SOCIEDADE E ESPAÇO: A FORMAÇÃO SOCIAL COMO TEORIA E COMO MÉTODO Rafael da Silva Almeida Milton Santos começa seu texto com uma frase celebre de Aristóteles que denota a pertinência da questão espacial. Essa frase afirma que ´2TXHQmRHVWiHPQHQKXPOXJDUQmRH[LVWHµ, desse modo podemos pensar que o espaço exerce um papel de extrema relevância na análise social, entretanto, o autor diz que a própria geografia - que deveria ser a ciência mais preocupada com a questão espacial - tem minimizado esse importante papel do espaço na sua relação com a sociedade, considerando o espaço como um mero reflexo ou palco das ações humanas. Nesse processo a ´geografia se interessou mais pela forma das coisas do que pela sua formaçãoµS 21), ou seja, confundindo o seu objeto de estudo, que é o espaço geográfico, com a análise da paisagem, não captando, assim, o movimento da sociedade. Nesse trabalho, Santos propõe pensar o espaço segundo uma concepção que abranja toda a problemática social, para tanto ele se apropria, de um conceito formulado por Marx e Engels que é a Formação Econômica Social e acrescenta a esse conceito a dimensão espacial, que até então, não havia sido considerada nas formulações marxistas, levando assim, a uma interpretação dualista das relações homem-natureza. A CATEGORIA DE FORMAÇÃO SOCIAL Segundo Milton Santos a categoria de Formação Econômico Social teria sido negligenciada durante um longo período de tempo na análise e no método marxista, isso se deu, entre outros motivos, pelo fato de Marx não ter conseguido desenvolver plenamente esse conceito. Esse conceito só foi mais bem desenvolvido por LÊNIN (1894) e retomado por SERENI (1974). Sereni nos fala que essa é ´XPDcategoria expressa a unidade e a totalidade das diversas esferas ² econômica, social, política, cultural ² da vida de uma determinada sociedadeµ S sendo assim, esse conceito de diferencia do conceito de Sistema Social que se refere à sociedade geral. O estudo através do conceito de FES possibilita entender a totalidade e as suas frações, definindo D ´HVSHFLILFLGDGH GH FDGD IRUPDomR R TXH D GLVWLQJXH GDV RXWUDV H QR LQWHULRU GD )(6 D apreensão do particular como uma fração do todo, um momento do todo, assim como o todo UHSURGX]LGRQXPDGHVXDVIUDo}HVµS. 1 E importante salientar que existe uma distinção clara entre Modo de Produção e Formação Social´2PRGRGHSURGXomRVHULDR´JrQHURµ, FXMDVDVIRUPDo}HVVRFLDLVVHULDPDV´HVSpFLHVµ o modo de produção seria apenas uma possibilidade de realização e somente a FES seria a possibilidade realizadaµ S A noção de FES estaria ligada indissociavelmente do concreto representado por uma sociedade historicamente determinada. FORMAÇÃO SOCIOECONÔMICA OU FORMAÇÃO ESPACIAL? Podemos entender que a tríade ´PRGR GH SURGXomR IRUPDomR VRFLal e espaço, são categorias interdependentes. Todos os processos que, juntos, formam o modo de produção (produção propriamente dita, circulação, distribuição, consumo), são histórica e espacialmente determinados num movimento de conjunto, e isto através de XPDIRUPDomRVRFLDOµS $ IRUPDomR VRFLDO FRPSUHHQGHULD XPD ´HVWUXWXUD WpFQLFR-produtiva expressa geograficamente SRUXPDFHUWDGLVWULEXLomRHVSDFLDOµS6HQGRDVVLPDVIRUPDVHVSDFLDLVVHULDPUHVXOWDGRGR arranjo espacial de cada lugar, que expressariam a linguagem dos modos de produção e reforçariam a especificidade de cada lugar. Os modos de produção, nesse contexto, expressão um conflito entre o novo e velho, e, sua consequente seletividade, pois, não são todos os espaços que acolhem as técnicas e as formas sociais do atual modo de produção. Temos no espaço a convivência de formas e técnicas do antigo e do novo modo de produção, HQWUHWDQWR´DVUHODo}HVHQWUHHVSDoRHIRUPDomRVRFLDOVmRGHRXWUDRUGHPSRLVHODV se fazem num espaço particular e não num espaço geral, tal qual os modos de produção. Os modos de produção escrevem a história no tempo, as formações sociais escrevem-QDQRHVSDoRµS O espaço ganha especial importância na efetivação da formação social (totalidade abstrata), que não se realizaria na totalidade concreta senão por uma metamorfose onde o espaço representa o primeiro papel. (p, 30) O PAPEL DAS FORMAS Milton Santos, nessa passagem do texto deixa claro que o espaço geográfico, não é uma simples tela de fundo inerte ou neutro. Mas, que ele participa de um movimento próprio da sociedade, pois a cada nova combinação de formas espaciais e de técnicas correspondentes constitui o 2 atributo produtivo de um espaço, sua virtualidade e sua limitação. O espaço concentra nas suas formas, heranças de outros períodos históricos como do atual momento histórico. ´Dessa forma que o movimento do espaço, isto é, sua evolução, é ao mesmo tempo um efeito e uma condição do movimento de uma sociedade global. Se não podem criar formas novas ou renovar as antigas, as determinações sociais têm de se adaptar. São as formas que atribuem ao conteúdo novo provável, ainda abstrato, a possibilidade de torna-VHFRQWH~GRQRYRUHDOµS Nesse contexto ganha sentido a noção de forma-conteúdo1, onde R ´YDORU DWXDO GRV REMHWRV geográficos no interior de uma formação econômico social, não pode ser dado por seu valor próprio no que diz respeito à herança de um modo de produção ultrapassado, porém como forma-FRQWH~GRµS2XVHMDDVIRUPDVHVSDFLDLs (mesmo que antigas) são subordinadas, e até determinadas, pelo modo de produção (atual) tal como ele se realiza na e pela formação social. 6HQGR DVVLP ´a evolução da formação social está condicionada pela organização do espaço, isto é, pelos dados que dependem diretamente da formação social atual, mas também das )(6SHUPDQHQWHVµS ESPAÇO E TOTALIDADE O conceito de FES abarca a totalidade da unidade da vida social, nesse contexto, o dado global, que é o conjunto de relações que caracterizam uma dada sociedade ou formação econômica social, tem um significado em cada lugar, mas este significado não pode ser apreendido senão no nível da totalidade. O modo de produção, SRUVXD YH]´não se trata simplesmente de relações sociais que tomam uma forma material, mas também de seus aspectos imateriais, como o dado político ou ideológico. Todos eles têm uma influência determinante nas localizações e tornam-se assim um fator de produção, uma força de produção, uma força produtiva, com os mesmo direitos que qualTXHURXWURIDWRUµS A redistribuição dos papeis realizados a cada novo momento do modo de produção e da formação social depende da distribuição quantitativa e qualitativa das infraestruturas e de outros atributos do espaço. O próprio espaço se reproduz na totalidade social, na medida e que essas transformações são determinadas por necessidades sociais, econômicas e políticas. Mas ele (o Esse conceito está ligado à filosofia de base Sartreana, onde as formas não existem por si só, mas são dotadas de conteúdo, de significado através da ação humana em relação ao seu entorno. 1 3 espaço) também influência na evolução de outras estruturas da totalidade social e nos seus movimentos (p, 33). ´2 espaço é a matéria trabalhada por excelência. Nenhum dos objetos sociais tem tamanha imposição sobre o homem, nenhum está tão presente no cotidiano dos indivíduos. A casa, o lugar de trabalho, os pontos de encontro, os caminhos que unem esses pontos são igualmente HOHPHQWRVSDVVLYRVTXHFRQGLFLRQDODDWLYLGDGHGRVKRPHQVHFRPDQGDPDSUiWLFDVRFLDOµS 6HQGRDVVLPSRGHPRVFRQFOXLUDVVLPFRPR6DUWUHTXH´VHRprático-inerte rouba minha ação [...] ele LPS}HIUHTXHQWHPHQWHXPD FRQWUDILQDOLGDGHµ(TXDQGR se trata do espaço humano, a questão não é mais de prático-inerte, mas de inércia dinâmica. Dessa forma não podemos falar de uma lei separada da evolução das formas sociais. Mas somente de FORMAÇÕES SÓCIOESPACIAIS. DUAS PREOCUPAÇÕES FUNDAMENTAIS DE MILTON SANTOS: PRIMEIRA ² a teoria social precisa compreender que o espaço geográfico é uma instância social e que não há economia, política e cultura fora do espaço. Não há Formação Econômico Social sem espaço, há, portanto, Formação Socioespacial. SEGUNDA ² o espaço como instância social está sempre numa dinâmica dialética entre o trabalho morto e o trabalho vivo. 4