Unidade 03 Transformações Lineares 3.1 TRANSFORMAÇÕES LINEARES Estudaremos, nessa parte do conteúdo, um tipo especial de funções, chamadas transformações lineares. Essas funções ocorrem com freqüência em Álgebra Linear e em outros campos da matemática, além de serem importantes numa vasta gama de aplicações. Como introdução à definição de transformação linear, consideremos dois exemplos. 3.1.1 Exemplo. Reflexão em torno do eixo dos xx. Seja em R2 a função T definida por T(x, y) = (x, – y). Geometricamente, T toma cada vetor do R2 e o reflete em torno do eixo dos xx. Essa função, como veremos, é uma transformação linear. 3.1.2 Exemplo. Consideremos a expressão matricial de um sistema de equações lineares Ax = b, onde A é uma matriz mxn, x ∈ Rn e b ∈ Rm. Na condição de equação buscamos conhecer x quando A e b são dados. De outro modo, dada a matriz A, a equação Ax = b, pode ser vista assim: "Diga-me um vetor x em Rn e eu te direi um vetor b em Rm", isto é, a matriz A representa a função com domínio Rn e contra domínio Rm, onde a imagem de cada x ∈ Rn é b = Ax ∈ Rm. Essa função tem as seguintes propriedades: • A(x + y) = Ax + Ay, • A(αx) = αAx com α ∈ R e que caracterizam as transformações lineares. 39 3.1.3 Definição. Sejam V e W dois espaços vetoriais. Uma transformação linear T de V em W é uma função (ou aplicação) que a cada v ∈ V faz corresponder um único T(v) ∈ W e que satisfaz as seguintes duas condições: ∀ u, v ∈ V e ∀α ∈ R, ( i ) T (u + v) = T (u) + T (v); ( ii) T (αv) = αT (v). Observações. ← Nós escrevemos T: V→W para indicar que T aplica vetores do espaço vetorial V em vetores do espaço vetorial W. Isto é, T é uma função com domínio V, contra domínio W e cuja imagem é um subconjunto de W; ↑ T(v) é lido "T de v", de modo análogo à notação funcional f (x), que é lida "f de x"; → Uma transformação linear T: V→V, que tem como domínio e contra domínio o mesmo espaço vetorial V é também chamada de operador linear; ↓ As duas condições (i) e (ii) da definição 2.1.3, acima, podem ser aglutinadas numa só: T(αu + v) = αT(u) + T(v). 3.1.4 Exemplo. Uma transformação linear do R2 em R3. Indicamos dois modos usados para definir uma função. T: R2→ R3; T(x, y) = (x, x – y, y) ou T: R2→R3 (x, y) 6 (x, x – y, y) a) T(2, – 1) = (2, 3, – 1); assim o vetor (2, 3, – 1) ∈ R é a imagem, por T, do vetor (2, – 1) ∈ 3 R2. Do mesmo modo: T(0, 2) = (0, – 2, 2) T(a, a) = (a, 0, a), ∀a ∈ R. 2 b) O vetor do R cuja imagem pela aplicação T seja (2, – 2, 4). (x, x – y, y) = (2, – 2, 4) ⇒ x = 2 e y = 4 Portanto T(2, 4) = (2, – 2, 4). c) Prova de que T é linear Sejam u = (x1, y1) ∈ R2, v = (x2, y2) ∈ R2 e α ∈ R. (i)T(u+ v) = T(x1 + x2, y1 + y2) = (x1 + x2, (x1 + x2) – (y1 + y2), y1 + y2) = (x1 + x2, x1 + x2 – y1 – y2, y1 + y2) = (x1, x1 – y1, y1) + (x2, x2 – y2, y2) = T(x1, y1) + T(x2, y2) 40 = T(u) + T(v) (ii) T(αv) = T(α(x2, y2)) = T( αx2, αy2) = (αx2, αx2 – αy2, αy2) = α (x2, x2 – y2, y2) = α T(x2, y2) = α T(v) Por (i) e (ii), T é uma transformação linear. ♦ 3.1.5 Exemplo. f : R2→ R2 (x, y) 6 (x + 2y, 2x – 3y) a) A imagem de u = (2, 1) pela f é (4, 1), pois f (2,1) = (2 + 2 ⋅1, 2 ⋅ 2 − 3 ⋅1) = (4,1) ; b) A imagem de v = (– 1, 3) pela f é (5, – 11); c) A imagem de u + v pela f é (9, – 10); d) Comparando (c) com (a) e (b) podemos ver que f (u + v) = f (u) + f (v). e) A imagem de 2u pela f é (8, 2). f) Comparando (e) com (a) temos que f (2u) = 2f (u); g) Geometricamente: h) f é linear. Prova: Sejam u = (x1, y1) ∈ R2, v = (x2, y2) ∈ R2 e α ∈ R: (i) f (u + v) = f (x1 + x2, y1 + y2) = (x1 + x2 + 2(y1 + y2), 2(x1 + x2) – 3(y1 + y2) ) = (x1 + x2 + 2y1 + 2y2, 2x1 + 2x2 – 3y1 – 3y2) = (x1 + 2y1, 2x1 – 3y1) + (x2 + 2y2, + 2x2 – 3y2) = f (x1, y1) + f (x2, y2) = f (u) + f (v) 41 (ii) (αv) f= f (α(x2, y2)) = f (αx2, αy2) = (αx2 + 2αy2, 2αx2 – 3αy2) = α (x2 + 2y2, 2x2 – 3y2) = α f (x2, y2) = α f (v) Por (i) e (ii), f é linear. ♦ 3.1.6 Exemplo. A transformação nula é linear. Sejam V e W dois espaços vetoriais e seja T: V→W definida por T(v) = 0, ∀ v ∈ V. Prova. Sejam u, v ∈ V e α ∈ R. (i) T(u + v) = 0 =0+0 = T(u) + T(v) (ii) T(αv) =0 = α.0 = αT(v) Por (i) e (ii), a transformação nula é uma transformação linear. ♦ 3.1.7 Exemplo. Escrevendo a transformação linear nula do R3 em R5, temos: T:R3→R5; T(x, y, z) = (0, 0, 0, 0, 0) ou T:R3→R5 (x, y, z) 6 (0, 0, 0, 0, 0) ou simplesmente T(x, y, z) = (0, 0, 0, 0, 0).♦ 3.1.8 Exemplo. A transformação identidade: I:V→V definida por I(v) = v. a) Verifiquemos que I é linear: Sejam u, v ∈ V e α ∈ R. (i) I(u + v) = u + v = I(u) + I(v) (ii) I(αv) = αv = αI(v) Por (i) e (ii), I é uma transformação linear. 2 3 b) Casos particulares: as funções identidades I1 em R e I2 em R . 42 I1 (x, y) = (x, y) e I2 (x, y, z) = (x, y, z).♦ 3.1.9 Exemplo. Uma transformação reflexão; T: R2→ R2 definida por T(x, y) = (– x, y). a) Interpretando T geometricamente. b) T é linear, pois: Para u = (x1, y1) ∈R2, v = (x2, y2) ∈ R2 e α ∈ R, temos (i) T(u += T(x1 + x2, y1 + y2) = (– x1 – x2, y1 + y2) v) = (– x1, y1) + (– x2, y2) = T(u) + T(v) (ii) T(αv) = T(αx2, αy2) = (– αx2, αy2) = α(– x2, y2) = αT(v).♦ 3.1.10 Exemplo. Uma transformação de Rn → Rm dada pela multiplicação por uma matriz mxn. Seja A uma matriz mxn e T: Rn → Rm definida por T(v) = Av. Aqui Av é o produto da matriz Amxn pelo vetor coluna vnx1. T é linear. Prova. Sejam u, v ∈ Rn e α ∈ R. (i) T(u + v) = A(u + v) = Au + Av (propriedade do produto de matrizes) = T(u) + T(v) (ii) T(αv) = A(αv) = α(Av) = αT(v) (propriedade do produto de matrizes) Por (i) e (ii), a transformação T é uma transformação linear. ♦ Assim: 43 * Toda matriz Amxn pode ser usada para definir uma transformação linear TA: Rn → Rm onde a imagem TA (v) é o produto da matriz Amxn pelo vetor coluna vnx1. 3.1.11 Exemplo. Escrevendo as transformações lineares TA, TB, TC e TD determinadas respectivamente pelas matrizes: ⎡2 − 1⎤ A = ⎢⎢ 3 1⎥⎥, ⎢⎣2 0⎥⎦ 3⎤ ⎡2 B=⎢ ⎥, ⎣4 − 1⎦ C = [1 2 − 3 0] ⎡ 1⎤ e D = ⎢⎢ 0⎥⎥. ⎢⎣− 5⎥⎦ Temos: • TA : R2→ R3; TA (x, y) = (2x – y, 3x + y, 2x), que é a transformação obtida pelo produto da ma⎡ x⎤ triz A3x2 pelo vetor v2x1= ⎢ ⎥ ; y ⎣ ⎦ • TB : R2→ R2; TB (x, y) = (2x + 3y, 4x – y); • TC : R4→ R; TC (x, y, z, t) = (x + 2y – 3z); • TD : R→ R3; TD (x) = (x, 0, – 5x). 3.1.12 Exemplo. Considere os operadores lineares P1, P2 e P3 em R3 definidos por P1(x, y, z) = (x, y, 0), P2(x, y, z) = (x, 0, z) e P3(x, y, z) = (0, y, z). Temos: P1(2, 4, 6) = (2, 4, 0) (fig (a)) P2(2, 4, 6) = (2, 0, 6) (fig (b)) P3(2, 4, 6) = (0, 4, 6) Observemos que P1, P2 e P3 projetam os vetores de R3 nos planos xOy, xOz e yOz, respectivamente. 3.1.13 Exemplo. T: Mmxn→Mnxm; T(A) = At, é a transformação linear transposição. Prova. Seja A, B ∈ Mmxn e α ∈ R: (i) T(A + B) = (A + B)t = At + Bt (propriedade da transposição) = T(A) + T(B) 44 (ii) T(αA) = (αA)t = α(At) = αT(A) (propriedade da transposição) Por (i) e (ii), T é linear. ♦ 3.1.14 Exemplo. Uma transformação não linear f de R em R . f : R → R; f (x) = 2x + 3. Prova. Seja u = x1∈ R, v = x2∈ R e α ∈ R. (i) f (u + v) = f (x1 + x2) = 2(x1 + x2) +3 = 2x1 + 2x2 + 3 f (u) + f (v) (1) = f (x1) + f (x2) = 2x1 + 3 + 2x2 + 3 = 2x1 + 2x2 + 6 (2) Como (1) ≠ (2), temos que f (u + v) ≠ f (u) + f (v), o que é suficiente para provarmos que T não é linear. Podemos usar um contra-exemplo como prova de que f não é linear. f (2 + 5) = f (7) = 17 e f (2) + f (5) = 7 + 13 = 20 Como f (2 + 5) ≠ f (2) + f (5), f não é linear. ♦ Observação. As únicas transformações lineares de R em R são as funções da forma f (x) = mx onde m é um número real qualquer. Ou seja, dentre todas as funções cujos gráficos são retas, as lineares são, somente, aquelas que passam pela origem. Em cálculo, uma função linear é definida na forma f (x) = mx + b. Assim, nós podemos dizer que uma função linear é uma transformação linear de R em R somente se b = 0. 3.1.15 Exemplo. T: R2→ R3; T(x, y, z) = (x2, y, 2z). T não é uma transformação linear. Prova. Tomando os vetores u = (1, 2, – 1) e v = (3, – 1, 4) em R3 temos T(u v) += T(4, 1, 3) = (16, 1, 6) e T(v) T(u) += (1, 2, – 2) + (9, – 1, 8) = (10, 1, 6) Como T(u + v) ≠ T(u) + T(v), T não é linear. ♦ 3.1.16 Propriedades das transformações lineares. Propriedade 1. Se T:V→W é uma transformação linear então T(0) = 0, ou seja, a imagem do vetor 0∈V é o vetor 0∈W. De fato, tomando α = 0 na condição (ii) da definição de transformação linear temos. T(0) = T(0.v) = 0T(v) = 0.♦ 45 Observação. Essa propriedade fornece um argumento rápido para verificar que uma transformação não é linear. No caso do exemplo 2.1.14 veja que f (0) = 3 ≠ 0, e assim, f não é linear. Mas cuidado, o fato de se ter numa transformação a imagem nula para o vetor nulo não implica que ela seja linear. Ver exemplo 2.1.15. Propriedade 2. Se T:V→W é uma transformação linear temos: T(α1v1 + α2v2) = T(α1v1) + T(α2v2) = α1T(v1) + α2T(v2), ∀ α1, α2 ∈ R e ∀ v1, v2 ∈ V. Este fato pode ser generalizado. Assim, T(α1v1 + α2v2+ ⎭ + αnvn) = α1T(v1) + α2T(v2) + ⎭ + αn(vn), ou seja, a imagem de uma combinação linear de vetores de V é a combinação linear, de mesmos escalares, das imagens T(v1), T(v2), ..., T(vn). Um fato muito importante, que decorre dessa propriedade: Uma transformação linear fica completamente determinada se conhecemos as imagens dos vetores de uma base do espaço vetorial domínio. Assim, se T:V→W é uma transformação linear, então nós só precisamos saber como T atua nos vetores de uma base de V para determinarmos a imagem de qualquer outro vetor de V. Para ver esse fato tomemos, β = {v1, v2, ..., vn}, uma base de V e qualquer outro vetor v de V. Como β é uma base de V, existem únicos escalares α1, α2, ..., αn tais que: v = α1v1+ α2v2 + ⎭ + αnvn. Assim, T(v) = T(α1v1+ α2v2 + ⎭ + αnvn) e, sendo T linear, temos T(v) = α1T(v1)+ α2T(v2) + ⎭ + αnT(vn).♦ 3.1.17 Exemplo. Seja a transformação linear T: R3→ R3 e sejam T(1, 0, 0) = (2, 3), T(0, 1, 0) = (– 1, 4) e T(0, 0, 1) = (5, – 3). Vamos usar a propriedade 2 para: a) Calcular T(3, – 4, 5). O vetor (3, – 4, 5) pode ser escrito como combinação linear dos vetores (1, 0, 0), (0, 1, 0) e (0, 0, 1), assim: (3, – 4, 5) = 3(1, 0, 0) + (– 4)(0, 1, 0) + 5(0, 0, 1). Então, T(3, – 4, 5) = T[(3(1, 0, 0) + (– 4)(0, 1, 0) + 5(0, 0, 1)] = 3 T(1, 0, 0) + (– 4) T(0, 1, 0) + 5 T(0, 0, 1). = 3(2, 3) + (– 4)(– 1, 4) + 5(5, – 3) = (6, 9) + (4, – 16) + (25, – 15) = (35, – 22) b) Calcular a imagem de um vetor do R3. Procederemos da mesma maneira, considerando o vetor (x, y, z), que expressa um vetor qualquer do R3. 46 Como (x, y, z) = x(1, 0, 0) + y(0, 1, 0) + z(0, 0, 1), T(x, y, z) = T( x(1, 0, 0) + y(0, 1, 0) + z(0, 0, 1) ) = x T(1, 0, 0) + y T(0, 1, 0) + z T(0, 0, 1) = x (2, 3) + y (– 1, 4) + z (5, – 3) = (2x, 3x) + (– y, 4y) + (5z, – 3z) = (2x – y + 5z, 3x + 4y – 3z) ou seja, a transformação linear T, tal que T(1, 0, 0) = (2, 3), T(0, 1, 0) = (– 1, 4) e T(0, 0, 1) = (5, – 3) é: T:R3→R2; T(x, y, z) = (2x – y + 5x, 3x + 4y – 3z). Retome a parte (a) desse exemplo e confirme o resultado lá obtido. ♦ 3.1.18 Exemplo. Escreva a lei que define a transformação linear f : R2→ R3 sabendo que f (1, 1) = (3, 2, 1) e f (0, – 2) = (0, 1, 0). Solução: Seja (x, y) o vetor genérico do R2. Como {(1, 1), (0, – 2)} não é a base canônica do R2 devemos, primeiro, conhecer as coordenadas de um vetor qualquer do R2, em relação a essa base. Então, escrevendo o vetor genérico do R2 como combinação linear dos vetores (1, 1) e (0, – 2) temos: ⎧ a+0= x x− y (x, y) = a(1, 1) + b(0, – 2) ⇒ ⎨ ⇒a=x e b= . 2 ⎩a − 2b = y Assim: (x, y) = x(1, 1) + x−y (0, – 2) 2 e, agora, podemos conhecer f (x, y). x−y (0, – 2) 2 x- y ⎞ = f ⎛⎜ x(1, 1) + (0, − 2) ⎟ 2 ⎝ ⎠ x−y = x f (1, 1) + f (0, – 2) 2 x−y = x(3, 2, 1) + (0, 1, 0) 2 x−y ⎞ , 0⎟ = (3x, 2x, x) + ⎛⎜ 0, ⎠ ⎝ 2 f (x, y) = f (x(1, 1) + 5x − y ⎞ , x⎟ .♦ = ⎛⎜ 3x , ⎝ 2 ⎠ 47