A Contribuição dos Gregos Essa introdução aos estudos lingüísticos terá início com aqueles que foram os primeiros estudiosos da linguagem: os gregos. Não foi somente no campo lingüístico que os gregos foram os pioneiros, mas toda a vida intelectual da Europa encontra suas origens na Grécia antiga. Isso se deve ao fato de que foi com a civilização grega que se desenvolveu pela primeira vez na história da humanidade uma vontade insaciável de indagação sobre a realidade que a rodeava e sobre a maneira de ser do homem no universo. O que primeiro chamou a atenção dos gregos foi a existência de povos que falavam línguas distintas e de dialetos entre os povos que falavam grego. Isso deu início às investigações e descobertas sobre o fenômeno da linguagem. A primeira conquista foi a criação de um sistema de escrita para a língua grega, no início do primeiro milênio a.C., que serviu de base para o alfabeto ateniense, o qual juntamente com o alfabeto romano, tornaram-se a fonte das formas de escrita mais difundidas atualmente. A história da palavra grammatikós (gramática, em grego) revela que o desenvolvimento e o uso da escrita constituem a pedra angular da erudição lingüística na Grécia. O vocábulo significava aquele que entendia do uso das letras (grámmata) e que, como resultado, podia ler e escrever. Téchné grammatiké era, assim, a arte de ler e escrever. Podemos acompanhar o desenvolvimento da especulação lingüística consciente, ou seja, a reflexão dos homens sobre a natureza e o uso de sua linguagem, a partir do período clássico da literatura grega. Desde o século V, com Sócrates, Platão e Aristóteles já se pode encontrar observações sobre a linguagem, mas apenas com os estóicos é que os estudos lingüísticos passam a constituir um campo de estudos separado, dentro do vasto campo da filosofia. Num de seus diálogos, por exemplo, Platão descreve três interlocutores: Crátilo, Hermógenes e Sócrates, com os quais trata das relações entre a língua e o mundo. A partir do conhecimento da obra de Platão, Aristóteles desenvolveu seu próprio pensamento, conseguindo avançar em relação às posições de Platão. Depois de Aristóteles, os estudos mais importantes para a história da lingüística foram os dos estóicos, com os quais a lingüística conquistou um espaço definitivo dentro da filosofia. Os estóicos formalizaram a oposição entre forma e sentido, estudando a semântica do sistema verbal grego; trataram de forma separada a fonética, a gramática e a etimologia; mas a sua mais importante contribuição situa-se no campo da gramática, em que desenvolveram progressivamente a teoria e a terminologia. Até essa época, os interesses dos antigos sobre a linguagem centrava-se no contexto de indagações filosóficas e lógicas. Entretanto outra motivação se fazia sentir: o estudo do estilo literário, pois, primeiramente, houve uma preocupação com a gramática e a pronúncia “corretas”, que eram as do grego clássico. Posteriormente, quando se estudou a literatura clássica e a obra de Homero, houve necessidade de comentários sobre a língua e o conteúdo dos textos, com o objetivo de que fossem compreendidos por outros leitores. Por isso, a esse período pertencem numerosos glossários de diferentes dialetos, os quais constituem prova das investigações sistemáticas que foram feitas sobre as diferenças entre as variedades do grego que tiveram representação escrita. Desde o início, as questões de linguagem, tendo sempre por base o grego, foram tratadas em termos de duas controvérsias: a discussão entre os defensores da natureza (phýsis) e os partidários do princípio da convenção (nómos ou thésis) e o debate entre analogistas e anomalistas, em que, na opinião dos primeiros, a fala humana a a nossa própria compreensão de como ela funciona estariam sob o domínio do princípio da regularidade ou analogia; enquanto que, na opinião dos segundos, estariam sob o domínio do princípio da irregularidade ou anomalia. Mas é importante compreender o que significa isso de fato, por isso vejamos: de uma maneira geral, o debate gira em torno da importância da ordem (da regularidade) e das irregularidades ( anomalias) primeiro do grego e depois, por implicação das línguas em geral. As regularidades que os analogistas procuravam eram as dos paradigmas formais ( por exemplo, as palavras de mesma categoria gramatical tinham idênticas terminações, como em “salvamento” e “discernimento” ); buscavam ainda descobrir regularidades entre forma e significado, tentando mostrar que palavras comparáveis quanto à forma deveriam ter também significados comparáveis ou “análogos” e vice-versa. Reparem como esses estudos levaram à descoberta dos padrões regulares das línguas, que foram deduzidos dessa analogia, sem a qual os paradigmas de diferentes classes e subclasses de palavras (inicialmente declinações e conjugações em latim) não poderiam ter sido definidos. Por outro lado, os anomalistas (tratavam das irregularidades) demonstraram notável compreensão da estrutura semântica da linguagem, ao rejeitar da equação “uma palavra, um significado”, revelando que os significados das palavras não existem isoladamente e podem variar de acordo com o contexto em que são empregadas. Assim, podemos verificar que essa discusão gerou bonms frutos e que ambas as posições trouxeram importantes contribuições para a lingüística. Em relação à controvérsia natureza-convenção, o debate não chegou a conclusões definitivas, mas posteriormente, um conhecimento superior ao que os gregos tiveram revela-nos que, na maior parte do vocabulário de qualquer língua, prevalece a relação de arbitrariedade e convencionalidade entre forma e significado. De qualquer maneira, as discussões dos gregos antigos pelo menos levantaram o problema. Para resumir, os gregos dedicaram principalmente ao estudo lingüístico de três pontos: a etimologia, a fonética (pronúnica) e a gramática. No primeiro caso, poucos progressos foram feitos. Tentando reconstruir as formas anteriores da palavra, chegou-se muitas vezes a etimologias fantasiosas. Na fonética, os progressos foram maiores: procederam a algumas classificações articulatórias e introduziram a sílaba como unidade estrutural da descrição fonológica. Os estóicos estudaram a fonética da língua grega, considerando os sons da fala como um parte separada dos outros domínios de estudo da linguagem e, com isso, fizeram outros progressos. Porém, foi no campo da gramática que os gregos trabalharam melhor. As teorias, as categorias e a nomenclatura que os antigos configuraram ao estudar a gramática - de sua própria língua - tornaram-se parte do instrumental com o qual trabalha a lingüística descritiva dos nossos dias. Na Antiguidade ocidental, a descrição gramatical teve como base a palavra e o paradigma e não se chegou a desenvolver uma teoria do morfema. Uma gramática que tem por base a palavra deveria ser elaborada procedendo-se, em primeiro lugar, à identificação formal dessa entidade lingüística; depois, as classes de palavras deveriam ser identificadas e, por último, as categorias que as caracterizam de modo relevante teriam que ser depreendidas. Essa foi exatamente a ordem seguida por Dionísio de Trácia, autor da Téchné grammatiké - livro de quinze páginas e vinte e cinco sessões - em que ele apresenta uma explicação da estrutura do grego e cuja única deficiência é a omissão da parte de sintaxe. Mas o seu sistema de classes de palavras e modelo de análise morfológica constituíram a base das formulações sintáticas posteriores. Esse livro permaneceu por treze séculos como obra básica. Os trabalhos posteriores de gramática grega assumiram, então, a forma de desenvolvimento da descrição lingüística resumida de Dionísio e de comentários sobre partes da Téchné. Apolônio Díscolo, que viveu em Alexandria, no século II d. C., deu amplo tratamento à sintaxe, parte menos consistente ou quase nula na obra de Dionísio. Apolônio escreveu muitos livros, mas poucos chegaram aos nossos dias. Assim, como ocorreu com Dionísio, a importância da obra de Apolônio só foi reconhecida pelos seus próprios sucessores, principalmente pelo grande gramático latino Prisciano, que três séculos depois menciona o nome de Apolônio como “a maior autoridade em gramática”, adotando os seus métodos para descrever o latim. A maior contribuição de Apolônio foi a elaboração explícita da descrição sintática dos constituintes nominais e verbais da frase, com base nas relações que há entre verbos e nomes e nas relações de ambos com as outras classes de palavras. O desenvolvimento desses trabalhos prenunciaram o aparecimento das noções de sujeito e predicado e de noções como a regência. No período bizantino, os estudos lingüisticos estavam voltados para os estudos literários de obras do passado. Assim, eram mais usuais os dicionários, os glossários e os comentários, em que predominavam as reelaborações e não a criação de novas obras. (Adaptado de ROBINS, R. H. Pequena História da Lingüística. Rio de Janeiro: Editora Ao Livro Técnico, 2004.)