Prevalência de anticorpos anti-virus da hepatite C em pacientes em

Propaganda
40
J. Bras. Nefrol. 1995; 17(1): 40-46
Prevalência de anticorpos anti-virus da hepatite C em pacientes
em hemodálise crônica de Porto Alegre
Cristina Karohl, Roberto Ceratti Manfro, Martha Ber gman Senger, Fer nando Saldanha
Thomé, Luis Felipe Santos Gonçalves, Marília Rigatto, Carlos Alberto Prompt
Com o objetivo de estudar a prevalência de anticorpos anti-HCV e os fatores associados a infecção, avaliamos, através de um teste ELISA de 2ª geração, 242 pacientes em hemodiálise crônica. Setenta e dois pacientes (29,8%) apresentaram anticorpos anti-HCV. Encontrou-se uma
correlação estatisticamente significativa com a duração do tratamento hemodialítico. Idade,
sexo, transfusões sangüíneas, transplante renal prévio, HBsAg e uso de drogas endovenosas não
apresentaram relação significativa com a presença do anti-HCV. Em conclusão há uma elevada
prevalência de anticorpos anti-HCV nos pacientes em hemodiálise crônica. A presença da infecção parece estar associada ao prolongamento do tratamento dialítico.
Serviço de Nefrologia, Hospital das Clinicas de Porto Alegre. Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Brasil.
Endereço para correspondência: Dr. Roberto C. Manfro
Rua Almirante Barroso 750 — Porto Alegre, RS
90220-020 — Fax-Fone: (051) 222-2779
Hepatite C, anti-HCV, Insuficiência renal crônica, hemodiálise
Hepatitis C virus, kidney failure chronic, hemodialysis
Apesar da implantação de diversas medidas de
controle da transmissão do vírus da hepatite B (HBV),
a doença viral hepática continua sendo um problema
importante nas unidades de hemodiálise crônica (HD).
Atualmente, a hepatite Não-A Não-B (HNANB) é considerada a principal causa de hepatite nos pacientes
em hemodiálise. 1 O desenvolvimento de testes sorológicos paraa detecção do anticorpo contra o vírus
da hepatite C (anti-HCV) permitiu concluir que aproximadamente 80-90% dos pacientes previamente diagnosticados como apresentando HNANB estão, na realidade, infectados pelo vírus da hepatite C (HCV). 2-5 A
prevalência de pacientes portadores do anti-HCV na
população de urêmicos crônicos em tratamento com
hemodiálise varia de 1% a 68% em diferentes séries
representando um grave problema nas unidades de
hemodiálise com elevados índices de contaminação. 6-15
As formas de transmissão do HCV ainda não foram
devidamente elucidadas. Existem achados contraditórios em relação ao papel das transfusões sangüíneas e
da transmissão nosocomial. 6,10-12 A importância prognóstica da infecção pelo HCV está no fato de que ela,
a longo prazo, evolui para doença hepática crônica em
cerca de 50% dos portadores e que cerca de 20% dos
indivíduos infectados desenvolvem cirrose hepática. 2,4
Adicionalmente a influência a longo prazo da imunossupressão na progressão da doença hepática pelo
HCV não é clara no presente momento o que pode limitar o acesso desses pacientes ao transplante renal.
O presente estudo foi feito com o objetivo de determinar a prevalência de anticorpos anti-HCV e as
principais condições associadas à infecção por esse vírus em um grupo de pacientes com insuficiência renal
crônica terminal (IRC) em tratamento hemodialítico.
Pacientes e Métodos
A população em estudo consistiu de 242 pacientes
com IRC em tratamento hemodialítico em 5 unidades
de hemodiálise na área metropolitana de Porto Alegre
no período de novembro de 1991 a abril de 1992. O
J. Bras. Nefrol. 1995; 17(1): 40-46
41
C. Karohl et. al - Anti-HCV em hemodiálise crônica
regime de diálise prescrito era de 2 ou 3 sessões semanais de 4 horas, de acordo com a função renal residual
de cada paciente. Em todos os serviços participantes
os pacientes portadores de antígeno de superfície da
hepatite B (HBsAg) são dialisados em máquinas e salas separadas. De cada paciente foi coletada uma
amostra de soro e investigou-se a presença de anticorpos anti-HCV e do HBsAg.
Os métodos utilizados foram os enzima-imunoensaios (ELISA): Monolisa, (Pasteur-França) para a
pesquisa dos anticorpos anti-HCV e Organon, (Holanda) para a detecção do HBsAg. O Monolisa antiHCV (Pasteur-França) utiliza antígenos recombinantes
do HCV para a detecção de anticorpos dirigidos ao vírus C no soro ou plasma. Essas proteínas recombinantes correspondem aos segmentos antigênicos codificados pelas regiões estrutural e não estrutural do
genoma do HCV e constituem a fase sólida do teste.
Foram também avaliadas as distribuições por sexo,
etiologia da IRC, presença de transplante renal prévio
e uso de drogas ilícitas intravenosas. Adicionalmente
correlacionou-se aos resultados das pesquisas de
anticorpos as médias do número de transfusões sangüíneas, tempo em tratamento hemodialítico e níveis
séricos da alanina aminotransferase (ALT). A ALT foi
determinada por método enzimático e valores superiores a 22 UI/l foram considerados anormais.
As análises estatísticas foram feitas utilizando-se os
seguintes testes: teste t de student não pareado; quiquadrado corrigido; análise de variância, sempre que
apropriados. Também foi realizada análise multivariada
por regressão logística. Valor de p menor do que 0,05
foi requerido para significância estatística. As razões
de chances (riscos relativos estimados) dos diferentes
fatores de risco para a infecção pelo HCV foram calculados e estão apresentados como razão de chances
com os respectivos inter valos de confiança de 95%.
Resultados
Anticorpos anti-HCV foram detectados em 72 pacientes, ou seja, uma prevalência de 29,8% na população estudada. As prevalências em separado das 5
unidades variaram de 6,2 a 41,1% e podem ser observadas na Tabela 1, onde também se encontram, discriminadas por unidade de diálise, as médias de tempo
de tratamento dialítico e as médias do número de
transfusões sangüíneas por paciente. Na análise de
variância encontra-se que a Unidade 2 apresenta média de tempo de tratamento hemodialítico significativamente superior às Unidades 3 e 4 (Tabela 1). Da mesma for ma, em relação ao número de transfusões
sangüíneas, obser va-se que a Unidade 1 apresenta número médio de transfusões significativamente maior
que a Unidade 4. Quando esses fatores foram considerados conjuntamente, na análise multivariada observou-se que a unidade número 3 apresenta risco relativo estimado de 0.176 (intervalo de confiança de 0,0380,81; p<0,05) para transmissão do HCV (Tabela 4).
Pacientes anti-HCV positivos vinham sendo hemodialisados por períodos de tempo significativamente superiores aos negativos (Tabela 2). A análise da Figura 1 revela que a prevalência de positividade do antiHCV aumentou progressivamente com o tempo em tratamento dialítico. Dessa forma, 14,1% dos pacientes
com até 1 ano de hemodiálise apresentaram anticorpos
anti-HCV, o mesmo ocorrendo com 66,7% dos pacientes
que vinham em tratamento dialítico por mais de 5 anos
(Qui-quadrado); p<0,001). Analisando-se apenas os pacientes nunca transfundidos encontrou-se que os pacientes com anticorpo anti-HCV (n=18) apresentaram
média de tempo de tratamento dialítico superior aos
negativos (n=60; 30,2 ± 38,6 versus 16,3 ± 19,6 meses,
respectivamente). No entanto, essa diferença não alcançou significância estaística (teste t; p= 0,120).
Tabela 1
Prevalência de anticorpos anti-HCV em pacientes urêmicos crônicos em cinco unidades de hemodiálise da área metropolitana de Por to Alegre
Unidade
1
2
3
4
5
Total
Pacientesem HD (n)
42
125
31
27
17
242
Anti-HCV+ n (%)
13
46
2
4
7
72
(30,9)
(36,8)
(6,4)
(14,8)
(41,1)
(29,8)
Meses em HD*
27,0
35,8
16,4
14,7
35
29,4
±
±
±
±
±
±
25,8
32,9
17,2
11,7
35,9
29,6
Unidades de sangue **
5,8
3,2
3,3
2,0
2,3
3,5
* ANOVA p<0,005; Diferenças estatisticamente significativas nas comparações das unidades 2 e 3; 2 e 4; p<0,01.
** ANOVA p<0,05; Diferença estatisticamente significativamente nas comparações das unidades 1 e 4; p<0,01.
±
±
±
±
±
±
7,2
7,1
3,9
4,0
2,9
6,4
42
J. Bras. Nefrol. 1995; 17(1): 40-46
C. Karohl et. al - Anti-HCV em hemodiálise crônica
Tabela 2
Comparações entre os grupos de pacientes anti-HCV positivos e negativos. Variáveis contínuas
Parâmetros
Anti-HCV+
Idade (anos)
Tempo em HD (meses)
Nº de transfusões
ALT (IU/L)
49,9
47,6
4,2
20,5
±
±
±
±
Anti-HCV-
13,5
37,5
6,2
10,7
49,2 ±
21,7 ±
3,1 ±
16,8 ±
p
15,2
21,4
6,4
15,4
NS
<0,001
NS
<0,05
Dados expressos como média ± desvio padrão; ALT = Alanina-aminotransferase; NS = Não significativo; p = nível de significância.
100 —
% pacientes
80 —
30.6
14.1
1234567
1234567
1234567
1234567
1234567
12345678
12345678
12345678
12345678
12345678
12345678
12345678
12345678
12345678
12345678
66.7
12345678
12345678
12345678
12345678
12345678
12345678
12345678
12345678
12345678
12345678
12345678
12345678
12345678
12345678
12345678
12345678
12345678
12345678
12345678
12345678
= < 1 ano
> 1 a 5 anos
> 5 anos
60 —
40 —
20 —
0—
Figura 1 - Prevalência de anticorpos anti-HCV em pacientes urêmicos crônicos de
acordo com o tempo de tratamento hemodialítico; p<0,001.
Não ocorreu diferença estatisticamente significativa
na média do número de transfusões sangüíneas feitas
pelos grupos de pacientes anti-HCV positivos e negativos (Tabela 2). Entretanto, 24,8% dos pacientes que
receberam 3 ou menos transfusões sangüíneas apresentaram presença de anticorpos anti-HCV, enquanto
que esta positividade ocorreu em 43,08% dos pacientes com mais de 3 transfusões (Razão de chances: 2,29;
p=0,006). No entanto, a análise mutivariada não sustentou esta correlação.
A análise dos níveis séricos de ALT foi feita excluindo-se os pacientes HBsAg positivos. desta maneira, a média dos níveis de ALT foi significativamente
mais elevada nos pacientes anti-HCV positivos (Tabela
2). No entanto, o valor médio da ALT nesses pacientes
ficou dentro da faixa normal (20,5±10,7 UI/l). Analisando-se todos os pacientes com níveis elevados de
ALT (n=40) encontrou-se: 3 pacientes HBsAg positivos;
17 anti-HCV positivos; 2 HBsAg e anti-HCV positivos;
e 18 HBsAg e anti-HCV negativos. O risco relativo estimado para disfunção hepática, avaliada por alteração
da ALT, foi de 2,6 (1,2 a 5,7) comparando-se os pacientes anti-HCV positivos e negativos (Tabela 3).
Cinco pacientes apresentaram a concomitância de
anticorpos anti-HCV e HBsAg no soro. O nível médio
de ALT desses pacientes foi de 37,0 ± 30,1 UI/l. Os
valores para os pacientes anti-HCV positivos e HBsAg
psoitivos foram respectivamente 20,5 ± 10,7 e 16,1 ±
7,8 UI/l. Não ocorreram diferenças com significância
Tabela 3
Comparações entre os grupos de pacientes anti-HCV positivos e negativos. Variáveis categóricas
Parâmetro
Sexo
Transfusão prévia (S/N)
Transplante prévio (S/N)
HBsAG (+/-)
ALT elevada (S/N)
Uso de drogas EV (S/N)
Anti-HCV
+
-
RC
(IC)
38/34
54/18
8/64
5/67
17/42
1/71
103/67
110/60
7/163
16/154
18/115
1/168
0,7
1,6
2,9
0,7
2,6
2,3
(0,4-1,3)
(0,9-3,2)
(0,9-9,8)
(0,2-2,2)
(1,1-5,9)
(0,3-188)
RC = Razão de chances; IC = Intervalo de confiança de 95%; M/F = masculino/feminino;
S/N = Sim/Não; +/- = positivo/negativo; p = nível de significância.
p
NS
NS
<0,05
NS
<0,02
NS
J. Bras. Nefrol. 1995; 17(1): 40-46
43
C. Karohl et. al - Anti-HCV em hemodiálise crônica
estatística na comparação do grupo de pacientes positivos para os dois marcadores com os grupos exclusivamente anti-HCV ou HBsAg positivos. Da mesma forma a comparação dos níveis da ALT entre esses dois
últimos não apresentou diferença com significância estatística.
Transplante renal prévio correlacionou-se positivamente com a presença de anticorpos anti-HCV (Tabela 3). Entretanto, na análise multivariada, transplante
renal prévio não se caracterizou como um fator de risco independente. (Risco relativo 0,98; IC 0,23 a 4,11;
p=0,97) (Tabela 4). No sub-grupo de 15 pacientes previamente transplantados e que perderam os enxertos,
observou-se que o tempo em tratamento dialítico foi
significativamente maior nos paciente anti-HCV positivos do que nos negativos (teste t; 89,1 ± 35,6 versus
46,5 ± 31,9 meses; p< 0,03). Mais uma vez a diferença
nas médias do número de transfusões sangüíneas, apesar de maior no grupo de pacientes anti-HCV positivos, não alcançou significância estatística (teste t;
9,8 ± 8,1 versus 4,1 ± 5,5 transfusões; p>0,1).
Comparando os pacientes anti-HCV positivos e negativos não se observaram diferenças com significância
estatística nas médias de idade. Da mesma forma, não
houve diferenças nas distribuições por sexo, etiologia
da insuficiência renal crônica, presença ou não do
HBsAg e uso de drogas ilícitas (Tabelas 2 e 3).
A análise multivariada dos fatores de risco associados a positividade do anti-HCV revela que somente
o tempo de duração do tratamento em hemodiálise foi
um fator de risco independente para aquisição do
HCV (Risco relativo: 1,033; intervalo de confiança: 1.01
- 1.04; p< 0.001). Os demais fatores, quais sejam: transfusões sangüíneas, transplante renal prévio, sexo, idade e positividade do HBsAg não apresentaram risco
relativo significativo (Tabela 4).
Discussão
Doença hepática viral continua sendo um problema importante nas unidades de hemodiálise. Atualmente, entre os vírus hepatotrópicos conhecidos, o vírus da hepatite C parece ser o mais frequente em pacientes com insuficência renal crônica em tratamento
hemodialítico. Adicionalmente, pacientes em tratamento com hemodiálise representam um grupo de risco
para aquisição do HCV quando comparadas as prevalências de anticorpo anti-HCV encontradas em grupos de doadores de sangue saudáveis. 3,16
No presente estudo demonstrou-se que 29,8% dos
pacientes em hemodiálise nas 5 unidades avaliadas
apresentaram positividade para o anticorpo anti-HCV
quando pesquisados por um teste ELISA de segunda
geração. Esta prevalência elevada está de acordo com
as encontradas em outras séries publicadas nas quais
houve variação de 1% a 68%. 6-15
Os modos de transmissão do HCV ainda não foram claramente estabelecidos. Existem relatos contraditórios com relação as transfusões sangüíneas e ao
tempo em hemodiálise como fatores relacionados a infecção. No presente estudo os pacientes anti-HCV positivos vinham em tratamento hemodialítico por períodos de tempo significativamente maiores que os pacientes anti-HCV negativos (Tabela 2). Em concordância
com o que tem sido reportado em diversos estudos a
duração mais prolongada de tratamento hemodialítico
foi demonstrada ser o principal fator relacionado a infecção pelo HCV. 6,10,11,16-18. O modo como o vírus é
transmitido na hemodiálise não é conhecido. Especula-se, a exemplo do que acontece com o HBV, que esteja relacionado ao próprio procedimento hemodialítico, ou seja, por transmissão horizontal, por via
percutânea ou permucosa, resultante de aerossóis ou
Tabela 4
Fatores associados com a presença do anticorpo anti-HCV. Análise multivariada
Variáveis
Idade
Sexo
Hemodiálise (tempo)
Transfusões
HBsAG
Transplante
Unidade 3
CC
RC
(IC)
0,0056
-0,4673
0,0325
-0,0399
-0,7349
-0,0200
-1,7371
1,006
0,627
1,033
0,961
0,480
0,980
0,176
(0,98-1,02)
(0,33-1,19)
(1,01-1,04)
(0,84-1,08)
(0,13-1,69)
(0,23-4,11)
(0,03-0,81)
CC = coeficiente de correlação; RC (IC) = razão de chances (intervalo de confiança); p = nível de significância.
p
0,63
0,15
0,0001
0,53
0,25
0,97
0,02
44
J. Bras. Nefrol. 1995; 17(1): 40-46
C. Karohl et. al - Anti-HCV em hemodiálise crônica
gotículas durante a canulação das fístulas, acidentes de
diálise com derramamento de sangue e por contato
com material usado por pacientes contaminados. O relato de que soroconversão ocorre em pacientes que
dialisavam em proximidade com pacientes anti-HCV
positivos sugere que a transmissão possa ocorrer durante o procedimento. 8,19,20 Deve-se lembrar, contudo,
que há contrastes entre o HCV e o HBV, tais como:
pacientes infectados pelo HBV podem ter 10 8 vírus
circulantes/ml de plasma, 21 ao passo que o HCV circula em baixos títulos no soro infectado. O HBV pode
permanecer estável em superfícies ambientais na ausência de qualquer sangue visível, 22 e sobreviver por,
pelo menos, 7 dias 23 e, a transmissão do HCV através
do ambiente não foi demonstrado, além disso, a degradação rápida do vírus pode ocorrer quando o soro
contendo o vírus é deixado à temperatura ambiente. 24
Interessantes estuds sobre a variabilidade genômica do HCV, como o de Shimizu e col. 25 apoiam a
idéia de que poucos pacientes recuperam-se de infecção pelo HCV e a maioria torna-se portador do vírus,
mesmo na ausência de doença hepática ativa como
sustentado por Alter e col. 26 Na unidade de diálise os
infectados pelo HCV constituem o reser vatório viral,
possivelmente atuando como uma fonte de disseminação interna.
Em relação às transfusões sangüíneas, diferentes
relatos são obser vados quanto ao seu papel como um
dos fatores na transmissão do HCV nos pacientes em
hemodiálise. 6,11,16-18,27 Nesse estudo não se encontrou
relação entre o número médio de transfusões sangüíneas e positividade para o anticorpo anti-HCV (Tabela 3). Além disso, 18 dos 72 pacientes anti-HCV positivos (25%) nunca haviam sido transfundidos até o
momento da coleta do soro para a pesquisa. A comparação das médias de tempo de tratamento hemodialítico nos pacientes anti-HCV positivos com os antiHCV negativos, nunca transfundidos, não apresentou
significância estatística. No entanto o fato de que um
número maior de pacientes anti-HCV positivos terem
recebido mais de 3 transfusões sangüíneas leva-nos a
supor que as transfusões possam estar associadas a
transmissão do HCV. Essa afirmativa , no entanto, não
encontra suporte nos dados da análise multivariada.
Por outro lado é possível que, devido as características
retrospectivas dos dados secundários do estudo, um
número variável de transfusões sangüíneas possa não
ter sido anotado em cada centro, criando um potencial
para erro tipo II.
Quinze pacientes haviam sido previamente transplantados e perderam o enxerto. Desses, oito (53,3%)
apresentaram positividade para os anticorpos antiHCV. Esta percentagem de positividade foi superior à
encontrada em um estudo na população de pacientes
transplantados renais acompanhados na nossa instituição (39,5%). 28 Transplante renal prévio não apresentou cor relação significativa com infecção pelo
HCV na presente amostra. Entre os previamente
transplantados o período de tempo em tratamento
dialítico do sub-grupo anti-HCV positivo foi mais prolongado do que do grupo negativo. Encontrou-se
também um número médio maior de transfusões
sangüíneas no sub-grupo anti-HCV positivo, porém a
diferença não alcançou significância estatística. A infecção parece ter sido adquirida durante o período
em hemodiálise. Não se pode, no entanto, descartar a
possibilidade de transmissão pelo órgão transplantado. 29
O HCV é responsável por importante morbidade
na população geral. Doença hepática crônica, cirrose e
mesmo carcinoma hepatocelular têm sido descritos. 2,4
Até recentemente as evidências de doença hepática em
urêmicos crônicos portadores do HCV eram apenas
bioquímicas. Alteração de provas de função hepática,
principalmente transaminases, são comumente encontradas nesta população. 6,11,16 No presente estudo,
embora as médias se encontrem nos limites da
nor malidade, encontrou-se níveis de ALT significativamente superiores nos pacientes anti-HCV positivos
quando comparados aos negativos. Visto de outra forma, anticorpos anti-HCV foram encontrados em uma
porcentagem significativa dos casos que apresentaram
transaminases séricas elevadas. Um estudo recente,
feito em pacientes em hemodiálise crônica, mostrou
através de biópsias hepáticas que a hepatite C pode
evoluir para doença hepática crônica, cirrose e mesmo
carcinoma hepatocelular. Ficou também demonstrado
que o grau de lesão hepática não se correlaciona com
o padrão das transaminases, o que deve fazer com que
se avalie com parcimônia os dados relativos às transaminases nos pacientes urêmicos crônicos portadores
de anticorpos contra o vírus da hepatite C. 19
Foram encontradas diferenças nas prevalências de
HCV entre as 5 unidades de hemodiálise estudadas
(6,2 a 41,1%) (Tabela 1). As razões para estas variações
entre as unidades assim como aquelas encontradas
nos diferentes estudos não são conhecidas. Elas podem refletir diferenças de exposição intra-institucional,
medidas de controle de infecção como rastreamento
de doadores de sangue para HCV, diferentes tempos
de tratamento hemodialítico ou diferentes testes usados para detecção do anti-HCV. Interessantemente a
J. Bras. Nefrol. 1995; 17(1): 40-46
45
C. Karohl et. al - Anti-HCV em hemodiálise crônica
Unidade 3 desse estudo apresentou a menor prevalência e um risco relativo baixo de transmissão quando comparada aos demais centros. As razões pelas
quais esta unidade apresenta menor prevalência não
puderam ser elucidadas neste estudo.
No presente estudo os resultados positivos para o
anti-HCV não foram confirmados por RIBA II (Recombinat Immunoblot Assay) ou pela pesquisa do RNA
mensageiro do HCV. No entanto, o teste utilizado,
ELISA de segunda geração, detecta cerca de 90% dos
casos de hepatite C 27,30 e, como recentemente foi relatado, demonstra presença de viremia, ou seja, infecção
ativa pelo HCV. 31,32 Assim, os elevados índices de contaminação pelo HCV da população de urêmicos crônicos em hemodiálise, muitos em lista de espera para
transplante renal e a possibilidade de apresentarem
infecçcão ativa levam a uma importante preocupação à
medida que um significativo percentual destes pacientes podem evoluir para doença hepática crônica, cirrose e mesmo carcinoma hepatocelular. O impacto do
HCV na morbidade e na sobrevida dos pacientes, tanto em diálise quanto no período pós-transplante, não
está claramente definido. No entanto, o conhecimento
dos efeitos da infecção pelo vírus da hepatite B em
pacientes transplantados renais deve alertar para os
possíveis riscos que possam estar relacionados ao
HCV. 33,34
A história natural e o prognóstico a longo prazo
da infecção pelo vírus da hepatite C nos pacientes em
hemodiálise ainda não foram claramente deter minados. 35 O fato de que ela pode progredir para doença
hepática crônica, cirrose e carcinoma hepatocelular,
leva a necessidade de estudos prospectivos com o intuito de avaliar o impacto na sobrevida dos pacientes
assim como as vias de transmissão nos pacientes renais crônicos em tratamento hemodialítico. No momento, recomenda-se medidas de prevenção como uso
de técnicas assépticas, com particular atenção na limpeza e desinfecção de instrumentos e superfícies
ambientais da unidade de diálise, lavagem freqüente
das mãos e uso de luvas no contato com os pacientes
e materiais. O isolamento dos pacientes anti-HCV positivos em salas apropriadas, como tem sido orientado
nos casos de HBV, é uma medida a ser discutida e
possivelmente adotada com o objetivo de limitar a
transmissão do HCV entre os pacientes em hemodiálise e dessa forma evita a morbidade e talvez a mortalidade relacionada a infecção.
Por fim, a importância da infecção pelo HCV nos
pacientes transplantados renais aguarda melhor defi-
nição. Resultados de estudos com seguimento curto
não mostraram diferenças significativas nas sobrevidas
de pacientes infectados ou não. No entanto, outros resultados preliminares apontam para menores sobrevidas de enxertos de pacientes anti-HCV positivos
em determinados grupos étnicos. 36,37
Agradecimentos
Aos membros das Equipes de Nefrologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Hospital Ernesto
Dorneles, Hospital Maia Filho, Hospital Petrópolis e
Hospital Vicente de Paulo.
Summary
The objective of the study was t evaluate the prevalence of anti-HCV antibodies among chronic
hemodialysis patients. An ELISA II test was undertaken
and 72 out of 242 patients had positive test, giving an
overall prevalence of 29,8%. Patients with anti-HCV
antibodies have been kept on hemodialysys treatment
for periods longer than negatives (p<0,0001). neither
age, gender, blood transfusions, previous transplants,
HBsAG or IV drug abuse were significantly correlated
with the infection. In conclusion, there is an elevated
prevalence of anti-HCV antibodies among chronic
hemodialysis patients which seems to be related to the
time that patients are on dialysis treatment.
Referências
1.
Koretz RL, Stone O, Mousa M, Gitnick G: The pursuit of hepatitis
in dialysis units. Am J Nephrol 1984; 4: 222-226
2.
Alter HJ, Purcell RH, SHIH JW, Melpolder JC, Houghton M, Choo
Q, Kuo G: Detection of antibody to hepatitis C virus in
prospectively followed transfusion recipients with acute and
chronic non-A, non-B hepatitis. new Engl J Med 1989; 321: 14941500
3.
Esteban JI, Viladomiu L, Gonzales A et al: Hepatitis C virus
antibodies among risk groups in Spain. Lancet 1989; 2: 294-297
4.
Tremolada F, casarin C, tag ger A et al: Antibody to hepatitis C
virus in post-transfusion hepatitis. Ann Intern Med 1991; 114: 277281
5.
Yoshida CFT, Takahashi C, Gaspar AMC, Schatzmayr HG, Ruzany
F: Hepatitis C virus in chronic hemodialysis patients with non-A,
non-B hepatitis. Nephron 1992; 60: 150-153
6.
Alivanis P, Der veniotis V, Dioudis C, Grekas D, Mandraveli P,
Vasiliou S, Tourkantonis A: Hepatitis C antibodies in hemodialysed
and in renal transplant patients: correlation with chronic liver
disease. Transplant Proc. 1991; 23: 2662-2663
7.
Almroth G, Ekermo B, Franzen L, Hed J: Antibody responses to
hepatitis C virus and its modes of transmission in dialysis patients.
Nephron 1991; 59: 232-235
46
J. Bras. Nefrol. 1995; 17(1): 40-46
C. Karohl et. al - Anti-HCV em hemodiálise crônica
8.
Calabrese G, Vagelli G, Guaschino R, Gonella M: Transmission of
anti-HCV within the household of hæmodialysis patients. Lancet
1991; 38: 1466
9.
Jeffers LJ, Perez GO, Medina MD et al: Hepatitis C infection in two
urban hemodialysis unit. Kidney Int 1990; 38: 320-322
10. Kallinowski B, Theilmann L, Gmelin K et al: Prevalence of
antibodies to hepatitis C virus in hemodialysis patients. Nephron
1991; 59: 236-238
11. Knudsen F, Wantzin P, Rasmussen K et al: Hepatitis C in dialysis
patients: relationship to blood transfusions, dialysis and liver
disease. Kidney Int 1993; 43: 1353-1356
12. Lin HH, Huang CC, Sheen IS, Lyn DY, Liaw YF: Prevalence of
antibodies to hepatitis C virus in the hemodialysis unit. Am J
nephrol 1991; 11:192-194
13. Zeldis JB, Depner TA, Kuramoto IK, Gish RG, Holland PV: The
prevalenceof hepatitis C virus among hemodialysis patients. Ann
of Intern Med 1990; 112: 958-960
14. Brind AM, Codd AA, Cohen BJ, gabriel FG, Collins JD, James OF,
Basendine MF: Low prevalence of antibody to hepatitis C virus in
north east England. J Med Virol 1990; 32: 243-248
15. Yoshida CFT, Takahashi Y, Vanderborght BOM, Rouzere CD, França MS, Takahashi C, Takamizawa A, Yoshida I, Schatzmair HG:
Antibodies against non-strutural c100/3 and strutural core antigen
of hepatitis C virus (HCV) in hemodialysis patients. Rev Inst Med
Trop 1993; 35: 315-321
16. Machida J, Yamaguchi K, Ueda S et al: High incidence of hepatitis
C virus antibodies in hemodialysis patients. nephron 1992; 60:
117-118
24. Cuypers HT, Bresters D, Winkel IN, Reesink HW, Weiner AJ,
Houghton M, Van-der-Poel CL, Lelie PN: Storage conditions of
blood samples and primer selection affect the yield of cDNA
polymerase chain reaction products of hepatitis C virus. J Clin
Microbiol 1992; 30: 3220-3224
25. Shimizu YK, Hijikata M, iwamoto A, Alter HJ, Purcell RH,
Yoshikura H: Neutralizing antibodies agaisnt hepatitis C virus and
the emergence of neutralization escape mutant vir uses. J Virol
1994; 68: 1494-1500
26. Alter Mg, Margolis HS, Krawczynski K, Judson FN, mares A,
Alexander J, Hu Py, Miller JK, Gerber MA, Sampliner RE, Meeks
EL, Beach MJ: The natural history of communty acquired hepatitis
C in the United States. N Engl J Med 1992; 327: 1899-1905
27. Chauvea P, Courouce AN, Lemarec N et al: Antibodies to hepatitis
C virus by second generation test in hemodialysed patients. kidney
Int 1993; 43: (suppl 41): 149-152
28. Mamnfro RC, Karohl C, Gonçalves LF, Senger MB, Thome FS,
Prompt CA: Liver function tests in HCV infected kidney transplant
recipients. Transplant proc. (no prelo)
29. Pereira BJG, Milford EL, Kirkman RL, Levey AS: Transmissin of
hepatitis C virus by organ transplantation. New Engl J Med 1991;
325: 454-460
30. Rodrigues M, Tevar F: Second-generation tests for hepatitis C
virus. Am Intern Med 1991; 115: 747
31. Farci P, Alter HJ, Wong D et al: A long-term study of hepatitis C
virus replication in non-A, non-B hepatitis. New Engl J Med 1991;
325: 98-104
17. Alonso MC, Novoa D, Romero R, Arcocha V, sanchez G: Antibodies
to hepatitis C virus in patients on hæmodialysis. Nephron 1991; 57:
247
32. Pol S, Romeo R, Zins B, Driss F, Lebkiri B, Carbot F, Berthelot P,
Brschot C: Hepatitis C virus RNA in anti-HCV positive hemodialyzed patients: significance and therapeutic implications. Kidney
Int 1993; 44: 1097-1100
18. Lin DY, Lin HH, Huang CC, Liaw YF: High incidence of hepatitis C
virus infection in hemodialysis in Taiwan. Am J Kidney Dis 1993;
21: 288-291
33. Harnett JD, Zeldis JB, Parfrey PS, Kennedy M, Sircar R, Steinmann
JI, Guttmannn RD: Hepatitis B disease in dialysis and transplant
patients. Transplantation. 1987; 44: 369-376
19. Caramelo C, Ortiz A, Aguilera B et al: Liver disease patterns in
hemodialysis patients with antibodies to hepatitis C virus. Am
Kidney Dis 1993; 22: 822-828
34. Parfrey PS, Forbes RCD, Hutchinson TA, Kenick S, Farge D,
Dauphinee WD, Seely JF, Guttmann RD: The impact of renal
transplantation on the course of hepatitis B liver disease.
Transplantation 1985; 39: 610-615
20. Jadour M, Cornu C, Strihou CVY & UCL Collaborative Group:
Incidence and risk factors for hepatitis C seroconversion in
hemodialysis: a prospective sydy. kidney Int 1993; 44: 1322-1326
21. Shikata T, Karasawa T, Abe K, Usawa T, Suzuki H, Oda T, Imai M,
Mayumi M, Moritsugu Y: Hepatitis B e antigen and infectivity of
hepatitis B virus. J Infect Dis 1977; 136: 571-576
35. Roth D, Zucker K, Cirocco R, DeMattos A, Burke GW, Nery J,
Esquenazy V, Babischkin S, Miller J: The impact of hepatitis C
virus infection on renal allograft recipients. Kidney Int 1994; 45:
238-244
22. Favero MS, Maynard JE, Petersen NJ, Boyer KM, Bond WW,
Berquist KR, Szmuness W: Hepatitis B antigen on environmental
surfaces. Lancet 1973; 2: 1455
36. Frische C, Brandes JC,Delaney SR, Gallagher-Lepak S, Menitove
JE, Rich L, Scannell C, Swanson P, Lee HH: Hepatitis C is a poor
prognostic indicator in black kidney transplant recipients.
transplantation 1993; 55: 1283-1287
23. Bond WW, Favero MS, Petersen NJ, Gravelle CR, Ebert JW,
Maynard JE: Survival of hepatitis B virus after drying and storage
for one week. Lancet 1981; 1: 550-551
37. Ihara A, Fumohiro I: Influence of anti-hepatitis C virus antibody on
kidney transplant survival in a single japanese center. transplantation 1994; 57: 781
Download