Microcefalia e demais alterações neurológicas no contexto da epidemia por Zika vírus: implicações para o cuidado Darci Neves dos Santos Instituto de Saúde Coletiva da UFBA Introdução Em qualquer situação o atendimento adequado do recém-nascido inclui o reconhecimento do seu contexto familiar. Toda família se mobiliza com a espera e a chegada dos seus bebês e todas elas vivenciam um processo de adaptação perante a chegada de novo membro. Nesta situação é desejável o fortalecimento da rede de apoio social à família e isto contribui para acomodar de forma satisfatória a nova dinâmica familiar que se instala. Entendemos que as famílias cujos bebês continuam sendo investigados ou já receberam a confirmação de serem acometidos pela microcefalia ou por outra alteração do sistema nervoso central enfrentam uma experiência inusitada de grande intensidade emocional com repercussões importantes sobre suas dinâmicas familiares. O recém-nascido demanda um cuidado imediato no sentido do engajamento em programas individualizados de estimulação precoce, e esta dever ser mantida principalmente nos três primeiros anos de vida, período em que a neuroplasticidade estaria presente para reagir aos estímulos ambientais disponíveis. Ademais, a oferta de serviços em todo período deve contemplar a demanda dos familiares pela centralidade do papel que desempenham enquanto provedores do ambiente social e psicológico capaz de minimizar os danos ao desenvolvimento da criança. O conceito de desenvolvimento diz respeito a uma transformação complexa, contínua, dinâmica e progressiva, a qual inclui crescimento, maturação, aprendizagem e aspectos psíquicos e sociais. A participação do meio ambiente é definitiva porque a constituição de um indivíduo depende da sua interação com o meio social em que vive. Conhecimentos recentes da neurociência nos sugere que a estimulação no momento oportuno pode alterar o curso do desenvolvimento. Portanto, a influência do contexto e qualidade da interação social são extremamente importantes para crianças acometidas por microcefalia ou outra alteração neurológica. A intervenção precoce em bebês de risco fortalece e/ou forma novas conexões neuronais. Seu ambiente familiar precisa ser estimulador, cada troca de posição, troca de roupa, oferta de brinquedos, banho, deve ser acompanhados de estímulos verbais e táteis. A criança deve estar perto dos cuidadores, irmãos, enquanto estiverem trabalhando, conversando, se alimentando ou brincando. Ela precisa participar da dinâmica da casa. Precisamos organizar serviços nos quais crianças acometidas pela malformação congênita, no curso desta epidemia, possam se beneficiar desta estimulação precoce no período no qual acontece maior ganho funcional; isto porque a plasticidade neuronal ainda permite amplitude e flexibilidade para progressão do desenvolvimento nas áreas motoras, cognitiva e de linguagem. Tem sido reconhecido que, quanto mais tarde se inicia a estimulação precoce, mais defasado será o desenvolvimento motor, com perda na área sensorial, refletindo negativamente na noção espacial, esquema corporal, percepção, podendo atingir falta de atenção ou dificuldades cognitivas. Vale lembrar a importância do brincar dado que, nos vários campos de estimulação como auditivo, visual, motor, manual, orofacial, cognitivo e de linguagem, a ludicidade aparece como pressuposto comum, uma vez que, para além de uma estratégia de trabalho, é uma característica da infância. Brincar para a criança é tão importante para o desenvolvimento quanto comer e dormir. Através da brincadeira com objetos, com o próprio corpo, e com o corpo do outro, a criança desenvolve seu repertório motor, sensorial, cognitivo, social e emocional. A orientação para o desenvolvimento de atividades lúdicas pode facilitar as interações entre criança, familiares e profissional de saúde, no âmbito do Programa Saúde da Família (PSF), contribuindo para a estimulação e desenvolvimento infantil diante do potencial dos agentes comunitários de saúde para intervir no ambiente familiar. Neste contexto se manteria a oferta deste cuidado, em articulação com o conjunto de serviços instalados no território, favorecendo aspectos da interdisciplinaridade e intersetorialidade, em sintonia com os serviços provedores do cuidado especializado. Estas iniciativas seriam acompanhadas de supervisão, treinamento e suporte contínuo às equipes da atenção primária, incluindo atividade de matriciamento. Implicações para a oferta de cuidado Pensamos que um Registro de Casos centralizado em cada estado contribuiria para a construção de uma linha de base, e subsequente monitoramento e seguimento dos desfechos do desenvolvimento neurocognitivo a médio e longo prazo. Para viabilizar uma oferta de serviços visando maximizar o desenvolvimento do potencial de cada criança, cabe também um esforço conjugado da Rede de Cuidado Especializado, com os recursos da Atenção Básica para acolhida dos bebês e familiares, disponibilizando a oferta complementar do cuidado o mais próximo possível da residência familiar. A capacitação de equipes multiprofissionais para atuação efetiva nesta rede de cuidados, incluindo Maternidades, Atenção Básica, Rede de Assistência especializada em Saúde Mental, Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) do Sistema Único de Assistência Social, e incorporação precoce da Rede de Educação visa o acolhimento futuro desta geração de crianças no processo de escolarização. Pensamos em estabelecer esta organização nos limites do território, espaço comunitário que abriga moradores e serviços prestadores do cuidado. Iniciativas relativas aos eixos da pesquisa sobre infecção por Zika vírus e ocorrência de microcefalia, além de empreendimentos de combate ao vetor, vêm sendo colocadas, porém é ainda insuficiente o empenho pelo cuidado das Consequências Desenvolvimentais, tornando incompleto o eixo da Assistência no enfrentamento da ocorrência de microcefalia no país. Todavia, material de excelente qualidade já foi disponibilizado pelo Ministério da Saúde através das Diretrizes para Estimulação Precoce a serem viabilizadas pelos Estados. A crise de financiamento atual no setor público não pode nos paralisar perante esta questão, principalmente porque as consequências desenvolvimentais dos defeitos congênitos que enfrentamos perdem a chance de serem minimizadas se a criança e seus familiares não receberem o cuidado adequado na janela de tempo devida. Penso no protagonismo das Universidades Públicas nesta emergência de Saúde Pública, considerando seu corpo de profissionais com conhecimento especializado exigido na temática. Acrescente-se a utilização de estágios curriculares dos últimos anos, e categorias de bolsistas para desempenharem ações na rede de Atenção Básica, se engajando num amplo projeto de Extensão Universitária. Alguns assinalamentos como ponto de partida: Discutir possibilidades desta proposta com Pró-Reitorias de Extensão pela natureza da atividade. Promover um diálogo informado sobre a magnitude do problema, com docentes e representação estudantil de cursos de Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Fisioterapia, Serviço Social, Medicina, Psicologia, Enfermagem, Farmácia, Saúde Coletiva e Educação. Adotar um formato de articulação entre docentes das diferentes disciplinas, para formular uma proposta de trabalho que contemple a interdisciplinaridade, para abordar a complexidade deste cuidado, no contexto da Atenção Básica. Considerar a utilização do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), Atividade Curricular em Comunidade (ACC), Bolsas de Aprimoramento Técnico, além do aproveitamento de estágios curriculares obrigatórios, para inserir alunos supervisionados na provisão do cuidado inicial e oportuno de crianças e familiares, contribuindo também para formação de recursos humanos em Saúde Coletiva.