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TRABALHOS TÉCNICOS
Divisão Econômica
OS EUA CORREM PERIGO?
Luiz Claudio de Pinho Almeida
Economista
O mundo se assusta e é afetado por cada crise que se abate sobre o antes hegemônico e
poderoso EUA, que foi o grande fiador do desenvolvimento do mundo ocidental – inclusive,
garantindo o respeito à democracia na maior parte dos países – desde o pós-guerra.
Como sabemos, a despeito de seu imenso e incomparável progresso em todas as áreas,
a trajetória norte-americana sempre comportou o exercício do poder externo de modo a garantir seus interesses comerciais e, principalmente, estratégicos, do ponto de vista político. Esse
comportamento – especialmente nos anos mais recentes do Governo Bush – determinou o
aumento exponencial dos gastos na rubrica de Defesa, em virtude do contínuo esforço de
guerra, sustentando uma caríssima máquina no exterior.
Embora muitos autores e a própria opinião pública norte-americana (e parte da mundial) tenham condenado as ações belicistas dos oito anos de domínio republicano – resultando
numa surpreendente eleição de Barack Obama –, ainda é muito cedo (pela falta de perspectiva
histórica) para uma análise mais acurada do período e diagnosticar, com precisão, se o saldo
foi positivo ou negativo.
É preciso que nunca se esqueça que as ações militares e nacionalistas (como o endurecimento dos critérios de imigração, por exemplo) do primeiro governo Bush foram amplamente referendadas pela população dos EUA, sob o trauma dos atentados de 11 de setembro.
Ou seja, ninguém estava questionando quanto iria custar o esforço de reparar a profunda ferida desencadeada por terroristas, cuja filosofia e religião se externam pelo objetivo primeiro de
varrer os EUA (e Israel) da face da terra. E, mais grave, tais ideias contam com milhões de
seguidores, não só nos países muçulmanos, mas também em vários segmentos de sociedades
do mundo ocidental, inclusive governos.
Mas enquanto o custo de fazer os devidos reparos no orgulho ferido não estava afetando, de forma grave, os empregos, a renda e o poder de consumo da sociedade (apesar de os
indicadores econômicos do país, especialmente do nível de endividamento, já terem acendido
a luz vermelha), o governo Bush mantinha o cheque em branco, que levou ao sonho dos chamados “Four more years”, refrão da campanha de reeleição. Na verdade, nessa época, parte da
imprensa internacional já passava a impressão de um grande desgaste no modelo Bush, o
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que, no entanto, não se comprovava plenamente na prática. Já se percebia maiores níveis de
insatisfação e preocupação dos setores mais liberais dos EUA, assim como dos think tanks,
que tanto influenciam a opinião pública na América. Ambos apontavam para os perigos que
rondavam a economia, ao mesmo tempo em que a atenção ao crescimento da China como
potência mundial concorrente estava presente em todos os trabalhos. Mas, na prática – e podemos comprovar isso in loco, uma vez que, pela natureza do nosso trabalho na área de acordos internacionais, fazemos viagens regulares aos EUA –, constatávamos que, junto à população em geral (não tão bem informada, mas que vota e movimenta a economia), ocorria uma
postura muito diferente, de contínuo e integral apoio à política belicista elevada ao extremo,
não importando o seu custo (talvez até porque desconhecessem as consequências). Nos jogos
de basquete, por exemplo, transmitidos pela TV, era comum observar o locutor pedindo “minutos de silêncio” ou “salvas de palmas aos nossos garotos, que no momento em que estamos
aqui, nos divertindo em segurança, estão morrendo por nós, pelos EUA e pela democracia do
mundo”. Ato contínuo, os estádios caiam em delírio, em um frenesi patriótico, seguido pela
execução do hino nacional, geralmente cantado à capela.
Era uma época de luzes de advertência piscando no painel de controle da economia,
com acentuados e contínuos deficits na Balança Comercial e redução na criação de postos de
trabalho, exportados para a China, a Índia e outros países asiáticos, juntamente com as próprias indústrias – de baixo valor agregado e, muitas vezes, poluentes, é verdade – mas que
geravam empregos internamente. Era uma época em que ainda não se questionava Guantánamo. Era uma época de revanche e de manter elevado o orgulho da nação, sem medir custos.
De fato, aparentemente os aspectos políticos do modelo Bush foram atendidos em seu
primeiro governo, mas os custos associados e, paralelamente, as práticas quase sem controle
da economia – criando falsas riquezas por meio de intrincados modelos de investimento –
levaram os EUA a uma de suas maiores crises econômicas, a que todos testemunhamos e cujos reflexos desdobraram-se mundo afora, atingindo cada país em maior ou menor grau.
Uma esperada recuperação – que se previra mais veloz – ainda não ocorreu e os EUA,
nesse mês, voltaram a estampar as manchetes dos jornais no mundo inteiro, primeiro com a
possibilidade de um calote internacional e, logo a seguir, com o seu rebaixamento na classificação de risco da agência Standard & Poor’s, umas das mais importantes e respeitadas.
O rebaixamento da classificação é emblemático, mas na prática não muda tanta coisa
do ponto de vista dos investidores, que vão continuar a comprar títulos da dívida norteamericana e a investir no país pela análise de outros critérios, e não somente pela classificação
da agência – de toda sorte, já precificada há meses. De qualquer forma o rebaixamento é emblemático, pois há 70 anos o risco financeiro dos EUA tem nível máximo de segurança, exTrabalhos Técnicos
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presso pelas letras “AAA”. Com o rebaixamento, passou para “AA+”. Ou seja, algo como
tirar nota 10 a vida inteira e, em determinado ano, tirar somente 9,5. Mas, por ser emblemático, isso pode determinar uma ainda menor disposição dos agentes, o que se reflete em menor
velocidade de recuperação da economia norte-americana.
Mas, finalmente, os EUA correm perigo?
Não é a primeira vez que essa pergunta é feita e analistas, a cada época, relataram e
defenderam suas teses, mas sempre os EUA superaram as dificuldades e se reposicionaram de
forma mais forte. E por quê? Principalmente por ser o país com a mais sólida democracia do
planeta, com a vontade política refletindo a opinião do povo, construindo e evoluindo em cada
passo, mediante o referendo da maioria. Assim, os EUA não correram o perigo maior da desagregação em razão da Guerra de Secessão. Ao contrário, o conflito separatista findou por
contribuir para a maior união dos estados. Assim, superaram a crise de 1929 e a Segunda
Grande Guerra (que gerou tremendo progresso técnico, logo transferido às indústrias e à sociedade em geral). Superou os danos do fracasso no Vietnã e as turbulências por dezenas de
intervenções militares mundo afora. Superou a Guerra Fria, quando a cada dia o mundo acordava com fundado receio de um conflito nuclear. Principalmente, fez valer, mundialmente, o
seu modelo político de democracia e econômico capitalista, como o melhor meio de atender
às necessidades humanas e promover o desenvolvimento dos países, enquanto os arautos da
esquerda internacional – inclusive dentro do Brasil – observavam atônitos ao fim do muro de
Berlin e ao desmantelamento da outrora indestrutível União Soviética.
Da mesma forma, os EUA provavelmente irão superar a crise financeira em que estão
ainda fortemente envolvidos, até porque, mesmo em meio às dificuldades dos anos recentes,
continuaram, por exemplo, a liderar a ponta do desenvolvimento: os EUA continuam a deter
uma fatia de mais de 60% das novas patentes internacionais, depositadas a cada ano. Os concorrentes mais próximos são o Japão, a Alemanha, a Inglaterra e a França, cada um com cerca
de 6%. A emergente China atingiu 2% no ano passado, enquanto o Brasil, por exemplo, não
chega a 0,5%. Ou seja, ainda são os “donos” das novas tecnologias e conhecimentos que é
onde mora o valor e a riqueza em nossa sociedade. Serviços de telemarketing de empresas
americanas instalados na Costa Rica e indústrias poluentes que são transferidas para o México
ou a Ásia, por exemplo, exportam também empregos, que podem ser reclamados pela sociedade em curto prazo. Mas isso pouco importa no médio/longo prazo, onde o valor vai estar
cada vez mais presente nos royalties das tecnologias de ponta, nos direitos gerados pela inovação e na prestação de serviços e manutenção desses equipamentos de alta tecnologia.
Mas, principalmente, os EUA irão superar essa crise perseverando em seus valores
democráticos e pragmáticos, em seu comprometimento com a disciplina, com o trabalho e
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com a busca pela excelência, que tem por base a relação universidade/empresa, como em nenhum outro lugar.
Então, onde os EUA correm perigo? Correm perigo quando atentam contra o sólido
modelo democrático que mantém esse fabuloso país na posição de líder. Correram perigo
quando engendraram a prisão de Guantánamo como intransponível depósito de supostos
terroristas (muitos deles terroristas, é verdade), praticando intramuros as barbaridades que
tanto condenavam nos países algozes, principalmente a negação aos processos judiciais e ao
exercício da liberdade de imprensa. Com Obama, o mea culpa foi feito, e Guantánamo foi
aberta à imprensa e desativada como presídio de terroristas. Mas, na mesma linha, os EUA
correm perigo hoje, quando os seguidores de movimentos como o Tea Party, de ultradireita,
apostam num quadro de “quanto pior, melhor” para tentar desmoralizar publicamente o Presidente Obama. E isso foi o que aconteceu no recente embate no Congresso, na votação da elevação do teto do endividamento do país. Mais do que vender caro a aprovação do acordo, a
ultradireita radical quis colocar – e conseguiu – o presidente de joelhos. Mesmo tendo feito
um acordo ruim no Congresso – mas ainda assim o melhor que foi possível –, o Presidente
dos EUA foi imediatamente atacado por vozes dessa mesma ultradireita (que já compõe 25%
da base republicana), bradando contra a timidez das medidas em geral (mas defendendo com
o mesmo fervor seus privilégios e a manutenção dos aportes aos setores de Defesa).
Assim, se continua a viver um quadro onde a economia custa a se recuperar e a gerar e
oferecer novos empregos, onde a moeda fraca encarece os itens importados, onde a crise imobiliária ainda não foi superada, onde milhões de pessoas estão com acesso restrito a novos
créditos (por não terem conseguido quitar as dívidas anteriores) e onde, para muitos segmentos, a desesperança permanece. Para superar essa crise, o remédio tem que passar pelo referendo da democracia norte-americana. No entanto, os EUA correm perigo, pois as condições
desse quadro podem tornar ouvidos, corações e mentes receptivos ao discurso e aos valores da
extrema direita, tão danosos aos países e populações quanto seus congêneres de extrema esquerda, que construíram o falido modelo comunista onde, hoje, somente Cuba agoniza, como
um peixe se debatendo na areias do Caribe.
Nota Explicativa: As usinas de ideias (em inglês: think tanks) são organizações que produzem pesquisas, análises e conselhos orientados à política de temas domésticos e internacionais, com a tentativa de executar decisões bem informadas sobre a política pública em
questão.
Os think tanks podem ser filidas a partidos políticos, governos, grupos de interesse, corporações privadas ou independentes (independente de qualquer tipo de grupo de interesse e autônomo em sua operação e financiamento). Estas instituições servem como fonte entre as coTrabalhos Técnicos
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munidades acadêmicas e os encarregados de formular políticas, servindo ao interesse público como um ator independente que traduz pesquisa aplicada a uma forma compreensível,
confiável, e acessível para o público e ou tomadores de decisão.
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