INTRODUÇÃO - Klepsidra

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RELAÇÕES INTERNACIONAIS ANARQUISTAS
da 1ª Internacional à Revolução Russa
Introdução
Em época na qual a globalização do capitalismo mostra-se praticamente
inquestionável, onde a força de uma única superpotência global cresce
diariamente e explodem mundo afora reações a esta nova ordem mundial, os
estudos de Relações Internacionais não podem ficar fechados às relações políticoeconômicas de Estados ou empresas. Nestes dias, se faz de fundamental
importância o estudo das contestações, dos movimentos contrários que começam
a aparecer cada vez com mais constância, questionando a nova ordem
globalizante.
Para compreendermos a contestação hoje podemos pensar em como mais
de um século atrás as pessoas questionavam a ordem vigente, quais as propostas
para um novo mundo e para outras Relações Internacionais. A partir deste foco,
procuraremos analisar a atuação de integrantes do movimento anarquista
internacional desde o cisma na Associação Internacional dos Trabalhadores até a
Revolução Russa de 1917, procurando entender como entraram em organizações
supra-nacionais, como a AIT, e como suas atividades pessoais colaboraram para
estas relações.
Durante praticamente meio século, os anarquistas foram a principal voz de
contestação no mundo ocidental, questionando a sociedade industrial com suas
hierarquias e violências encasteladas no Estado e nas Igrejas. Propunham uma
sociedade sem Estado, baseada nas comunidades locais e com caráter
claramente internacionalista. As Relações Internacionais por eles praticadas serão
analisadas neste trabalho assim como as respostas que surgiram dentro destes
Estados e como que isto gerou novas Relações Internacionais.
Segundo Edgar Rodrigues, “Os anarquistas (...) procuraram conciliar ideais
internacionalistas à idéia de um mundo sem fronteiras ou barreiras de raça – com
uma insistência ferrenha na autonomia local e na espontaneidade pessoal.” 1.
Outra questão que pode ser levantada é relativa à bibliografia localizada
para a produção deste trabalho. É impossível contar quantas mais vasta é a
bibliografia existente acerca do movimento comunista/marxista no período, o que
reflete um claro interesse dos historiadores por este movimento em especial,
tendo em vista que os anarquistas foram mais importantes do que os marxistas
(ou comunistas autoritários) por décadas em todo o mundo.
Outro fator que dificulta a pesquisa do movimento anarquista é a
inconstância de seus grupos e associações, geralmente efêmeras e que vão
sendo automaticamente substituídas por outros grupos e associações de vida
igualmente curta. Por isso, faz-se necessário estudar muitas vezes a atuação de
indivíduos-chave, que fundaram e participaram de inúmeras destas associações,
conhecendo outras pessoas marcantes que passaram por diversos grupos, mas
mantiveram o contato entre si.
Segundo James Joll, “Quando uma revolução é bem-sucedida, os
historiadores preocupam-se com descobrir suas raízes e desemaranhar as suas
origens e desenvolvimento (...). As revoluções fracassadas são tratadas como
becos sem saída na História”. Como concretizaram-se Revoluções Marxistas, e
como este pensamento fez escola historiográfica, encontra-se muito mais
bibliografia acerca deste movimento do que sobre o anarquismo. Trata-se de um
embate sobre a “história dos vencidos” contra a “história dos vencedores”, mas
desta vez no campo do movimento operário revolucionário internacional.
1
RODRIGUES, Edgar – Universo Ácrata, p. 07.
2
As idéias anarquistas: um perigo à sociedade burguesa e ao Estado
O anarquismo está entre as teorias políticas menos compreendidas e mais
perseguidas da história dos movimentos sociais mundiais. Se as críticas
provenientes da direita dizem que o anarquismo é um “comunismo” (leia-se
marxismo) “piorado”, levado às últimas conseqüências, e terrorista, a crítica vinda
dos marxistas o classifica como “movimento pequeno-burguês” contra os “reais
interesses da classe operária” e contra o “Estado operário”.
Tanto a direita quanto a esquerda perseguiram os anarquistas. Seus
simpatizantes foram seguidos, presos e assassinados. Mas, qual o motivo de tanto
ódio e medo?
Sem entrar nas peculiaridades de cada uma das linhas do pensamento
anarquista (comunalismo, mutualismo, anarco-sindicalismo, etc), podemos afirmar
que os fundamentos estão na defesa dos interesses da população local e do
indivíduo acima de tudo. Para isto, torna-se necessária a extinção da propriedade
privada – teoria imortalizada na frase “A propriedade é um roubo”, de Proudhon –,
do Estado, das hierarquias, do capitalismo e da religião (na grande maioria dos
casos).
São estas as idéias que atemorizaram a direita e a esquerda marxista nos
últimos cento e cinqüenta anos. Se por um lado estas propostas eliminam o
sustentáculo da sociedade burguesa: o Estado, a propriedade privada, a
hierarquia e o capitalismo; de outro questionam também a revolução proposta por
Marx e Engels, baseada na ditadura do proletariado, na centralização dos meios
de produção no Estado e em rígida hierarquia vinculada ao partido único.
As Relações Internacionais propostas no anarquismo, portanto, vão contra
o capitalismo, as empresas, os Estados e Exércitos, optando por novas relações,
entre os indivíduos e as comunidades, onde a livre-associação e a ajuda mútua
substituiriam os aparelhos coercitivos e exploradores. Sem jamais concretizarem
uma revolução, os anarquistas fizeram suas Relações Internacionais mesmo
assim, contactando uns aos outros, aplicando o conceito de ajuda mútua e lutando
pela liberdade de todos os perseguidos.
3
O surgimento do movimento anarquista e a Internacional Socialista até o
cisma de 1872
Pode-se afirmar que o movimento anarquista começou a ser esboçado com
as idéias de Pierre-Joseph Proudhon na França. Seu pensamento ia contra o
Estado, a Igreja e a propriedade privada. Para ele, o novo sistema a ser
implementado após a queda do capitalismo seria o que ficou posteriormente
conhecido como “mutualismo”, linha de pensamento que norteou o movimento
anarquista até a chegada das idéias de Mikhail Bakunin e seu “coletivismo”.
Bakunin, fundou e inventou inúmeros grupos e associações de anarquistas
por toda a Europa, conhecendo Karl Marx quando passou por Londres. Nestes
encontros, ambos chegaram a discutir a fundação de uma Internacional Socialista,
mas o revolucionário russo não esteve presente no ato da fundação da
Associação Internacional dos Trabalhadores, conhecida por 1ª Internacional, em
1864.
Tal organização funcionou até 1876, sendo refundada depois em 1889
como a 2ª Internacional. Pierre-Joseph Proudhon participa da AIT junto com Marx,
e seus mutualistas tem grande força dentro do movimento, inclusive quando em
1868 Mikhail Bakunin entrou nela.
Fundada por Marx e Proudhon, a AIT teve sua sede instalada em Londres,
considerada a cidade mais segura para o movimento operário naquele momento,
onde estava também um proletariado bastante grande e organizado. Marx,
residente naquela cidade, começa rapidamente a centralizar o comando da
Associação, o que era questionado somente nos famosos Congressos.
O primeiro destes Congressos ocorreu em 1866 na cidade de Genebra, e
apesar da maioria dos integrantes ser de mutualistas proudhonianos, os marxistas
conseguem inserir nas resoluções o conceito de “Estado operário”, evidenciando o
começo do racha teórico-ideológico que posteriormente polarizaria a Associação.
O Congresso seguinte viria a acontecer em Lausanne em 1867, quando os
mutualistas começam a perder força para os seguidores de Bakunin, fazendo com
que as resoluções fossem contemporizadores com todos os grupos.
4
1868 foi o ano do Congresso de Bruxelas, e o pensamento coletivista de
Bakunin dominou as resoluções, como a que exigia a propriedade pública de
minas, transporte e terra. “O Congresso de Bruxelas estabeleceu uma economia
socializada como a futura reivindicação do movimento da classe trabalhadora
européia. Isto não determinou a questão vital, se esta socialização seria cumprida
por meios autoritários ou libertários” 2.
Segundo James Joll, “Aparentemente, Bakunin não percebeu por inteiro os
problemas que iria enfrentar juntando-se à Internacional (...). A admiração deste
por Marx era bastante grande. Marx, escreveu ele em 1880, era um homem ‘de
grande inteligência, com um profundo saber (...)’. Marx, por sua vez, descreve
Bakunin como ‘um homem destituído de todo conhecimento teórico’ “ 3.
As diferenças ideológicas entre os seguidores de Proudhon e Bakunin e os
de Marx foram crescendo cada vez mais, com o segundo grupo, capitaneado pelo
próprio Karl Marx, começando a articular a tomada de poder dentro da
organização: “a atitude de Marx para com a Internacional foi sempre uma atitude
ambivalente. Acreditava na importância de uma organização internacional para a
propagação das suas idéias e para o controle sobre os crescentes movimentos
operários da Europa” 4.
Bakunin foi a figura principal do Congresso de Basiléia em 1869 junto de
seu movimento coletivista anti-autoritário. A partir deste momento, Marx e Engels
perceberam que estavam perdendo força e influência nos Congressos da AIT,
passando a criticar duramente o pensamento e a pessoa Bakunin. Segundo Joll,
“Por todos os dois anos seguintes, tendo por pano de fundo a guerra francoprussiana e a Comuna de Paris, a disputa arrastou-se numa guerra de cartas,
circulares e panfletos repelindo as mesas acusações e refutações” 5.
A AIT envolveu-se então em um combate pessoal entre dois dos mais
importantes pensadores do movimento revolucionário mundial, Karl Mark e Mikhail
Bakunin. O primeiro, via aquela Associação como fundamental para a organização
WOODCOCK, George – História das idéias e movimentos anarquistas, vol. 2 – pp. 12-13
JOLL, James – Anarquistas e anarquismo, p. 113
4 idem, ibidem, p. 114
5 idem, ibidem, p. 119
2
3
5
e doutrina do operariado sob sua ideologia, e por isso concluiu ser de fundamental
importância retirar a pessoa e o pensamento de Bakunin da Associação.
De 1869 a 1871, a disputa acirrou-se cada vez mais, ambos os lados
reivindicaram as glórias da Comuna de Paris e finalmente Marx conseguiu o
desfecho final ao reunir parte da Internacional em Londres em 1871 para tentar
organizar o movimento em suas mãos após o drama parisiense. Ao fazer esta
reunião, percebe, segundo James Joll, que Espanha, Itália e Suíça, além de boa
parte da França e da Bélgica, seguiam Bakunin, ficando a outra parte destes dois
últimos países, os ingleses e os alemães seguindo sua linha de pensamento.
Então,
“Imediatamente
depois,
Marx
convocou
um
congresso
da
Internacional em Haia, suficientemente longe da Suíça, da Espanha e da Itália,
para tornar difícil e caro aos partidários de Bakunin sua presença (...). Depois de
discussões acrimoniosas, Guillaume e os seus amigos foram expulsos; e foi
decidido transferir o Conselho Geral para os Estados Unidos. Marx alcançara a
sua vitória sobre Bakunin, mas, de fato, pusera fim à Internacional” 6.
Este primeiro período, portanto, foi marcado pela primeira grande tentativa
de unificação dos proletários europeus em uma nova organização supra-nacional
e que propôs, na maioria do período, a supressão dos Estados. Tal organização,
porém, foi corroída internamente pelas disputas ideológicas acerca dos planos
para o futuro revolucionário. Após o cisma de 1872, a 1ª Internacional continuará
sendo de extrema importância para o movimento operário, e manterá seu caráter
supra-nacional, mas não abrigará mais a totalidade dos revolucionários e sim
apenas aqueles que seguiam a linha marxista. Os anarquistas tentarão em vão
instalar uma Internacional Anarquista entre 1872 e 1881, sem grande êxito. A 1ª
Internacional acabaria em 1876.
Em 1889, com a fundação da 2ª Internacional, os anarquistas seguidores
de Bakunin e, agora, de Kropotkin, tentarão conquistar espaço, mas mais uma vez
enfrentarão a resistência marxista e acabarão sendo expulsos no Congresso de
Londres de 1896. Desta data até 1914, funcionará então uma Internacional
Anarquista cujo ápice será o Congresso de Amsterdã em 1907.
6
JOLL, James – Anarquistas e anarquismo, p. 122
6
Do cisma na AIT até a Revolução Russa: o anarquismo nas mentes e ações
européias e americanas
A Comuna de Paris, em 1871, foi uma experiência de fundamental
importância para o futuro dos movimentos revolucionários. Naquele momento,
anarquistas e marxistas puderam tentar colocar na prática suas teorias sobre
economia, educação, cultura, política e força militar, o que permitiu muita
discussão e revisão de conceitos. A selvageria da repressão pelas tropas
prussianas na semana sangrenta que foi de 21 a 28 de março de 1871 acabou
com a Comuna e abalou a organização proletária européia e mundial, mas
fortificou o mito e a importância daquele movimento parisiense.
Seu fim foi o começo de uma onde de comunas que varreu a Europa nos
anos seguintes, dando força ao movimento anarquista na Itália, na Espanha, na
Suíça e na França, sendo seu mito cultivado pelos marxistas também, até a
Revolta de Kronstadt e a direção final da URSS rumo à ditadura.
A Comuna não seguiu uma linha teórico-ideológica única, mas colocou as
duas principais – marxista e anarquista – em questão, tendo em vista que não
seguiu o modelo pregado por Marx de revolução na sociedade capitalista mais
desenvolvida e com operariado consciente de sua condição de classe social, ou
seja, Inglaterra ou Alemanha, e nem seguiu a idéia de Bakunin de que a revolução
começaria pelos países menos desenvolvidos industrialmente, como por exemplo
a Itália e a Rússia.
A morte de Bakunin na Suíça em 1876 não abalou a força do movimento
anarquista, tendo em vista que este já tinha considerável força em diversos países
europeus e nos outros encontrava igualmente uma grande quantidade de adeptos.
Neste período, o movimento já começava a ver o surgimento de outro grande
pensador anarquista, russo assim como fora Bakunin: Piotr Kropotkin e sua teoria
da ajuda mútua.
Este segundo período do movimento anarquista, que vai desde o racha da
AIT em 1872 até a Revolução Russa de 1917 é marcado fundamentalmente pelo
surgimento de diversos grupos de ação anarquista, mas também pela ação
7
pessoal de indivíduos que dedicaram suas vidas – ou o pouco tempo livre que
tinham nelas – a divulgar os ideais anarquistas, seja em atividades culturais como
peças de teatro ou poesias, seja traduzindo textos clássicos, ou ainda participando
de greves, agitações e conspirações.
Se gradativamente a Europa foi fechando o cerco contra os anarquistas
neste período, principalmente após as séries de atentados contra governantes, os
EUA ainda mantinham-se receptivos a todos os tipos de imigrantes. Até 1901.
Neste ano, o Presidente McKinley for assassinado por um suposto anarquista. A
partir daí, a repressão ao movimento foi intensa e novas leis de imigração
proibiram a entrada de anarquistas no país.
Tanto Bakunin quanto Kropotkin passaram em viagens pelos EUA,
proferiram palestras, fizeram contatos e escreveram sobre esta convivência.
Bakunin ficou por dois meses naquele país, entre outubro e dezembro de 1861 e
posicionou-se à favor do abolicionismo e do republicanismo, aprovou a liberdade
política mas percebeu alguns pontos complicados daquela que era vista como a
“terra prometida”: a banalidade material e o orgulho nacional, o que colaborou
para seu entendimento de que o governo representativo e o sufrágio universal
poderiam ser facilmente manipulados pela burguesia.
Piotr Kropotkin realizou duas viagens aos EUA, a primeira em 1897 e a
segunda em 1901. Admirou o federalismo, mas também fez severas críticas à
democracia, ao capitalismo e aos abusos que o governo vinha cometendo.
Um caso fundamental para a compreensão da força que o movimento
anarquista começou a ter, do medo que gerava nos governantes e na burguesia e
na forma como o movimento gerou suas próprias Relações Internacionais é o de
Haymarket. Em 1886 houve uma explosão em Chicago que causou a morte e o
ferimento de diversos policiais locais. A repressão que se seguiu levou à prisão
quatro anarquistas e mais o suicídio de um quinto. No ano seguinte, os quatro
imigrantes anarquistas foram condenados à pena de morte e se tornaram mártires,
“As execuções de Haymarket estimularam o crescimento do anarquismo, tanto
8
entre imigrantes quanto entre os americanos, e houve um rápido crescimento do
número de grupos anarquistas italianos após 1887” 7.
A condenação à morte de quatro imigrantes anarquistas nos EUA gerou o
crescimento dos grupos anarquistas na Itália, moções de repúdio de grupos,
associações, organizações e indivíduos em todos os EUA, Brasil, Argentina e na
Europa. Mesmo sem condições financeiras, os anarquistas criaram uma rede de
contatos que atravessava fronteiras e transmitia informações sobre os movimentos
em suas comunidades.
Os russos passaram a acompanhar o que vinha acontecendo nos EUA, os
americanos sabiam do desenrolar do movimento na Alemanha e lá havia contato
com os anarquistas de Espanha, Itália e França, que conheciam anarquistas na
Argentina e na Inglaterra, e estes conversavam com grupos na Austrália, que
também tinham contato com os norte-americanos e o círculo se fechava.
Se dentro da Europa, a organização dava-se entre os operários nas
cidades, regiões e países, nos países que estavam recebendo as levas de
imigrantes como EUA, Brasil, Argentina e Austrália, as associações aconteciam
inicialmente dentro das próprias comunidades de imigrantes. Estas, passaram a
ser acompanhadas de perto pela polícia secreta e foram focos irradiadores dos
ideais de Proudhon, Bakunin e Kropotkin.
Outra importantíssima comunidade, espalhada por todo o globo e que viu
parte de seus membros aderirem entusiasticamente ao anarquismo foi a
comunidade judaica, encabeçada pela figura mítica de Saul Yanovsky.
Segundo Paul Avrich, “Enquanto continuaram a acompanhar os eventos na
Rússia com apaixonado interesse, os anarquistas judeus entraram em outras
causas. Em 1911, eles protestaram contra a execução de Denjiro Kotoku e seu
grupo anarquista em Tóquio. Em 1912, ajudaram os grevistas da área têxtil de
Lawrence, Massachusetts, e em 1913, de Paterson, Nova Jersey. Eles levantaram
fundos para a Revolução Mexicana, e especialmente para o movimento liderado
por Ricardo e Enrique Flores Magón no sul da Califórnia” 8.
7
8
AVRICH, Paul – Anarchist portraits, p. 165
idem, ibidem, p. 193
9
Alexander Berkman, exilado judeu russo nos EUA, nasceu em 1870 no
povoado de Vilna. Aos onze anos, acompanhou de perto o assassinato do czar
russo, simpatizando pelo lado dos assassinos. Aos dezessete anos, chega aos
EUA onde se tornou um expoente no movimento anarquista, conhecendo Emma
Goldman – outra importantíssima anarquista daquele país: “Com a morte de
Johann Most em 1906 (...), Berkman, junto com Emma Goldman, se tornou a
principal figura no movimento anarquista norte-americano. Marcando encontros,
organizando eventos, editando periódicos, e agitando com empregados e
desempregados, ele fez mais do que qualquer um, até Goldman, pela causa
libertária” 9.
Durante sua vida, tentou assassinar um diretor de empresa durante greve,
foi preso, fez campanha contra a Primeira Guerra Mundial, o que levou o governo
a deporta-lo à Rússia bolchevique. Lá chegando, concluiu que aquela revolução
não tinha nada do que ele entendia por libertação da população e fugiu para a
Alemanha e depois França, onde morreu.
Ricardo Flores Magón, é mais um caso da mobilização internacionalista
anarquista. Considerado o maior anarquista mexicano do século XX, Magón foi
perseguido constantemente pelas autoridades mexicanas e norte-americanas,
sendo considerado uma ameaça constante à ordem. Segundo Avrich, “ele passou
os dezenove anos seguintes nos EUA, mais da metade na prisão. Ele foi preso no
Missouri, na Califórnia, no Arizona, em Washington e no Kansas, onde veio a
falecer na Penitenciária Leavenworth em 1922. Sua odisséia, como lembrou um
amigo seu, o levava ‘direto para o Xadrez’. O que começou para Flores Magón
como uma revolta contra [Porfírio] Díaz se tornou simultaneamente em uma
revolta contra a política de repressão dos EUA. Caçado por policiais, detetives
particulares, oficiais dos correios e da imigração, ele foi de cidade em cidade,
sendo preso periodicamente e sempre sob a ameaça da deportação”
10.
Durante
todo este tempo em que esteve preso, recebia visitas e correspondência de
9
idem, ibidem, p. 203
idem, ibidem, p. 209
10
10
anarquistas de todo o mundo, tendo havido também campanhas por sua
libertação.
Charles Wilfred Mowbray, um inglês que refugiou-se nos EUA após ser
expulso da 2ª Internacional em 1893, foi um dos principais elementos na
articulação dos movimentos anarquistas na Europa e nos EUA, tendo contado
direto com pessoas como Kropotkin, Malatesta e Yanovsky. Suas atividades nas
mais diversas áreas e regiões foram fundamentais para a transmissão das
informações e ações entre os grupos anarquistas dos dois lados do Atlântico.
Quando eclodiu a Revolução Russa de Outubro de 1917, diversos
anarquistas em todo o mundo dirigiram-se à Rússia para colaborar na construção
da nova sociedade pensando que o movimento liderado pelos bolcheviques
marxistas não poderia passar por cima da tradição anarquista de Bakunin e
Kropotkin. Este último, inclusive, foi convidade a fazer parte do governo
revolucionário. Ao chegar à Rússia e observar como as coisas estavam sendo
encaminhadas, recusou o convite e alertou Lênin para o caminho ditatorial que
aquele movimento estava tomando.
Pouco depois, começaram as perseguições do governo bolchevique,
lideradas por Lev Trotski contra o movimento anarquista naquele país. Milhares de
militantes foram presos, assassinados ou obrigados a exilarem-se. Aqueles que
estavam presos, decepcionados com a revolução socialista autoritária marxista
encontraram uma moeda de troca com a incrível experiência de Nestor Makhno na
Ucrânia.
Após o tratado de paz de Brest-Litowsk entre o governo bolchevique e o
governo alemão, que entregava a Ucrânia para aquele país, Makhno comandou a
resistência da população local, conseguindo instalar aquela que foi a maior área
sob regime anarquista de todos os tempos. Com o desenrolar da Guerra Civil
Russa, o governo bolchevique pediu seu auxílio. Em troca, pediu a libertação dos
colegas anarquistas das prisões políticas. Feito isto, colaborou para a vitória do
Exército Vermelho, mas logo em seguida foi traído, seus soldados exterminados, e
ele acabou refugiando-se na França.
11
Conclusão: as Relações Internacionais anarquistas e as respostas estatais
Como já fora dito no item As idéias anarquistas: um perigo à sociedade e ao
Estado, tanto os governos de direita quanto os de esquerda marxista perseguiram
os indivíduos, grupos e o movimento anarquista, temendo por um movimento que
pregava a mudança radical daquelas sociedades.
Assim como os anarquistas montaram uma rede própria para realizar suas
Relações Internacionais, seus contatos, suas trocas, ajudas mútuas e lutas por
liberdade, os governos também começaram a trocar informações buscando
aprimorar a repressão e coibir a entrada de indivíduos indesejados em seus
territórios.
O fenômeno imigratório foi de fundamental importância para a propagação
dos ideais anarquistas. Tendo em vista que nas últimas décadas do século XIX e
primeiras do XX os principais países a verem suas populações emigrarem foram a
Itália, a Espanha e a Alemanha, não é de surpreender que nestes enormes
contingentes populacionais viessem também anarquistas.
Ao chegar à nova terra, estes indivíduos começaram gradativamente a
formar grupos anarquistas, buscando formar redes de trocas e ajuda primeiro
dentro das comunidades de imigrantes e depois expandindo este espectro. A
formação destes grupos foi incentivada por organizações de todo o globo, que
promoviam viagens de pensadores anarquistas, enviavam livros e periódicos para
serem traduzidos e montavam uma rede de troca de informações.
Um dos casos mais marcantes é o já citado Haymarket. Longe dos
tradicionais centros anarquistas europeus, Chicago era em 1887 uma cidade em
rápido crescimento, com intensa industrialização e imigração. O “caso Haymarket”
primeiro mobilizou grupos anarquistas de todos os EUA para depois chegar ao
resto do mundo. Após infrutíferos mas incontáveis pedidos para a não-execução, o
dia 11 de novembro tornou-se uma data-símbolo para a resistência anarquista em
todo o mundo: “as execuções de Haymarket em 1887 deixaram uma marca
permanente no movimento brasileiro, o qual rapidamente passaria a ter seus
12
próprios mártires, o primeiro deles sendo Polinice Mattei, sentenciado à morte em
1898” 11.
São incontáveis os casos de trocas de informações e bibliografia, mas um
dos mais interessantes envolve a russa imigrante nos EUA, Emma Goldman, e o
inglês imigrante na Austrália, John William Fleming. Cada um vivendo em um
extremo do globo, ambos trocavam livros, periódicos e informações, montando
uma rede internacional de ajuda mútua: “Fleming, em 1908, convidou Emma
Goldman (...) para uma longa viagem pela Austrália. Um grande admirador de sua
camarada americana, (...) correspondeu-se com ela por muitos anos e distribuiu
seu jornal Mother Earth em seus encontros desde o lançamento em 1906” 12.
Se os anarquistas mantinham contatos e trocavam informações, os
governos faziam o mesmo. Este tipo de troca de informações permitiu aos EUA
montar sua política de controle de imigração e gerou as constantes deportações,
prisões e perseguições, sendo um caso exemplar o de Mollie Steimer. Russa,
imigrou para os EUA aos 16 anos. Presa durante a histeria anti-comunista, foi
enviada à URSS em 1921. De lá, foi deportada em 1923 para a Alemanha, onde
chegou passando fome, sem dinheiro nem passaporte. Ela passaria os próximos
vinte e cinco anos sem um documento internacional, quando somente em 1948 o
governo mexicano lhe deu a cidadania daquele país.
Vivendo sempre sob o risco da prisão ou da deportação, os anarquistas
reforçaram ainda mais sua rede de ajuda como foi o caso de Alexander Berkman:
“Sob a constante ameaça do governo francês, ele conseguiu uma precária forma
de sobrevivência traduzindo, editando e ocasionalmente escrevendo para
publicações
americanas
ou
européias,
um
dinheiro
que
complementado pela ajuda proveniente de camaradas e amigos”
precisava
ser
13.
A rede de repressão internacional forçava a constante criação de novos
grupos anarquistas, tendo em vista que estes eram praticamente obrigados a uma
vida cada vez mais curta. Mesmo o crescimento do movimento não era
acompanhado da manutenção da maioria dos grupos: “[Bakunin] conquistava cada
AVRICH, Paul – Anarchist portraits, p. 255
idem, ibidem, p. 265
13 idem, ibidem, p. 206
11
12
13
vez mais adeptos na Itália e novos grupos periódicos anarquistas surgiram em
vários locais, organizados por jovens advogados e estudantes, como o estudante
de medicina Errico Malatesta (...). Vários destes grupos não duraram muito tempo,
mas novas seções anarquistas se formavam constantemente”14 .
Esta constante repressão com o tempo desmobilizou algumas pessoas, que
preferiram permanecer somente no campo das idéias e não da prática: “Como,
durante os vinte anos seguintes, os revolucionários começaram a pensar em
novos métodos de ação efetiva, na realidade a mentalidade revolucionária
pareceu muitas vezes, em alguns lugares e circunstâncias, mais efetiva que a
organização revolucionária”15 .
Os EUA, defendidos por sua liberdade política e de expressão por Bakunin
e Kropotkin, mudaram gradativamente sua política. Primeiro coibiram a imigração,
depois
perseguiram
freneticamente
Ricardo
Flores
Magón
para
depois
proporcionar cenas clássicas do Medo Vermelho como prisões e deportações em
julgamentos duvidosos.
O governo que havia protegido Bakunin, afirmando que jamais deixaria de
defender os revolucionários do mundo, tornou-se gradativamente a principal força
da repressão aos movimentos contestatórios, ao comunismo marxista e ao
anarquismo.
14
15
JOLL, James – Anarquistas e anarquismo, p. 126
JOLL, James – Anarquistas e anarquismo, pp. 130-1.
14
Bibliografia
AVRICH, Paul – Anarchist portraits. Princeton, Princeton University Press, 1988.
BAKUNIN, Mikhail – Deus e o Estado. São Paulo, Imaginário, 2000.
JOLL, James – Anarquistas e anarquismo. Lisboa, Dom Quixote, 1977.
MAKHNO, Nestor; SKIRDA, Alexandre & BERKMAN, Alexandre – Nestor Makhno
e a Revolução Social na Ucrânia. São Paulo, Imaginário, 2001.
RODRIGUES, Edgar – Universo ácrata. Insular, Florianópolis, 1999.
WOODCOCK, George – História das idéias e movimentos anarquistas, Vol. 2 – O
Movimento. Porto Alegre, LP&M, 2002.
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