40 J. Bras. Nefrol. 1995; 17(1): 40-46 Prevalência de anticorpos anti-virus da hepatite C em pacientes em hemodálise crônica de Porto Alegre Cristina Karohl, Roberto Ceratti Manfro, Martha Ber gman Senger, Fer nando Saldanha Thomé, Luis Felipe Santos Gonçalves, Marília Rigatto, Carlos Alberto Prompt Com o objetivo de estudar a prevalência de anticorpos anti-HCV e os fatores associados a infecção, avaliamos, através de um teste ELISA de 2ª geração, 242 pacientes em hemodiálise crônica. Setenta e dois pacientes (29,8%) apresentaram anticorpos anti-HCV. Encontrou-se uma correlação estatisticamente significativa com a duração do tratamento hemodialítico. Idade, sexo, transfusões sangüíneas, transplante renal prévio, HBsAg e uso de drogas endovenosas não apresentaram relação significativa com a presença do anti-HCV. Em conclusão há uma elevada prevalência de anticorpos anti-HCV nos pacientes em hemodiálise crônica. A presença da infecção parece estar associada ao prolongamento do tratamento dialítico. Serviço de Nefrologia, Hospital das Clinicas de Porto Alegre. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil. Endereço para correspondência: Dr. Roberto C. Manfro Rua Almirante Barroso 750 Porto Alegre, RS 90220-020 Fax-Fone: (051) 222-2779 Hepatite C, anti-HCV, Insuficiência renal crônica, hemodiálise Hepatitis C virus, kidney failure chronic, hemodialysis Apesar da implantação de diversas medidas de controle da transmissão do vírus da hepatite B (HBV), a doença viral hepática continua sendo um problema importante nas unidades de hemodiálise crônica (HD). Atualmente, a hepatite Não-A Não-B (HNANB) é considerada a principal causa de hepatite nos pacientes em hemodiálise. 1 O desenvolvimento de testes sorológicos paraa detecção do anticorpo contra o vírus da hepatite C (anti-HCV) permitiu concluir que aproximadamente 80-90% dos pacientes previamente diagnosticados como apresentando HNANB estão, na realidade, infectados pelo vírus da hepatite C (HCV). 2-5 A prevalência de pacientes portadores do anti-HCV na população de urêmicos crônicos em tratamento com hemodiálise varia de 1% a 68% em diferentes séries representando um grave problema nas unidades de hemodiálise com elevados índices de contaminação. 6-15 As formas de transmissão do HCV ainda não foram devidamente elucidadas. Existem achados contraditórios em relação ao papel das transfusões sangüíneas e da transmissão nosocomial. 6,10-12 A importância prognóstica da infecção pelo HCV está no fato de que ela, a longo prazo, evolui para doença hepática crônica em cerca de 50% dos portadores e que cerca de 20% dos indivíduos infectados desenvolvem cirrose hepática. 2,4 Adicionalmente a influência a longo prazo da imunossupressão na progressão da doença hepática pelo HCV não é clara no presente momento o que pode limitar o acesso desses pacientes ao transplante renal. O presente estudo foi feito com o objetivo de determinar a prevalência de anticorpos anti-HCV e as principais condições associadas à infecção por esse vírus em um grupo de pacientes com insuficiência renal crônica terminal (IRC) em tratamento hemodialítico. Pacientes e Métodos A população em estudo consistiu de 242 pacientes com IRC em tratamento hemodialítico em 5 unidades de hemodiálise na área metropolitana de Porto Alegre no período de novembro de 1991 a abril de 1992. O J. Bras. Nefrol. 1995; 17(1): 40-46 41 C. Karohl et. al - Anti-HCV em hemodiálise crônica regime de diálise prescrito era de 2 ou 3 sessões semanais de 4 horas, de acordo com a função renal residual de cada paciente. Em todos os serviços participantes os pacientes portadores de antígeno de superfície da hepatite B (HBsAg) são dialisados em máquinas e salas separadas. De cada paciente foi coletada uma amostra de soro e investigou-se a presença de anticorpos anti-HCV e do HBsAg. Os métodos utilizados foram os enzima-imunoensaios (ELISA): Monolisa, (Pasteur-França) para a pesquisa dos anticorpos anti-HCV e Organon, (Holanda) para a detecção do HBsAg. O Monolisa antiHCV (Pasteur-França) utiliza antígenos recombinantes do HCV para a detecção de anticorpos dirigidos ao vírus C no soro ou plasma. Essas proteínas recombinantes correspondem aos segmentos antigênicos codificados pelas regiões estrutural e não estrutural do genoma do HCV e constituem a fase sólida do teste. Foram também avaliadas as distribuições por sexo, etiologia da IRC, presença de transplante renal prévio e uso de drogas ilícitas intravenosas. Adicionalmente correlacionou-se aos resultados das pesquisas de anticorpos as médias do número de transfusões sangüíneas, tempo em tratamento hemodialítico e níveis séricos da alanina aminotransferase (ALT). A ALT foi determinada por método enzimático e valores superiores a 22 UI/l foram considerados anormais. As análises estatísticas foram feitas utilizando-se os seguintes testes: teste t de student não pareado; quiquadrado corrigido; análise de variância, sempre que apropriados. Também foi realizada análise multivariada por regressão logística. Valor de p menor do que 0,05 foi requerido para significância estatística. As razões de chances (riscos relativos estimados) dos diferentes fatores de risco para a infecção pelo HCV foram calculados e estão apresentados como razão de chances com os respectivos inter valos de confiança de 95%. Resultados Anticorpos anti-HCV foram detectados em 72 pacientes, ou seja, uma prevalência de 29,8% na população estudada. As prevalências em separado das 5 unidades variaram de 6,2 a 41,1% e podem ser observadas na Tabela 1, onde também se encontram, discriminadas por unidade de diálise, as médias de tempo de tratamento dialítico e as médias do número de transfusões sangüíneas por paciente. Na análise de variância encontra-se que a Unidade 2 apresenta média de tempo de tratamento hemodialítico significativamente superior às Unidades 3 e 4 (Tabela 1). Da mesma for ma, em relação ao número de transfusões sangüíneas, obser va-se que a Unidade 1 apresenta número médio de transfusões significativamente maior que a Unidade 4. Quando esses fatores foram considerados conjuntamente, na análise multivariada observou-se que a unidade número 3 apresenta risco relativo estimado de 0.176 (intervalo de confiança de 0,0380,81; p<0,05) para transmissão do HCV (Tabela 4). Pacientes anti-HCV positivos vinham sendo hemodialisados por períodos de tempo significativamente superiores aos negativos (Tabela 2). A análise da Figura 1 revela que a prevalência de positividade do antiHCV aumentou progressivamente com o tempo em tratamento dialítico. Dessa forma, 14,1% dos pacientes com até 1 ano de hemodiálise apresentaram anticorpos anti-HCV, o mesmo ocorrendo com 66,7% dos pacientes que vinham em tratamento dialítico por mais de 5 anos (Qui-quadrado); p<0,001). Analisando-se apenas os pacientes nunca transfundidos encontrou-se que os pacientes com anticorpo anti-HCV (n=18) apresentaram média de tempo de tratamento dialítico superior aos negativos (n=60; 30,2 ± 38,6 versus 16,3 ± 19,6 meses, respectivamente). No entanto, essa diferença não alcançou significância estaística (teste t; p= 0,120). Tabela 1 Prevalência de anticorpos anti-HCV em pacientes urêmicos crônicos em cinco unidades de hemodiálise da área metropolitana de Por to Alegre Unidade 1 2 3 4 5 Total Pacientesem HD (n) 42 125 31 27 17 242 Anti-HCV+ n (%) 13 46 2 4 7 72 (30,9) (36,8) (6,4) (14,8) (41,1) (29,8) Meses em HD* 27,0 35,8 16,4 14,7 35 29,4 ± ± ± ± ± ± 25,8 32,9 17,2 11,7 35,9 29,6 Unidades de sangue ** 5,8 3,2 3,3 2,0 2,3 3,5 * ANOVA p<0,005; Diferenças estatisticamente significativas nas comparações das unidades 2 e 3; 2 e 4; p<0,01. ** ANOVA p<0,05; Diferença estatisticamente significativamente nas comparações das unidades 1 e 4; p<0,01. ± ± ± ± ± ± 7,2 7,1 3,9 4,0 2,9 6,4 42 J. Bras. Nefrol. 1995; 17(1): 40-46 C. Karohl et. al - Anti-HCV em hemodiálise crônica Tabela 2 Comparações entre os grupos de pacientes anti-HCV positivos e negativos. Variáveis contínuas Parâmetros Anti-HCV+ Idade (anos) Tempo em HD (meses) Nº de transfusões ALT (IU/L) 49,9 47,6 4,2 20,5 ± ± ± ± Anti-HCV- 13,5 37,5 6,2 10,7 49,2 ± 21,7 ± 3,1 ± 16,8 ± p 15,2 21,4 6,4 15,4 NS <0,001 NS <0,05 Dados expressos como média ± desvio padrão; ALT = Alanina-aminotransferase; NS = Não significativo; p = nível de significância. 100 — % pacientes 80 — 30.6 14.1 1234567 1234567 1234567 1234567 1234567 12345678 12345678 12345678 12345678 12345678 12345678 12345678 12345678 12345678 12345678 66.7 12345678 12345678 12345678 12345678 12345678 12345678 12345678 12345678 12345678 12345678 12345678 12345678 12345678 12345678 12345678 12345678 12345678 12345678 12345678 12345678 = < 1 ano > 1 a 5 anos > 5 anos 60 — 40 — 20 — 0— Figura 1 - Prevalência de anticorpos anti-HCV em pacientes urêmicos crônicos de acordo com o tempo de tratamento hemodialítico; p<0,001. Não ocorreu diferença estatisticamente significativa na média do número de transfusões sangüíneas feitas pelos grupos de pacientes anti-HCV positivos e negativos (Tabela 2). Entretanto, 24,8% dos pacientes que receberam 3 ou menos transfusões sangüíneas apresentaram presença de anticorpos anti-HCV, enquanto que esta positividade ocorreu em 43,08% dos pacientes com mais de 3 transfusões (Razão de chances: 2,29; p=0,006). No entanto, a análise mutivariada não sustentou esta correlação. A análise dos níveis séricos de ALT foi feita excluindo-se os pacientes HBsAg positivos. desta maneira, a média dos níveis de ALT foi significativamente mais elevada nos pacientes anti-HCV positivos (Tabela 2). No entanto, o valor médio da ALT nesses pacientes ficou dentro da faixa normal (20,5±10,7 UI/l). Analisando-se todos os pacientes com níveis elevados de ALT (n=40) encontrou-se: 3 pacientes HBsAg positivos; 17 anti-HCV positivos; 2 HBsAg e anti-HCV positivos; e 18 HBsAg e anti-HCV negativos. O risco relativo estimado para disfunção hepática, avaliada por alteração da ALT, foi de 2,6 (1,2 a 5,7) comparando-se os pacientes anti-HCV positivos e negativos (Tabela 3). Cinco pacientes apresentaram a concomitância de anticorpos anti-HCV e HBsAg no soro. O nível médio de ALT desses pacientes foi de 37,0 ± 30,1 UI/l. Os valores para os pacientes anti-HCV positivos e HBsAg psoitivos foram respectivamente 20,5 ± 10,7 e 16,1 ± 7,8 UI/l. Não ocorreram diferenças com significância Tabela 3 Comparações entre os grupos de pacientes anti-HCV positivos e negativos. Variáveis categóricas Parâmetro Sexo Transfusão prévia (S/N) Transplante prévio (S/N) HBsAG (+/-) ALT elevada (S/N) Uso de drogas EV (S/N) Anti-HCV + - RC (IC) 38/34 54/18 8/64 5/67 17/42 1/71 103/67 110/60 7/163 16/154 18/115 1/168 0,7 1,6 2,9 0,7 2,6 2,3 (0,4-1,3) (0,9-3,2) (0,9-9,8) (0,2-2,2) (1,1-5,9) (0,3-188) RC = Razão de chances; IC = Intervalo de confiança de 95%; M/F = masculino/feminino; S/N = Sim/Não; +/- = positivo/negativo; p = nível de significância. p NS NS <0,05 NS <0,02 NS J. Bras. Nefrol. 1995; 17(1): 40-46 43 C. Karohl et. al - Anti-HCV em hemodiálise crônica estatística na comparação do grupo de pacientes positivos para os dois marcadores com os grupos exclusivamente anti-HCV ou HBsAg positivos. Da mesma forma a comparação dos níveis da ALT entre esses dois últimos não apresentou diferença com significância estatística. Transplante renal prévio correlacionou-se positivamente com a presença de anticorpos anti-HCV (Tabela 3). Entretanto, na análise multivariada, transplante renal prévio não se caracterizou como um fator de risco independente. (Risco relativo 0,98; IC 0,23 a 4,11; p=0,97) (Tabela 4). No sub-grupo de 15 pacientes previamente transplantados e que perderam os enxertos, observou-se que o tempo em tratamento dialítico foi significativamente maior nos paciente anti-HCV positivos do que nos negativos (teste t; 89,1 ± 35,6 versus 46,5 ± 31,9 meses; p< 0,03). Mais uma vez a diferença nas médias do número de transfusões sangüíneas, apesar de maior no grupo de pacientes anti-HCV positivos, não alcançou significância estatística (teste t; 9,8 ± 8,1 versus 4,1 ± 5,5 transfusões; p>0,1). Comparando os pacientes anti-HCV positivos e negativos não se observaram diferenças com significância estatística nas médias de idade. Da mesma forma, não houve diferenças nas distribuições por sexo, etiologia da insuficiência renal crônica, presença ou não do HBsAg e uso de drogas ilícitas (Tabelas 2 e 3). A análise multivariada dos fatores de risco associados a positividade do anti-HCV revela que somente o tempo de duração do tratamento em hemodiálise foi um fator de risco independente para aquisição do HCV (Risco relativo: 1,033; intervalo de confiança: 1.01 - 1.04; p< 0.001). Os demais fatores, quais sejam: transfusões sangüíneas, transplante renal prévio, sexo, idade e positividade do HBsAg não apresentaram risco relativo significativo (Tabela 4). Discussão Doença hepática viral continua sendo um problema importante nas unidades de hemodiálise. Atualmente, entre os vírus hepatotrópicos conhecidos, o vírus da hepatite C parece ser o mais frequente em pacientes com insuficência renal crônica em tratamento hemodialítico. Adicionalmente, pacientes em tratamento com hemodiálise representam um grupo de risco para aquisição do HCV quando comparadas as prevalências de anticorpo anti-HCV encontradas em grupos de doadores de sangue saudáveis. 3,16 No presente estudo demonstrou-se que 29,8% dos pacientes em hemodiálise nas 5 unidades avaliadas apresentaram positividade para o anticorpo anti-HCV quando pesquisados por um teste ELISA de segunda geração. Esta prevalência elevada está de acordo com as encontradas em outras séries publicadas nas quais houve variação de 1% a 68%. 6-15 Os modos de transmissão do HCV ainda não foram claramente estabelecidos. Existem relatos contraditórios com relação as transfusões sangüíneas e ao tempo em hemodiálise como fatores relacionados a infecção. No presente estudo os pacientes anti-HCV positivos vinham em tratamento hemodialítico por períodos de tempo significativamente maiores que os pacientes anti-HCV negativos (Tabela 2). Em concordância com o que tem sido reportado em diversos estudos a duração mais prolongada de tratamento hemodialítico foi demonstrada ser o principal fator relacionado a infecção pelo HCV. 6,10,11,16-18. O modo como o vírus é transmitido na hemodiálise não é conhecido. Especula-se, a exemplo do que acontece com o HBV, que esteja relacionado ao próprio procedimento hemodialítico, ou seja, por transmissão horizontal, por via percutânea ou permucosa, resultante de aerossóis ou Tabela 4 Fatores associados com a presença do anticorpo anti-HCV. Análise multivariada Variáveis Idade Sexo Hemodiálise (tempo) Transfusões HBsAG Transplante Unidade 3 CC RC (IC) 0,0056 -0,4673 0,0325 -0,0399 -0,7349 -0,0200 -1,7371 1,006 0,627 1,033 0,961 0,480 0,980 0,176 (0,98-1,02) (0,33-1,19) (1,01-1,04) (0,84-1,08) (0,13-1,69) (0,23-4,11) (0,03-0,81) CC = coeficiente de correlação; RC (IC) = razão de chances (intervalo de confiança); p = nível de significância. p 0,63 0,15 0,0001 0,53 0,25 0,97 0,02 44 J. Bras. Nefrol. 1995; 17(1): 40-46 C. Karohl et. al - Anti-HCV em hemodiálise crônica gotículas durante a canulação das fístulas, acidentes de diálise com derramamento de sangue e por contato com material usado por pacientes contaminados. O relato de que soroconversão ocorre em pacientes que dialisavam em proximidade com pacientes anti-HCV positivos sugere que a transmissão possa ocorrer durante o procedimento. 8,19,20 Deve-se lembrar, contudo, que há contrastes entre o HCV e o HBV, tais como: pacientes infectados pelo HBV podem ter 10 8 vírus circulantes/ml de plasma, 21 ao passo que o HCV circula em baixos títulos no soro infectado. O HBV pode permanecer estável em superfícies ambientais na ausência de qualquer sangue visível, 22 e sobreviver por, pelo menos, 7 dias 23 e, a transmissão do HCV através do ambiente não foi demonstrado, além disso, a degradação rápida do vírus pode ocorrer quando o soro contendo o vírus é deixado à temperatura ambiente. 24 Interessantes estuds sobre a variabilidade genômica do HCV, como o de Shimizu e col. 25 apoiam a idéia de que poucos pacientes recuperam-se de infecção pelo HCV e a maioria torna-se portador do vírus, mesmo na ausência de doença hepática ativa como sustentado por Alter e col. 26 Na unidade de diálise os infectados pelo HCV constituem o reser vatório viral, possivelmente atuando como uma fonte de disseminação interna. Em relação às transfusões sangüíneas, diferentes relatos são obser vados quanto ao seu papel como um dos fatores na transmissão do HCV nos pacientes em hemodiálise. 6,11,16-18,27 Nesse estudo não se encontrou relação entre o número médio de transfusões sangüíneas e positividade para o anticorpo anti-HCV (Tabela 3). Além disso, 18 dos 72 pacientes anti-HCV positivos (25%) nunca haviam sido transfundidos até o momento da coleta do soro para a pesquisa. A comparação das médias de tempo de tratamento hemodialítico nos pacientes anti-HCV positivos com os antiHCV negativos, nunca transfundidos, não apresentou significância estatística. No entanto o fato de que um número maior de pacientes anti-HCV positivos terem recebido mais de 3 transfusões sangüíneas leva-nos a supor que as transfusões possam estar associadas a transmissão do HCV. Essa afirmativa , no entanto, não encontra suporte nos dados da análise multivariada. Por outro lado é possível que, devido as características retrospectivas dos dados secundários do estudo, um número variável de transfusões sangüíneas possa não ter sido anotado em cada centro, criando um potencial para erro tipo II. Quinze pacientes haviam sido previamente transplantados e perderam o enxerto. Desses, oito (53,3%) apresentaram positividade para os anticorpos antiHCV. Esta percentagem de positividade foi superior à encontrada em um estudo na população de pacientes transplantados renais acompanhados na nossa instituição (39,5%). 28 Transplante renal prévio não apresentou cor relação significativa com infecção pelo HCV na presente amostra. Entre os previamente transplantados o período de tempo em tratamento dialítico do sub-grupo anti-HCV positivo foi mais prolongado do que do grupo negativo. Encontrou-se também um número médio maior de transfusões sangüíneas no sub-grupo anti-HCV positivo, porém a diferença não alcançou significância estatística. A infecção parece ter sido adquirida durante o período em hemodiálise. Não se pode, no entanto, descartar a possibilidade de transmissão pelo órgão transplantado. 29 O HCV é responsável por importante morbidade na população geral. Doença hepática crônica, cirrose e mesmo carcinoma hepatocelular têm sido descritos. 2,4 Até recentemente as evidências de doença hepática em urêmicos crônicos portadores do HCV eram apenas bioquímicas. Alteração de provas de função hepática, principalmente transaminases, são comumente encontradas nesta população. 6,11,16 No presente estudo, embora as médias se encontrem nos limites da nor malidade, encontrou-se níveis de ALT significativamente superiores nos pacientes anti-HCV positivos quando comparados aos negativos. Visto de outra forma, anticorpos anti-HCV foram encontrados em uma porcentagem significativa dos casos que apresentaram transaminases séricas elevadas. Um estudo recente, feito em pacientes em hemodiálise crônica, mostrou através de biópsias hepáticas que a hepatite C pode evoluir para doença hepática crônica, cirrose e mesmo carcinoma hepatocelular. Ficou também demonstrado que o grau de lesão hepática não se correlaciona com o padrão das transaminases, o que deve fazer com que se avalie com parcimônia os dados relativos às transaminases nos pacientes urêmicos crônicos portadores de anticorpos contra o vírus da hepatite C. 19 Foram encontradas diferenças nas prevalências de HCV entre as 5 unidades de hemodiálise estudadas (6,2 a 41,1%) (Tabela 1). As razões para estas variações entre as unidades assim como aquelas encontradas nos diferentes estudos não são conhecidas. Elas podem refletir diferenças de exposição intra-institucional, medidas de controle de infecção como rastreamento de doadores de sangue para HCV, diferentes tempos de tratamento hemodialítico ou diferentes testes usados para detecção do anti-HCV. Interessantemente a J. Bras. Nefrol. 1995; 17(1): 40-46 45 C. Karohl et. al - Anti-HCV em hemodiálise crônica Unidade 3 desse estudo apresentou a menor prevalência e um risco relativo baixo de transmissão quando comparada aos demais centros. As razões pelas quais esta unidade apresenta menor prevalência não puderam ser elucidadas neste estudo. No presente estudo os resultados positivos para o anti-HCV não foram confirmados por RIBA II (Recombinat Immunoblot Assay) ou pela pesquisa do RNA mensageiro do HCV. No entanto, o teste utilizado, ELISA de segunda geração, detecta cerca de 90% dos casos de hepatite C 27,30 e, como recentemente foi relatado, demonstra presença de viremia, ou seja, infecção ativa pelo HCV. 31,32 Assim, os elevados índices de contaminação pelo HCV da população de urêmicos crônicos em hemodiálise, muitos em lista de espera para transplante renal e a possibilidade de apresentarem infecçcão ativa levam a uma importante preocupação à medida que um significativo percentual destes pacientes podem evoluir para doença hepática crônica, cirrose e mesmo carcinoma hepatocelular. O impacto do HCV na morbidade e na sobrevida dos pacientes, tanto em diálise quanto no período pós-transplante, não está claramente definido. No entanto, o conhecimento dos efeitos da infecção pelo vírus da hepatite B em pacientes transplantados renais deve alertar para os possíveis riscos que possam estar relacionados ao HCV. 33,34 A história natural e o prognóstico a longo prazo da infecção pelo vírus da hepatite C nos pacientes em hemodiálise ainda não foram claramente deter minados. 35 O fato de que ela pode progredir para doença hepática crônica, cirrose e carcinoma hepatocelular, leva a necessidade de estudos prospectivos com o intuito de avaliar o impacto na sobrevida dos pacientes assim como as vias de transmissão nos pacientes renais crônicos em tratamento hemodialítico. No momento, recomenda-se medidas de prevenção como uso de técnicas assépticas, com particular atenção na limpeza e desinfecção de instrumentos e superfícies ambientais da unidade de diálise, lavagem freqüente das mãos e uso de luvas no contato com os pacientes e materiais. O isolamento dos pacientes anti-HCV positivos em salas apropriadas, como tem sido orientado nos casos de HBV, é uma medida a ser discutida e possivelmente adotada com o objetivo de limitar a transmissão do HCV entre os pacientes em hemodiálise e dessa forma evita a morbidade e talvez a mortalidade relacionada a infecção. Por fim, a importância da infecção pelo HCV nos pacientes transplantados renais aguarda melhor defi- nição. Resultados de estudos com seguimento curto não mostraram diferenças significativas nas sobrevidas de pacientes infectados ou não. No entanto, outros resultados preliminares apontam para menores sobrevidas de enxertos de pacientes anti-HCV positivos em determinados grupos étnicos. 36,37 Agradecimentos Aos membros das Equipes de Nefrologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Hospital Ernesto Dorneles, Hospital Maia Filho, Hospital Petrópolis e Hospital Vicente de Paulo. Summary The objective of the study was t evaluate the prevalence of anti-HCV antibodies among chronic hemodialysis patients. An ELISA II test was undertaken and 72 out of 242 patients had positive test, giving an overall prevalence of 29,8%. Patients with anti-HCV antibodies have been kept on hemodialysys treatment for periods longer than negatives (p<0,0001). neither age, gender, blood transfusions, previous transplants, HBsAG or IV drug abuse were significantly correlated with the infection. In conclusion, there is an elevated prevalence of anti-HCV antibodies among chronic hemodialysis patients which seems to be related to the time that patients are on dialysis treatment. Referências 1. Koretz RL, Stone O, Mousa M, Gitnick G: The pursuit of hepatitis in dialysis units. Am J Nephrol 1984; 4: 222-226 2. 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