2238-0450/15/04-02/45 Relato de Caso Copyright © by Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul Volvo de sigmoide: relato de caso Sigmoid volvulus: case report Andrea Makssoudian Ferraz1, André Ribeiro de Melo2, Ivens Nogara de Oliveira3, Ciro Hitoshi Moiti4, Flavio Abrão Neto4 RESUMO Dentro do espectro do abdome agudo obstrutivo está o volvo de sigmoide, entidade rara na faixa etária pediátrica. Cursa, usualmente, com distensão de abdome, dor e constipação. Geralmente opta-se por tratamento cirúrgico, com ressecção da alça comprometida e anastomose termino-terminal. No relato explanado tem-se paciente pediátrico com volvo de sigmoide com rápida evolução submetido a cirurgia à Hartmann, devido isquemia de alça. Conclui-se que volvo de sigmoide é uma emergência pediátrica, com necessidade de diagnóstico precoce, a fim de se preservar a alça intestinal comprometida. Descritores: Doenças do colo sigmoide, volvo intestinal, pediatria, isquemia. ABSTRACT Within the spectrum of obstructive acute abdomen lies sigmoid volvulus, a rare condition in the pediatric age group. Clinical course is characterized by abdominal distension, pain, and constipation. Surgery is the most common treatment option, with resection of the involved segment and termino-terminal anastomosis. We describe the case of a pediatric patient presenting with rapidly evolving sigmoid volvulus and subjected to Hartmann’s procedure due to sigmoid ischemia. In conclusion, sigmoid volvulus is a pediatric emergency that requires early diagnosis so as to preserve the involved intestinal segment. Keywords: Sigmoid diseases, intestinal volvulus, pediatrics, ischemia. Introdução O termo volvo tem origem do latim volvere, que significa girar1. Trata-se uma emergência cirúrgica. Tem baixa incidência na faixa etária pediátrica, e há maior incidência no sexo masculino (2:1 a 5:1)2. O quadro clínico apresenta distensão abdominal, dor abdominal e constipação, fazendo parte do espectro do abdome agudo obstrutivo. Diagnóstico por exames de imagem (radiografia e tomografia computadorizada de abdome) com sinais sugestivos de distensão de alças, rotação intestinal e comprometimento vascular. Tratamento padrão ouro pela intervenção cirúrgica com ressecção da alça comprometida e anastomose termino-terminal. Em casos de isquemia, opta-se por cirurgia à Hartmann. 1. Médica coordenadora do serviço de Pediatria do Hospital Geral de Carapicuíba, SP, Brasil. 2. Médico pelo Centro Universitário São Camilo. Residente de Cirurgia Geral do Hospital Geral de Carapicuíba, SP, Brasil. 3. Médico plantonista-preceptor de Cirurgia Geral do Hospital Geral de Carapicuíba, SP, Brasil. 4. Acadêmico do curso de medicina do Centro Universitário São Camilo. São Paulo, SP, Brasil. Como citar este artigo: Ferraz AM, Melo AR, Oliveira IN, Moiti CH, Abrão Neto F. Volvo de sigmoide: relato de caso. Análise comparativa de complicações do recém-nascido prematuro tardio em relação ao recém-nascido de termo. Bol Cient Pediatr. 2015;04(2):45-8. Artigo submetido em ??/??/2015, aceito em ??/??/2015. 45 46 Volvo de sigmoide – Ferraz AM et al. Boletim Científico de Pediatria - Vol. 4, N° 2, 2015 Relato de caso Paciente masculino, 11 anos de idade, sem comorbidades. Admitido no pronto atendimento de cirurgia geral com história de dor abdominal difusa associada a vômitos amarelados há 1 dia, evoluindo com tenesmo, ausência de flatos e recusa alimentar. Fez uso de medicação sintomática domiciliar, sem melhora. Ao exame físico, estava em regular estado geral, acianótico, afebril, desidratado +/4+, descorado +/4+, anictérico. Peso 37 kg. Taquicárdico, eupneico. Ao exame abdominal apresentava distensão abdominal, dor à palpação profunda em todos os quadrantes, sem sinais de peritonite. Os diagnósticos diferenciais são estenose hipertrófica do piloro, gastroenterite, atresia ileal ou duodenal, hiperplasia adrenal congênita e doença de Hirschsprung, além de distrofia miotônica, ânus imperfurado e ausência de mesocolon6,7. Exame laboratoriais na admissão: hemoglobina 13,1 (12,0 - 15,0 g/dL), hematócrito 38,7 (37 - 47%), leucócitos 10.000 (5 - 10 mil/mm3), 0 bastonetes, 73%/7300 segmentados (52 - 72%/2900 - 6500), 16%/1600 linfócitos (20 - 30%/1000 - 3000), plaquetas 227 mil (130 - 450 mil), potássio 3,8 (3,7 - 5,9), sódio 142 (136 - 146), creatinina 0,7 (0,5 - 1,0), ureia 19 (16 - 36), amilase 45 (5 - 65), dehidrogenase láctica DHL 238 (125 - 220), proteína C‑reativa 1,9 (inferior a 5,0). Realizada radiografia de abdome em AP (Figura 1). Diagnosticado abdome agudo obstrutivo, realizada laparotomia mediana infra e supra umbilical, encontrandose dilatação de sigmoide em sua topografia com sinais de isquemia e comprometimento de sua viabilidade (Figura 3) seguido de secção de coto proximal e distal e sobressutura invaginante em coto distal com exteriorização de alça proximal em flanco esquerdo, sem intercorrências (Figura 4). Figura 1 - Distensão de alça intestinal à esquerda, presença de níveis hidroaéreos. Em radiografia realizada, não foi possível identificar etiologia provável, optando-se por realização de tomografia computadorizada de abdome Figura 2 - Imagens de borramento de gordura pericólica à esquerda, nível hidroaéreo em alças intestinais com distensão subsequente e vasos mesentéricos com alteração rotacional Discussão Volvo de sigmoide é muito comum em adultos em países em desenvolvimento como África, Sul da Ásia e Índia, correspondendo a aproximadamente 30% das obstruções intestinais3. No oeste Europeu e América do Norte compreende cerca de 2-4% dos casos3. Na faixa etária pediátrica, em estudo de 6 anos, de 5.075 cirurgias pediátricas somente 0,3% corresponderam a volvo intestinal4. Dos casos estudados, 6 eram neonatos entre 1 a 30 dias de vida, e 7 eram crianças entre 1 ano e 9 anos de idade4. Em crianças geralmente ocorre por má rotação intestinal, anormalidades onfalomesentéricas, estenose anal, doença de Hirschsprung1. Outras raras causas são: Síndrome da barriga de Prune, distrofia miotônica e ânus imperfurado5. Volvo de sigmoide – Ferraz AM et al. Boletim Científico de Pediatria - Vol. 4, N° 2, 2015 47 Os principais fatores de risco para o volvo de sigmoide são: constipação crônica (dieta, secundário a drogas, doenças neuropsicológicas); dietas com muita fibra; tumores/cistos pélvicos; bridas6. Tanto aumento do trânsito intestinal pelo aumento da motilidade, como a diminuição do trânsito, levando a um aumento da pressão intraluminal, podem ser fatores de risco para o volvo. Em crianças os principais sintomas são dor abdominal (66%) e vômitos (31%), e os principais sinais são distensão abdominal (69%), defesa abdominal (41%), e massa palpável (10%)6. Além dos sinais mais comuns, o paciente do caso também apresentou tenesmo e ausência de flatos. Em escolares pode apresentar-se com vômito bilioso e dor abdominal. Em neonatos, há também irritabilidade e crepitação abdominal. Hematoquezia é um sinal tardio, e indica processo de necrose7. Mais tardiamente a doença se apresenta com peritonite e choque hipovolêmico1,8. Os sintomas duram cerca de 10 horas a 5 dias e nos extremos de idade demoram mais a aparecer3,9. No caso, o paciente apresentou evolução dos sintomas em 24 horas, não apresentando sinais tardios. Atamanalap et al., em estudo com 859 pacientes com volvo de sigmoide, observaram que na população pediátrica os sintomas são tardios, sendo o risco de necrose maior1. Figura 3 - Colo de sigmoide em intraoperatório A mortalidade observada entre neonatos decorre de sepse, necrose intestinal, perda de peso e distúrbios hidroeletrolíticos4. A presença de leucocitose, febre ou sinais clínicos de irritação peritoneal sugerem a presença de gangrena intestinal. O hemograma e o ácido láctico ajudam na identificação da isquemia, apesar de não serem sensíveis nem específicas para isquemia mesentérica9. A radiografia de abdome revela sigmoide rodado e dilatado, descrito como o sinal do “grão de café” ou em “loop”, associado a níveis hidroaéreos múltiplos e perda das haustrações10. Pode ocorrer o sinal das três linhas ou da faixa branca, correspondendo à parede dilatada do sigmoide em posição vertical e oblíqua10. Sinais estes evidentes no caso, como perda de haustrações, níveis hidroaéreos e distensão de alças. O ápice do cólon pode aparecer em posição paramediana próxima ao quadrante superior esquerdo e acima de T10, com elevação homolateral do diafragma10,11. Figura 4 - Pós operatório de colostomia Hartmann À tomografia computadorizada observa-se sinal do turbilhonamento, composto por espirais de sigmoide colapsado, baixa atenuação da gordura e congestão dos vasos mesentéricos10. Atentar para sinais de infarto e isquemia parietal: 48 Volvo de sigmoide – Ferraz AM et al. Boletim Científico de Pediatria - Vol. 4, N° 2, 2015 gás nas veias mesentéricas, congestão mesentérica, ar ou fluido peritoneal, aumento da atenuação ou gás na parede do cólon (hemorragia ou pneumatose respectivamente), adelgaçamento da parede do cólon10. No caso, a tomografia continha sinais obstrutivos como níveis hidroaéreos, grande distensão difusa de colón e acometimento da gordura pericolica, sem sinais de isquemia ou necrose. O manejo clínico deve levar em conta a avaliação das condições hemodinâmicas do paciente. Se necessário, iniciar reposição volêmica e administrar antibióticos de amplo espectro. Deve-se avaliar a necessidade de cirurgia de emergência e realizar descompressão gástrica por meio de sonda nasogástrica e avaliar diurese por sonda vesical de demora1. O tratamento pode compreender desde medidas cirúrgicas como não cirúrgicas. Há a opção de se utilizar de sigmoidoscopia ou colonoscopia com tubo flexível para distorção do colo. A contraindicação desta técnica é a presença de gangrena de colo. Os riscos do procedimento são perfuração e síndrome da reperfusão de região necrosada1. O tratamento por colonoscopia tem um índice de recorrência de 40-50%9. Atualmente o padrão ouro a se considerar para o tratamento do volvo de sigmoide é a ressecção cirúrgica seguida de anastomose livre de tensão, termino-terminal12. Caso haja comprometimento da viabilidade do cólon, opta-se pela cirurgia à Hartmann1, a qual compreende lavagem da cavidade abdominal, ressecção de colo sigmoide com realização de colostomia proximal em flanco esquerdo e fechamento do coto distal13,14. No caso foi optado por cirurgia à Hartmann devido a comprometimento da viabilidade do sigmoide. Os fatores prognósticos a serem considerados são choque na admissão, doença cardíaca, renal ou respiratória e recorrência de volvo1. Volvo de sigmoide é um raro diagnóstico dentro das causas de abdome agudo na faixa etária pediátrica. Devendo ser investigado com cautela devido aos riscos cirúrgicos e suas complicações fatais inerentes da patologia. Podese recorrer à tomografia computadorizada como arma diagnóstica. Atentar aos sinais clínicos, muitas vezes, inespecíficos e tardios. O rápido diagnóstico permite uma conduta adequada e menor morbimortalidade. Padrão ouro, atualmente, compreende ressecção cirúrgica com anastomose termino-terminal ou cirurgia à Hartmann. Referências 1. Jayakrishnan MB, Oettle FR. Sigmoid Volvulus: An Update. Africa do Sul. Disponível em: https://ptolemy.library.utoronto.ca/sites/default/ files/reviews/2009/June%20-%20Sigmoid%20Volvulus.pdf. Acessado em 21/06/15. 2. Murillo JG, Montealegre AB. Vólvulo agudo de colon sigmoide: Informe de un caso pediátrico y revisión de la literatura. Revista Medica Hondurena. 1993;61:135-8. 3. Munir A, Khan I. Management of viable sigmoid volvulus by mesosigmoidoplasty. Gomal Journal of Medical Sciences. 2009;7(1):7-9. 4. Osifo OD, Oriaifo AI. Pediatric intestinal volvulus: management problems and outcome in a resource - poor region. Annals of Pediatric Surgery. 2008;4(34):69-73. 5. Weeratunga N, Samarakoon LB, Lamahewage AK. 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