o reforço da importância do
Atlântico
2. A independência dos Estados Unidos da América
3. Portugal e a independência dos Estados Unidos da América
4. O Tratado de Paz e Comércio entre Portugal e os Estados
Unidos
5. O problema da representação diplomática
15
Capítulo 2: As Guerras da Revolução e do Império e a corte
no Brasil
1. A Revolução Francesa e as Guerras da Revolução e do Império
2. A «segunda guerra» da independência dos EUA
2EDL[RSHUÀOGDVUHODo}HV3RUWXJDO²(8$
4. A corte no Brasil e as relações com os EUA
Capítulo 3: A América e a independência do Brasil
1. O Sistema de Viena
2. A independência da América do Sul
3. Os EUA e a independência do Brasil
4. Os EUA e as «ondas de choque» em Portugal da independência
do Brasil
7
15
20
24
32
38
47
47
63
71
77
99
99
106
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132
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Capítulo 4: O Tratado Comercial de 1840 e o Caso do General
Armstrong
1. A «falsa paz» de Viena
2. Os EUA e a crise político-militar portuguesa
3. O Tratado Comercial de 1840
4. O caso do General Armstrong
Capítulo 5: Portugal e a Guerra Civil Americana
1. A Guerra da Crimeia e o regresso da «política do poder»
2. Consequência da Guerra da Crimeia nas relações Portugal –
– EUA
3. As relações internacionais da Guerra Civil Americana
4. Portugal e a Guerra Civil Americana
Capítulo 6: A internacionalização da questão colonial
portuguesa
$DVFHQVmRGRV(8$HDXQLÀFDomRGD$OHPDQKD
2. A viragem portuguesa para África e a arbitragem de Ulysses
S. Grant na questão de Bolama
3. A política externa de Andrade Corvo e a aproximação aos
EUA
4. Os EUA e a internacionalização da questão colonial portuguesa
137
137
142
152
163
177
177
186
196
209
221
221
232
243
253
Capítulo 7: A Guerra Hispano-Americana
1. A transição de poder no sistema internacional
2. Portugal e a Guerra Hispano-Americana
3. A aproximação entre Portugal e os EUA por meio de Acordos
273
273
282
293
Capítulo 8: A Primeira Guerra Mundial
$ULJLGLÀFDomRGRVLVWHPDLQWHUQDFLRQDO
2. Os EUA e a I República Portuguesa
3. Portugal e os EUA na Primeira Guerra Mundial
4. Portugal e os EUA na Conferência de Paz
303
303
312
325
338
8
XXXX
Capítulo 9: A Segunda Guerra Mundial
1. O colapso da ordem de Versalhes
2. Portugal e os EUA na Segunda Guerra Mundial
3. O acordo de Santa Maria
347
347
357
376
Capítulo 10: A Guerra Fria
1. As origens da Guerra Fria
2. A integração de Portugal no Bloco Americano
3. A centralidade dos Açores e da questão colonial
4. A crise das relações Portugal – EUA
403
403
415
439
460
Capítulo 11: Os EUA e a Revolução Portuguesa
1. A Détente Leste-Oeste
2. Nixon e Caetano
3. Os EUA e a Transição Democrática Portuguesa
4. Os EUA e a Descolonização Portuguesa
485
485
494
507
520
Capítulo 12: O Pós-Guerra Fria
1. A nova ordem internacional
2. Um momento alto da relação luso-americana: Angola
3. Unidade e crise nas Relações Transatlânticas
4. As relações Portugal – EUA na actualidade
537
537
544
551
563
Conclusão
577
Notas
581
Fontes e Bibliografia
629
Índice Onomástico
637
9
HISTÓRIA
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INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO
Hannah Arendt escreveu que a Revolução Francesa «quebrou
a ligação entre o Novo Mundo e os países do Velho Continente».
Segundo ela, não foi a revolução em si mesma mas o seu desastroso desenvolvimento e o colapso da república francesa que «levaram
à ruptura dos fortes laços políticos e espirituais entre a América e
a Europa que tinham prevalecido durante os séculos XVII e XVIII».1
De facto, até ao último quartel do século XVIII, o continente americano era um prolongamento da Europa, sobretudo de Estados
como Portugal, Reino Unido, França e Espanha, sendo o Atlântico
um «mar europeu», que ligava as plataformas continentais situadas
nas suas duas margens. Porém, as grandes revoluções – a Americana e a Francesa – alteraram substancialmente esta realidade levando
ao que podemos designar de separação atlântica.2
Em rigor, o primeiro acontecimento desta grande dinâmica de
separação entre a Europa e a América começou com a Revolução
Americana, que levou à independência dos EUA, retirando ao Reino
Unido uma parte importante das suas colónias do Novo Mundo e
assinalando o primeiro momento do que veio a culminar a prazo
QRÀPGDSUHVHQoDEULWkQLFDQHVVHFRQWLQHQWHFRQVWLWXLQGRDLQGD
um precedente que contagiou as colónias americanas dos restantes
países europeus, já para não falar do contributo dos Estados Unidos para esse desenvolvimento.
Mas, como referiu Arendt, se tivéssemos de escolher um só acontecimento decisivo para a separação atlântica este seria a Revolução
Francesa. Em primeiro lugar, os acontecimentos que se seguiram a
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HISTÓRIA
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1789 levaram a uma ruptura ideológica, política e emocional entre
a América e a Europa. Em segundo lugar, as Guerras da Revolução
e do Império, muito em especial a invasão napoleónica da Península Ibérica, conduziram à independência das colónias portuguesas e
espanholas no continente americano. Em terceiro lugar, esta guerra europeia, ainda que com forte incidência em outros territórios,
foi aproveitada pelos Estados Unidos para consolidarem a sua inGHSHQGrQFLDFRQÀUPDGDSHODYLWyULDQD*XHUUDGHH
ÀQDOPHQWHSRXFRWHPSRGHSRLVDÀUPDUHPXPDQRYDGRXWULQD²D
Doutrina Monroe – que estabeleceu a hegemonia norte-americana
no seu hemisfério e a consequente exclusão das potências europeias.
Não obstante a existência de um momento de aproximação entre
RVGRLVFRQWLQHQWHVQRFRQÁLWRGHLQWHUURPSLGRSHOR
UHJUHVVRGRV(8$jGRXWULQD©LVRODFLRQLVWDªORJRDSyVRÀPGHVWH
foi com a Segunda Guerra Mundial que se deu o «reencontro atlântico». A entrada da América na guerra em 1941, primeiro, e a sua
decisão sem precedentes em toda a sua história desde a independência de permanecer na Europa através de uma aliança militar que
institucionalizou um sistema de defesa comum no Atlântico Norte
que dura até hoje, depois, inauguraram o segundo grande ciclo do
relacionamento entre a América e a Europa.
A ordem internacional liberal construída pela parceria entre os
Estados Unidos e a Europa Ocidental, sob a liderança dos primeiros, no amplo espaço não dominado pelos exércitos soviéticos foi
simultaneamente a base e o resultado da Aliança Atlântica, que
partilhou a parte essencial dos interesses nacionais dos Estados
localizados nessas áreas, bem como dos valores de um chamado
Ocidente que, se nunca existiu culturalmente, foi a partir daí uma
realidade estratégica.
2ÀPGD*XHUUD)ULDFRPDLPSORVmRGD8566JHURXXPD
oportunidade única de tentativa de «unidade atlântica» ao criar o
incentivo a norte-americanos e europeus de acção cooperativa para
estenderem a sua ordem internacional à escala global. A globaliza-
12
INTRODUÇÃO
ção, o alargamento das chamadas democracias de mercado livre, o
lançamento de iniciativas como a criação de uma Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento entre os Estados Unidos e a
União Europeia, o alargamento do perímetro de acção da NATO
em termos de segurança foram algumas traduções desta aspiração
a uma nova unidade entre a América e a Europa.
Todavia, se ela teve os sucessos que acabámos de referir, conheceu também dinâmicas de sinal contrário, sendo aqui de destacar
a grave crise transatlântica pós-Guerra do Iraque e, mais recentemente, o retraimento estratégico norte-americano.
O livro conta esta história de divergência e convergência entre a
(XURSDHD$PpULFDSURFXUDQGRLGHQWLÀFDURVPRPHQWRVHPTXH
as relações entre Portugal e os Estados Unidos acompanharam, ou
não, esta dinâmica mais vasta.
Ele surgiu no contexto de um projecto de investigação realizado
no Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de
/LVERD)&6+81/HÀQDQFLDGRSHOD)XQGDomR/XVR$PHULFDQD
para o Desenvolvimento (FLAD), só tendo sido possível graças ao
apoio destas instituições. Agradeço aos seus directores, Nuno Severiano Teixeira e Vasco Rato, e a todos os colegas com quem partilhei ideias, muito em particular ao Carlos Gaspar, ao Pedro Tavares
de Almeida e ao Tiago Roma Fernandes.
Agradeço também à D. Quixote, especialmente ao João Amaral
e ao Duarte Bárbara que, para além da competência e da inteligência, se tornaram ao longo dos anos dois bons amigos.
Uma palavra especial a três pessoas fundamentais para que possam estar agora a ler este livro. Ao Mário Mesquita e ao Miguel Vaz,
que acreditaram nesta ideia desde o primeiro momento e bateram-se por ela, valorizando e respeitando sempre as ideias e os seus
autores. Ao Rui Branco, que me chamou a atenção durante um dos
habituais e muito agradáveis almoços para um facto simples mas
sobre o qual eu nunca tinha pensado: a inexistência de uma história
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das relações Portugal-Estados Unidos desde a independência norte-americana até à actualidade. A ele devo também várias sugestões
GHFRQWH~GRHELEOLRJUiÀFDV
Por último, mas em primeiro, agradeço ao meu pai e à minha
mãe pelo muito que deram sem nada pedir.
A acabar, importa deixar claro que esta obra não se destina apenas à universidade, embora também seja para ela. Pretende abranger
um público mais vasto: todos aqueles que se interessam pela história, pelas questões transatlânticas e pelas relações luso-americanas.
Foi escrita a pensar nisso. Deve ser lida assim.
14
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REVOLUÇÃO AMERICANA
CAPÍTULO 1
P O RT U G A L E A R EVO LU Ç ÃO
AMERICANA
1. A Guerra dos Sete Anos e o reforço da importância
do Atlântico
A independência dos EUA ocorreu no quadro mais vasto de uma
WUDQVIRUPDomRVLJQLÀFDWLYDGDVUHODo}HVLQWHUQDFLRQDLVUHVXOWDQWHGH
uma sucessão de acontecimentos, com destaque para as duas guerras
de sucessão – Espanha e Áustria – e a Guerra dos Sete Anos, que,
no seu conjunto, conduziram a três desenvolvimentos essenciais:
DUHFRQÀJXUDomRGRVLVWHPDGHDOLDQoDVQD(XURSDRDODUJDPHQWR
GD]RQDGHLQWHUIHUrQFLDQRVHTXLOtEULRVGHSRGHUHXURSHXVDDÀUPDomRGHÀQLWLYDGDLPSRUWkQFLDGR$WOkQWLFR1RUWH
O realinhamento gradual, mas profundo, das principais potências
GD(XURSDQRTXHÀFRXFRQKHFLGRFRPRD©UHYROXomRGLSORPitica», teve no seu centro a transferência da possibilidade de hegemonia da França para a Grã-Bretanha no continente europeu e a
diminuição da preponderância austríaca no conjunto dos Estados
alemães. A Áustria, aliada tradicional dos britânicos, via na substituição da sua anterior orientação antifrancesa por uma coligação com a
França como forma de recuperar a Silésia à Prússia, perdida na paz
de Aix-la-Chapelle (1748), considerada como indispensável à manutenção da sua condição de grande potência na Europa Central.
A França via a aproximação aos austríacos não só como condição
SDUDDGHÀQLomRSHODSULPHLUDYH]GHXPD(XURSDDQWLEULWkQLFD
mas também como forma de conciliação dos seus interesses continentais, mediterrânicos e atlânticos. A Grã-Bretanha via como
única alternativa equivalente à coligação negativa franco-austríaca
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no continente europeu um alinhamento com a Prússia. Esta última
via nos britânicos a forma de equilibrar o poder austríaco no conjunto dos Estados alemães. A Rússia via uma possível aliança com
D)UDQoDHDÉXVWULDFRPRXPDIRUPDGHYDORUL]DUDVXDLQÁXrQcia na Europa, dado o grande interesse de ambas as potências em
equilibrar a crescente hegemonia britânica e, no caso austríaco, em
colocar a Prússia entre duas frentes. Esta transformação das orientações externas das grandes potências europeias foi institucionalizada pelos dois Tratados de Versalhes, o primeiro estabelecendo a
aliança entre a França e a Áustria (1756) e o segundo a aliança entre
a França, a Áustria, a Rússia, a Suécia e os principais Estados alemães (1757), ambos contra a Grã-Bretanha e a Prússia, sua aliada.1
$FRQVHTXrQFLDIXQGDPHQWDOGHVWDUHFRQÀJXUDomRGRVLVWHPD
GHDOLDQoDVQD(XURSDEHPFRPRGDVXDULJLGLÀFDomRIRLD*XHUUD
GRV6HWH$QRV(VWHFRQÁLWRGLVWLQJXLXVHGRVDQWHULRUHVVREUHWXGR
por duas características. Em primeiro lugar, traduziu justamente os
novos alinhamentos da «revolução diplomática», opondo a Áustria,
a França, a Rússia, a Suécia, o Saxe e, mais tarde, a Espanha e o
reino das Duas Sicílias, de um lado, à Grã-Bretanha e à Prússia, do
RXWUR(PVHJXQGROXJDUIRLXP©FRQÁLWRJOREDOªFRPSUHHQGHQdo uma frente europeia e outra extra-europeia, estendendo-se por
uma longa faixa que ia da Europa à América, até à Índia e a África.2
A causa profunda da guerra foi a luta pela hegemonia no continente, e agora também nos mares, entre a Grã-Bretanha e a França. Porém, a sua causa imediata deve ser encontrada na balança de
poder na Europa Central, que conduziu à intersecção da tentativa
da Áustria de recuperar a Silésia e da decisão da Prússia de invadir
a Saxónia no Verão de 1756. Os austríacos procuraram aproveitar
DQRYDFRQÀJXUDomRGDVDOLDQoDVHXURSHLDVSDUDWUDYDUDDVFHQVmR
prussiana, começando por fazê-lo na Silésia. Já Frederico II tentou antecipar-se ao que considerava ser um mais que provável ataque, mais cedo ou mais tarde, da Áustria juntamente com a Rússia
e contando com a colaboração, ou aprovação, da França e do Saxe.
16
PORTUGAL
E A
REVOLUÇÃO AMERICANA
Na lógica do novo sistema de alianças, este choque entre austríacos e prussianos arrastou para a frente europeia da guerra as
RXWUDV JUDQGHV SRWrQFLDV 'R ODGR GD ÉXVWULD ÀFDUDP IUDQFHVHV
UXVVRVVXHFRVHHVSDQKyLV$)UDQoDQmRVyQmRSRGLDÀFDUGHIRUD
GHXPFRQÁLWRGHFLVLYRSDUDDGLVWULEXLomRGHSRGHUQRFRQWLQHQWH
em geral, e na Europa Central, em particular, como não pretendia
perder um importante aliado contra a Grã-Bretanha, além de que
os franceses queriam afastar os prussianos dos britânicos e esperavam ainda ser compensados com a aquisição de Hanôver. A Rússia
estava sobretudo interessada em conquistar territórios no Báltico.
A Suécia tinha como principal objectivo reconquistar a Pomerânia.
A Espanha queria sobretudo a restituição de Gibraltar. Do lado da
3U~VVLDÀFRXD*Um%UHWDQKDTXHQmRSRGLDGHL[DUGHDSRLDURVHX
único aliado entre as grandes potências europeias, sobretudo numa
DOWXUDHPTXHFRPRIRLUHIHULGRVHGHVHQKDYDDGHÀQLomRGHXPD
Europa antibritânica.3
$FRQÀJXUDomRGHIRUoDVID]LDDQWHFLSDUXPDYLWyULDGDFROLJDção liderada pela França e uma derrota do lado anglo-prussiano na
frente europeia, o que, de resto, esteve mesmo para suceder. Após
um conjunto de surpreendentes vitórias numa fase inicial, a Prússia
rapidamente se viu perante quatro frentes de guerra simultâneas,
com a Áustria a sudeste, a Rússia a nordeste, a França a ocidente
e a Suécia a norte. Em Agosto de 1759, após perder a Batalha de
.XQHUVGRUIFRQWUDD5~VVLD)UHGHULFR,,FRQÀGHQFLRXDXPGRV
seus ministros que já não tinha recursos para continuar a guerra e
que tudo estava perdido.4 Mas, em 1762, a sorte favoreceu os prussianos, com a morte de Isabel e a sua substituição por Pedro III a
levar a Rússia a retirar-se da guerra, o que acabou por ser decisivo
para a decisão da Áustria de assinar a paz de Hubertusburg, em 1763.
Todavia, a Guerra dos Sete Anos não se limitou a esta frente europeia, estendendo-se, como foi referido anteriormente, à
América, à Índia e mesmo a África. A luta anglo-francesa pelas
SRVVHVV}HVXOWUDPDULQDVIRLXPLPSRUWDQWHHL[RGRFRQÁLWR'H
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HISTÓRIA
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resto, a concepção de que um Estado podia estar em guerra na
Europa e em paz na América ou no Oriente já não fazia sentido
na segunda metade do século XVIII2VFRQÁLWRVFRORQLDLVMiQmR
pertenciam a um outro mundo político. As colónias faziam agora
parte do sistema de Estados europeu.5
Em rigor, a Guerra dos Sete Anos começou com a luta entre
a Grã-Bretanha e a França pela hegemonia no Oceano Atlântico,
sendo esta a «primeira vez na história da Europa que os choques
atlânticos antecederam os confrontos continentais».6 Em 1755, os
britânicos e os franceses travavam já uma guerra, mesmo que não
declarada, na América do Norte, com cada uma das partes a tentar
reforçar a sua posição na região, quer por meio da construção de
QRYDVIRUWLÀFDo}HVTXHUHPFDVRVH[WUHPRVSHODWHQWDWLYDGHRFXSDUSRVLo}HVGRDGYHUViULR$SDUWLUGR9HUmRGHVVHDQRRFRQÁLWR
aumentou de escala, com os dois lados a procurarem conquistar a
superioridade naval, o que levou a uma sucessão de choque no mar.
Em Junho, o almirante britânico Boscawen atacou, sem qualquer
declaração de guerra, um comboio francês de navios mercantes que
ia em direcção à América. Nos meses seguintes, a esquadra britânica
capturou mais de 300 barcos franceses. E em Maio de 1756, com
o culminar desta escalada, a França declarou formalmente guerra
à Grã-Bretanha.7
Apesar de alguns sucessos iniciais, a guerra anglo-francesa no
Atlântico resultou numa derrota dos franceses e, logo, numa vitória
dos britânicos, que, entre outros territórios, conquistaram o Québec
e Montreal, no Canadá, bem como, após a entrada da Espanha na
guerra ao lado da França, em 1761, passaram a controlar grande
parte das ilhas das Caraíbas. Tudo somado, os ingleses conseguiram
garantir o controlo do Oceano Atlântico.
A nova centralidade do mar, em geral, e do Atlântico, em particular, acabou por contribuir decisivamente para arrastar Portugal
para a Guerra dos Sete Anos, apesar dos esforços de D. José para
manter a posição tradicional de neutralidade. Como foi referido
18
PORTUGAL
E A
REVOLUÇÃO AMERICANA
DQWHULRUPHQWHDFDUDFWHUtVWLFDGLVWLQWLYDGHVWHFRQÁLWRIRLTXHHOH
veio demonstrar que «por muito importante que sejam na Europa as operações terrestres, o seu complemento essencial passava a
estar no mar», facto que colocava o país «no centro das decisões
políticas e militares».8 Por este motivo essencial, a França e a Espanha pressionaram Portugal a juntar-se ao seu «Pacto de Família»,
assinado em Agosto de 1761, insistindo ainda que o país fechasse
os seus portos aos ingleses, o que, a ser aceite pelas autoridades de
/LVERDVLJQLÀFDYDQDSUiWLFDDWURFDGDDOLDQoDEULWkQLFDSRUXPD
nova aliança franco-espanhola.
A recusa portuguesa em abandonar a sua antiga aliada levou a
França e a Espanha a invadirem o país em Maio de 1762, arrastando-o para a Guerra dos Sete Anos, para a qual não estava preparado. A conjugação da prioridade dada pelo Marquês de Pombal às
questões comerciais com a tradição diplomática de neutralidade do
país e ainda com a expectativa permanente de protecção militar por
parte da Inglaterra fazia com que a preparação militar portuguesa
fosse quase inexistente. Os próprios britânicos avaliavam o exército português do período como «miserável».9
Dada a fraca capacidade de resistência de Portugal, franceses e
espanhóis conquistaram várias posições ao longo do país, tendo
como principal objectivo chegar a Lisboa. Porém, alguns factores
exógenos ajudaram os portugueses. Primeiro, o erro estratégico das
IRUoDVLQYDVRUDVTXHÀ]HUDPYiULDVLQFXUV}HVLQFRQVLVWHQWHVPXGDQGRDIUHQWHGHDWDTXHSRUGLYHUVDVYH]HVHQmRGHÀQLUDPGHVGH
o início um objectivo militar claro. Segundo, a chegada ao país, em
Julho de 1762, do Conde de Lippe que reorganizou as forças militares portuguesas e liderou-as na, agora forte, resistência a franceses e
espanhóis. Terceiro, o apoio de tropas inglesas, que combateram no
terreno ao lado dos portugueses. Finalmente, pouco depois da invasão do território nacional ocorreram os primeiros acordos de paz.
Na realidade, em Novembro de 1762 foram assinados em França
os preliminares de paz entre as potências beligerantes. Em Dezembro
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chegou-se a acordo relativamente a um armistício entre os exércitos
peninsulares. E, em Fevereiro de 1763, foi assinado o Tratado de
3DULVTXHS{VXPÀPGHÀQLWLYRj*XHUUDGRV6HWH$QRV10
2. A independência dos Estados Unidos da América
A Guerra dos Sete Anos mudou para sempre o destino da AméULFD6HpYHUGDGHTXHD*Um%UHWDQKDVDLXGHVWHFRQÁLWRFRPXP
vasto império, isso teve um custo. Em primeiro lugar, a renovada
importância do Atlântico para os equilíbrios de poder na Europa
aumentou consideravelmente o interesse das grandes potências europeias em relação ao que se passava na América. Segundo, o papel
PXLWRUHOHYDQWHGHVHPSHQKDGRQRkPELWRGRFRQÁLWRGHXjVFRlónias norte-americanas uma «primeira consciência do alcance das
suas posições», bem como «a certeza da sua capacidade administrativa, política e militar».11 Terceiro, praticamente afastada a ameaça
francesa e espanhola no continente, os norte-americanos estavam
PHQRVGHSHQGHQWHVGDSURWHFomREULWkQLFD3RUÀPDJXHUUDWHYH
um custo bastante alto para os cofres britânicos, além do peso nas
ÀQDQoDVGDPDQXWHQomRGHXPLPSpULRWmRYDVWR12
Esta última questão acabou por ser conjunturalmente decisiva para o início da revolução que culminou na independência dos
Estados Unidos. O império britânico tinha uma visão mercantilista relativamente aos seus domínios ultramarinos, uma concepção
traduzida no direito de Londres de intervir nas suas colónias, retirando vantagens económicas, em troca da protecção contra ameaças externas. Contudo, na prática as colónias americanas tinham na
sua maioria um grande grau de independência política e económica. Por exemplo, por volta de 1700, metade do comércio de Boston era feito com as Antilhas francesas, e não com a Grã-Bretanha,
o que violava as regras do comércio dentro do império estabelecidas por Londres. A visão britânica relativamente ao seu direito
de interferência no império e a quase total independência prática
GDVFROyQLDVDPHULFDQDVHQWUDUDPHPFKRTXHORJRDSyVRÀPGD
20
PORTUGAL
E A
REVOLUÇÃO AMERICANA
Guerra dos Sete Anos, altura em que o Parlamento inglês adoptou
um conjunto de medidas com o objectivo de regular o comércio
FRORQLDOHYiULDVWD[DVGHVWLQDGDVDSDJDURVFXVWRVFRPRFRQÁLWR
Em 1764 foi aprovado o Sugar Act, que proibia o comércio com
as Antilhas francesas, considerado ilegal. No ano seguinte foi introduzido o Stamp Act, uma taxa sobre os correios e a imprensa
das colónias. Os norte-americanos reagiram a estas decisões proclamando a doutrina segundo a qual o Parlamento em Londres não
tinha o direito de regular o comércio das colónias já que estas se autogovernavam praticamente desde o início da sua existência. Indo
mais longe, recusaram-se a importar bens ingleses, o que teve um
elevado impacto no comércio entre os dois lados, levando mesmo
o governo britânico a cancelar grande parte das medidas impostas
DQWHULRUPHQWH3RUpPRDJUDYDPHQWRGDVLWXDomRÀQDQFHLUDOHYRX
o Parlamento britânico a tentar algum tempo depois novas formas
de receita, aprovando, em 1773, o Tea Tax, uma taxa sobre o comércio do chá, provocando uma revolta no porto de Boston traduzida
pelo lançamento ao mar de grandes quantidades deste produto: o
famoso Boston Tea Party&RPRUHVSRVWD/RQGUHVLPS{VRTXHÀcou conhecido na América como os Intolerable Acts, encerrando o
porto de Boston, transferindo o poder político no Massachusetts
SDUDRÀFLDLVQRPHDGRVSHORVLQJOHVHVHHVWHQGHQGRDVIURQWHLUDVGR
Canadá até ao Rio Ohio.13
Para discutir a forma de reacção aos Intolerable Acts, em 1774
representantes das 12 colónias reuniram-se no primeiro Congresso
&RQWLQHQWDOHP)LODGpOÀDWHQGRGHFLGLGRTXHQmRLPSRUWDULDPRX
consumiriam, bens ingleses até que Londres voltasse atrás. Além disso,
exigiram uma participação no governo e começaram a preparar-se
para uma possível luta armada. A Grã-Bretanha reagiu com recurso à
força, levando aos primeiros confrontos militares entre forças inglesas
e milícias americanas em Lexington e Concord (Abril, 1775).
Quase imediatamente após estes choques militares, reuniu-se um
segundo Congresso Continental, dominado por um crescente radica-
21
HISTÓRIA
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lismo e pela ideia de que as colónias precisavam de procurar apoios no
exterior para a sua luta contra Londres, tendo para o efeito sido criaGRXPFRPLWpVHFUHWRIRUPDGRSRUÀJXUDVPXLWRLQÁXHQWHVFRPR
entre outros, Benjamim Franklin e John Jay. O comité enviou três
agentes para a Europa, destacando-se a ida a França de Silas Deane,
do Connecticut, que conseguiu junto do Conde de Vergennes, o responsável pelos negócios estrangeiros francês, apoio político e armas.
A conjugação entre o auxílio de Paris e a unidade das colónias
face ao inimigo comum criou as condições para que, em Julho de
R&RQJUHVVRUHXQLGRHP)LODGpOÀDDSURYDVVHD'HFODUDomR
de Independência, elaborada por Thomas Jefferson, baseada nos
«direitos inalienáveis» de «todos os homens» e no governo com o
«assentimento dos governados».14
Importa sublinhar o papel da dimensão externa na independência dos EUA, tendo a França desempenhado a função de aliado
preferencial. Empenhado em combater a hegemonia da Grã-Bretanha no continente e nos mares e em vingar a derrota na Guerra
dos Sete Anos, Vergennes liderou o apoio à revolução norte-americana, quer através de ajuda directa, quer organizando uma vasta
coligação antibritânica, sobretudo após a vitória dos colonos em
Saratoga, em Outubro de 1777. Em princípios do ano seguinte, a
França assinou um tratado de comércio com os EUA. E, a partir
daí, organizou uma ampla coligação que reuniu, para além dos franFHVHVD(VSDQKDDÉXVWULDD3U~VVLDHD+RODQGD'HIRUDÀFDUDP
apenas a Rússia, a Suécia, a Dinamarca e, como veremos, Portugal,
que adoptaram uma «neutralidade armada».15
&UHVFHQWHPHQWH LVRODGD HQIUHQWDQGR JUDQGHV GLÀFXOGDGHV QR
continente europeu e uma «implacável guerra marítima» por parte da França, que «na sua euforia» chegou mesmo «a considerar um desembarque em Inglaterra», a Grã-Bretanha acabou por
ceder, mesmo que ainda tenha resistido até Setembro de 1783,
RFDVLmR HP TXH IRL DVVLQDGR R 7UDWDGR GH 3DULV TXH S{V ÀP
à guerra e reconheceu a independência dos EUA.16
22
PORTUGAL
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(PD&RQYHQomRGH)LODGpOÀDDSURYRXD&RQVWLWXLomR
dos EUA.
Em rigor, dez anos antes, doze colónias (às quais se juntou o
Maryland, em Março de 1781) assinaram os Artigos da Confederação, criando a primeira forma de governo nacional. Estes criaram um Congresso, composto por representantes dos Estados,
PDVFRPFRPSHWrQFLDVOLPLWDGDVHXPDGHÀFLHQWHFDSDFLGDGHGH
governo. Por exemplo, não previam um chefe do poder executivo,
QHPXPPpWRGRHÀFD]GHDSURYDUOHLVQHPWULEXQDLVQDFLRQDLV
acrescendo que o Congresso não tinha poder para recrutar tropas, regular o comércio, impor taxas e impostos e implementar
tratados internacionais. Tudo somado, os Estados conservavam
a quase totalidade do poder.17
3RUpPDVGLÀFXOGDGHVQRUHODFLRQDPHQWR HQWUHRV(VWDGRV
DSyVDLQGHSHQGrQFLDTXHTXDVHOHYDUDPDRÀPGRV(8$HD
necessidade de formar um governo central mais forte e capaz
de lidar com os problemas de política externa do país, sobretudo com os choques com os interesses dos impérios europeus na
América, levaram à aprovação da Constituição. Esta consagrou o
modelo federal republicano: a federação era o elemento de unidade num contexto caracterizado pela existência de vários EstaGRVFRPWUDGLo}HVOHLVFRVWXPHVVRFLDLVHFRQRPLDHJHRJUDÀD
PXLWRGLIHUHQWHVD5HS~EOLFDFRQVDJUDYDRHOHPHQWRGDSDUWLcipação dos cidadãos na eleição dos representantes. Tratava-se
de uma solução de compromisso entre o imperativo de criar um
JRYHUQRFHQWUDOFRPXPFRQMXQWRVXÀFLHQWHGHSRGHUHVHDQHcessidade de satisfazer as exigências dos Estados de preservação
de um alto grau de soberania. Além disso, o texto constitucional
consagrou um sistema de governo assente nos princípios da separação de poderes e dos «freios e contrapesos» (checks and balances), prevendo um poder legislativo alojado num Congresso com
duas câmaras – a Câmara dos Representantes e o Senado –, um
SRGHUH[HFXWLYRFRQÀDGRDXP3UHVLGHQWHÀJXUDTXHQmRH[LVWLD
23
HISTÓRIA
DAS
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nos artigos da confederação) e um poder judicial compreendendo
um Supremo Tribunal e Tribunais federais inferiores, estando estes três órgãos dotados de mecanismos de controlo recíproco.18
3. Portugal e a independência dos Estados Unidos da
América
A política portuguesa relativamente ao processo que conduziu
a independência dos Estados Unidos não foi homogénea, sendo
SRVVtYHOLGHQWLÀFDUTXDWURIDVHVGLVWLQWDVDSULPHLUDDLQGDGXUDQWH
o tempo do Marquês de Pombal, foi de alinhamento com a Grã%UHWDQKDDVHJXQGDSyVTXHGDGH3RPEDOHSyV7UDWDGRGH6DQWR,OGHIRQVRIRLGHQHXWUDOLGDGHDWHUFHLUDHQWUH-XOKRGHH
IRLGH©QHXWUDOLGDGHDUPDGDªDTXDUWDHP)HYHUHLURGH
foi de reconhecimento da independência.19
A primeira política seguida por Portugal foi de alinhamento
com a Grã-Bretanha e, logo, hostil aos EUA. Pombal ainda se esforçou inicialmente para levar os britânicos a fazer concessões aos
colonos norte-americanos, como por exemplo concedendo-lhes
XP3DUODPHQWRSUySULRSDUDTXHRFRQÁLWRSXGHVVHVHUHYLWDGR
O governante português transmitiu esta ideia ao seu ministro em
Londres, Luiz Pinto de Sousa, numa carta particular de 28 de Novembro de 1775, onde referia que os ingleses deviam recear mais a
fúria dos revoltosos americanos do que uma guerra com a França
e a Espanha. Mas Londres não seguiu o caminho aconselhado por
Pombal, recorrendo antes à força, e este foi obrigado a optar por
XPGRVODGRVGRFRQÁLWRVXEVHTXHQWHHVFROKHQGRDYHOKDDOLDGD 20
Esta decisão inscreveu-se num primeiro plano na lógica do objectivo de tentar atrair a Grã-Bretanha para o lado português na disputa com a Espanha no continente americano. Depois de terminada a
Guerra dos Sete Anos e resolvida a situação no continente europeu,
os dois Estados ibéricos continuaram a confrontar-se na América do
Sul, nomeadamente em torno da posse da foz do Prata e da colónia
do Sacramento. A Espanha não só nunca cumpriu as determinações
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do Tratado de Paris relativamente ao respeito do statu quo anterior ao
FRQÁLWRQDVIURQWHLUDVEUDVLOHLUDVFRPRDSURYHLWRXDLQGHSHQGrQFLD
norte-americana e os problemas causados por ela aos britânicos, o
único aliado possível de Portugal, para conquistar toda a colónia de
Sacramento e Santa Catarina, ameaçando assim a totalidade do sul
do Brasil. Pombal aproveitou esta questão da disputa com a Espanha
na América do Sul para, simultaneamente, tentar criar «uma situação que obrigasse os ingleses a intervir» e, ao nível interno, permitir
«uma emergência grave que facilitasse a sua continuação no poder».21
Mas a decisão do chefe do governo de D. José I relacionou-se
também com o receio do efeito da independência dos Estados Unidos no império colonial português. De facto, Portugal possuía extensos territórios ultramarinos, desde logo no próprio continente
americano, como era o caso do Brasil, sendo que os acontecimentos na colónia britânica eram percepcionados como um perigoso
precedente que podia ser replicado nas possessões portuguesas.
Para agravar, tinham já existido anteriormente sinais de sedição no
Brasil, como as revoltas paulistas de 1710 e 1720.
A primeira reacção do governo português à independência dos
Estados Unidos não foi assim favorável. No próprio dia 4 de Julho
de 1776, foi aprovado um decreto que interditava os portos portugueses aos navios norte-americanos, considerando-os piratas. Foram dados apenas oito dias aos navios da antiga colónia inglesa para
saírem dos portos portugueses, além de instruções para serem vistoriados de forma a averiguar se não partiam levando clandestinamente pólvora e armamento. Segundo Pombal, «um exemplo tão
pernicioso» devia «interessar até aos príncipes mais indiferentes»,
levando-os a «negarem todo o favor e auxílio, directo ou indirecto»,
a «vassalos que se achavam tão pública e formalmente sublevados
contra o seu natural soberano».22
A notícia do fecho dos portos portugueses foi mal recebida pelo
Congresso Continental. Tratava-se de uma decisão com grande
impacto nas colónias norte-americanas pois Portugal ocupava um
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©OXJDUVLJQLÀFDWLYRQRVHXFRPpUFLRFRPD(XURSDªLPSRUWDQGR
grandes quantidades de trigo, milho, bacalhau, materiais de consWUXomRHTXLSDPHQWRVQDYDLVHQDYLRV$WtWXORGHH[HPSORUHÀUD-se que o país importava cerca de metade do trigo e dois terços do
milho dos EUA.23
Esta posição portuguesa também não passou ao lado do principal aliado dos Estados Unidos, ou seja, a França. A 15 de Setembro
GH3LHUUH$XJXVWLQ&DURQGH%HDXPDUFKDLVFRQÀGHQWHGR
Conde de Vergennes, incitou os americanos a declararem guerra a
Portugal e a enviarem navios para o Brasil. Segundo ele, a decisão
de D. José I e Pombal de fecharem os portos era «um acto da Providência», pois, «tendo em conta o ressentimento que a Espanha
desde longa data tem para com Portugal», uma reacção de força por
parte dos Estados Unidos ia «certamente interessar a Espanha» no
sucesso norte-americano e «levá-la a fazer igual declaração contra
Portugal», isto é, levaria Madrid a entrar em guerra com Lisboa, o
que, por sua vez, causaria um problema adicional à Grã-Bretanha,
levando-a à dispersão da sua força militar.
Dentro da mesma estratégia, Silas Deane, a partir de Paris, escreveu a um membro do Congresso Continental, Robert Morris,
sugerindo que «fosse autorizada a captura de barcos portugueses»,
uma medida que levaria a que os norte-americanos pudessem «contar com a amizade e aliança de Espanha».
O Congresso Continental não foi tão longe quanto Beaumarchais
e Deane pretendiam, mas ainda assim reagiu com alguma dureza. Embora começando por solicitar aos seus comissários em França, BenMDPLQ)UDQNOLQ$UWKXU/HHH6LODV'HDQHTXHÀ]HVVHPFKHJDUXPD
©H[DFWDLQIRUPDomRªVREUHDSRVLomRGH3RUWXJDOVHVHFRQÀUPDVVH
que algum barco americano tinha sido impedido de entrar em portos
SRUWXJXHVHVRXWLQKDVLGRFRQÀVFDGR)UDQNOLQ/HHH'HDQHGHYLDP
©SURWHVWDUQRVWHUPRVPDLVÀUPHVªMXQWRGRHPEDL[DGRUSRUWXJXrV
na capital francesa. Além disso, o Congresso começou ainda a preparar um tratado de comércio e aliança com a Espanha. 24
26
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Os comissários norte-americanos cumpriram estas instruções,
mas com uma importante variante. A 26 de Abril de 1777, dirigiram uma carta ao embaixador de Portugal em França, D. Vicente
de Sousa Coutinho, mas num tom muito menos duro do que o que
constava das instruções do Congresso Continental. Nela solicitaYDPLQIRUPDo}HVVREUHRGHFUHWRGHGH-XOKRTXHGLÀFLOPHQWH
acreditavam ser genuíno, solicitando, caso ele existisse, que fosse
revogado tendo em conta as boas relações existentes entre ambas
as partes. Não por acaso, a missiva sublinhava os aspectos mais positivos, referindo a existência de uma «longa amizade e comércio»
entre os portugueses e os norte-americanos e a ausência da «mais
leve injúria cometida ou mesmo tentada» pelos EUA contra Portugal. Além disso, numa referência explícita à dominação espanhola
entre 1580 e 1640, Franklin, Lee e Deane recordavam que o reino português «pouco mais de um século atrás se encontrava com
respeito ao seu antigo Governo numa posição similar à deles».
Finalmente, sublinhavam que, caso o decreto existisse, Portugal
era «a única potência na Europa» que rejeitou o comércio com os
Estados Unidos, assumindo «julgar a sua causa e condená-los, sem
autoridade, audiência ou inquérito».25
O tom da carta era assim amistoso, o que muito se deveu aos
desenvolvimentos da política interna portuguesa ocorridos anteriormente. Em Fevereiro de 1777, morreu o rei D. José I, tendo-lhe
sucedido D. Maria I, que demitiu o Marquês de Pombal, responsável
pela orientação externa que esteve na base do decreto determinando o fecho dos portos portugueses aos navios norte-americanos.
A ascensão de D. Maria I correspondeu, efectivamente, a uma mudança quer da política de Portugal relativamente à independência
dos EUA, quer da percepção que as antigas colónias britânicas tinham de Lisboa. Porém, tratou-se de um processo gradual e relativamente demorado.26
0XLWRLQÁXHQFLDGRVSHORSHQVDPHQWRGH%HQMDPLQ)UDQNOLQRV
norte-americanos procuraram tirar o máximo proveito da oportunida-
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de oferecida pela alteração na política interna portuguesa para reverter as relações entre Portugal e os Estados Unidos. Primeiro, através
da carta de Abril de 1777. Depois, na ausência de uma resposta positiva de D. Vicente de Sousa Coutinho (um homem muito próximo
de Pombal), através de uma segunda missiva enviada em Julho ao secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros onde voltavam a lembrar a «antiga amizade de Portugal com as colónias da América do
Norte» e pediam novamente a revogação do decreto de 4 de Julho.27
Todavia, os desenvolvimentos portugueses e os esforços de
Franklin não tiveram efeitos imediatos, o que muito se deveu ao
envolvimento da França e, posteriormente, da Espanha na guerra
entre britânicos e norte-americanos, do lado dos segundos, o que
quase arrastou a Europa para uma nova guerra generalizada. Os franFHVHVYLDPHVWHFRQÁLWRFRPRXPDRSRUWXQLGDGHGHHQIUHQWDUHPD
Grã-Bretanha em condições favoráveis e deste modo conseguirem
DXPHQWDUDVXDLQÁXrQFLDQD(XURSD-iRVHVSDQKyLVSUHWHQGLDP
sobretudo recuperar Gibraltar. A primeira declarou guerra aos ingleses em Julho de 1778, seguida cerca de um ano depois por Madrid.
Portugal viu-se então cercado entre a pressão franco-espanhola e a
aliança com os britânicos.
De facto, a internacionalização da Guerra da Independência dos
Estados Unidos colocou Portugal numa posição complicada. Por
um lado, não só não queria hostilizar a Espanha, nem a França, aliada de Madrid, como o Tratado de Santo Ildefonso (1 Outubro de
1777) e a Aliança Defensiva (11 de Março de 1778) assinados com
os espanhóis impediam os portugueses de se colocar contra Madrid
e, consequentemente, totalmente ao lado da Inglaterra. Por outro,
havia a aliança britânica e o país continuava a precisar da existência do apoio desta «interferência positiva vinda por mar» capaz de
compensar a «pressão da fronteira terrestre», isto é, a «pressão espanhola».28 Contudo, para sorte de Portugal, a aliança defensiva
FRPD(VSDQKDQmRLPSOLFDYDDREULJDWRULHGDGHGH/LVERDÀFDUDR
lado de Madrid contra Londres, visto não se tratar de uma guerra
28
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