Dr. Ary Lopes Cardoso - Pediatria 20 FEV 2015 Embora o melhor alimento para o lactente seja o leite materno, ainda hoje as fórmulas infantis de proteína isolada de soja (FIPIS) continuam sendo muito utilizadas para alimentá-los em diversas situações clínicas, como alguns casos de alergia à (às) proteína (s) do leite de vaca, diarreia pós-infecciosa, intolerância à lactose, galactosemia e para os vegan, como substituto do leite materno. O grão de soja tem em média uma composição bastante interessante – 30% de proteínas de alto valor biológico, 20% de lipídios em sua maior parte insaturados, 30% de carboidratos, e ainda vitaminas e minerais além de compostos bioativos, com destaque para as isoflavonas. A soja é considerada um alimento funcional, ou seja, cujo consumo é seguro, nutricionalmente adequado para compor uma alimentação saudável e balanceada, proporcionando diversos benefícios à saúde. Tem influência positiva no metabolismo lipídico e glicídico auxiliando na saúde cardiovascular, efeitos sobre o gerenciamento de peso, manutenção da massa óssea, ações sobre a cognição e ainda potenciais efeitos anticancerígenos. As recomendações e limites de segurança já são estabelecidos – 15 g de proteína de soja / dia para crianças saudáveis com mais de seis meses de idade. Desde os anos 80 a indústria conseguiu aprimorar a composição dessas fórmulas. O surgimento das FIPIS permitiu que esses produtos passassem a respeitar as recomendações do Codex Alimentarius. Essas formulações ganharam então a chancela de serem nutricionalmente adequadas e seguras para o lactente. As controvérsias ao seu uso, no entanto, não deixaram de existir. Alguns comentários a respeito das indicações e das eventuais restrições merecem ser feitos. Muito recentemente tanto a Sociedade Europeia de Pediatria (ESPGHAN) como a Academia Americana de Pediatria (AAP) publicaram seus consensos a respeito do uso das FIPIS em lactentes. Esses órgãos concordam que as FIPIS conseguem fornecer nutrição adequada para que o lactente tenha desenvolvimento normal, embora não sejam mais vantajosas que as fórmulas infantis à base de leite de vaca quando existe impossibilidade de receber o leite materno. Também concordam que as FIPIS não têm papel na prevenção de cólicas, regurgitações, e em algumas situações de alergias. Em relação ao uso das FIPIS no manejo da gastroenterocolite aguda, os consensos vêm colocando em dúvida a vantagem do uso dessas fórmulas, preconizando nos casos mais graves as fórmulas infantis extensamente hidrolisadas ou as elementares. Não é a experiência que temos nos muitos anos de uso das FIPIS manejando a nutrição em crianças com diarreia aguda ou persistente. Apenas um pequeno número de pacientes não tolera essas fórmulas infantis. São nutricionalmente adequadas e apresentam custo acessível, atendendo às características da população brasileira. Vale ressaltar que os consensos médicos são apenas instrumentos de informação e não tutelares. O pequeno paciente merece um tratamento individualizado e livre e não globalizado e tutelado. Estas nossa observações estão de acordo com a opinião de outros médicos dotados de grande experiência, que recentemente publicaram um texto valioso para todo Pediatra que tenha espírito crítico de leitura científica (2). A segurança das fórmulas infantis de soja ainda é muito comentada e debatida. A revisão que Vandenplas Y. e colaboradores (1) fizeram é extremamente importante na medida em que abrange mais de um século de referências bibliográficas. São revistos os estudos que avaliaram dados antropométricos, saúde óssea (conteúdo mineral ósseo), imunidade, cognição e funções endócrinas e reprodutivas. Os estudos são, em sua maioria, transversais, de caso controle, de coorte ou de seguimento clínico, sempre comparando lactentes que receberam fórmula de soja com aqueles que receberam outros leites (materno ou leite de vaca modificado). A análise se deteve sobre os estudos que pautaram por avaliar, entre outras coisas, a segurança do uso da fórmula infantil de soja. Do ponto de vista de padrões antropométricos há semelhança entre as crianças alimentadas com fórmulas de soja e aquelas que receberam leite de vaca modificado ou leite materno. A despeito dos altos níveis de fitato e de alumínio nas fórmulas de soja, não existem diferenças nos níveis de hemoglobina, proteínas séricas, concentrações de zinco e de cálcio e conteúdo de osso mineral nas crianças que recebem leite materno, fórmula de leite de vaca modificado e aqueles que recebem FIPIS. Os níveis de genisteína e daidzeina são muito superiores nas crianças que recebem fórmulas infantis de soja. No entanto, não existem evidências de efeitos adversos negativos em funções endócrinas ou reprodutivas. Os parâmetros imunológicos avaliados e os neurocognitivos foram semelhantes em todos os grupos. Em conclusão, as fórmulas infantis modernas de soja são consideradas como opções seguras para alimentar lactentes e crianças que as necessitem. O padrão de crescimento, saúde óssea e metabólica, as funções reprodutiva, endócrina, imunológica e neurológicas são semelhantes àquelas observadas em lactentes crianças alimentadas com fórmulas infantis à base de leite de vaca modificado ou leite materno. Os achados epidemiológicos são insuficientes no fornecimento de dados baseados em evidências quanto à ocorrência e/ou incidência de eventos adversos com o uso de FIPIS. Não custa lembrar que muitas das discussões a respeito das indicações do uso de FIPIS irão terminar quando houver maior conscientização da amamentação exclusiva até o sexto mês de vida Referências 1 - Vandenplas Y, Castrellon PG, Rivas R, Gutiérrez CJ, Garcia LD, Jimenez JE, Anzo A, Hegar B, Alarcon P. Safety of soya-based infant formulas in children. Br J Nutr. 2014 Apr 28;111(8):1340-60. 2 – Barbieri D., Romaldini C. Fórmula de soja - de heroína a vilã? Análise crítica ao artigo Pediatria Moderna – Maio 2013 – v. 49 no. 5