Tratamento com insulina em pacientes internados

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2014-2015
Diretrizes SBD
Tratamento com insulina em pacientes
internados
Introdução
A administração de insulina é parte
fundamental do tratamento de pacientes com diabetes mellitus tipo 1 (DM1)
e em diversas situações também
daqueles com DM tipo 2 (DM2). A insulina está disponível para o tratamento
do diabetes há mais de 85 anos, mas
somente nas últimas duas décadas que
foram introduzidas importantes alterações nas formulações da insulina, assim
como a generalização da medida da glicemia capilar com mínimo desconforto
para o paciente e com segurança nos
resultados obtidos. Esses fatos, aliados
ao melhor conhecimento da fisiopatologia da doença e da necessidade
da manutenção da glicemia dentro de
alvos bastante estritos, ocasionaram
uma verdadeira revolução no conceito
da melhor terapia possível. O conceito
de bom controle da glicemia envolve
educação do paciente, familiares, cuidadores e médicos para a escolha de
medicamentos e do ajuste das doses
de insulina com base em algoritmos,
além de possibilitar maior flexibilidade
nos hábitos de vida sem perder a qualidade da atenção.
Durante a hospitalização, a hiperglicemia pode afetar negativamente
o balanço hídrico (pela glicosúria e
desidratação), a função imune e a inflamação, pois está associada à depressão da função leucocitária, adesão de
granulócitos, quimiotaxia, fagocitose,
formação de superóxidos, o que pode
aumentar o influxo de polióis e de produtos de glicação avançada. Essas alterações são reversíveis com a correção
da hiperglicemia.
O estado hiperglicêmico do
paciente hospitalizado, até poucos
anos, era visto apenas como um efeito
dos hormônios contrarreguladores em
situações de estresse, como o hormônio
do crescimento (GH), a adrenalina e o
cortisol. Hoje, estudos prospectivos de
intervenção demonstram que a hiperglicemia hospitalar está associada ao
aumento da morbimortalidade e que a
manutenção da glicemia em intervalo
curto reduz esses desfechos. Pacientes
internados em unidade de terapia
intensiva (UTI), em ventilação mecânica e no pós-operatório foram randomizados para dois alvos glicêmicos.
No grupo que manteve glicemia entre
80 e 110 mg/dl houve redução importante da mortalidade (4,6% vs. 8%).
Além disso, houve diminuição de sepse
(-46%), insuficiên­cia renal aguda com
necessidade de diá­lise (-41%), transfusão sanguí­nea (-41%) e neuropatia do
paciente grave (-44%). Foi demonstrado
que a permanência hospitalar aumenta
um dia a cada 50 mg/dl de glicose >
150 mg/dl.
Reserva-se a indicação do uso de
insulina no tratamento do DM2 para diabéticos sintomáticos, com hiperglicemia
grave, em cetoa­cidose ou coma hiperosmolar, ou para aqueles que não respon-
dam ao tratamento com dieta, exercício
e/ou medicamentos anti-hiperglicemiantes em monoterapia ou em combinação. Também está indi­cado o uso de
insulina para pacientes hospitalizados.
Dependendo da situação clínica,
pacientes internados não necessitam
obrigatoriamente de insulinização
sem­pre. No entanto, é opinião geral
que a metformina seja descon­ti­nuada,
principalmente para procedimentos cirúrgicos, mesmo que simples, e
quando da necessidade da utilização
de contraste radiológico, devido ao
risco de acidose láctica e de insuficiên­
cia renal pós-contraste. Outros agentes
orais podem ser mantidos, quando em
si­tua­ção clínica leve, ou pode-se man­
tê-los e adicionar insulina em algumas
situações. Em quadros is­quêmicos, co­ro­narianos e cerebrais, as sulfonilureias
devem ser descon­ti­nuadas.
A dificuldade no manuseio de
pacientes graves com drogas orais, no
entanto, praticamente induz a insulinização naqueles em ambiente hospitalar.
São vários os aspectos a serem avaliados em pacientes internados e em
estado hiperglicêmico para o sucesso
na insulinoterapia. Deve-se avaliar se
a hiperglicemia é recente, relacionada
com o estresse ou se o paciente é diabético. Os níveis de hemoglobina glicada (HbA1c) são de utilidade nesse
caso, pois a hiperglicemia aguda não
aumenta os seus níveis. Se o paciente
for diabético, é necessário saber o tipo
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de diabetes (1 ou 2), quais as medicações estavam em uso e como era o
seu controle metabólico prévio à internação. Como várias medicações têm
efeito hiperglicemiante, é importante
saber quais os medicamentos em uso
e sua real necessidade (como utilização de esteroides, imunossupressores
e antipsicóticos). Para o planejamento
terapêutico deve-se também considerar o tipo de dieta prescrito ao
paciente, se está em jejum, em nutrição
enteral ou parenteral e se recebe infusão de soro glicosado. Consideram-se
também, no planejamento, o horário
das refeições e dos procedimentos
e a necessidade de suspensão das
refeições ou não. Por vezes, situações
clínicas como náu­seas, vômitos ou ano­
rexia podem comprometer a insulini­
zação. Obviamente, é importante
conhecer o grau de treinamento da
enfermagem e orientar com detalhes
todas as características do processo.
Abordagem no estado
perioperatório
Nesse aspecto devemos considerar se
o paciente será submetido à cirurgia
de urgência ou se ela é eletiva.
Em procedimentos de urgência é
essencial que o paciente seja mantido em
ótimo estado de hidratação e que seja
controlado metabolicamente com insulina de ação rápida ou análogos ultrarrápidos. Pode ser utilizado o esquema de
insulina em bomba de infusão. Prepara-se
a solução diluindo-se 100 UI de insulina
regular humana ou análogo ultrarrápido
em 100 ml de soro fisiológico. Assim, ficase com uma solução com 1 UI por ml. A
infusão adequada é ao redor de 0,1 UI/
kg de peso/hora, mas deve ser titulada
pelo monitoramento. Pacientes obesos e
com grande resistência insulínica necessitam de doses maiores. Deve ser estipulada uma meta a ser atingida, em geral
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entre 80 e 150 mg/dl. Assim, por meio
do monitoramento da glicemia capilar,
devemos adequar a velocidade de infusão. Se a glicemia estiver < 100 mg/dl,
recomenda-se interromper a infusão, e se
< 70 mg/dl, iniciar infusão de uma ampola
de glicose a 50% e reavaliar a glicemia. Por
outro lado, se os valores estiverem acima
do limite superior preconizado (150 mg/
dl), aumentar a infusão entre 30% e 50%,
e se estiver com valores muito elevados
(> 300 mg/dl), recomenda-se duplicar
ou mesmo quadruplicar a velocidade de
infusão. Quando o paciente já estiver se
alimentando por via oral (VO) ou mesmo
enteral, é recomendada a troca da via
intravenosa (IV) para a subcutâ­nea (SC)
e, nessa situação, deve-se utilizar insulina
basal (neutral protamine Hagedorn (NPH)
ou análogos de ação prolongada) antes da
refeição matinal. Deve-se iniciar com dose
correspondente a dois terços ou 50% do
total de insulina regular necessário no dia
anterior. Mesmo assim, recomendam-se a
manutenção do monitoramento e a utilização de insulinas rápidas nas refeições.
Para cirurgias eletivas o paciente
deve ser preparado para rea­li­zar o procedimento em um estado metabólico
ótimo. É recomendável que, além do
controle adequado, haja monitorização e identificação das eventuais morbidades associadas, assim como das
complicações crônicas da doen­
ça. A
avaliação cardiovascular prévia é essencial e o paciente necessita avaliações
clínica, laboratorial e eletrocardiográfica. Qualquer suspeita clínica deve ser
seguida de investigação adequada. Para
os pacientes com DM2 e que apresentem outros fatores de risco como hipertensão arterial, dislipidemia, tabagismo
e história de eventos cardiovasculares
prévios ou mesmo história familiar, essa
investigação deve ser bem detalhada.
O tipo de terapia de controle glicêmico durante o perío­do perioperatório vai depender dos tipos de dia-
betes, do grau de controle glicêmico
prévio, do tipo de terapia prévia e do
tipo de cirurgia.
Recomenda-se a suspensão do
eventual uso de metformina dois dias
antes do procedimento. Se a doença
está bem controlada e o paciente
em uso de agentes hipoglicemiantes
orais, esses devem ser suspensos no
dia da cirurgia, devendo-se controlar
o paciente com insulina prandial. Aos
pacientes que já utilizam insulina devese administrar glicose para evitar hipoglicemia e tratar com insulina regular
ou análogo ultrarrápido. Aqueles que
utilizam drogas orais geralmente não
necessitam de insulina para cirurgias
pequenas e procedimentos diagnósticos não invasivos. Para cirurgias maiores usa-se insulina, e a melhor técnica
é administrar com bomba de infusão,
como descrito anteriormente.
Tratamento em situações
clínicas críticas
Uma situação frequente em clínica é
a descompensação glicêmica pós-infarto do miocárdio. Devido à elevação
dos hormônios contrarreguladores,
cortisol e catecolaminas, que acontece
pela situação de estresse agudo, ocorre
uma elevação da glicemia. Esta hiperglicemia se acompanha de mortalidade
intra-hospitalar elevada tanto em
pacientes
já
reconhecidamente
diabéti­cos como em não diabéticos.
Nessa situação é essencial a manutenção da glicemia dentro de um intervalo
estreito como entre 100 e 150 mg/dl.
Também é essencial que se evitem
situações de hipoglicemia devido ao
risco cardiovascular associado (prolongamento do intervalo QT e risco
de taquiarritmia). No estudo Diabetes
and Insulin-Glucose Infusion in Acute
Myocardial Infarction (DIGAMI) ficou
demonstrado que a infusão de glicose,
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insulina e potássio no perío­
do imediato pós-infarto melhora a sobrevida a
longo prazo tanto em diabéticos como
em não diabéticos. O exato mecanismo desse efeito não é totalmente
conhecido, mas deve ser lembrado que
a ação energética dos ácidos graxos
livres no miocárdio normal passa a ser
fator desencadeante de sobrecarga de
cálcio e arritmia em miocárdio is­quêmico. Em estudos experimentais, ficou
demonstrado que ácidos graxos livres
aumentam a demanda de oxigênio no
miocárdio is­quêmico e reduz a contratilidade m
­ uscular cardía­ca. A administração de insulina reduz os ácidos graxos livres e facilita a captação de glicose
pelo miocárdio. Também reduz a degradação proteica do miocárdio e reduz o
tromboxano A2 (TXA2) e a atividade do
inibidor do ativador do plasminogênio
(PAI-1).
Em outras situações clínicas graves, o princípio de insulinização é
semelhante à condição descrita para o
infarto do miocárdio.
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