Processamento cerebral e conexionismo

Propaganda
REFERÊNCIA: Cielo, CA. Processamento cerebral e conexionismo. In: Rossa, A & Rossa, C.
Rumo à psicolingüística conexionista. Porto Alegre: EDIPUCRS, p.31-46, 2004.
Carla Aparecida Cielo
Aperfeiçoamento em Voz – CEFAC
Especialista em Fonoaudiologia – UFSM/EPM
Especialista em Linguagem – CFFª
Mestre e Doutora em Lingüística Aplicada – PUCRS
Professor Adjunto do Curso de Fonoaudiologia e do PPG em Distúrbios da Comunicação Humana - UFSM
PROCESSAMENTO CEREBRAL E CONEXIONISMO
Carla Aparecida Cielo
Com o avanço da neurociência, cada vez mais se pode estudar o cérebro/corpo em
funcionamento, uma vez que é a unidade viva que possui as propriedades que caracterizam o
organismo vivo (VYGOTSKY, 1993). A semiologia avançada permite uma série de exames,
muitos com alta tecnologia, que mostram as áreas cerebrais ativadas em determinadas
circunstâncias com determinados estímulos, além de técnicas de microeletrodos que permitem
registrar a atividade de grupos de neurônios e até de um único neurônio durante a estimulação
(LURIA, 1992). Isto trouxe a perspectiva de que a “transformação” ocorrida com os estímulos
entre o input e o output poderia ter uma localização e uma trajetória complexa no cérebro.
Há bastante tempo, essa perspectiva tem se mostrado cada vez mais ampla e profunda.
Hoje, admite-se que o cérebro apresente micro e macrofuncionamento concomitantes. Parece que
tanto os defensores da especialização de áreas cerebrais quanto os partidários do processamento
global da informação têm razão.
O cérebro humano, conforme as modificações originadas da filogênese, aumentou de
tamanho em algumas áreas e se especializou em inúmeras funções. Porém, manteve sempre um
maior ou menor grau de interdependência e interligação entre as diversas zonas neurológicas.
No atual estágio de desenvolvimento humano, as modificações cerebrais adquiridas
durante a filogênese tornaram-se genéticas/herdadas/inatas – uma estrutura altamente complexa e

Artigo extraído da Tese de Doutoramento da autora, sob orientação do Dr. José Marcelino Poersch.
2
muito semelhante para todos os homens em termos das áreas cerebrais e dos tipos de células e
sua organização no sistema. Isto posto, pode-se considerar a hipótese de que essa semelhança
biológica (genética/herdada/inata) favoreça, em função de sua própria estrutura orgânica,
determinadas possibilidades e determinados limites de processamento da informação
equivalentes para todos os seres humanos.
Conforme ELLIS (1998), ao mesmo tempo em que o ser humano nasce com um
programa genético que determina uma estrutura cerebral comum e limitada em certos aspectos, o
seu cérebro possui uma característica denominada plasticidade neuronial que se refere ao
desenvolvimento do sistema nervoso central por meio da modificação das ligações entre suas
células, os neurônios (sinapses inter-neuroniais), da criação de novas conexões (reorganização
neuronial), da existência de períodos críticos e de especializações hemisféricas, havendo
interações que ocorrem em todos os níveis, dos genes ao meio ambiente, originando formas e
comportamento emergentes (perspectiva Emergentista).
Torna-se evidente que o grau de plasticidade não excede o limite estrutural do substrato
biológico, isto é, as células não poderão se modificar além daquilo que sua estrutura puder
comportar (CRICK & ASANUMA, 1986).
A plasticidade do Sistema Nervoso Central repousa nos neurônios com sua capacidade de
crescimento e brotamento de ramificações destinadas a inputs e a outputs, permitindo que a
mesma célula receba vários estímulos e envie outros tantos por meio das sinapses. As células
nervosas podem ter atividade excitatória ou inibitória, dependendo das suas condições estruturais
e físico-químicas, liberando os hormônios (neurotransmissores) que funcionam como output da
célula que os libera e input daquela que os recebe.
Segundo CRICK & ASANUMA (1986), morfologicamente as sinapses podem ser
classificadas em excitatórias (tipo I), quando apresentam a membrana pós-sináptica maior e mais
espessa, vesículas que armazenam neurotransmissores redondas e relativamente grandes e uma
3
fissura para a liberação dos mesmos maior do que a das sinapses inibitórias (tipo II) que
apresentam membrana pré e pós-sináptica simétricas e vesículas de neurotransmissores menores.
Além disso, os autores salientam que o tipo de neurotransmissor fabricado pelos
neurônios (a maior parte ainda desconhecida) atua como excitador ou inibidor do neurônio póssináptico, dependendo do tipo de receptores presentes na célula pós-sináptica. Alguns
neurotransmissores atuam por até alguns minutos, podendo se propagar em longas distâncias por
meio da corrente sangüínea local.
Normalmente, cada neurônio recebe, pelos dendritos (ramificações para inputs), milhares
de estímulos ao mesmo tempo em que geram a despolarização da célula, levando, se a energia
resultante dessa despolarização for suficiente, à liberação de neurotransmissor, ou seja, de um
output inibitório ou excitatório. Aparentemente, conforme CRICK & ASANUMA (1986),
nenhum axônio ativa sinapses excitatórias enquanto está com as inibitórias ativadas.
CRICK & ASANUMA (1986) observam que a recepção dos inputs pelos neurônios
permite uma “detecção de características” do estímulo, isto é, determinados neurônios
respondem melhor a um grupo de características do input do que a outro. Acredita-se que este
fato possa estar relacionado com a saliência perceptual de determinados estímulos para os seres
humanos.
Como cada célula apresenta estrutura e propriedades particulares, a computação que
ocorre com os inputs parece ser sempre diferente, ocorrendo o mesmo com o output que será
diferente em cada sinapse de saída na mesma célula (DUBOIS, 1994).
Os padrões de atividade químico-elétrica que se formam nos neurônios e se propagam nas
sinapses parecem ser o código cerebral utilizado para armazenar o conhecimento.
Segundo YOUNG & CONCAR (1992), esse código cerebral para armazenar o
conhecimento pode estar associado ao crescimento do cérebro nos primeiros anos de vida e
possui uma base celular chamada de potencialização de longa duração que consiste no
4
fortalecimento daquelas sinapses neuroniais que são ativadas em paralelo e simultaneamente,
mediante a repetição de determinado estímulo, por meio de uma molécula receptora.
Essa molécula receptora se encontra no neurônio pós-sináptico e exige duas descargas de
neurotransmissor do neurônio pré-sináptico: a primeira ativa os receptores e a segunda mantém
ambos neurônios ativos ao mesmo tempo para produzir a potencialização de longa duração e a
conseqüente codificação da informação (reforço das sinapses).
Os demais tipos de descargas neuroniais apresentam apenas uma liberação de
neurotransmissor, não mantendo os neurônios envolvidos ativados ao mesmo tempo – condição
primordial para o reforço das sinapses.
Uma vez que os neurônios funcionam como unidades do cérebro para o processamento da
informação, a plasticidade neuronial é a responsável pela adaptação do organismo ao meio que o
circunda, através da aquisição de conhecimento.
Acredita-se ainda que cada sinapse possa codificar vários traços mínimos de diferentes
informações recebidas, não permitindo a concentração de determinada informação em uma única
estrutura, tornando-a literalmente pulverizada nas redes neuroniais. Provavelmente esses
fragmentos da informação sejam desprovidos de significado se tomados isoladamente, do mesmo
modo que um ponto gráfico isolado de uma imagem na tela de um computador, por exemplo
(VAUGHAN, 1998).
Quando a informação se faz necessária, todos os traços ou pontos mínimos de
determinadas redes são ativados através do mesmo comportamento físico-químico dos neurônios
e das sinapses específicas que os processaram inicialmente, reinstanciando o todo, a informação
completa (fenômeno da complementação).
A maioria das aprendizagens exige repetição do estímulo, ocasionando uma habituação
neuronial, ou seja, um determinado estímulo provavelmente será processado sempre na mesma
rede pelas mesmas células nervosas e formará o que denominamos de “engramas” – um padrão
5
de codificação devido ao reforço das sinapses ocorrido pela repetição do estímulo, conforme
exposto anteriormente.
“Conexões que se faziam antes gradualmente, que precisavam de um reforço permanente
e que se extinguiam quando este acabava, começam agora a fazer-se com rapidez, às vezes “no
momento”, passam a ser reforçadas de maneira estável, prescindindo do reforço permanente e
começando a mostrar as características de “auto-regulagem” (...).”
De forma muito interessante, com essas palavras, LURIA & YUDOVICH (1987, p. 19),
durante a observação de atividades verbo-motoras em crianças, parecem estar se referindo não a
uma atividade externamente observável, mas ao processamento cerebral subjacente à mesma.
A pulverização da informação torna possível que as sinapses participem de inúmeros
engramas, reinstanciando até mesmo outras informações conectadas na rede instantaneamente
(VAUGHAN, 1998). Essa conexão é feita de acordo com a forma como essas informações são
aprendidas (YOUNG & CONCAR, 1992) não apenas no que se refere à via sensitiva de input,
mas também ao contexto em que ocorre a aprendizagem, aos aspectos emocionais, dentre outros
da experiência de cada indivíduo.
A quantidade de experiência à qual o ser humano está exposto desde sua concepção e
durante todo o seu crescimento promove o desenvolvimento e o aprendizado de várias funções,
inclusive da linguagem (ELLIS, 1998). Todo esse aprendizado é calcado na estrutura orgânica
por meio de seu funcionamento, determinando a forma e a função do córtex cerebral (massa
cinzenta – camada de corpos de neurônios que recobre o cérebro).
A cultura na qual o indivíduo está inserido, com toda sua carga de informação
compartilhada
na
comunidade
(conceitos/conhecimentos
culturais)
parece
ser
adquirida/aprendida desta forma (LURIA & YUDOVICH, 1987). Porém, cada sujeito terá uma
maneira particular de utilização do sistema nervoso central, considerando as áreas especializadas,
para processar tais estímulos e produzir os seus próprios (conceitos/conhecimentos individuais),
6
tornando o conteúdo do cérebro completamente diferente e particular para cada pessoa, mesmo
compartilhando determinados aspectos culturais.
Dados os, aproximadamente, 100 bilhões de neurônios com seus 100.000 trilhões de
sinapses (YOUNG & CONCAR, 1992), parece plausível que o processamento cerebral da
informação seja muito rápido, atuando com uma infinidade de estímulos ao mesmo tempo.
Adicionalmente, em decorrência das descobertas científicas com pacientes que
apresentam
lesão
cerebral
(DAMASIO,
1998),
acredita-se
que
a
informação/conhecimento/conceito não seja armazenada e recuperada como unidade, como
propõe o simbolismo, e sim como padrões de distribuição de elementos mínimos em redes
neuroniais que, quando necessária a informação, são recuperados e organizados, reinstanciando-a
de forma ad hoc (POERSCH, 1998, CIELO,1998).
DAMÁSIO (1998) nomeia todas as informações armazenadas no cérebro/mente de
representações dispositivas, comparando-as a um depósito de saber que envolve dados sobre
movimento, raciocínio, planejamento, criatividade. Tais representações dispositivas ocorrem no
córtex cerebral e também nos núcleos de massa cinzenta subcorticais. O autor afirma que
algumas das redes neuroniais são remodeladas infinitamente, conforme os estímulos recebidos,
não apenas em função da primeira experiência, mas apresentando a propriedade de flexibilização
e modificação segundo a continuidade das experiências. Outras redes são mais estáveis,
mantendo determinadas representações dispositivas sobre o interior e exterior do indivíduo.
Além disso, o funcionamento do Sistema Nervoso Central não parece ser linear e serial,
como o simbolismo também supõe, mas em paralelo com várias unidades atuando ao mesmo
tempo sobre os fragmentos da informação distribuída nas várias áreas do encéfalo (VAUGHAN,
1998).
Concorda-se, juntamente com YOUNG & CONCAR (1992), SHANKS (1993),
HAYKIN (1994), PLUNKETT (1995 e 1997) e POERSCH (1998) que o cérebro do ser humano
não traz em sua estrutura, formada com base em alguns determinantes inatos, as regras
7
lingüísticas. ELLIS (1998) reforça essa opinião, afirmando que a especificação inata das sinapses
cerebrais é improvável.
Comentou-se anteriormente que a exposição ao meio e a plasticidade neurológica
propiciam o desenvolvimento cerebral e acredita-se que o processo de aquisição da linguagem –
substrato neurológico inato associado às modificações e crescimento sináptico pelos estímulos
do meio e próprios – vai permitindo à criança desempenhar a comunicação conforme um padrão
lingüístico cultural adquirido, ou seja, a criança parece abstrair os padrões que organizam
determinada língua à qual está exposta (ELLIS, 1998).
Em busca da compreensão daquilo que se interpõe entre o estímulo e a resposta e que era
ignorado pelo paradigma behaviorista, surgiu o Conexionismo, um paradigma que também
parece oferecer plausibilidade de explicações quanto ao fato de a mente não ser algo com
existência fora da matéria, como supõe o simbolismo. Nessa abordagem, as descrições cognitivas
são construídas por entidades que são símbolos tanto no sentido semântico de se referir a objetos
externos, quanto no sentido sintático de serem operadas por manipulação simbólica
(SMOLENSKY, 1988).
O conexionismo, além disso, oferece provas concretas de que o processamento da
linguagem não é baseado em regras apriorísticas como considera o paradigma simbólico e provas
de como ocorre a percepção do estímulo, sua análise e transformação em conhecimento, o
armazenamento e a recuperação da informação, sendo essa a grande limitação do paradigma
behaviorista.
Apesar de sua emergência datar aproximadamente da década de 1980, as idéias
conexionistas surgiram juntamente com o inatismo nos anos 50 e 60, tendo sido abandonadas em
função de óbvias limitações metodológicas, dado o nível técnico-científico da época
(CHRISTIANSEN & CHATER, 1999).
O paradigma conexionista tem seus fundamentos atuais na neurociência, com as
descobertas sobre a fisiologia do Sistema Nervoso Central. Os modelos conexionistas, de
8
inspiração neurológica, são computacionais e se utilizam de “neurocomputadores” ou “redes
neuroniais artificiais”, sendo planejados para tentar desvendar aspectos do processamento
realizado pelo cérebro biológico (HARDER & TOGEBY, 1993, HAYKIN, 1994, PLUNKETT,
1995 e 1997).
Este paradigma assume que os processos mentais/cerebrais, incluindo aquisição de
conhecimento/aprendizagem e linguagem são resultado da atividade químico-elétrica intersináptica cerebral (YOUNG & CONCAR, 1992, SHANKS, 1993, HARDER & TOGEBY, 1993,
HAYKIN, 1994, DUBOIS, 1994, PLUNKETT, 1995 e 1997) e que o comportamento
lingüístico, apesar de poder ser descrito por regras, não é governado por elas (ELLIS, 1998).
Segundo SMOLENSKY (1988), todas as antecipações, levantamento de possibilidades e
conciliações são processados pelo cérebro/mente em paralelo, mesmo que haja um componente
seqüencial para poder desempenhá-las.
Numa simulação conexionista, várias unidades de processamento são massivamente
interconectadas em paralelo. Essas unidades recebem estímulos (valores numéricos) de outras
unidades próximas na rede, conduzindo um novo valor numérico, computado matematicamente
dos valores recebidos, como output. Existe um limiar, próprio de cada unidade, para a
quantidade de sinais recebidos ativá-la (pesos positivos) e suas conexões se tornarem excitatórias
ou o contrário, o limiar não ser atingido (pesos negativos) e as conexões se tornarem inibitórias
(VAUGHAN, 1998, CHRISTIANSEN & CHARTER, 1999), como parece ocorrer com o
funcionamento do cérebro humano.
Esta “fisiologia computacional” permite à rede aprender e lembrar/recriar padrões de
atividade químico-elétrica, aproximando-se do processamento informacional realizado pelo
cérebro humano. O conhecimento, no conexionismo, repousa na força dessas conexões
sinápticas (SMOLENSKY, 1988, JACOBS & SCHUMANN, 1992, HAYKIN, 1994,
SEIDENBERG, 1994).
9
Nas redes conexionistas, ocorre o fenômeno de autoprogramação, procedimentos
autônomos que ajustam os pesos elétricos das unidades para algum tipo específico de
computação, quando a rede “decide”, por meio das propriedades físico-químicas da própria rede,
quais as computações que as unidades computacionais realizarão, exatamente como ocorre com
o sistema nervoso central humano.
Para que a rede possa “aprender”, deve haver um treinamento durante o qual ela recebe
exemplos de pares input/output de dados reais da função que deverá computar, até que comece a
fazer generalizações, ou seja, a produzir outputs corretos para inputs nunca vistos antes. O treino
envolve a comparação do output real com um output alvo. Caso o output real seja diferente, as
conexões responsáveis se autocorrigem por meio de um processo de back propagation, quando o
peso das interligações é reajustado (ELLIS, 1998).
Deste modo, o conexionismo oferece uma possibilidade de investigação sobre como as
restrições biológicas influenciam a aquisição de conhecimentos, pois as codificações dinâmicas
subjacentes, geradas pelas unidades computacionais, durante a resolução do problema
apresentado à rede, são determinadas pela natureza dos pares de input/output, pelo inventário dos
padrões de inputs e pela arquitetura do modelo, sendo que a capacidade do modelo para aprender
é estritamente determinada por sua arquitetura e outros aspectos de sua configuração estrutural
(SMOLENSKY, 1988, HARDER & TOGEBY, 1993, HAYKIN, 1994, SEIDENBERG, 1994,
ELLIS, 1998).
Um dos traços marcantes das redes neuroniais conexionistas é o de que as unidades
computacionais não contêm significado se tomadas isoladamente. Outro traço importante é o fato
de as representações do conhecimento serem construídas ad hoc, isto é, apenas no momento em
que são necessárias. Além disso, o processamento distribuído em paralelo permite a ocorrência
simultânea do reinstanciamento de várias informações, sua manipulação e mesmo o
processamento concomitante de n estímulos recebidos.
10
Através dos modelos conexionistas, tenta-se replicar o funcionamento do cérebro
humano, num sistema neuronial artificial composto por receptores, processadores e efetores.
Porém, conforme CRICK & ASANUMA (1986), SMOLENSKY (1988), LURIA (1992) e
CHRISTIANSEN & CHATER (1999), dados a respeito da anatomia/estrutura cerebral são
abundantes, não ocorrendo o mesmo com a fisiologia extremamente complexa do cérebro, o que
limita muito o conhecimento dos cientistas no que diz respeito à aplicação desse conhecimento
nas modelagens das redes neuroniais artificiais. Para a maioria das funções cognitivas, a
neurociência ainda não pode prover a informação relevante para especificar um modelo
cognitivo no nível neuronial.
É necessário observar que, embora as redes conexionistas estejam longe de simular
modelos perfeitos de conexões neurológicas do cérebro e de seu funcionamento, elas
representam o que de mais próximo existe em relação às bases biológicas da cognição, uma vez
que, tanto no Sistema Nervoso Central quanto nos modelos conexionistas, o conhecimento
parece ser adquirido por aprendizagem, havendo a ocorrência de generalização e transferência;
as sinapses são utilizadas para armazenar o conhecimento; o processamento é dirigido pelos
dados sem ser pré-especificado por regras (VAUGHAN, 1998).
Além disso, as redes podem modificar sua configuração, adaptando-se a mudanças
ambientais; a informação é partilhada pela rede; sob condições de funcionamento adversas, a
degradação do desempenho não é abrupta, as interferências no input não afetam o output como
um todo (o dano tem de ser extremo antes da resposta da rede como um todo ser seriamente
afetada) e a natureza do Processamento Distribuído em Paralelo torna o funcionamento das redes
muito rápido (ELLIS, 1998, CHRISTIANSEN & CHATER, 1999).
Conforme HAYKIN (1994), a sensibilidade ao input dos sistemas conexionistas os torna
ferramentas óbvias para a exploração de abordagens empiricistas da aquisição da linguagem; as
representações formadas pelos sistemas conexionistas são altamente sensíveis aos parâmetros do
input e são as arquiteturas e os algoritmos de aprendizado desses sistemas que garantem tal
11
sensibilidade; as arquiteturas conexionistas diferem em suas redes de estruturas e algoritmos de
aprendizado, diferindo também no modo como respondem aos mesmos inputs (PLUNKETT,
1995)
Em anos recentes, os modelos conexionistas têm sido desenvolvidos para muitas tarefas,
passando pela área de visão, processamento da linguagem, inferência e controle motor. Existem
relatos de várias simulações conexionistas relativas à aquisição da linguagem em diversas áreas,
como a aquisição da morfologia, fonologia, prosódia, semântica, sintaxe, vocabulário, leitura,
dentre outras que repetidamente têm demonstrado a efetividade dos modelos conexionistas em
extrair as regularidades dos padrões de input e operar sem regras pré-determinadas (ELLIS,
1998).
De certa forma, temos, no conexionismo, uma abordagem que poderia se enquadrar no
reducionismo ao considerar que a mente equivale ao funcionamento cerebral (SMOLENSKY,
1988, JACOBS & SCHUMANN, 1992). Porém, essa afirmação não deve ser vista, como o
fazem HARDER & TOGEBY (1993), dentro de um “retrocesso em termos de dignidade
humana, concedendo mais uma vez território, que foi retirado do behaviorismo, para processos
meramente mecânicos”, porque, indo além do comportamentalismo, o conexionismo se preocupa
com os processos cerebrais, ultrapassando o simbolismo em seus ideais de um processamento
mental fora do órgão que os origina: o cérebro.
Isto posto, torna-se clara a relação mente-cérebro do ponto de vista do reducionismo ao
considerar a mente como produto ou parte inerente da matéria/cérebro (LECOURS &
PARENTE, 1997), fato conprovado pelos resultados dos experimentos conexionistas.
Esta concepção é amparada por JACOBS & SCHUMANN (1992) quando afirmam que
os estudiosos da linguagem devem possuir conhecimento sobre as descobertas da neurociência,
explorando suas possíveis implicações nos estudos sobre a linguagem e incorporando a realidade
neurobiológica em sua percepção dos processos lingüísticos; e por ELLIS (1998) ao postular que
12
deve haver, por parte das teorias da linguagem, plausibilidade biológica, maturacional e
ecológica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHRISTIANSEN, M.H., CHATER, N. Connectionist natural language processing: the state of
the art. Cognitive Science, v. 23, n. 4, p. 417-437, oct./dec. 1999.
CIELO, C.A. A flexibilidade do paradigma conexionista. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 33, n.
2, p. 43-49, jun. 1998.
CRICK, F., ASANUMA, C. Certain aspects of the anatomy and physiology of the cerebral
cortex. Cap. 20, p. 333-371. In: McCLELLAND, J.L., RUMELHART, D.E. Parallel
Distributed Processing – Explorations in the microestruture of cognition, v. 2. London:
MIT’Press, 1986.
DAMÁSIO, A.R. O Erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998.
DUBOIS, D. O Labirinto da Inteligência – da inteligência natural à inteligência fractal.
Lisboa: Instituto Piaget, 1994.
ELLIS, N.C. Emergentism, connectionism, and language learning. Language Learning, v. 48,
n. 4, p. 631-664, dec. 1998.
HARDER, P., TOGEBY, O. Pragmetics, cognitive science and connectionism. Journal of
Pragmatics, v. 20, n. 5, p. 467-492, nov. 1993.
HAYKIN, S. Neural networks. New York: MacMillan, 1994.
JACOBS, B., SCHUMANN, J. Language Acquisition and the Neurosciences: Towards a More
Integrative Perspective. Applied Linguistics, v. 13, n. 3, p.282-301, 1992.
LECOURS, A.R., PARENTE, M.A. O cérebro e o espírito. Posfácio, p.163-170. In:_. Dislexia –
Implicações do sistema de escrita do português. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
13
LURIA, A. R. O cérebro humano e a atividade consciente. Cap. 9, p. 191-228. In: VYGOTSKY,
L.S., LURIA, A.R., LEONTIEV, A.N. Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem.
São Paulo: Icone, 1992.
LURIA, A. R., YUDOVICH, F.I. Linguagem e Desenvolvimento Intelectual na Criança.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.
PLUNKETT, K. Connectionist approaches to language aquisition. Cap. 2, p. 36-73. In:
FLETCHER, P. & MacWHINNEY, B. The Handbook of Child Language. Oxford:
Blackwell, 1995.
_. Abordagens conexionistas da aquisição da Linguagem. Cap. 2, p. 41-68. In: FLETCHER, P. &
MacWHINNEY, B. Compêndio da Linguagem da Criança. Porto Alegre: Artes Médicas,
1997.
POERSCH, J.M. O paradigma simbólico é demasiadamente rígido para explicar determinados
problemas de aquisição lingüística. Letras de Hoje, Porto Alegre, v.33, n.2, p.37-42, 1998.
SEIDENBERG, M.S. Language and connectionism: the developing interface. Cognition, v. 50,
p. 385-401, 1994.
SHANKS, D. Breaking Chomsky’s rules. New Scientist, v.137, n.1858, p.26-30, jan. 1993.
SMOLENSKY, P. On the proper treatment of connectionism. Behavioral and Brain Sciences,
v.11, p.1-74, 1988.
VAUGHAN, S.C. A Cura pela Fala – A Ciência por trás da Psicoterapia. Rio de Janeiro:
Objetiva, 1998.
VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
YOUNG, S., CONCAR, D. These cells were made for learning. New Scientist, v.136, n.1848,
supl.02, p. 2-8, 1992.
Download