DOR ABDOMINAL Queixa comum na emergência pediátrica, é um sintoma presente em doenças sem gravidade, auto-limitadas e também em algumas doenças potencialmente graves, que obrigam o médico a realizar amplo diagnóstico diferencial, para identificar a etiologia e o tratamento adequado. Pode ser causada por uma simples intolerância alimentar ou medicamentosa ou até por doenças que exigem uma rápida intervenção, invaginação ou apendicite. Para facilitar a abordagem do pediatra urgentista, duas situações serão estudadas: a dor abdominal aguda e a dor crônica ou recorrente. DOR ABDOMINAL AGUDA Infecção bacteriana ou viral do trato gastro-intestinal? Enteroparasitose? Pneumonia? Infecção do trato urinário? Apendicite? Adenite mesentérica? Cálculo renal? Cólica biliar? Alergia ou intolerância alimentar? Intolerância medicamentosa? Deficiência de lactase? Retenção fecal? Hérnia? Trauma? Invaginação intestinal? Hiperalgesia intestinal? Crise falcêmica? Pancreatite? Intolerância medicamentosa? Outra causa? É assim que deve se comportar o pediatra que atende o paciente com dor abdominal aguda. E para ajudar o enfermo, tem que agir de forma ordenada, programada, para evitar iatrogenia, e ser convincente junto ao familiar. A dor abdominal pode ser decorrente de: estiramento ou tensão, inflamação ou isquemia. É classificada como visceral (geralmente é surda e mal localizada), parietal (é mais intensa, podendo ser localizada e aumenta com a tosse ou movimento) e referida (sentida em pontos distantes da área de lesão). Embora os motivos mais freqüentes estejam associados às causas gastrointestinais, não esquecer de investigar: urinárias, ginecológicas, respiratórias, hematológicas e outras. A primeira tarefa é afastar doença que exija intervenção especial e imediata. As mais significativas são a apendicite e a invaginação intestinal. Há outras: abscesso hepático e perinefrético, volvulos e outros problemas cirúrgicos. E essa tarefa só é resolvida com semiótica completa, meticulosa. A história clínica e o exame físico devem ser criteriosos. Se há dúvida, repetir a tomada da história, ouvindo outros familiares, reexaminando o paciente, solicitando o parecer de outro colega pediatra e, com freqüência, do especialista. O que mais auxilia é o cirurgião de crianças. A semiótica respiratória deve ser bem feita. O ouvido deve ser bem examinado. A dor expressa na fisionomia da criança e na dos familiares é um dos indicativos de afecção importante. A falta de resposta aos remédios usuais, também. Com freqüência, o diagnóstico não é obtido na primeira consulta, mesmo com toda a técnica e atenção e só horas ou dias após, a origem do problema é definida. O toque retal, importante em algumas condições, deve ser realizado por pediatra habilitado ou cirurgião de crianças. A solicitação de exames (curva leucocitária, Rx do tórax ou do abdome, ultrassom, sumário, bacterioscopia e cultura de urina, parasitológico, pesquisa de piócitos e sangue oculto nas fezes, dentre outros) deve sempre ser orientada pela suspeita ou suspeitas diagnósticas mais prováveis. E quando solicitar ultrassom (apendicite? invaginação?), sempre conversar com o colega que fará o exame, para que resultados mais confiáveis sejam obtidos. Quando há possibilidade de parasitose intestinal (pacientes de ambiente rural, eliminação de parasitas ou outras evidências), é aceitável que se faça antiparasitários, mesmo sem o exame comprobatório. Sempre se lembrar do S. stercoralis e dos quadros importantes que causa. Mas o urgentista deve sempre buscar o diagnóstico preciso, para auxiliar o pediatra assistente na solução da doença causal. CONDUTA Dialogue com a família, enfatizando a busca da causa. Procure ser convincente. Isso só se consegue com semiótica completa, com atenção ao quadro; Afaste doenças cirúrgicas, apendicite e invaginação e outras entidades potencialmente graves, que devem ser diagnosticadas precocemente. Solicite o parecer de colega ou do especialista, sempre que houver alguma dúvida especial; Prescreva dieta leve, à base de líquidos, na fase aguda do processo. Exceto, quando a criança estiver em observação para definir se vai ser submetida a procedimento cirúrgico; Recomende compressas quentes no abdome; Mantenha em observação no serviço de saúde ou em casa; Limite o pedido de exames; Oriente, sempre que possível, para que a investigação seja feita pelo médico assistente; Prescreva analgésico, se há incômodo considerável, lembrando que o efeito da medicação é melhor quando feita precocemente, evitando que o quadro doloroso torne-se intenso: paracetamol (10 a 15mg/kg/dose) VO, 6/6 horas. Quando for provável a presença de reação inflamatória, de causa não infecciosa, como na cólica nefrética ou biliar, poderá ser usado o ibuprofeno (10 mg/kg/dose, VO, 8/8 horas). DOR ABDOMINAL CRÔNICA OU RECORRENTE É situação mais complexa que a do quadro agudo. As possibilidades diagnósticas são mais amplas e o poder resolutivo do urgentista, numa única avaliação, sem conhecer o paciente e a família, é mais limitado que na doença aguda. A dor abdominal crônica é de origem funcional em 80% dos casos. Acomete principalmente a faixa etária entre 5 e 11 anos, localiza-se na região periumbilical, não acorda a criança à noite, durante o período de dor, atrapalha as atividades habituais, entre as crises, a criança não apresenta nenhum outro sintoma. A constipação é uma causa freqüente de dor. Pergunte sobre o ritmo intestinal, observe se há sinais de impactação fecal. O consumo excessivo de sucos de frutas, chicletes, balas/confeitos também pode contribuir para o quadro. Observe se a criança é respiradora bucal, pois aerofagia é causa de dor crônica. O problema causado por parasita intestinal é um dos poucos que o urgentista pode resolver (embora seja pouco freqüente a associação de parasitose intestinal com dor abdominal recorrente). Talvez dor por deficiência de lactase também possa ser abordada, quando a história é bastante sugestiva. Sinais e sintomas que sugerem fortemente a presença de doença orgânica: febre, sangue nas fezes, perda de peso, dor que acorda a criança durante a noite, acometimento concomitante de outros sistemas. Na maior parte das situações, o papel do pediatra na urgência é afastar doença aguda, que mereça atenção imediata. Não é apendicite! Não é invaginação intestinal! Não é obstrução intestinal! Freqüentemente, ao fim do exame, a mãe tem que ouvir palavras deste tipo: "Nada vi que nos preocupasse. A criança está corada e brincando, o abdome está normal. Então a dor faz parte, provavelmente, desta queixa antiga que a senhora me relatou. Não é apendicite. Nada temos que fazer no momento". A mãe insiste e quer algo mais positivo, o pediatra continua a falar: "Mãe, vá ao pediatra da criança. O meu papel é difícil. É a primeira vez que vejo seu filho e provavelmente a única. Posso estar enganado. Leve esta cartinha para o médico. Volte se precisar, ou se algo diferente ocorrer". Algumas vezes, na ausência do pediatra assistente ou a uma família que insista para que algo de mais concreto seja feito, é possível que o urgentista solicite alguns exames para auxiliar no diagnóstico. Se há febre, diarréia, sangue nas fezes, sintomas fora do tubo digestivo (cutâneo, articular, urinário), dor que acorda o paciente, palidez, história familiar de doença péptica, litíase, doença inflamatória intestinal, é mais provável uma causa orgânica. É possível que, quando falte qualquer linha diagnóstica concreta, sejam necessários: hemograma com VSH, parasitológico e sangue oculto nas fezes, sumário e cultura de urina e ultra som do abdome. Se os resultados forem negativos, explicar que a possibilidade de doença orgânica é muito baixa. Mas a criança deve ser acompanhada, para melhor definição da conduta. CONDUTAS SEM EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS : No tratamento sintomático da dor, o uso de medicamentos tais como: N-butilescopolamina, associação de dimeticona/ metilbrometo de homatropina, ou associação de dimeticona/ dicloridrato de camilofina, N-butilescopolamina via venosa.