Enfisema Sub-Cutâneo Provocado por Instrumento de Alta Rotação: Relato de Caso Subcutaneous Emphysema Caused by High Speed: A Case Report Resumo O enfisema sub-cutâneo é caracterizado pelo acúmulo de ar nos tecidos sendo uma complicação rara durante exodontias. Porém, o uso frequente de instrumentos com alta rotação pode aumentar essa incidência caso não sejam obedecidos alguns parâmetros profiláticos. Aumento de volume regional, crepitação, assimetria facial e ocasionalmente dor, estão associados a essa complicação. O presente trabalho tem por objetivo relatar um caso de uma paciente, em ambiente hospitalar que necessitou da exodontia dos restos radiculares de molar superior, tendo como complicação o surgimento de enfisema sub-cutâneo cérvico-facial no trans e pós-operatório. Unitermos: Enfisema; complicação; exodontia; alta rotação. Abstract The subcutaneous emphysema is characterized by the air accumulation into the tissues being a rare complication during the surgery. However, the frequent use of instruments with high speed can increase this incidence if some parameters prophylactic are not obeyed. Swelling, crackle, facial asymmetry and occasionally pain are associated with this complication. This article has as objective report a case of a patient that needed an upper tooth molar surgery and she had as complication the emergence of the cervico facial subcutaneous emphysema during and after the surgery. Key words: emphysema; complication; surgery; high speed. Introdução Os acidentes e/ou complicações em procedimentos odontológicos podem se manifestar de forma inesperada ou previsível, dependendo de alguns fatores tais como: condição clínica do paciente, região anatômica e técnica utilizada. O enfisema sub-cutâneo faz parte da relação de acidentes associados à tratamentos dentários e consiste no acúmulo de ar ou sua introdução no interior dos tecidos1-2. Em intervenções realizadas na cavidade oral é condição rara, estando mais relacionado ao uso de instrumento de alta rotação para remoção de terceiros molares inferiores inclusos ou impactados. Podendo também ocorrer REVISTA BRASILEIRA DE CIRURGIA BUCO-MAXILO-FACIAL V11 N1 P. 33 - 38 - Recebido em 24/11/10 - Aprovado em 30/03/11 José Zenou Costa Filho | Professor assistente mestre da disciplina de cirurgia e traumatologia buco-maxilo-facial UFAL, coordenador do serviço de cirurgia e traumatologia do Hospital Universitário UFAL Antônio Luíz Milhazes Filho | Professor substituto da disciplina de cirurgia e traumatologia buco-maxilo-facial UFAL Cláudia Luiza Coelho de Mendonça Silva | Cirurgiã-dentista, especialista em endodontia Pedro Jorge Cavalcante Costa | Aluno de graduação do curso de odontologia da UFAL 33 Enfisema Sub-Cutâneo Provocado por Instrumento de Alta Rotação: Relato de Caso - Costa Filho et al. 34 em tratamentos endodônticos e restauradores, nos quais, o uso deste instrumento ou seringa de ar/ água seja necessário2-8. As regiões mais afetadas são: a orbital e maxilar em procedimentos nos dentes superiores; submandibular e cervical quando de intervenções na arcada inferior; mas, geralmente ocorre difusão do ar pelos planos faciais2-4. O diagnóstico desta condição é baseado em exame clínico e por imagens. Um sinal frequentemente relatado na literatura do enfisema subcutâneo é o aumento de volume regional com crepitação à palpação, podendo ainda ocorrer: tensão da pele, dor e infecção1-6. Os exames por imagens podem variar entre radiografias, tomografias computadorizadas(TC) e ultrassonografias. As primeiras podem não evidenciar as lesões de aspecto bolhoso, indicando presença de ar nos tecidos, sendo a TC efetiva neste caso2,9-10 O enfisema subcutâneo é classificado em quatro tipos, considerando a etiologia. Tipo 1: provocado pelo paciente; Tipo 2, o ar é forçado diretamente nos tecidos; Tipo 3 por procedimentos prolongados; e o Tipo 4, por causa idiopática2,9. Pode ser classificado também em: subcutâneo, quando o ar invade o tecido imediatamente abaixo da derme; e o do espaço dural, quando ocorre a passagem do ar entre os espaços teciduais ou planos faciais2. Como diagnóstico diferencial a literatura relata edema angioneurótico, reação alérgica, infecção ou a fasceíte necrotizante2,4,9. O tratamento varia de acordo com o quadro clínico, nos casos de pouco comprometimento tecidual a observação por três a cinco dias é suficiente. Em casos com invasão de ar por vários planos faciais, o monitoramento hospitalar com uso de antimicrobiano, anti-inflamatório e analgésico deve ser instituído, visto que o ar introduzido nos tecidos pode conter bactérias2,4-5 . Com o acompanhamento do paciente, poderemos verificar a evolução do quadro clínico, pois, nos casos de enfisema subcutâneo extenso, o risco de pneumotórax ou pneumomediastino pode ser um agravante para o comprometimento sistêmico do paciente2,4-5,7,9. Relato de Caso Clínico Paciente sexo feminino, 42 anos, leucoderma, portadora de Diabetes Melitus tipo II, procurou atendimento em hospital privado, na cidade de Maceió-AL, queixando-se de dores de cabeça, febre há três dias e debilidade geral. Após o exame clínico, o médico assistente solicitou o internamento e exames laboratoriais de sangue e urina. As seguintes alterações foram encontradas: na amostra de hemocultura houve crescimento de Staphylococcus epidermidis; glicemia de jejum com 240.00 mg/dl e glicosúria (++/4). O diagnóstico foi de septicemia não sendo localizado o foco infecçioso. Após realização do antibiograma, verificou-se sensibilidade bacteriana à Linezolide, Cefalotina, Clidamicina, dentre outras. Foram prescritos pela equipe médica o antimicrobiano Linezolida 600mg 12/12horas, isulinoterapia regular e controle dos sinais vitais. No quinto dia de internação,a paciente apresentava melhora do quadro clínico geral e foi solicitada avaliação da Odontologia. Verificou-se presença de dente 16 com grande destruição coronária, necrose pulpar e história de abscesso. O exame radiográfico evidenciou comprometimento de furca, sendo indicado a exodontia por odontossecção. Como a paciente encontrava-se devidamente compensada do diabetes, glicemia de jejum em 96mg/dl e sob efeito antimicrobiano iniciamos as etapas do procedimento cirúrgico exodôntico. Com instrumento de alta rotação e broca 702, sob abundante refrigeração, procedeu-se a separação das raízes. Durante a separação da raiz mesial, a paciente queixou-se de uma sensação de formigamento na região orbital, lado direito; achamos que tratava-se do efeito de difusão da Figura 1 - Aumento de volume nas regiões infraorbital, jugal e temporal lado direito. Figura 2 - Ênfase em aumento de volume em região temporal do lado direto. Figura 3 - À esquerda, caneta de alta rotação utilizada no procedimento. Notar grande diâmetro da saída de refrigeração quando comparada com caneta de alta rotação do lado direito. No dia seguinte, o enfisema invadiu o espaço sub-mandibular e cervical lado direito, porém diminuiu seu volume facial. Não houve relato de dor local. Foi solicitado exame por imagens (TC) (figura 4), para verificação das regiões facial, cervical e torácica. Não houve evidência de enfisema. Sinais vitais estáveis e dentro da normalidade. Durante o terceiro dia verificou-se sensível melhora quanto ao enfisema e a loja alveolar com aspecto normal e sem queixas. O enfisema foi solucionado totalmente no quinto dia pós-operatório, sem sequelas sistêmicas ou locais, diabetes controlado e antibioticoterapia inicial mantida por 21 dias (figura 5). REVISTA BRASILEIRA DE CIRURGIA BUCO-MAXILO-FACIAL V11 N1 P. 33 - 38 - Recebido em 24/11/10 - Aprovado em 30/03/11 solução anestésica empregada nos bloqueios dos Nervos Alveolar Superior Posterior e Alveolar Superior Médio. Continuamos a secção das demais raízes com alta rotação intermitente e irrigação sem queixas da paciente. A remoção da raiz mesial foi dificultada por uma dilaceração apical, sendo necessária a confecção de retalho cirúrgico. Em seguida, utilizou-se instrumento rotatório e broca 702 sob refrigeração, para remoção de parte da cortical vestibular. As demais raízes foram removidas sem dificuldades. Realizamos irrigação com leve curetagem da loja alveolar, porém a paciente queixou-se de inchaço na região lateral direita da face. De imediato, verificamos aumento de volume nas regiões: infra-orbital, jugal e temporal, lado direito; flacidez e crepitação ao toque (figura 1 e 2). Suspeitamos de um enfisema sub-cutâneo provocado por uma comunicação buco sinusal trans-operatória mas, ao realizarmos a manobra de Vassalva, esta foi negativa; concluímos que o agente etiológico devia-se ao ar do instrumento de alta rotação (figura 3). Finalizamos o procedimento exodôntico com síntese, utilizando fio seda 3-0 e compressa de gaze por 10 minutos. A paciente foi reconduzida ao leito, orientada sobre o acidente e prescrito Tenoxicam 40mg 24/24 horas por três dias, como prevenção de uma resposta inflamatória exacerbada. 35 Enfisema Sub-Cutâneo Provocado por Instrumento de Alta Rotação: Relato de Caso - Costa Filho et al. 36 Figura 4 - Tomografia computadorizada da área envolvida. Figura 5 - Regressão de enfisema após 5 dias. Discussão A ocorrência de enfisema subcutâneo, relacionado com procedimentos odontológicos é raro, mais comum é o edema pós-operatório2,4-7. Já em casos de fraturas faciais com comprometimento dos seios paranasais, esta incidência sobe para 86.21%11. As intervenções dentárias mais relacionadas com enfisema subcutâneo são remoções de terceiros molares inclusos ou impactados, quando é utilizado um instrumento de alta rotação, como meio auxiliar na remoção de osso e seccionamento dental4-7,9. No caso em relato, o dente removido foi o primeiro molar superior direito, com grande destruição coronária. Outros autores relatam a ocorrência deste acidente durante procedimentos restauradores, endodônticos ou cirúrgicos a laser com jatos de ar2-3,10. O uso de caneta com alta rotação durante osteotomias e odontosecções é freqüente, porém, casos de enfisemas subcutâneos relacionados a estes procedimentos são raros. Neste relato, o aparecimento deste foi inesperado e em uma região pouco comum, visto que intervenções em terceiros molares inferiores têm uma incidência bem maior2,4-6,9. Os sinais e sintomas apresentados pela paciente neste caso como: crepitação à palpação, ausência de dor, aumento de volume regional, sensação de formigamento local e difusão para outras regiões da cabeça e pescoço com o decorrer do tempo,estão de acordo com a maioria dos autores consultados1-4,8-10. Dentre os exames por imagens, como forma de complementar o diagnóstico clínico, a radiografia convencional nas incidências em P.A. e Perfil prevaleceu de acordo com a maioria dos autores consultados1,3-4,8-9. Já a TC é indicada por outros por proporcionar melhor nitidez nas imagens2,5-6,10. No presente caso, ao longo das primeiras 48horas de pós-operatório, ocorreu a passagem do enfisema para outros planos faciais além do bucal, fato este, que se enquadra na classificação de Wakoh. Quanto à etiologia do enfisema subcutâneo, o caso relatado é do tipo-2, pois o ar foi forçado diretamente nos tecidos3,9. O uso da terapêutica antimicrobiana é justificada, no pós-operatório, devido à introdução de microorganismos nos tecidos subcutâneos, levados pelo ar comprimido do instrumento de alta rotação. Amoxicilina + Clavulonato durante 10 dias. Cefalosporina + Metronidazol. Ampicilina + Metronidazol. Clindamicina. são relatados2,6-7,10.Em nosso caso, a paciente apresentava-se internada em hospital, fazendo uso de Linezolida 600mg 12/12horas. Porém, alguns autores preferem, como tratamento inicial o monitoramento do paciente com uso de analgésicos/anti-inflamatórios3-5. Conclusão O uso de instrumento de alta rotação em exodontias deve ser criterioso, evitando uma saída exagerada do ar comprimido ou o uso contínuo da turbina. Instrumentos que proporcionem uma difusão do ar em vários orifícios de saída são preferíveis (figura 7). Em casos de queixas por parte do paciente no trans-operatório, como aumento de volume e formigamento regional, o procedimento deverá ser reavaliado imediatamente. O correto planejamento do ato cirúrgico é fundamental na prevenção deste acidente. Referências 1. Stoykewych AA, Curran JB. Subcutaneous emphysema: A complication of sugery and anesthesia. Anesth Prog 1992;39:38-40. 2. Kreisner PE, Martins CAM, Pagnoncelli RM. 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Mas, existem relatos de três semanas para resolução do caso, com comprometimento do mediastino e estruturas anexas5,10. 37