Imagem da Semana: Radiografia de abdome e enema opaco Figura 1: Radiografia simples de abdome obtida à admissão Figura 2: Enema realizado no pré-operatório Enunciado Recém-nascido masculino com 5 dias de vida, admitido em unidade de pronto atendimento com relato de não evacuar desde nascimento. Ao exame, apresentava abdome distendido, com hipertimpanismo, alças palpáveis e diminuição dos ruídos hidroaéreos à esquerda. Realizada radiografia (Rx) de abdome e enema opaco (imagens). Submetido à laparotomia de urgência, com achado peroperatório de megacólon (sigmoide) com zona de transição. A partir do caso e das imagens, qual é a hipótese diagnóstica mais provável? a) Volvo sigmoide b) Fibrose cística c) Ânus ectópico d) Doença de Hirschsprung Análise da imagem Imagem 3: Radiografia simples de abdome demonstrando importante distensão de alças intestinais à esquerda (amarelo). Imagem 4: Enema opaco realizado no pré-operatório, com achado de distensão de cólon direito e sigmoide (vermelho). Diagnóstico O diagnóstico de doença de Hirschsprung é sugerido não somente pelo achado sugestivo de megacólon, mas também pela sua correlação com a história clínica de constipação intestinal bastante precoce no período neonatal. A hipótese de volvo sigmoide torna-se menos provável tendo em vista os achados típicos como o sinal do “U” invertido à radiografia simples (devido à semelhança da alça distendida com a letra “U” – figura 5.A), além do “sinal da vela” ou “bico de pássaro” no enema opaco (figura 5.B), encontrada como ponto de afilamento do segmento colônico que se assemelha à chama de uma vela. Embora a fibrose cística primariamente se apresente com quadros pulmonares e pancreáticos, em cerca de 20% dos casos podem se iniciar com quadro de íleo meconial (figura 5.C), caracterizado por um quadro de obstrução intestinal nos primeiros dias de vida, mais incidente a partir da 2ª semana. À radiografia toraco-abdominal, o achado mais sugestivo é o microcólon, associado a dilatação do íleo proximal, devido ao espessamento do mecônio mais inicial no trajeto intestinal. Por sua vez, o ânus ectópico é suspeitado quando do posicionamento inadequado do orifício anal, comumente excentricamente à região hiperpigmentada do períneo (figura 5.D). Além disso, alguma passagem de mecônio pode ser observada. Um exame físico detalhado pode afastar com alguma precisão a hipótese. Imagem 5: Principais diagnósticos diferenciais de DH. A) Volvo de sigmoide: sinal do “U” invertido, destacado em azul. B) Volvo do sigmoide: sinal da vela ou bico de pássaro (círculo vermelho). C) Íleo meconial, achado comum em casos de fibrose cística. D) Ânus ectópico. Discussão A doença de Hirschsprung (DH), também conhecida como megacólon congênito ou aganglionose intestinal congênita, é uma afecção do período neonatal caracterizada pela ausência do plexo nervoso entérico de Auerbach, ocasionando comprometimento neuromotor do segmento intestinal, mais frequentemente dos segmentos distais (sigmoide e reto). Acomete cerca de 1 a cada 5000 nascidos vivos, com predominância do gênero masculino (cerca de 3:1). Etiologicamente associa-se a mutações genéticas em proto-onco-genes e, falha na migração caudal das células neurais. Cerca de 25% dos pacientes com DH apresentam alguma anomalia genética, dentre as quais se destaca a trissomia do 21. O quadro clínico típico caracteriza-se por sintomas de obstrução intestinal precoce, com relato da ausência de eliminação do mecônio nas primeiras 48horas de vida, associada à distensão abdominal e/ou vômitos biliosos. Em casos mais graves, pode evoluir com enterocolite e sepse, caracterizando o megacólon tóxico, o que pode dificultar o diagnóstico. Diante de quadros similares, a DH deve ser imediatamente suspeitada, e os exames de imagem (radiografia de abdome e enema opaco de enchimento pela técnica de Neuhauser) devem ser solicitados para confirmação do diagnóstico. O enema de enchimento é bastante útil no planejamento cirúrgico, uma vez que, ao identificar a zona de transição, indica com boa precisão a extensão dos segmentos acometidos. O padrão-ouro para diagnosticar a DH é a biópsia retal (por sucção), com a confirmação histológica de aganglionose do plexo entérico. Eventualmente pode ser realizada no peroperatório em alguns casos. O tratamento é exclusivamente cirúrgico, com a ressecção do segmento agangliônico e a reconstrução do trânsito intestinal. As técnicas de Duhamel e De La Torre-Mondragon são as mais ultilizadas. É fundamental a preservação esfincteriana para obtenção de adequada continência fecal. Cirurgia de urgência com confecção de colostomia pode ser necessária nos casos graves (obstrução intestinal com sepse). Como complicações pós-cirúrgicas destaca-se a formação de fecaloma (constipação) e a incontinência fecal parcial, sendo fundamental a o acompanhamento ambulatorial a longo prazo. Contudo, a maioria dos pacientes submetidos à abordagem cirúrgica evoluam com função intestinal normal, sem comprometimento da qualidade de vida. Aspectos relevantes - Neonatos com dificuldade para eliminação de mecônio nas primeiras 48h de vida devem ser avaliados devido à possibilidade de DH; - A realização de RX de abdome e enema opaco são essenciais para confirmação do diagnóstico e planejamento cirúrgico; - A biópsia retal ou biópsia de peça cirúrgica é o padrão-ouro para diagnóstico de DH, embora sua realização não deva atrasar a realização da terapêutica indicada; - O tratamento é exclusivamente cirúrgico, com exérese das porções agangliônicas e anastomose dos trechos sadios. Referências - Wessom DE. Congenital aganglionic megacolon (Hirschsprung disease). Uptodate, 2013. - Ferry GD. Constipation in children: Etiology and diagnosis. Uptodate, 2013. - Martucciello G, Ceccherini I, Lerone M, Jasonni V. Pathogenesis of Hirschsprung’s disease. J Pediatr Surg 2000; 35:1017. - Khan AR, Vujanic GM, Huddart S. The constipated child: how likely is Hirschsprung’s disease? Pediatr Surg Int 2003; 19:439. - van den Berg MM, Benninga MA, Di Lorenzo C. Epidemiology of childhood constipation: a systematic review. Am J Gastroenterol 2006; 101:2401. Responsável Ana Elisa Tavares Diniz, acadêmica do 11º período de Medicina da FM-UFMG E-mail: anaelisatd[arroba]gmail.com Orientador Prof. Paulo Custódio Furtado Cruzeiro, cirurgião pediátrico, professor do Departamento de Cirurgia da FM-UFMG E-mail: cruzeirop[arroba]hotmail.com Revisores Thaís Araujo, Marina Leão, Profa. Viviane Parisotto Agradecimentos Hércules Silva, pela ajuda com as imagens.