Departamento de Microbiologia Instituto de Ciências Biológicas Universidade Federal de Minas Gerais http://www.icb.ufmg.br/mic Metabolismo Energético Microbiano Introdução Metabolismo é o conjunto de reações bioquímicas que acontecem dentro de uma célula viva. Essas reações reguladas por enzimas podem ser catabólicas ou anabólicas, quando fornecem e consomem energia, respectivamente. O catabolismo envolve a quebra de compostos orgânicos complexos em moléculas mais simples. Sendo também chamadas de degradativas, elas geralmente são reações hidrolíticas, nas quais as ligações químicas dos compostos são quebradas na presença de moléculas de água. O anabolismo envolve reações de biossíntese, ou seja, a construção de compostos orgânicos complexos a partir de moléculas mais simples, geralmente, esse processo ocorre com liberação de moléculas de água (reações de síntese por desidratação). Essas reações biossintéticas geram os materiais para o crescimento celular. As reações catabólicas e anabólicas acontecem acopladas. Esse acoplamento é possível devido às moléculas de ATP (adenosina trifosfato) que estocam a energia liberada das Figura 1: Papel do ATP no acoplamento das reações anabólicas e catabólicas. Nas reações catabólicas uma parte da energia é transferida e estocada no ATP e o restante é liberado na forma de calor. Nas reações anabólicas, o ATP fornece a energia para a síntese de novas moléculas e uma outra parte da energia é liberada na forma de calor reações catabólicas (a energia liberada é usada para combinar um ADP a um grupo fosfato), e são, posteriormente, digeridas pelas reações anabólicas. As células são mantidas vivas devido a este fluxo balanceado de energia e de compostos orgânicos que são constantemente quebrados e sintetizados. O acoplamento das reações pode ser visto na Figura 1. Os nutrientes são, primariamente, absorvidos para a sobrevivência da célula e o excedente é transformado, fornecendo energia e matéria-prima. Obtenção de energia Independentemente da forma como um microrganismo vive, ele dever ser capaz de obter energia para armazená-la na forma de ATP. A fonte dessa energia pode ser de compostos químicos orgânicos, inorgânicos ou a partir da luz (Tabela 1). Metabolismo Energético Microbiano- www.icb.ufmg.br/mic 1 Tipo Fitolitotrófico (fotoautotrófico) Fotorganotrófico (fotoheterotrófico) Quimiolitotrófico (quimioautotrófico) Fonte de energia Luz Fonte de Carbono Organismos Plantas superiores, algas, bacCO2 térias fotossintéticas Luz Compostos orgânicos Bactérias fotossintéticas Oxidação de compostos químicos inorgânicos CO2 Bactérias Compostos orgânicos Bactérias, fungos, protozoários e animais Quimiorganotrófico Oxidação de com(quimioheterotrófico) postos químicos orgânicos Tabela 1: Classificação dos microrganismos quando às fontes de energia e de carbonos exigidas. Enzimas Geralmente, o metabolismo começa no ambiente extracelular, com a hidrólise de grandes macromoléculas por enzimas específicas que agem como catalisadores, reduzindo a energia de ativação da reação. Cada uma das enzimas atua sobre uma substância específica, chamada de substrato, orientando-a para uma posição que aumente a probabilidade de uma reação acontecer. A estrutura tridimensional da enzima é o que possibilita a sua especificidade. As enzimas são polímeros de aminoácidos apresentando dobramento específico, que assume propriedades físicas e ligantes específicas. Embora algumas enzimas sejam constituídas apenas por proteínas, a maioria é constituída de uma porção protéica, chamada apoenzima, e outra não-proteíca, chamada de cofator, que pode ser íons de ferro, zinco, magnésio ou cálcio. Quando o cofator é uma molécula orgânica, é chamado de coenzima, e geralmente é derivado de vitaminas. As duas coenzimas mais importantes no metabolismo celular são a nicotinamida adenima dinucleotídeo (NAD+) e a nicotinamida adenima dinucleitídeo fosfato (NADP+), ambos derivados da vitamina B (ácido nicotínico), e funcionando como carreadores de elétrons. Enquanto NAD+ está basicamente envolvido em reações catabólicas, NADP+ está principalmente envolvido com reações anabólicas. Outra importante coenzima é a coenzima A (CoA), que é outra vitamina B (ácido pantotênico), que tem papel na síntese e degradação de gorduras e em várias reações de oxidação no ciclo de Krebs. Produção de energia Reações de oxidação-redução A energia é conservada nos sistemas biológicos através das reações de oxidação-redução. A oxidação é a remoção de elétrons de um átomo ou uma molécula e a redução, em contra partida, é a adição de elétrons. Essas reações de oxidação e redução acontecem sempre acopladas, ou seja, enquanto uma substância está sendo oxidada, outra é reduzida. Nas células vivas tanto elétrons como íons de hidrogênio (H+) podem ser removidos ao mesmo tempo, dessa forma as oxidações biológicas também podem ser chamadas de reações de desidrogenação. As células utilizam as reações de oxidação- Metabolismo Energético Microbiano- www.icb.ufmg.br/mic 2 redução no catabolismo para obtenção de energia das moléculas nutrientes. Esses nutrientes são transformados pelas células, de compostos altamente reduzidos a compostos altamente oxidados, e a energia liberada é capturada pelo ATP através de uma reação de fosforilação. Os organismos utilizam três formas de fosfoforilação para a produção de ATP: 1. Fosforilação em nível do substrato: O grupo fosfato de um composto químico é removido e diretamente transferido a um ADP. Esse tipo de fosforilação pode ocorrer na ausência de oxigênio. E como exemplo de fosforilação em nível do substrato tem-se a glicólise e a fermentação. 2. Fosforilação oxidativa: Envolve um sistema de transportes de elétrons. O composto orgânico é oxidado e os elétrons são transferidos para um grupo de carreadores de elétrons, que normalmente é NAD+ e o FAD. Os elétrons são passados a aceptores finais de elétrons que pode ser o O2 ou outra molécula inorgânica. Esse tipo de fosforilação é mais eficiente, produzindo a maior parte do ATP utilizado pelo organismo. 3. Fotofosforilação: Ocorre somente em células fotossintéticas. Esse processo só se inicia quando a energia luminosa é convertida à energia química de ATP e NADPH, que são utilizados para sintetizar moléculas orgânicas. Vias de degradação de nutrientes para produção de energia Catabolismo de carboidratos A maioria dos microrganismos oxida carboidratos como fonte primária de energia celular, porque essas biomoléculas as mais abundantes na natureza e a glicose é mais importante delas utilizada como fonte de energia pelas células. Os microrganismos degradam a glicose em dois processos distintos para permitir que a energia seja captada em forma aproveitáveis, que são a respiração celular e a fermentação. Geralmente, tanto a respiração celular quanto a fermentação iniciam-se pela glicólise, seguindo, posteriormente, vias diferentes. A glicólise é a oxidação da glicose em ácido purúvico com produção de ATP e NADH. A partir do ácido pirúvico a célula poderá seguir a via da respiração ou da fermentação. Na respiração, de modo geral, ocorrem mais duas etapas após a glicólise, que são o ciclo de Krebs e a cadeia respiratória, enquanto na fermentação, o ácido pirúvico e os elétrons transportados pelo NADH na glicólise são incorporados nos produtos finais da fermentação, que incluem álcool (etanol) e ácido lático. O esquema geral dos processos de obtenção de energia a partir da quebra da glicose pode ser visto na Tabela 2. Processos Necessidade de O2 Reação Global Fermentação Ausente Glicose → Piruvato + 2ATP Respiração anaeróbia Respiração aeróbia Ausente Presente Glicose → CO2 + H2O + 2ATP Glicose → CO2 + H2O + 36ATP Tabela 2: Processos de obtenção de energia a partir da quebra da glicose. Metabolismo Energético Microbiano- www.icb.ufmg.br/mic 3 1. Glicólise Geralmente, a glicólise é a primeira etapa no catabolismo dos carboidratos, sendo essa via utilizada pela maioria dos microrganismos. A glicólise é também chamada de via de Embden−Meyerhof−Parnas (EMP) e é uma via que acontece em uma seqüência de reações enzimáticas. Cada molécula de glicose é oxidada em duas moléculas de piruvato, contendo cada uma 3 átomos de carbono e a energia liberada é conservada na forma de duas moléculas de ATP, pela fosforilação ao nível do substrato, e na forma de NADH (redução do NAD+). A glicólise pode ser dividida em dois estágios, um primário e outro secundário. No estágio primário (ou etapa preparatória) a glicose é fosforilada por dois ATP e convertida em duas moléculas de gliceraldeído−3−fosfato. No segundo estágio (ou etapa de conservação de energia) as duas moléculas de gliceraldeído−3−fosfato são oxidadas por duas moléculas de NAD+ e fosforiladas em reação que emprega o fosfato inorgânico, formando quatro ATP, até formar duas moléculas de ácido pirúvico. A equação geral da glicólise é: Glicose + 2 ADP + 2 Pi + 2 NAD+ → 2 piruvato + 2 NADH + 2 H+ + 2 ATP + 2 H2O Figura 2: Reação da glicólise. A glicólise pode ocorrer tanto na presença quando na ausência de O2. Em condições de baixo suprimento de oxigênio (hipóxia) ou em células sem mitocôndrias, o produto final da glicólise é o lactato e não o piruvato, em um processo denominado glicólise anaeróbica: Glicose + 2 ADP + 2 Pi → 2 lactato + 2 ATP + 2 H2O Um esquema geral da glicólise pode ser visto na Figura 2. Muitas bactérias possuem vias alternativas à glicólise para oxidar a glicose. As mais comuns são: via da pentose fosfato e a via Entner-Doudoroff. A Via Pentose Fosfato Essa via também chamada de desvio hexose−monofosfato ou via oxidativa do fosfogliconato acontece simultaneamente à glicólise; não requer e não produz ATP; e é realizada em condições anaeróbias. Seus principais produtos são o NADPH (nicotinamida adenina dinucleotído fosfato reduzido), que é um agente redutor empregado para os processos anabólicos, e a Ribose−5−fosfato, componente estrutural de nucleotídeos e de ácidos nucléicos. Característica importante dessa via é a produção de importantes pentoses intermediárias utilizada na síntese de ácidos nucléicos; glicose a partir de dióxido de carbono na fotossíntese; e certos aminoácidos. As bactérias que utilizam a via pentose fosfato incluem: Bacillus subtilis, E. coli, Leuconostoc mesenteroides e Enterococcus faecales. A Via Entner-doudoroff Essa via utiliza enzimas diferentes daquelas presentes na glicólise, podendo as bactérias que as possuem, metabolizar glicose sem a glicólise ou a via pentose fosfato. O piruvato é formado diretamente na via Entner-doudoroff. Portanto, assim como as bactérias lácticas, os organismos que utilizam a via Entner-doudoroff utilizam uma variante da via glicolítica. Essa via gera apenas metade do ATP gerado pela via glicolítica. A via Entner-doudoroff é exclusiva de algumas baterias gram-negativas, como Rhizobium, Pseudomonas e Agrobacteruim. Metabolismo Energético Microbiano- www.icb.ufmg.br/mic 4 2. Respiração celular A respiração celular é o principal processo de geração de ATP em que moléculas são oxidadas e o aceptor final de elétrons quase sempre é uma molécula inorgânica. Ela pode ser de dois tipos: respiração aeróbia, quando o aceptor final de elétrons é o O2, e anaeróbia, quando o aceptor final de elétrons é uma molécula inorgânica que não o oxigênio molecular ou, raramente, uma molécula orgânica. Respiração aeróbia Na respiração aeróbia o ácido pirúvico, produto da glicólise, é convertido a CO2 e H2O, com um grande saldo energético de 36 ATP em eucariotos e 38 ATP em procariotos. Após a glicólise, o composto formado passa por uma série de reações bioquímicas, chamada de ciclo de Krebs, no qual libera CO2 na atmosfera. Após essa fase, compostos altamente energéticos (coenzimas reduzidas a NADH e FADH2) sofrem uma série de reduções em processos de reações, chamados de cadeia transportadora de elétrons, no quais as moléculas de H+ são entregues ao oxigênio, resultando na formação de água e liberação de energia. Para que o ácido pirúvico entre no ciclo de Krebs, ele precisa perder uma molécula de CO2 e se tornar Figura 3: Ciclo de Krebs um composto de dois carbonos, chamado de grupo acetil, em um processo de descarboxilação. Esse grupo acetil se liga à coenzima A, formando o complexo acetil coenzima A (acetil CoA). Nesse processo, o ácido pirúvico também é oxidado e NAD+ é reduzido a NADH. Quando o acetil CoA entra no ciclo de Krebs, o CoA se desliga do grupo acetil, ligando-se ao ácido oxalacético (de quatro carbonos), para formar o ácido cítrico, que é o primeiro passo do ciclo de Krebs (Figura 3). Reação global: 2 ácidos pirúvicos → 6CO2 + 2FADH2 + 8NADH2 + 2ATP As reações químicas no ciclo de Krebs ocorrem em muitas categorias gerais, como a descarboxilação do ácido isocítrico (6C) a ácido α-cetoglutárico (5C). Outra categoria geral de reação química é a oxidação-redução, como a oxidação do ácido isocítrico, do ácido α-cetoglutárico, do ácido succínico e do ácido málico. Ou seja, átomos de hidrogênio são liberados no ciclo de Krebs e capturados pelas coenzimas NAD+ e FAD. Na cadeia transportadora de elétrons há uma gradual liberação da energia armazenada no NADH e no FADH2, que será utilizada na geração quimiosmótica de ATP. Nessa cadeia as moléculas transportadoras podem ser de três classes: flavoproteínas (uma importante coenzima flavina é a flavina mononucleotídeo – FMN), citocromos (proteína contendo um grupo ferro) e ubiquinonas ou coenzima Q (transportadoras não-protéicas). Essa etapa da respiração aeróbia é conduzida nos organismos eucariotos nas mitocôndrias e nos procariotos ocorre na membrana celular. O primeiro passo na cadeia transportadora de elétrons é a transferência dos elétrons do NADH ao FMN, sendo este reduzido a FMNH2. Os dois H+ do FMNH2 atravessam para o outro lado da membrana por transporte ativo (bombeamento) e dois elétrons são transferidos para a coenzima Q. O segundo passo é a transferência dos elétrons da coenzima Q aos citocromos, sucessivamente nesta ordem: citb, citc1, citc, cita e cita3. O último citocromo transfere elétrons para o O2, que, ao se tornar negativo, absorve prótons (H+) do meio intracelular para formar H2O (Figura 4). Metabolismo Energético Microbiano- www.icb.ufmg.br/mic 5 Respiração anaeróbia Na respiração anaeróbia o aceptor final de elétrons é diferente do O2. Em Pseudomonas e Bacillus, por exemplo, o aceptor final é um íon nitrato (NO3–). Outras bactérias, como Desulfovibrio, utilizam sulfato (SO4–2) e outras, carbonato (CO3–2). O rendimento energético na respiração anaeróbia é menor em relação à respiração aeróbia, consequentemente, organismos anaeróbicos tendem a crescer mais lentamente que os aeróbios. Uma vantagem do uso de aceptores finais de elétrons diferentes de O2 é permitir aos microrganismos respirarem em ambientes com escassez de oxigênio, como nos sedimentos ou próximo de nascentes hidrotermais submarinas, o que é importante do ponto de vista ecoFigura 4: Cadeia transportadora de elétrons. lógico. Diante da utilização ou não do O2 como aceptor final de elétrons, os microrganismos podem ser classifi cados como oxibiontes (utilzam o O2) ou anoxibiontes (o aceptor final de elétrons não é o O2). Uma importante aplicação dos processos anaeróbicos é no tratamento de efluentes industriais. O lodo, matéria orgânica no estado sólido, produzido nas estações de tratamento de esgoto deve ser adequadamente disposto no ambiente, diminuindo os impactos na natureza, e uma alternativa ao tratamento do lodo é o processo de digestão anaeróbia que se baseia na decomposição biológica utilizando microrganismos, em anaerobiose, para a degradação de matéria orgânica. Os produtos finais desse processo são o dióxido de carbono, a amônia e o metano, sendo este último utilizado como fonte alternativa de geração de energia. Uma vantagem desse processo comparado com o aeróbio é a sua baixa produção de lodo biológico. 3. Fermentação Após a glicólise, o piruvato formado pode ser quebrado na respiração ou pode ser convertido em produtos orgânicos na fermentação. Esse processo não requer oxigênio, embora possa ocorrer algumas vezes na sua presença, utilizando uma molécula orgânica como aceptor final de elétrons. A fermentação também não usa o ciclo de Krebs e nem uma cadeia transportadora de elétrons. Ela libera energia de açúcares ou outras moléculas orgânicas, produzindo pouca quantidade de ATP, porque grande parte da energia permanece nos seus produtos finais, com álcool etílico e ácido lático. O ATP é apenas produzido na etapa de glicólise na fermentação. Diferentemente da respiração anaeróbia, na qual algumas bactérias produzem energia anaerobicamente formando resíduos inorgânicos, a fermentação é um processo anaeróbio de transformação de uma substância em outra. Fermentação lática A primeira fase da fermentação lática é a glicólise. A oxidação da glicose, formando duas moléculas de ácido pirúvico, é utilizada para formar duas moléculas de ATP. O ácido lático é formado após a redução do ácido pirúvico por duas moléculas de NADH. A fermentação lática pode ser dividida em homolática e heterolática, na primeira forma-se apenas ácido lático (como exemplo de importantes bactérias que fazem esse tipo de fermentação tem-se os Streptococcus e os Lactobacillus), na segunda, os produtos finais são o ácido lático, o etanol e CO2 (como exemplos de microrganismos tem-se Leuconostoc, Canobacteriume e algumas espécies de Lactobacillus). Microrganismos que realizam a fermentação homolática são muito usados na indústria de laticínios, na produção de queijos e iogurtes. Metabolismo Energético Microbiano- www.icb.ufmg.br/mic 6 Fermentação alcoólica Assim como a fermentação láctica, a alcoólica começa pela glicólise. Após a formação do ácido pirúvico, há a conversão em duas moléculas de acetaldeído e duas moléculas de CO2. Duas moléculas de NADH reduzem o acetaldeído para formar duas moléculas de etanol. A fermentação alcoólica é realizada por algumas bactérias e leveduras, o etanol e o CO2, por exemplo, produzidos pela levedura do gênero Saccharomyces é utilizado para a produção de bebidas alcoólicas e no crescimento da massa de pão. Na Figura 5 um esquema resumido da fermentação lática e da fermentação alcoólica. Na Figura 6 pode-se observar um esquema simplificado dos processos aeróbios e anaeróbios Catabolismo de lipídeos Além da glicose, os microrganismos também oxidam lipídeos. Por possuírem lipases, eles quebram a gordura extracelularmente em ácido graxo e glicerol, que serão metabolizados separadamente. O glicerol é convertido a glicerol-3-fosfato e transformado em diidroxiacetona fosfato, um intermediário da glicose, entrando na via da glicólise e, em seguida, no ciclo de Krebs. O ácido graxo é degradado por uma outra via, ele é ativado por conversão a acil CoA e oxidação a acetil CoA, para depois entrar no ciclo de Krebs (Figura 7). As enzimas lipolíticas, produzidas nos microrganismos, são na atualidade um importante grupo de enzimas com potencial uso biotecnológico. As lipases microbianas têm sido usadas nas últimas décadas na área de química fina, em reações de biotransformações e sínteses orgânicas. E muitos estudos estão sendo realizados com o Figura 5: Esquema resumido da fermentação lática (a) e da fermentação alcoólica (b). Note que na segunda etapa da fermentação há um constante suplemento de NAD+, garantindo que a glicólise continue. Figura 6: Esquema simplificado dos processos aeróbios e anaeróbios. intuito de otimizar os processos de modificação de óleos e gorduras catalizados por lipases, incluindo imobilização da enzima, estudos cinéticos e desenvolvimento de biorreatores. Os estudos sobre a aplicação tecnológica das lipases microbianas para obtenção de biodiesel têm aumentado significantemente nos últimos anos, decorrente da escassez de petróleo e do menor impacto ambiental provocado pelos biocombustíveis. As lipases também têm despertado interesse com relação ao seu uso no tratamento de efluentes oleosos, devido a sua capacidade de catalisar a hidrólise das ligações éster-carboxílicas de triglicerídeos a ácidos graxos, diacilglicerídeos, monoacilglicerídeos e glicerol em meio aquoso. Metabolismo Energético Microbiano- www.icb.ufmg.br/mic 7 Figura 7: Esquema representativo do catabolismo de lipídios. Catabolismo de proteínas Os microrganismos possuem enzimas proteases e peptidases que quebram extracelularmente as proteínas em aminoácidos, os quais atravessam a membrana plasmática e são utilizados para a ressíntese de proteínas endógenas e de todos os compostos nitrogenados não-protéicos. Uma vez dentro da célula, os aminoácidos sofrem desaminação, que é a remoção do grupo animo e a sua conversão em um íon amônio (NH4+), que poderá ser excretado. O ácido orgânico restante entra no ciclo de Krebs. Outras conversões que os aminoácidos podem sofrer são a descarboxilação, que é a remoção de –COOH, e a desidrogenação (Figura 8). Figura 8: Esquema representativo da oxidação de aminoácidos. Metabolismo Energético Microbiano- www.icb.ufmg.br/mic 8 Um resumo da integração do catabolismo é apresentado na Figura 9. Figura 9: Esquema representativo da integração do catabolismo Fotossíntese Na fotossíntese a energia luminosa é transformada em energia química e utilizada na conversão de CO2 atmosférico em compostos de carbonos mais reduzidos, principalmente açúcares. Essa síntese de açúcar é chamada de fixação de carbono. A equação geral da fotossíntese é: 6CO2 + 12H2 + Energia luminosa → C6H12O6 + 6 O2 + 6H2O A fotossíntese ocorre em duas etapas, a primeira chamada reações dependentes de luz (luminosas) e a segunda, reações independentes de luz (escuras). Na etapa dependente de luz, chamada de fotofosforilação, a energia luminosa é utilizada pra converter ADP em ATP. A energia luminosa é absorvida pelas moléculas de clorofila, excitando elétrons nas mesmas. Nas plantas verdes, algas e cianobactérias, a clorofila é a clorofila a; nas bactérias é chamada de bacterioclorofila. Os elétrons excitados são transportados por uma cadeia transpor- Figura 10: Esquema simplificado da fotossíntese tadora de elétrons, enquanto prótons são bombeados pela membrana. Na fotofosforilação cíclica, os elétrons retornam à clorofila, na fotofosforilação acíclica os elétrons são incorporados ao NADPH, gerando também ATP e O2. Na etapa independente de luz ocorre o Ciclo de Calvin-Benson, que é uma via complexa em que há fixação do CO2 (Figura 10). Metabolismo Energético Microbiano- www.icb.ufmg.br/mic 9 Em resumo, todos os organismos obtêm energia a partir de reações de oxidação. Os microrganismos que utilizam compostos químicos para a obtenção de energia o fazem por processos de glicólise, respiração celular e fermentação. Os que utilizam luz para obtenção de energia, realizam fotossíntese. Toda célula possui um doador de elétrons como fonte de energia inicial dentro da célula e esses doadores podem ser pigmentos fotossintéticos, glicose ou outros compostos orgânicos. Os elétrons são transferidos para uma cadeia transportadora de elétrons por reações de oxidação-redução, na qual ocorre produção de ATP. Os elétrons sempre chegam a um aceptor final e mais ATP é produzido. Participação dos microrganismos no metabolismo dos ruminantes A alimentação dos ruminantes é composta basicamente por alimentos fibrosos (ricos em celulose), o que levou a desenvolverem uma grande capacidade digestiva acompanhada pela simbiose com microrganismos anaeróbios que digerem as fibras celulolíticas. A microbiota do rúmen é extremamente complexa que contém uma série de microrganismos e funciona como uma câmara fermentativa devido a uma série de mecanismos fisiológicos do hospedeiro. A população microbiana tem importante papel na fisiologia digestivas dos ruminantes, apresentando capacidade enzimática sobre a celulose e a hemicelulose, que são as maiores fontes de energia para os herbívoros, além de reduzirem acentuadamente o volume de matéria seca que passa à porção pós-ruminal do trato digestivo. A população mais significativa de microrganismos no rúmen é de bactérias anaeróbias obrigatórias, podendo também ser encontradas bactérias anaeróbias facultativas e até mesmo fungos e protozoários. Essas bactérias costumam ser classificadas de acordo sua participação nos processos fermentativos. As bactérias celulósicas produzem a celulase que hidrolisa a celulose e geram, principalmente, acetato, propionato, butirato, succinato, formato, CO2 e H2, liberando também etanol e lactato. As bactérias amilolíticas degradam o amido numa etapa de grande produção de ATP. As bactérias proteolíticas são capazes de degradar proteínas, com liberação de amônia e ácidos graxos voláteis, mas a excessiva degradação protéica no rúmen causa redução na retenção de nitrogênio pelo hospedeiro. As bactérias metanogênicas são capazes de produzir metano que são essenciais ao ecossistema ruminal, por removerem moléculas de H2, regulando a fermentação. Vias metabólicas de uso da energia Após o armazenamento da energia nas ligações de ATP, a célula a utiliza em diversas atividades, como no transporte de substâncias pela membrana e na motilidade. Mas a maior parte da energia é utilizada na produção de novos componentes celulares. Os autótrofos produzem compostos orgânicos pela fixação do CO2, ao passo que os heterótrofos requerem uma fonte de compostos orgânicos para a biossíntese. Metabolismo Energético Microbiano- www.icb.ufmg.br/mic 10 Biossíntese de polissacarídeos Os átomos de carbono necessários à síntese da glicose ou de outro açúcar simples são obtidos de compostos intermediários da glicólise, do ciclo de Krebs e de lipídeos e aminoácidos. Essa glicose recém-sintetizada poderá entrar na constituição de polissacarídeos complexos, como o glicogênio (Figura 11). Biossíntese de lipídeos Os lipídeos podem ser sintetizados por mais de uma rota, devido à variação na sua composição química. A gordura é sintetizada pela célula unindo glicerol e ácidos graxos. A biossíntese dos ácidos graxos ocorre no citosol a partir da acetil-CoA, proveniente da oxidação do piruvato, a porção glicerol da gordura é derivada da diidroxicetona fosfato, um intermediário formado durante a glicólise. Os lipídeos produzidos têm importante papel na constituição das membranas biológicas, como fosfolipídeos e colesterol. As ceras são lipídeos importantes encontrados na parede celular de bactérias álcool-ácido-resistentes (Figura 12). Biossíntese de aminoácidos e proteínas Microrganismos podem sintetizar aminoácidos direta ou indiretamente a partir de intermediários do ciclo de Krebs, outros necessitam que o ambiente forneça alguns aminoácidos pré-formados. Na síntese de aminoácidos um grupo amina é adicionado ao ácido pirúvico, num processo chamado de aminação, Figura 11: Esquema representativo da biossíntese de polissacarídeos Figura 12: Esquema representativo da biossíntese de lipídeos simples. quando o grupo amina provém de um aminoácido preexistente, é chamado de transaminação. A maioria dos aminoácidos formados é destinada à síntese de proteínas, que são essenciais como enzimas, componentes estruturais e toxinas, dentre outros papéis (Figura 13). Metabolismo Energético Microbiano- www.icb.ufmg.br/mic 11 Biossíntese de Purinas e Pirimidinas Aminoácidos, como ácido aspártico, glicina e glutamina, sintetizados a partir de intermediários da glicólise e do ciclo de Krebs são utilizados para a produção de purinas e pirimidinas, que são constituintes dos nucleotídeos (Figura 14). Na Figura 15 pode ser observado um esquema representativa da integração das vias de biossíntese. Vias intermediárias ou anfibólicas As vias anabólicas e catabólicas não acontecem separadas nas células, sendo integradas por um grupo de intermediários comuns e também dividindo certas vias metabólicas, como o ciclo de Krebs. Essas vias que unem anabolismos e catabolismo são chamadas de vias intermediárias ou anfibólicas, e permitem que um composto usado em uma reação de degradação seja usado em outra de síntese, e vice-versa. Regulação metabólica A integração das vias metabólica é possível devido à existência de mecanismos de regulação, como uso de coenzimas para as vias opostas, o NAD+, por exemplo, está envolvido nas reações catabólicas, enquanto o NADP+, nas reações anabólicas As enzimas também coordenam as reações metabólicas, ativando ou inibindo reações químicas específicas para cada situação resultando em respostas biológicas adequadas. A disponibilidade de energia na célula também influi no controle metabólico. Por exemplo, se uma célula começa a acumular ATP, a glicólise pára, para sincronizar as taxas de glicólise e do ciclo de Krebs, mas se o consumo de ácido cítrico aumenta, a glicólise acelera. Figura 13: Esquema simplificado da biossíntese de Figura 14: Esquema representativo da biossíntese de purina e pirimidina. Figura 15: Utilização da energia por uma célula microbiana – Biossíntese. Literatura sugerida FALCONE, Carolina Oliveira. Avaliação de lípase bacteriana visando sua utilização na geração de biodiesel a partir de resíduos oleosos do saneamento. 2009. Disponível em: http://www.prh29.ufes.br/ downloads/PGs%202009.1/PG_Carolina%20Falcone.pdf. JAWETZ; MELNICK; ADELBERG. Microbiologia médica. 24 ed. Rio de Janeiro. Editora McGraw-Hill Interamericana do Brasil Ltda. 2009. MADIGAN, Michael T.; MARTNKO, John M.; PARKER, Jack. Microbiologia de Brock. 12 ed. Editora: Artmed. São Paulo. 2010. MURRAY, Patrick R; ROSENTHAL, Ken S; PFALLER, Michael A. Microbiologia médica. 6. ed. Rio de Janeiro. Edotira Elsevier. 2008. OLIVEIRA, Juliana Silva de; ZANINE, Anderson de Moura; SANTOS, Edson Mauro. Diversidade microbiana no ecossistema ruminal. REDVET. Revista electrónica de Veterinaria 1695-7504. 2007 Volumen VIII Número 6. Disponível em: http://www.veterinaria.org/revistas/redvet/n060607.html. TORTORA, Gerard J.; FUNKE, Berdell R.; CASE, Christine L. Microbiologia. 8 ed. Editora Artmed. Porto Alegre. 2009. 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