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FARMÁCIAS DE MANIPULAÇÃO NO CERRADO GOIANO:
A COMERCIALIZAÇẪO DA CULTURAL LOCAL
Ivane Gonçalves da Cunha
Discente do 4º ano de História da Universidade Estadual de Goiás (UEG/CCSEH), bolsista do
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq),
[email protected];
Poliene Soares dos Santos Bicalho
Doutora pela Universidade de Brasília (UnB), docente do curso de História e do Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Territórios e Expressões Culturais no Cerrado, Universidade Estadual de
Goiás (UEG/CCSEH). Atualmente realiza Estágio Pós-Doutoral no Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social-UnB (PPGAS-UnB).
[email protected]
INTRODUÇÃO
A partir do projeto de pesquisa coordenado pela Professora Poliene Soares dos Santos
Bicalho surgiu esta proposta de trabalho. A problemática principal pretende entender como se
dá a apropriação do conhecimento popular, vinculado às plantas medicinas do Cerrado goiano, pelas farmácias de manipulação, as quais praticam uma comercialização diferenciada das
mesmas.
Desde os primórdios da civilização humana o homem sempre recorreu à natureza em
busca do seu sustento e de “curas” para suas doenças. Com a ajuda de diversas plantas, tratamentos medicinais foram desenvolvidos com resultados significativos para determinadas
enfermidades que, através dessa prática, viam a natureza como sinônimo de religiosidade,
logo, era temida e respeitada por todos.
Essa visão da natureza perpassou diversas etnias que viviam e/ou vieram a habitar os
territórios brasileiros. Quando os jesuítas saíram de sua terra natal para o Brasil, em meados
do século XVI, eles instituíram as primeiras enfermarias e boticas em seus colégios. Nestas
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boticas preparavam remédios não só com drogas e medicamentos vindos do Mundo Antigo,
mas também com plantas medicinais nativas, baseados nos conhecimentos dos pajés.
O conhecimento sobre as plantas medicinais foi cada vez mais se modificando para
atender as necessidades de cada época, até ser incorporado ao mercado comercial. Esse conhecimento popular foi inserido às novas técnicas das indústrias farmacêuticas, que começaram a produzir os fitoterápicos, o que deu início às farmácias de manipulação que temos hoje
em dia.
Desde o século XX a farmacopeia1 brasileira vem ganhando bastante destaque no território nacional. Do mesmo modo as farmácias de manipulação ou magistrais2, que se aplicam à
arte e ao ofício de criar medicamentos individualizados, ou seja, na dose certa, ao utilizar e
explorar o conhecimento popular e os produtos naturais para usufruir dos lucros comerciais.
Para entender o termo “dose certa” é preciso compreender os dois tipos de tratamentos tradicionais usados para a cura de moléstias: a alopatia e a homeopatia.
A medicina oficial se baseia no sistema alopático de tratamento. A alopatia caracterizase por utilizar medicamentos que vão produzir no organismo do doente reação contrária aos
sintomas que ele apresenta, a fim de diminuí-los ou neutralizá-los. Por outro lado, o conceito
de homeopatia, introduzido por Samuel Hahnemann em 1796, defende a cura que se dá através de medicamentos não agressivos e que estimulam o organismo a reagir, fortalecendo seus
mecanismos de defesa naturais (DISTASI, 1996 apud MARTINS, 2006, p. 20).
Enquanto na alopatia doses maiores são responsáveis pelos maiores efeitos, na homeopatia doses diminutas são utilizadas, e quanto maior a diluição maior será a potência do medicamento homeopático (DISTASI, 1996 apud MARTINS, 2006, p. 21). A indústria farmacêutica produz somente algumas dosagens de medicamentos. Uma dosagem muitas vezes não
1
Farmacopeia é uma espécie de livro oficial que reúne toda uma vida de pesquisa sobre as drogas vegetais e
animais, descrição de produtos químicos e de preparações oficinais. (Farmacopeia Brasileira, volume 2 / Agência
Nacional de Vigilância Sanitária. Brasília: Anvisa, 2010. p. 13)
2
Esse levantamento do crescimento das Farmácias de Manipulação foi realizado pelo CFF (Conselho Federal de
Farmácia), onde os dados apontam que atualmente, no Brasil, existem 5,8 mil farmácias de manipulação. Notícia
publicada no dia 06 nov de 2013. Disponível: < http://www.cff.org.br/noticia.php?id=1280>
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atende a todos os pacientes, por isso a necessidade de modificar a dosagem de um medicamento através da manipulação, produzindo, assim, apenas um determinado tipo de remédio,
que é individualizado exclusivamente para o paciente que irá utilizar.
No Cerrado goiano são encontradas várias espécies vegetais de significativo poder medicinal3. Com a grande expansão da fronteira agrícola nos Cerrados, desde 1975 (ADÁMOLI
et al., 1985) esta região vem sendo incorporada ao grande capital através do agronegócio e,
desde então, tem servido a interesses puramente econômicos.
Vivemos em uma sociedade que transforma tudo em mercadoria. O capital acaba dominando não apenas aquilo que é produzido pelos meios de produção, como também se apropria
da cultura e da natureza como elementos capazes de produzir mais capital e, assim, alimentar
o sistema vigente. Segundo Viana (2007), esse domínio asfixiante do capital acaba gerando
uma cultura mercantil e cria um “aparato tecnológico” adequado para sua reprodução. No
caso deste estudo, o “aparato tecnológico” é identificado nas farmácias de manipulação, que
usando suas técnicas modernas de manejo dos “medicamentos naturais”, acabam construindo
uma ideia de comercialização das plantas medicinais.
Sob a perspectiva de uma “cultura do comércio”, vemos que a cultura não é algo espontâneo, pelo contrário, ela é um produto coletivo da vida humana, algo que é construído conforme uma determinada época. Desta forma, Santos (2006), ao conceituar o que é cultura,
afirma que cultura nada mais é do que uma construção histórica, seja como concepção, seja
como dimensão do processo social.
Nessa perspectiva, o que se encontra nessa “cultura mercadológica”, cujo saber tradicional é utilizado em farmácias de manipulação, é a junção de vários fragmentos de determinadas culturas para se criar algo novo, mas com coisas que já existiam.
3
Espécies como: Annano Crassiflora Mart. (Araticum); Hymenaea stigonocarpa Mart (Jatobá do cerrado);
Peltophorum dubium (Faveiro); Macrosiphonia Velame (Velame-branco) e o Vernonia Polysphaera (Assapeixe). Disponível em: < http://biologo.com.br/plantas/>.
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A “cultura comercial” incorporou essa ideia de comercialização de plantas medicinais
reunindo tradições antigas dos povos que habitavam ou ainda habitam esse território, estimulada pela elevada modernização das farmacotecnias, criando assim um novo tipo de mercado.
Tais farmácias ainda usam a justificativa de que esse processo irá realçar o resgate das tradições populares do Cerrado goiano.
OBJETIVO(S)
Estudar os vínculos econômicos que a comercialização dos produtos fitoterápicos possui no Cerrado goiano, focalizado, principalmente, a cidade de Anápolis, por possuir um histórico de grande relevância para análise científica do tema. Esse entrecruzamento socioeconômico com o bioma favorece uma relação da história com a biologia, na perspectiva de busca pelo conhecimento, a fim de compreender a intervenção das indústrias farmacêuticas de
remédios alternativos encontrados no Cerrado goiano.
METODOLOGIA
A leitura das diversas obras que versam sobre a temática da comercialização de plantas
medicinais, frente ao entrecruzamento da história com biologia, contribuiu para aprofundarmos nossa compreensão sobre o fenômeno de uma “nova cultura” voltada para o comércio.
Desse modo, realizamos a leitura de livros e artigos publicados em revistas científicas, os
quais tratam de temas relacionados com a história ambiental e a cultura comercial. Elaboramos um questionário relacionado a questões de preços, receitas médicas e crescimento desse
tipo de estabelecimentos em Anápolis, o aplicamos aos trabalhadores das farmácias de manipulação. Buscamos em sites dos órgãos governamentais, que atuam politicamente para funcionamento, manutenção e qualidade desses medicamentos, a compreensão de termos e políticas que englobam esse universo medicinal.
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RESULTADOS E DISCUSSÃO
Através do questionário aplicado em cinco farmácias de manipulação da cidade de Anápolis, pudemos compreender como funcionam estes ambientes. Foram elaboradas perguntas
direcionadas aos farmacêuticos que trabalham nesses estabelecimentos. Iremos analisar algumas dessas questões conforme a resposta dada por esses profissionais. Nota-se que as respostas são bastante parecidas umas com as outras, principalmente quando sugeriram pesquisas
nas Resoluções da Diretoria Colegiada (RDC), pois lá encontraríamos informações mais detalhadas sobre os fitoterápicos.
No Brasil, os fitoterápicos vêm ganhando bastante destaque do governo na elaboração
de resoluções e programas que ajudam no controle de venda e cuidados com a saúde da população que os adquirem. Criaram cinco específicas: a RDC 48, que é acompanhada pelas Resoluções 88, 89, 90 e 91. Em 2006, o Ministério da Saúde publicou a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos4, por considerar a necessidade do reconhecimento da medicina
tradicional como parte integrante dos sistemas de saúde.
Segundo a RDC- 48, os fitoterápicos são estudados a parti da Etnofarmacologia5, orientando os pesquisadores sobre a melhor forma de uso da planta e das possíveis indicações terapêuticas, sendo necessário que o mesmo seja estudado cientificamente, tanto no ponto de vista
químico como farmacológico, para comprovar sua segurança e eficácia. Antes de chegar às
farmácias, é necessário que seja realizado por profissionais ou equipe preparada um estudo
4
BRASIL. Decreto no 5813 de 22 de junho de 2006. Aprova a Política Nacional de Plantas Medicinais e
Fitoterápicos e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 23 jun. 2006.
Seção 1.
5
Define-se Etnofarmacologia como "a exploração científica interdisciplinar dos agentes biologicamente ativos,
tradicionalmente empregados ou observados pelo homem” (BRUHN, J. G. e HOLMSTEDT, B.
"Ethnopharmacology, objectives, principles and perspectives".In: Natural products as medicinal agents.
Stuttgart: Hippokrates, 1982.)
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minucioso das plantas medicinais que poderão compor algum dos produtos fitoterápicos nos
laboratórios das próprias farmácias.
Uma das primeiras perguntas que se encontra no questionário se refere à receita médica.
Perguntamos se é necessário apresentar esse tipo de documento para adquirir um desses remédios. A resposta foi que não necessariamente, principalmente produtos emagrecedores,
anti-inflamatórios e despigmentantes, que são os mais procurados.
Os medicamentos que necessitam de receitas médicas são aqueles que a RDC (Resolução da Diretoria Colegiada) – autorizada pela ANVISA (Agencia Nacional de Vigilância Sanitária) – prescreve como necessário para não comprometer a saúde do paciente, como os antimicrobianos6. Estes são drogas que têm a capacidade de inibir o crescimento de microrganismos, indicadas, portanto, apenas para o tratamento de infecções microbianas sensíveis.
Outra perquirição aplicada ao questionário se referia à venda e preços dos produtos fitoterápicos, já que são conhecidos por serem mais baratos que os outros medicamentos vendidos nas drogarias. Os farmacêuticos ao qual participaram do questionário afirmam que isso
não ocorre para todas as mercadorias. O que acontece é que os fitoterápicos detêm uma cadeia
de impostos cumulativos menores que os demais. Isso ocorre devido à influência da Secretaria
de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (SCTIE/MS), que vem
incentivando na política de distribuição de insumos da indústria farmacêutica no Brasil, que
estabelece:
Em ação conjunta com outros ministérios e órgãos estatais, a Secretaria orienta a política do Complexo Industrial da Saúde para o setor público, favorecendo o desenvolvimento da indústria farmacêutica, de equipamentos e de
tecnologias de saúde. O objetivo do Governo Federal é, dessa maneira, tornar o Brasil independente em relação ao mercado externo. (...) Entre os programas de destaque do Departamento de Assistência Farmacêutica estão: a
Farmácia Popular, que oferece medicamentos subsidiados pelo Governo Fe-
6
Ver a Resolução da Diretoria Colegiada – RDC Nº 44, de 26 de outubro de 2010 para mais informação sobre a
prescrição
do
uso
de
antimicrobianos:
<http://www.cremern.cfm.org.br/images/stories/CREMERN/2010/rdc44_2010.pdf>.
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deral, desde 2004; e o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, que prevê o incentivo ao acesso seguro e racional de plantas medicinais e o estímulo à exploração sustentável da biodiversidade (SCTIE/MS,
2014, p.2) 7.
A Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde orienta que se a distribuição de insumos dos fitoterápicos for menor, ou seja, os impostos forem
mais baixos, o Brasil terá mais independência em relação ao mercado externo, sendo assim, as
empresas farmacêuticas iram procurar menos as indústrias estrangeria.
Foi perguntado também, se houve um crescimento de farmácias de manipulação em
Anápolis. A resposta foi positiva pela maioria. São mais de 10 estabelecimentos existentes no
município, em grande parte as encontramos no setor central da cidade, onde o comércio está
concentrado. Andando pela cidade à procura da localização das farmácias, para a aplicação do
questionário, descobrimos que a Rua Manoel D’abadia, e nas aglomerações desta, é o local
onde se encontra a maioria dessas lojas comerciais. Nossa hipótese seria que, devido ao fato
de essa rua ser um das mais antigas e movimentadas da cidade, pela proximidade com o Hospital Evangélico Goiano, essas farmácias tenham se concentraram lá por possuir um fluxo de
pessoas maior que as demais ruas do setor central da cidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em virtude do que foi mencionado vemos que o mercado comercial incorporou o conhecimento popular das plantas medicinais ao seu domínio, com isso, criaram-se programas
políticos para o acúmulo de capital, deixando de lado a preservação do meio ambiente e da
7
Para mais informação acessar a própria pagina do site da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos
Estratégicos do Ministério da Saúde (SCTIE/MS): <http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/oministerio/principal/secretarias/sctie/sctie-destaques/11758-secretaria-de-ciencia-tecnologia-e-insumosestrategicos>
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tradição de povos. Presencia-se que as RDC’s abortam poucas políticas em defesa da biodiversidade brasileira.
Cada vez mais pesquisas estão sendo levantadas através da Etnofarmacologia que estuda o conhecimento popular sobre fármacos, de determinado grupo étnico ou social, relacionado a sistemas tradicionais de medicina os biomas brasileiros para a utilização do manejo dessas plantas para uso de cura de doenças. No site da ANVISA8 podemos ver a lista de fitoterápicos autorizados para a comercialização, nela percebemos que ainda são poucas as plantas de
origem do Cerrado goiano.
Esse estudo se torna importante na medida podemos observar as politicas que essa “cultura comercial” usa sobre os saberes populares de plantas medicinais apenas para beneficio
próprio, mas que usam como pretexto a preocupação da preservação de cultura antiga.
AGRADECIMENTOS
Queremos agradecemos ao Programa de Bolsas de Iniciação Científica da UEG pela
oportunidade para o desenvolvimento da presente pesquisa, aos farmacêuticos das farmácias
de manipulação da cidade de Anápolis que nos receberam para responder o questionário, a
orientadora desse projeto de pesquisa e os demais bolsistas do projeto que participaram ativamente para o andamento do trabalho.
REFERÊNCIAS
ADÁMOLI, J.; MACEDO, J. AZEVEDO, L. G. de.; MADEIRA NETTO, J. Caracterização
da região dos cerrados. In: GOEDERT, W. J. ED (Org.). Solos dos cerrados: tecnologias e
estratégias de manejo. São Paulo: Nobel; Brasília: EMBRAPA CPAC, 1985.
8
Lista dos fitoterápicos autorizados pela ANVISA: < http://www.tudosobreplantas.com.br/blog/wp-
content/uploads/2011/02/drgvege.pdf>
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ANVISA. Lista de fitoterápicos autorizada pela ANVISA. Disponível em: <
http://www.tudosobreplantas.com.br/blog/wp-content/uploads/2011/02/drgvege.pdf>.
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BRASIL. Decreto no 5813 de 22 de junho de 2006. Aprova a Política Nacional de Plantas
Medicinais e Fitoterápicos e dá outras providências. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, 23 jun. 2006. Seção 1.
_______.2004 Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução no.
91 de 16 de março de 2004. Dispõe sobre o Guia para realização de alterações, inclusões,
notificações e cancelamento pós-registro de fitoterápicos. DOU. Poder Executivo, Brasília,
DF, 18 mar. 2004.
_______. RESOLUÇÃO DA DIRETORIA COLEGIADA – RDC Nº 44, DE 26 DE
OUTUBRO DE 2010. Disponível em:<
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