Restaurante vegetariano mais antigo da Europa nasceu

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Zurique
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GASTRONÔMICO
Restaurante vegetariano mais antigo da Europa
nasceu devido à ordem médica
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Eduardo Vessoni
Do UOL, em Zurique
Quando Ambrosius Hiltl teve que alterar sua dieta por conta de uma artrite reumatoide
diagnosticada no início do século passado, seu médico foi direto ao assunto e avisou
que o paciente teria uma vida curta caso sua alimentação não fosse alterada e
deixasse de comer carne. Após um restrito regime alimentar vegetariano de três
meses, os sintomas da doença desapareceram, surpreendentemente, e Ambrosius Hiltl
viveria por mais 68 anos.
O que Hiltl não poderia imaginar é que começava a reescrever não só a sua história
como também a do vegetarianismo em toda a Europa. Surpreendido com a sua cura
rápida e com a nova descoberta pela gastronomia sem animais, esse alfaiate alemão
seria responsável, a partir de 1903, pelo gerenciamento daquele que é conhecido até
hoje como o restaurante vegetariano mais antigo do Velho Continente, segundo o livro
Guinness dos recordes.
Fundado em 1898, em uma época em que o vegetarianismo era algo excêntrico e seus
praticantes eram vistos como “comedores de grama”, o Vegetarians' Home and
Teetotaller Café era um malsucedido exemplo de negócio voltado para vegetarianos
que necessitava de uma melhor administração para seguir com as portas abertas.
Ambrosius Hiltl, que era cliente assíduo do local, aceitou a proposta de assumir a
gerência daquele estabelecimento com dificuldades financeiras. O imigrante alemão de
Neumarkt, na Baviera, compraria o negócio em 1907 e o transformaria em um dos
restaurantes mais conhecidos em todo o país: o Hiltl, em funcionamento há
ininterruptos 116 anos.
Sob administração da quarta geração da família Hiltl, o restaurante é, atualmente, um
concorrido espaço no centro de Zurique, na Suíça, cuja calçada fica tomada de clientes
à espera de uma mesa, nas noites de finais de semana.
Os jogos de luzes sobre as janelas da fachada com vista para a rua Sihlstrasse e as
vitrines com pratos expostos dão um certo ar de balada misturada com loja boutique,
mas as mesas dos dois andares interiores costumam ficar lotadas de grupos de
famílias, executivos em reunião de negócios e casais de moderninhos.
Curiosamente, 90% dos clientes atuais são vegetarianos temporários ou flexitarianos,
termo usado para se referir àqueles que se permitem comer carne, ocasionalmente.
Com mais de cem tipos de pratos no buffet servido, diariamente, no almoço e no jantar,
o estabelecimento faz uma homenagem gastronômica à cozinha de todas as partes do
mundo. “Nós empregamos funcionários de mais de 50 diferentes países e isso pode
ser visto refletido no nosso cardápio. A cozinha do Hiltl é muito internacional e tem
fortes influências da Ásia”, comenta Rolf Hiltl, um dos atuais proprietários e bisneto do
fundador Ambrosius Hiltl.
A cidade de Zurique é homenageada em pratos adaptados para vegetarianos como o
Geschnetzeltes, cuja carne de vitela, ingrediente da receita original, é substituída por
cogumelos frescos e seitan servidos com batatas assadas.
Eduardo Vessoni/UOL
Atualmente, é possível realizar aulas de culinária que
acontecem, em pleno salão do restaurante, tanto
para clientes que fazem reservas com meses de
antecedência como também para outros restaurantes
suíços.
O restaurante parece mesmo mutante e, nos finais
de semana, das onze da noite às cinco da manhã, se
transforma no Club Hiltl. Nesta espécie de casa
noturna vegetariana, DJs internacionais e da própria
Suíça tocam para um público jovem que varia entre
300 até 1.000 pessoas por noite. Saem as mesas e
cadeiras dos dois salões e entram a música alta e o
show de luzes.
Detalhe do spätzli, um dos
típicos pratos suíços servidos
no Hiltl
Trajetória
Mas o cardápio elaborado do Hiltl nem sempre era a
principal preocupação das gerações anteriores e
reforçava a ideia de que uma dieta vegetariana se basearia apenas na ausência de
carnes e no excesso de carboidratos. Os primeiros menus eram pouco saudáveis e os
pratos chegavam à mesa dos clientes preparados, basicamente, com ingredientes à
base de farinha, batatas e arroz.
A cozinha do mundo só ganharia lugar no menu do restaurante no início dos anos 50,
quando uma nova geração da família trouxe novos ares (e sabores) àquele cardápio
pouco criativo.
Em 1951, Margrith Rubli, a nora de Ambrosius, assumiu o cargo de delegada oficial da
Suíça para o Congresso Mundial do Vegetarianismo que acontecia na Índia. Margrith
voltou animada para o país com a ideia fixa de passar a servir no restaurante pratos
daquele país asiático, sobretudo para atrair o crescente número de indianos que
chegavam à cidade sem opções de restaurantes vegetarianos.
Naquele momento, pratos com vegetais e receitas como o rösti (uma versão suíça de
hash brown, bolinhos crocantes de batata) eram os únicos pratos sem carne
disponíveis para aqueles imigrantes, tradicionalmente, conhecidos pelas práticas
vegetarianas.
A nova fase do restaurante veio acompanhada também de dificuldades, pois era tarefa
impossível encontrar em plena Zurique dos anos 50 ingredientes como coentro,
cúrcuma, cardamomo e curry, além de uma forte resistência por parte dos cozinheiros
em preparar comida estrangeira. As soluções seriam contar com a ajuda de amigos
indianos que retornavam da Índia e preparar tais pratos, sob o comando solitário da
própria Margrith, em uma cozinha privada, até que os funcionários se convencessem
da ideia. Os paradigmas só seriam quebrados mais tarde, quando uma companhia
aérea nacional passou a encomendar opções de pratos especiais para passageiros da
Índia.
Self Service
Em Zurique, os ventos parecem mesmo a favor dos vegetarianos e a cidade vê o
surgimento de novos estabelecimentos especializados na cozinha sem carne.
Eduardo Vessoni/UOL
Interior do restaurante Tibits, um dos restaurantes vegetarianos localizados em Zurique,
na Suíça
O Tibits é outra opção descolada da cidade. Diferente do amplo buffet e da produção
em série do concorrente Hiltl, este restaurante discreto aposta nas pequenas porções
também servidas do balcão self service com mais de 40 opções de pratos vegetarianos
e veganos como as populares pimentas jalapeñas recheadas.
Inaugurado, em 2000, pelos irmãos Christian, Daniel e Reto Frei, é uma espécie de
fast food dos vegetarianos e já está presente em cinco cidades da Suíça e em Londres.
No cardápio, reformulado a cada três meses, estão pratos como salada de tofu com
melão, tabule árabe com ervas, kebab, paella com harissa e arroz cantonês frito.
As paredes do Tibits revestidas com tecido florido e móveis de madeira em tons
rústicos causam no cliente uma certa sensação de estar em algum daqueles cenários
de ares alpinos. Porém, do lado de fora, a vibrante Zurique segue seu ritmo alucinado
que lhe rendeu o título de 'metrópole de experiências', onde moram mais de 300 mil
habitantes.
Curiosamente, os restaurantes suíços deste tipo são discretos e não levantam
bandeira do vegetarianismo, nem mesmo na hora de anunciar as opções do dia em
placas na porta. Basta olhar suas fachadas com atenção para ver que não há nenhuma
referência à cozinha especializada. Ou seja, é para todos e ninguém torce o nariz para
a comida sem animais.
E pensar que tudo isso começou com a artrite do velho Ambrosius.
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